Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
896/11.0PAMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA MARINHA GRANDE - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ART.ºS 379º E 409º, DO C. PROC. PENAL
Sumário: Declarada, pelo Tribunal de Recurso, a nulidade da sentença do Tribunal de 1ª Instância, determinando que aí se proceda à elaboração de nova decisão final, no caso de só o arguido ter interposto recurso desta decisão, por força do princípio da proibição de reformatio in pejus, as penas (principal e acessória) em que o arguido venha a ser condenado na nova sentença não podem ultrapassar os limites já fixados na sentença agora anulada.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:

1. No 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande, após julgamento em processo sumário, o arguido A..., residente na Rua … Marinha Grande, foi condenado, por sentença publicada e depositada em 17-10-2011, pela prática do crime que lhe está imputado, ou seja, de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena principal de 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de €10,00 (dez euros) e na pena acessória de “inibição” de conduzir veículo motorizado pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.


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2. Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, tendo extraído da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

A. Com o presente recurso sobre a reapreciação da prova gravada relativamente à motivação e circunstancialismo da prática do pretenso crime bem como sobre matéria de Direito, no tocante ao não preenchimento dos requisitos objectivos para a punição, aplicabilidade de pena acessória e medida da condenação, não se pretende colocar em causa o exercício das mui nobres funções nas quais se mostram investidos os Ilustres julgadores, mas tão-somente exercer o direito de “manifestação de posição contrária” ou “discordância de opinião”, traduzido no direito de recorrer, consagrado na alínea i) do n.º 1 do art. 61.º do CPP e no n.º 1 da CRP.

B. No presente processo sumário veio a ser proferida oralmente douta sentença condenatória ao abrigo do disposto no art. 389.º-A CPP, tendo-se tal norma legal possibilitadora de “sentença na hora” por inconstitucional por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade, garantias de defesa do arguido e respeito devido aos Tribunais enquanto órgãos de soberania e ideia de justiça ponderada e em si mesmo individualizadora pois cada caso será um caso que se não poderá subsumir a um modelo automático ao jeito do precedente da justiça anglo-saxónica!

C. Tem-se a douta sentença recorrida por nula por ausência de fundamentação ao nível da determinação da medida das penas, que parecem resultar de um “acto intuitivo ou puramente mecânico” de mera arbitrariedade do Tribunal, sendo patente na gravação a hesitação que inexistiria caso não se mostrasse imposta a “sentença na hora”.

D. Padece ainda do vício da nulidade por partir da premissa errada de que se tratou de confissão integral e sem reservas, decisão que não se aceita e da qual se recorre, olvidando que o mesmo, além de confessar o facto da condução após o consumo de álcool, admitiu apenas como possível uma eventual condenação, tendo oportunidade de afirmar tratar-se de um acto isolado e não ser pessoa de beber, retratar o circunstancialismo em que o fez (para auxiliar um tio que vive no Brasil e se mostrava de visita a regressar a sua casa, tomando a A8!), pouca distância percorrida e autuação já perto de sua casa, terminus do percurso, sem colocação em perigo de qualquer passageiro (passagens 04:56 a 05:36 e 06:20 a 06:32).

E. Ao dispensar a única testemunha presencial arrolada pela douta acusação pública, perdeu o Tribunal a hipótese de, no âmbito do princípio da investigação tendente à descoberta da verdade material, colocar em crise tal explicação justificante da condução, tendo de a aceitar ou, pelo menos, justificada e fundamentadamente, afastá-la, bem como aquilatar dos sinais de embriaguez, estado da condução do arguido, suas demais características, eventual colocação em perigo ou violação de outras regras de segurança rodoviária, etc., tudo essencial para aquilatar da medida da pena principal e necessidade e medida da pena acessória;

F. Atendendo a que a douta sentença se mostra omissa (a cominar vício de omissão de pronúncia!) face a tal factualidade bem como em relação à subsunção dos factos ao Direito, olvidando a existência da causa de exclusão da culpa ou da ilicitude, atento o dever de auxílio que pendia sobre o arguido, a justificar a sua absolvição ou, no limite, uma atenuação especial, tem-se a mesma por nula, por ausência de fundamentação e preterição das garantias do arguido uma vez que, além do seu defensor presente na audiência (que não o signatário!) sempre recai sobre o Tribunal e o Ministério Público tal salvaguarda!

G. Da mesma forma que não cuidou o Tribunal de aquilatar da real condição económica do arguido, não cuidando de averiguar os seus encargos (desde logo o relatado pelo arguido sobre a sua sogra na passagem 08:01 a 08:14) levando sequer à douta sentença os seus rendimentos, mas apenas a consideração cada vez mais perene de “emprego estável” e rendimentos da esposa, levando a que a condenação se venha a repercutir sobre terceiros, ao arrepio da intransmissibilidade das penas, podendo até ter recorrido à elaboração e relatório social, uma vez que a Lei fundamental faculta o auxílio por outras entidades;

H. O entendimento da pena de proibição de conduzir como acessória, pese embora se afigure errado em razão da proibição da dupla valoração, e sempre aplicável à condução em estado de embriaguez por constituir “uma especial censurabilidade, cuja razão político-militar é demasiado óbvia para precisar de ser explicitada” coloca sobre o arguido um peso acrescido em termos de culpa (uma presunção ilícita e inconstitucional!), que assim poderá ser maior que a real ou efectiva, à imagem do já feito em sede de douta sentença recorrida relativamente à escolaridade, devendo tal necessidade ser casuisticamente aquilatada!

I. Deveria haver a coragem política e jurisprudencial suficientes a ponto de elevar tal pena dita acessória a principal uma vez que se tem inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade, igualdade, ne bis in idem e proporcionalidade, a aplicação simultânea de duas penas bem como igual punição para a actuação dolosa e negligente, atenta a forma como se mostra recortado o art. 292.º CP, sendo que in casu não deixará de ser sobremaneira prejudicial ao arguido e de ser sentida pelo mesmo, atenta o facto de se tratar de condição essencial ao desempenho da sua actividade profissional;

J. Terá de ser buscada a existência ou não de especial censurabilidade, que necessariamente terá de decorrer das especiais circunstâncias de prática dos factos e personalidade do agente, que in casu, tal como se afirmou, foram olvidadas, tendo-se por inconstitucional a norma legal que prevê tal pena dita acessória sempre e quando interpretada, em violação do art. 9.º do C.C., no sentido de não se ter de avaliar e ponderar em conjunto todo o circunstancialismo de prática dos factos e personalidade do agente, trabalho a cargo do Tribunal no âmbito do princípio da livre investigação e poderes que lhe assistem, podendo ser coadjuvado por outras entidades, nos termos do n.º 3 do art. 202.º da C.R.P., para feito de avaliação de especial censurabilidade que justifique tal acréscimo punitivo.

K. A própria inexistência de uma cláusula geral de salvaguarda de não aplicabilidade ou efectivação, subjacente a suspensão ou substituição inerente ao cumprimento de injunções ou regras de conduta, que expressamente se peticiona, é em si mesmo razão suficiente para que seja decretada a inconstitucionalidade de tal norma legal, por violação dos arts. 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 30.º, n.º 4, 32.º, n.ºs 1 e 5, 202.º, n.º 2, 204.º e 205.º da CRP, convocando-se o exemplo do aniversariante supra referido em sede de motivação recursória para demonstrar clara e suficientemente a perniciosidade inerente a tal entendimento, sempre tendo de haver uma especial censurabilidade a acrescer ao cometimento do ilícito.

L. In casu não foi problematizada nem a aplicabilidade da pena acessória nem a medida da mesma, havendo uma vaga referência à taxa de álcool e a tal decisão mecânica e automática, com insuficiência da matéria de facto provada para tal condenação, ao arrepio do n.º 4 do art. 30.º da C.R.P., quando todos os preceitos constitucionais integram normas que fornecem os parâmetros de interpretação recta do Direito que lhe está infra ordenado, devendo assim lançar-se mão do princípio da interpretação conforme a Constituição da República Portuguesa não sendo a progressividade mais do que a densificação do conceito de justiça proveniente da igualdade material, princípio base de todo o Direito, pressupondo um conceito de democraticidade: a lei penal é igual para todos!

M. Entende o arguido que a motivação de prática do facto e demais circunstancialismo sempre serão fonte de exclusão da ilicitude (ao abrigo de direito de necessidade) e/ou da culpa (ao abrigo de estado de necessidade desculpante) a justificar a sua absolvição uma vez que apenas agiu por forma a auxiliar um seu tio que se via numa cidade desconhecida e sem saber como apanhar a A8 para regressar, estando assim no cumprimento de um dever legal de auxílio e mesmo num quadro de conflito de deveres, não se mostrando ainda justificada a convocação do Direito Penal;

N. Para mais quando, por não ser consumidor habitual de bebidas alcoólicas, a justificar assim a não habituação do seu organismo traduzido na taxa de álcool acusada, sempre desconhecia em concreto que a sua actuação fosse ilícita, agindo assim sem culpa ao abrigo do art. 17.º CP, dado que, ao ingerir as bebidas alcoólicas já não fazia intenção de sair de casa e consequentemente pegar no carro e conduzir, pelo que, afastado o dolo, poderá estar em causa quanto muito, a negligência, sempre tendo a douta condenação a existir, de atender a tal facto e ser diminuída na sua dimensão.

O. Atendendo ao circunstancialismo subjacente à prática dos factos, tendo de ser valorado o referido pelo arguido, por nenhuma prova de sinal contrário ter resultado e se ter o Tribunal demitido da tarefa de aquilatar da demais verdade material, entende-se que deverá o arguido ser absolvido, em razão da exclusão da culpa e/ou da ilicitude, não se colocando assim a questão da condenação ou sua medida;

P. Caso assim não entendam V/ Exas. sempre entende que se mostrarão inexistentes as especiais exigências de aplicabilidade da pena acessória e deverá ser a pena principal alvo de atenuação especial atento o fim honroso, e cumprimento de uma imposição em razão da solidariedade que deve nortear os seres humanos, que esteve subjacente à prática dos factos, tendo-se por desproporcionada a pena de multa aplicada, uma vez que atenta I) inexistência de antecedentes criminais face ao mesmo bem jurídico, II) ausência de danos e/ou repercussões dos factos, III) circunstancialismo que presidiu à actuação do arguido e IV) juízo de prognose favorável, tudo a justificar a revisão da pena, a qual, como sendo o clamor da Justiça, se tem por adequada em medida não superior a 80 dias de multa.

Q. A medida da pena de multa é excessiva e violadora dos princípios da culpa e da proporcionalidade, consagrados nos n.ºs 2 e 3 do art. 40.º do CP bem como as exigências de prevenção e reintegração do agente na sociedade plasmadas no n.º 1 de tal disposição legal, uma vez que numa moldura variável de 110 dias foi fixada em 80, ou seja, em montante muito superior a metade (55!) e mesmo superior a 2/3 de tal moldura!

R. No tocante ao quantitativo diário também se entende que deverá o mesmo ser revisto em baixa, por majorado e violador dos mais elementares princípios constitucionais e processuais penais (proporcionalidade e igualdade), bem como do n.º 1 do art. 47.º do CP, atento o clima economicamente desfavorável que se vive, o qual é notoriamente conhecido, não podendo ser tomado em linha de consideração os rendimentos de terceiros e olvidar os encargos mensais do arguido, resultantes do pagamento do crédito da casa e de obras, no valor global de € 921,59, o facto de, em razão da sua profissão, ter de almoçar sempre fora, despendendo quantia não inferior a € 198,00, e o facto de durante a maior parte dos dias ter a cargo a sua sogra, reformada por invalidez, devendo assim, no limite, ser fixado o quantitativo de € 8,00;

S. A procedência do ora alegado relativamente à medida da pena, nas suas duas vertentes, levaria a que a mesma viesse a ser fixada na quantia considerável de € 640,00, diminuindo-se o esforço e sofrimento do arguido no sentido do seu pagamento e sem que se deixassem de ter por assegurados os fins das penas, dado que nos dias que correm, todo e qualquer pagamento impõe uma concreta punição e não deixa de ser sentida pelo arguido, mostrando-se a multa fixada dissonante com a realidade económico-financeira actual, em virtude da crise financeira e ausência notória (art. 514.º CPC) de liquidez tomando em linha de conta o efectivo e real rendimento disponível do arguido.

T. No tocante à pena acessória, a ser a mesma aplicável, entende o arguido que, atenta a ausência de antecedentes por factos da mesma natureza e a imagem global da sua actuação, se adequa e tem por proporcional pena correspondente ao mínimo legal acrescida de apenas meio mês, ou seja, três meses e meio, sendo que, para o arguido, todo e qualquer dia conta, uma vez que tal proibição lhe causará enormes prejuízos decorrentes do facto da sua actividade profissional depender, em exclusivo, da condução.

U. Last but never, never the least, dir-se-á, acompanhando Santa Catarina de Siena, que “a pérola da Justiça, brilha melhor na concha da misericórdia”, devendo ser temperada por esta, conforme dizeres de Taylor Caldwell em conformidade com a imagem global do ilícito que não deixará de abonar, de certa forma, a posição do arguido!

Factos a considerar em sede de reapreciação da prova gravada: relativos ao circunstancialismo de prática dos factos, a justificar a não punibilidade (tendo por incorrectamente julgado o facto relativo à prática de um crime!) ou, no limite, a atenuação especial e dispensa de aplicação de pena acessória, facilmente descortináveis nas passagens supra indicadas, como seja, ter-se tratado de um acto isolado e não ser consumidor habitual de bebidas alcoólicas, o que é conhecido das pessoas que o conhecem (passagem 04:56 a 05:08), distância percorrida e escasso percurso a realizar, uma vez que se mostrava à porta de casa (passagem 05:31 a 05:36), solicitação motivante da condução e razão do consumo de álcool, motivado por estar de férias, em jantar de família e ser véspera de fim-de-semana (passagem 05:12 a 05:31), ausência de colocação em perigo de qualquer passageiro, por ir sozinho (passagem 06:20 a 06:32) e demais características intimamente relacionadas à personalidade do agente e suas condições económicas ao nível dos encargos, maxime com sua sogra (passagem 08:01 a 08:14) e pagamento de prestação bancária à imagem da condução ser condição de desempenho profissional, conforme documentos que ora juntam nos termos do art. 693.º-B CPC, aplicável ex vi art. 4.º do CPP, os quais permitem traçar o quadro económico e personalidade do recorrente, tendo-se por inconstitucional a sua não admissão, por a junção radicar num direito de defesa resultante da inércia do Tribunal.

Normas jurídicas violadas: maxime arts. 17.º, 20.º, 31.º n.ºs 1 e 2 c), 34.º, 35.º, 36.º, 40.º, 47.º, n.ºs 1 e 2, 69.º n.º 1 a), 71.º, n.º 1 e n.ºs 2 a), b), c), d) e f), 72.º, n.ºs 1 e 2 b) e c), 73.º, 292.º, n.º 1 CP; arts. 374.º, 375.º, 379.º, n.º 1 c), 389.º-A e 410.º CPP; arts. 13.º, n.º 2, 15.º, n.º 1, 30.º, n.º 4, 32.º, n.º 2, 110.º, n.º 1, 202.º, n.ºs 1, 2 e 3, 204.º e 205.º da CRP; art. 514.º, n.º 1 CPC.

Sic,

Contando sempre com o mui douto suprimento de V/ Exas., atento o supra exposto, entende o recorrente que, em obediência aos mais elementares princípios constitucionais e comandos interpretativos que presidem a um Direito processual e penal que se queira justo, conjugados com a requerida reapreciação da prova gravada e documental, por essencial para correcta subsunção dos factos ao Direito, não poderá deixar de ser absolvido, atenta a ausência de prática de qualquer facto ilícito típico culposo e punível, resultante da situação de conflito de deveres em que se mostrava e necessidade da sua actuação.

Todavia, a não ser esse o entendimento de V/Exas., e caso tenham por consumado tal crime, sempre se alega o vício da nulidade da douta sentença, em razão da ausência de fundamentação ao nível da determinação da aplicabilidade, a qual se contesta, e medida da pena acessória e medida da pena principal e omissão de pronúncia face à efectiva punibilidade da actuação do arguido, circunstancialismo de prática dos factos, denegação da investigação conducente à descoberta da verdade material e aplicabilidade do instituto da atenuação especial, tudo em violação das garantias de defesa legal e constitucionalmente tuteladas e que se ora invocam.

Ad cautelam, e na improcedência dos pedidos anteriores, sempre se entende que deverá(ão) a(s) pena(s) principal de multa e, eventualmente, acessória de proibição de conduzir, ser(em) redefinida(s), atenuadas, por majoradamente violadoras dos princípios da culpa e proporcionalidade, sendo não efectiva esta última, e fixada(s) mais próxima(s) do(s) seu(s) limite(s) mínimo(s) (em termos de número de dias e quantitativo diário por um lado e duração da proibição por outro), atentas as especiais condições de prática dos factos, personalidade e condição socio-económica do arguido e demais circunstancialismo factual decorrente também dos documentos juntos e que se dão por integralmente reproduzidos.

V/Exas., todavia, como sempre, farão a costumada e almejada justiça!


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3. O Ministério Público respondeu ao recurso, conclusivamente nos termos infra transcritos:

1. A junção de documentos disponíveis à data da sentença, depois de encerrada a audiência, peca por inadmissibilidade legal, não devendo por conseguinte ser admitida.

2. Não é inconstitucional o artigo 389.º-A do Código de Processo Penal ao prever a oralidade da sentença em processo sumário, na medida em que a mesma é sempre fundamentada, não dispensando as razões que o tribunal tem que dar sobre as suas opções decisórias fundadas nas provas.

3. A sentença pronunciou-se sobre todas as questões pertinentes, que se não confundem com “razões”, não ocorrendo qualquer omissão de pronúncia.

4. A confissão do recorrente foi “integral”, porquanto abrangeu todos os factos imputados, no que se incluem os atinentes ao elemento subjectivo (dolo) e “sem reservas”, porque não acrescentou novos factos susceptíveis de dar aos imputados um tratamento diferente do pretendido.

5. Não se demonstrou ter presidido à actuação do recorrente qualquer “perigo actual” não susceptível de ser conjurado de outro modo, apto à verificação de um direito de necessidade ou estado de necessidade desculpante.

6. A actuação do recorrente não se distingue, para melhor, dos demais em que condutores são encontrados a conduzir em estado de embriaguez, razão pela qual é inaplicável o instituto da atenuação da pena.

7. A sentença encontra-se devidamente fundamentada no que concerne à aplicação e determinação da medida das penas concretas aplicadas, principal e acessória, demonstrando uma aplicação ponderada e adaptada às especificidades que o caso convoca.

8. A omissão no que refere ao único encargo invocado, mas não concretizado, pelo recorrente ficar-se-á a dever, pensamos, ao facto de ser de pouca monta ou mesmo inexistente.

9. O facto de o recorrente ser “profissional da estrada”, a saber, vendedor, atentos os deveres de cuidado acrescidos que recaem sobre estes profissionais, agrava a censurabilidade da sua conduta.

10. As penas aplicadas foram-no em estrita observância do disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal, revelando-se justas face à culpa do recorrente e especiais exigências de prevenção geral e especial que o caso convoca, bem como à sua concreta situação sócio-económica.

Termos em que se conclui pela manutenção da decisão recorrida, por a mesma nenhum agravo ter feito à Lei, devendo assim o presente recurso ser julgado improcedente, como é de toda a inteira e acostumada justiça.


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4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em parecer a fls. 158/159, louvando-se na resposta ao recurso do MP, pronunciou-se, de igual modo, no sentido da improcedência do recurso.

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5. Notificado, nos termos e para os efeitos consignados no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente exerceu o seu direito de resposta, em apertada síntese, com estes fundamentos:

- Os documentos juntos aos autos pelo recorrente, conjuntamente com o recurso, são essenciais à salvaguarda de todas as garantias de defesa daquele;

- Mantém-se a ideia expressa na motivação do recurso de que padece de inconstitucionalidade a norma do artigo 389.º-A, do CPP;

- Subsiste o entendimento antes manifestado sobre:

a) A nulidade da sentença, por omissão de pronúncia e falta de fundamentação;

b) A inconstitucionalidade do artigo 69.º do CP, pela inexistência de cláusula geral de salvaguarda a prever inaplicabilidade ou não efectividade da pena acessória sempre e quando as circunstâncias o permitam, em termos analogicamente aplicáveis à suspensão das penas principais;

c) A excessividade das penas principal e acessória.


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6. Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

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II. Fundamentação:

1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:

Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).

No caso sub judice, o objecto do recurso está circunscrito às seguintes questões:
A) Se a sentença recorrida padece das nulidades invocadas pelo recorrente;
B) Se a norma do artigo 389.º-A do CPP, ao determinar a prolação imediata, via oral, da sentença, é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade, garantias de defesa do arguido e respeito devido aos Tribunais enquanto órgãos de soberania e ideia de justiça ponderada e em si memo individualizadora;
B) Alterabilidade da matéria de facto;
C) Se a sentença sob recurso padece do vícios previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada);
D) Se é inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade, igualdade, ne bis in idem e proporcionalidade, a aplicação simultânea de duas penas (principal e acessória), bem como igual punição para a actuação dolosa e negligente, atenta a forma como se mostra recortado o artigo 292.º do Código Penal;
E) Se é inconstitucional a norma legal que prevê a pena dita acessória sempre e quando interpretada, em violação do artigo 9.º do Código Civil, no sentido de não se ter de avaliar e ponderar em conjunto todo o circunstancialismo da prática dos factos e personalidade do agente, trabalho a cargo do Tribunal no âmbito do princípio da livre investigação e poderes que lhe assistem;
F) Se a própria inexistência de uma cláusula geral de salvaguarda de não aplicabilidade ou efectivação, subjacente a suspensão ou substituição inerente ao cumprimento de injunções ou regras de conduta, é em si mesmo razão suficiente para que seja decretada a inconstitucionalidade de tal norma legal, por violação dos artigos 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 30.º, n.º 4, 32.º, n.ºs 1 e 5, 202.º, n.º 2, 204.º e 205.º, da Constituição da República Portuguesa;
G) Se a motivação de prática do facto, decorrente das declarações do arguido, e demais circunstâncias sempre serão fonte de exclusão da ilicitude (ao abrigo de direito de necessidade) e/ou da culpa (ao abrigo de estado de necessidade desculpante) a justificar a sua absolvição;
H) Se o arguido, por desconhecer a ilicitude da sua conduta, agiu sem culpa ao abrigo do disposto no artigo 17.º do Código Penal, pelo que, apenas poderá estar em causa, quanto muito, a negligência, devendo considerar-se, em caso de condenação, a diminuição da pena.
I) Caso assim não se entenda, inexistem especiais exigências de aplicabilidade da pena acessória?
J) Se em caso de subsistência de condenação:
a) A pena principal deve ser especialmente atenuada;
b) A pena acessória de proibição de condução de veículos com motor deve ser suspensa na sua execução, mediante o cumprimento de injunções ou regras de conduta;
c) Existem razões para que a pena principal, de multa, e a pena acessória sejam reduzidas aos quantitativos pretendidos pelo recorrente.


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2. Face à amálgama, não autonomizável, de elementos contidos na sentença sob recurso, procedemos de imediato à reprodução de todo o seu teor:

«Nestes autos em que é arguido A... e é acusado da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, o Tribunal, considerando a confissão do arguido, bem como o talão do exame de pesquisa de álcool no sangue que consta dos autos a fls. 8 e ainda o certificado de registo criminal, considera provados os factos de que vem acusado, ou seja, que na data e nas circunstâncias, nomeadamente quanto à hora e local que se mostram indicados nos autos, conduzia a viatura aqui descrita com uma taxa de álcool de 1,61 g/l e que o fazia de forma livre e consciente.

O Tribunal também dá como provado que o arguido foi já condenado nos anos de 2003 e 2004, respectivamente, pela prática, no primeiro caso, de um crime de ofensa à integridade física simples, aliás, a condenação foi de 2003 mas a prática é de 1998, os factos são de 98, em que o arguido foi condenado numa pena de multa que veio a pagar e, posteriormente, por factos de 2004, veio a ser condenado, em 2009, pela prática de dois crimes de falsificação, uma falsificação e uma contrafacção de documentos, em que foi condenado na pena de 300 dias de multa, em cúmulo jurídico, e cuja multa também veio a pagar.

O Tribunal atende também ao facto da condição socio-económica do arguido, ou seja, que tem um emprego estável, por conta da “Sodicentro”, sendo também o agregado composto por sua mulher que, sendo bancária, aufere o montante aproximado de €800, e que não têm filhos, e também assim a escolaridade do arguido que lhe incrementa uma maior responsabilidade por supostamente a sua formação também corresponder a um patamar mais elevado de padrões de vivência em sociedade e conforme ao direito.

Sendo assim, o Tribunal entende que ainda é de optar por uma pena de multa, embora esta seja 3.ª condenação; mas, como aqui já foi dito, viola bens jurídicos diferentes daqueles que são aqui protegidos com esta incriminação, com esta acusação e, portanto, assim sendo, ainda opta pela pena de multa em detrimento da pena detentiva da liberdade, ou seja, da pena de prisão.

Todavia, não se pode também o Tribunal quedar pelo mínimo da penalidade estabelecida, uma vez que, e num registo comparativo com os demais casos que aqui aparecem, efectivamente o arguido não é primário e efectivamente essa situação não pode deixar de ser estabelecida por comparação com os demais.

Portanto, sendo assim, o Tribunal entende optar pela pena de multa, fixá-la em 90 dias, sendo que o máximo são 120 dias, e no que diz respeito à taxa diária, considerando os rendimentos e os encargos do arguido, fixar esta taxa em 10€, ou seja, perfaz o montante global de 900€.

Esta multa, caso não seja paga, voluntária ou coercivamente, dará origem, em última análise, e apenas nessa circunstância, a uma prisão subsidiária de 60 dias, isto caso não seja paga voluntária ou coercivamente.

Relativamente à inibição de conduzir, também se entende que, com esta taxa de álcool, e sendo certo que a inibição de conduzir vai de um mínimo de 3 meses a um máximo de 3 anos, o Tribunal entende que 4 meses e 15 dias são suficientes para acautelar as exigências de prevenção neste caso em concreto.

O arguido, porque vai condenado, é também responsável pelas custas e demais encargos do processo.

Para lhe dizer ainda finalmente que, o Sr., caso se conforme com esta decisão, ou mesmo que não se conforme com ela, os prazos são distintos, mas de qualquer forma o Sr. tem sempre o prazo de 10 dias que pode ser a acrescer ao prazo de 20, se não se conformar com a sentença, para entregar a sua carta. O Sr. tem que entregar a sua carta de condução, sob pena de cometer um crime de desobediência que é punido na nossa lei com pena de prisão ou multa.

Se o Sr. não entregar esta carta, para além de incorrer na prática deste crime, o Tribunal terá, em última análise, também de ordenar a apreensão, através da entidade policial competente.

Por outro lado, a partir do momento em que a carta estiver apreendida, o Sr. não pode conduzir durante os 4 meses e 15 dias que lhe foram decretados, porque se o fizer comete um outro crime que também é punido com pena de prisão ou multa.

No que diz respeito às custas, o Tribunal fixa-as, como habitual, em uma e meia UC, mas reduzida a metade, atenta a confissão do arguido».


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3. Mérito do recurso:

3.1. Antes de mais, cumpre dizer: a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, relativa à invocada inadmissibilidade dos dois documentos juntos pelo arguido aos autos conjuntamente com a peça recursória, apenas será objecto de conhecimento se viermos a concluir que a sentença do tribunal a quo não padece de nulidade.

Efectivamente, à luz da posição vertida no recurso, essa documentação tem um fim bem definido, qual seja, o aditamento à matéria de facto provada dos rendimentos e encargos do arguido e a reclamada influência desses elementos, nomeadamente, na medida concreta das penas.


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3.2. Das nulidades da sentença:

A) Dispõe o artigo 389.º-A, do Código de Processo Penal, aditado pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, reportado ao processo sumário:

«1 - A sentença é logo proferida oralmente e contém:

a) A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas;

b) A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;

c) Em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada;

d) O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 374.º.

2 - O dispositivo é sempre ditado para a acta.

3 - (…);

4 - (…);

5 - Se for aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura».

Como é dado ver, o novo regime estruturante da sentença a proferir em processo sumário comporta alterações de vulto em relação ao sistema anterior.

Desde logo, na generalidade dos casos, ou seja, naqueles em que não é imposta uma pena privativa da liberdade, a decisão final é uma sentença oral e não uma sentença escrita. O princípio da oralidade, como um dos princípios fundamentais do processo penal, passou a constituir, ao invés das pretéritas normas reguladoras da sentença na referida forma de processo, um novo paradigma.

Todavia, em paralelismo com o quadro genérico traçado no artigo 374.º, n.º 2, do referido diploma legal, e em consonância com o imperativo constitucional do artigo 205.º, n.º 1, da CRP, segundo a qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”, impõe o legislador ordinário a fundamentação, nas vertentes de facto e de direito, da sentença em processo sumário, mesmo quando proferida oralmente. O tribunal tem o dever de expor, embora de forma sucinta e concisa, os motivos de facto e de direito que impelem à decisão proferida e, em caso de condenação, há-de fundamentar, fora do caso previsto no n.º 5 do citado artigo, embora por via oral, os critérios de escolha da medida da pena fixada, tendo por arquétipos orientadores as normas dos artigos 40.º, 70.º e 71.º, do Código Penal.

Assim, exige o artigo 389.º-A, do CPP, inter alia, a exposição dos fundamentos de direito necessários à qualificação jurídica da factualidade decorrente da prova produzida em audiência de discussão e julgamento e à aplicação da(s) pena(s) aplicada(s).

Efectivamente, é através da determinação, interpretação e aplicação das normas e princípios jurídicos aos factos apurados que reside a verdadeira motivação (fundamentação) de direito.

No diálogo entre o facto e o direito é a norma que prescreve, em princípio, a “terapêutica” adequada a cada caso concreto.

Como ensinava o Insigne Professor Alberto dos Reis «uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base»[1].

Ao juiz cabe demonstrar que a melhor solução dada ao caso é legal e justa, ou, por outras palavras, que é a emanação correcta da vontade da lei.

«Não basta, pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que apoia o seu veredicto. A sentença, como peça jurídica, vale o que valerem os seus fundamentos»[2].

A base argumentativa da decisão judicial deve ser redigida tendo em atenção a sua finalidade: explicar o seu sentido às partes e aos destinatários da justiça em geral e torná-la controlável por outras instâncias, por via de recurso.

É pois, na fundamentação da sentença, sua explicitação e exame crítico que se poderá avaliar a consistência, rigor e legitimidade da estrutura jurídica que conduziu à absolvição ou condenação do arguido e, neste último caso, à aplicação de determinada pena concreta, dentro da moldura penal abstracta prevista para o respectivo crime, e à não opção por pena de substituição.

Sobre as consequências da omissão do dever de fundamentação, nas vertentes de facto e de direito acima referidas, o artigo 379.º do CPP é manifestamente elucidativo, ao estabelecer que a omissão na decisão final das menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A determina a nulidade da sentença.


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Volvendo ao caso concreto, a sentença proferida nos presentes autos de processo sumário é completamente omissa sobre a qualificação jurídica dos factos dados como provados.

Daí que, desde logo com este fundamento - embora não invocado pelo recorrente, mas de conhecimento oficioso do tribunal como actualmente decorre, com manifesta clareza, do n.º 2 do artigo 374.º do CPP[3] -, a decisão final em causa padeça do vício de nulidade.

Mas as razões que suportam a existência do referido vício não se ficam por aqui, reconhecendo-se mérito ao alegado pelo recorrente na conclusão C) da motivação do recurso.

O tribunal, no que concerne à determinação da medida concreta, quer da pena principal quer da pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, limitou-se, quanto à primeira, à “seca” e insuficiente invocação da existência de antecedentes criminais por parte do arguido, e, em relação à segunda, a uma singela referência à taxa de alcoolemia que aquele detinha, sem a mínima explicitação por reporte aos critérios previstos nos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2 e 71.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código Penal, quando é sabido que, também a pena acessória, como verdadeira pena que é, se submete às regras gerais de determinação, ressalvando-se a finalidade a atingir, que se revela mais restrita, porquanto a sanção visa primordialmente prevenir a perigosidade do agente, ainda que se reconheçam também necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, através da tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma in casu violada.


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B) Na exegese crítica do recorrente, a sentença é também nula por partir da premissa errada de que o arguido confessou, integralmente e sem reservas, os factos que lhe estão imputados, «olvidando que o mesmo, além de confessar o facto da condução após o consumo de álcool, admitiu apenas como possível uma eventual condenação, tendo oportunidade de afirmar tratar-se de uma acto isolado e não ser pessoa de beber, retratar o circunstancialismo em que o fez (para auxiliar um tio que vive no Brasil e se mostrava de visita a regressar a sua casa, tomando a A8), pouca distância percorrida e autuação já perto de sua casa, terminus do percurso, sem colocação em perigo de qualquer passageiro (passagens 04:56 a 05:36 e 06:20 a 06:32)».

Todavia, não está concretizada a base normativa à luz da qual o recorrente alicerça a existência, perante os fundamentos invocados, da nulidade da sentença.

E, na verdade, ela não existe, porquanto tais fundamentos, como é bem de ver, não se integram em nenhuma das alíneas do n.º 1 do artigo 379.º do CPP.

Por um lado, não se referem à omissão das menções descritas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A.

Por outro, não põem em causa a condenação do arguido por factos diversos dos descritos na acusação, fora dos casos e condições previstos nos artigos 358.º e 359.º, do mesmo compêndio legislativo.

Por outro ainda, está afastada qualquer hipótese de excesso de pronúncia, uma vez que o julgador do tribunal de 1ª instância não deixou de se pronunciar sobre questões, ou seja, concretos problemas a decidir, que lhe tivessem sido submetidas para apreciação ou de que devesse conhecer “ex officio”.

Na forma como expõe os seus argumentos, o recorrente mais não pretende do que a impugnação da matéria de facto, por inconsideração, na sentença, em face da prova produzida em audiência de julgamento, rectius, perante as declarações que prestou, dos assinalados factos correlacionados com o alegado “motivo” determinante da condução, por si, do veículo automóvel de matrícula 42-AJ-76.


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C) O recorrente arguiu ainda a nulidade da sentença com a seguinte argumentação (conclusões E. e F.):

«Ao dispensar a única testemunha presencial arrolada pela acusação pública, perdeu o Tribunal a hipótese de, no âmbito do princípio da investigação tendente à descoberta da verdade material, colocar em crise a explicação» dada pelo arguido para o acto de condução, «tendo de a aceitar ou, pelo menos, justificada e fundamentalmente, afastá-la, bem como de aquilatar dos sinais de embriaguez, estado de condução do arguido, suas demais características, eventual colocação em perigo ou violação de outras regras de segurança rodoviária, etc., tudo essencial para aquilatar da medida da pena principal e necessidade e medida da pena acessória.

Atendendo a que a douta sentença se mostra omissa (a cominar vício de omissão de pronúncia), face a tal factualidade bem como em relação à subsunção dos factos ao direito, olvidando a existência da causa de exclusão da culpa ou da ilicitude, atento o dever de auxílio que pendia sobre o arguido, a justificar a sua absolvição ou, no limite, uma atenuação especial, tem-se a mesma por nula, por ausência de fundamentação e preterição das garantias do arguido uma vez que, além do seu defensor presente na audiência (que não o signatário!), sempre recai sobre o Tribunal e o Ministério Público tal salvaguarda».

Quanto à rotulada omissão de pronúncia, remetemos, mutatis mutandis, para as considerações já acima expendidas, não deixando, porém, de sublinhar que, o arguido esteve devidamente representado em julgamento por Advogado e que, perante a considerada confissão, integral e sem reservas, da matéria fáctica descrita na acusação, tanto o Ministério Público como a defesa prescindiram do testemunho do Agente autuante … . Nessa fase, ao invés da posição assumida, o arguido, através do seu representante forense, teve a oportunidade de, pelo menos, requerer a prestação do dito testemunho e de, no caso de indeferimento desse requerimento, reagir pela via processual que se lhe afigurasse adequada.

No mais, enfatizando o que já ficou dito, a falta de fundamentação, determinante da nulidade da sentença, é a que se refere à falta das menções contidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A do CPP e não à qualificação jurídica de factos que o arguido pretende sejam erigidos à condição de provados.


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D) Em síntese conclusiva: conforme o exposto em 3.2.A), a sentença recorrida padece de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 389.º-A, n.º 1, alíneas b) e c), e 379.º, n.º 1, alínea a), por falta de indicação, dos motivos de direito que fundamentam a decisão condenatória e as penas aplicadas.

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E) Em qualquer circunstância, por força do princípio da reformatio in pejus, uma vez que só o arguido interpôs recurso da decisão final, as penas (principal e acessória) em que o arguido venha a ser condenado não podem ultrapassar os limites já fixados na sentença agora anulada[4].

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F) Auscultámos as declarações do arguido e verificámos a possibilidade de o julgador do tribunal a quo concretizar, na nova sentença a proferir, os rendimentos e eventuais encargos daquele.

Assim, para obstar à eventual verificação do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, determinante do reenvio (parcial) do processo, recomenda-se sejam tidos em atenção os referidos elementos.


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G) Ainda se recomenda que a nova decisão final seja elaborada em consonância com a estrutura formal definida no artigo 389.º-A, do CPP.

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 3.3. Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões elencadas nas conclusões da motivação do recurso (artigo 660.º do CPC, ex vi artigo 4.º do CPP).

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III. Dispositivo:

Posto o que precede, os Juízes que compõem a 5.ª Secção Criminal da Relação de Coimbra, concedendo provimento parcial ao recurso, declaram a nulidade da sentença do tribunal de 1.ª instância e determinam que aí se proceda à elaboração de nova decisão final que observe o supra exposto quanto aos motivos de direito que fundamentam a decisão condenatória e as penas aplicadas.

Sem tributação [artigo 513.º, n.º 1, do CPP, na redacção dada pelo DL n.º 34/2008, de 26-02].


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Alberto Mira (Relator)

Elisa Sales


[1] In Código de Processo Civil anotado, volume V, pág. 139.
[2] Mesmo autor, ob. citada.
[3] Neste sentido, v. g. Acórdãos do STJ de 31-05-2001, proferido no Proc. n.º 260/01; 08-11-01 (Proc. n.º 3130/01) e 14-05-03 (Proc. n.º 518/03), todos publicados no Boletim Interno do STJ, n.ºs 51, 55 e 71, respectivamente; 02/02/2005, Colectânea de Jurisprudência, tomo I, pág. 188; 18-01-2007 (06P4806); 12-09-2007 (07P2583); e 17-10-2007 (07P3399), in www.dgsi.pt.
[4] Neste sentido, v.g., o voto de vencido do Sr. Conselheiro Henriques Gaspar no Acórdão do STJ de 09-04-03, proc. n.º 4628/02; os Acórdãos do STJ de 27-11-2003, in www.dgsi.pt, e de 5-07-2007, in CJ/STJ, tomo II, pág. 239/242; o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 236/07, de 30-03-2007, proferido no processo n.º 201/04; e Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial, Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Estrutura Acusatória, 2002, págs. 240 e segs., 436 e 658 e segs.