Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1090/19.8T8ANS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
INSTALAÇÃO DE ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL
INTERPRETAÇÃO DA SENTENÇA EXEQUENDA PARA EFEITOS DA SUA EXECUÇÃO
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
Data do Acordão: 03/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 2.º; 11.º, 1, 2, A) A C), 3 E 4; 12.º; 17.º, 1 E 5; 33.º 1 E 4; 34.º E 83.º-A, DO DL 169/2012, DE 1/8
ARTIGOS 277.º, E); 576.º, 1 E 3; 578.º, 1 E 3; 607.º, 3; 716.º, 1; 729.º, G); 731.º; 868.º, 1 E 876.º, 1, DO CPC
ARTIGOS 270.º; 275.º A 277.º; 343.º, 3; 405.º; 406, 1; 543, 1 E 2; 566.º, 1; 804.º, 1 E 828.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - Para a instalação de um estabelecimento industrial são necessários dois actos autorizativos da administração: o de licenciamento da operação urbanística e de utilização do imóvel, da competência da administração autárquica; o de licenciamento da instalação e de exploração do estabelecimento industrial, da competência da administração central;
II - À interpretação da sentença, designadamente para efeitos da sua execução, devem aplicar-se os critérios definidos no art.º 236.º do Código Civil, aplicável, por força de remissão expressa, também a actos não negociais, portanto, a actos puramente funcionais que não possam considerar-se actos marcados pela liberdade de celebração;

III - Uma das situações típicas de não accionabilidade da pretensão é o cumprimento, ou qualquer outro facto extintivo da obrigação, como por exemplo, a verificação de uma condição resolutiva que eventualmente lhe tenha sido aposta, que constituem uma excepção peremptória;

IV - Os actos administrativos autorizativos só documentalmente podem provar-se e o respectivo documento autêntico, ainda que meramente electrónico, faz prova plena da sua emissão, pelo que é inadmissível a impugnação dos factos documentados por recurso à prova testemunhal e, por extensão de regime, a prova por declarações de parte, dada a pouca fiabilidade destes meios de prova;

Decisão Texto Integral:

Relator: Henrique Antunes
1.º Adjunto: Mário Rodrigues da Silva
2ª Adjunta: Cristina Neves
Apelações em processo comum e especial (2013)
Proc. n.° 1090/19.8T8ANS.C1


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
1. Relatório.
Por acórdão desta Relação, transitado em julgado no dia 26 de Fevereiro de 2020:
a) Deteminouse - aos Réus AA e BB - o encerramento imediato da destilaria e da respetiva atividade enquanto não forem implementadas e executadas as obras ou necessárias e medidas adequadas a evitar a emissão de resíduos, cheiros e águas residuais para o prédio dos autores - CC e cônjuge, DD - ou enquanto não se encontrarem devidamente licenciados;
b) Condenou-se os Réus a indemnizarem os autores, pelos danos não patrimoniais causados na quantia de 2.500,00 € para cada um;
c) Condenou-se os Réus na sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do disposto no artigo 829-A do CC, no montante de 250,00 € por cada ato violador dos direitos dos autores.
Notando, embora que este acórdão não tinha transitado em julgado, os autores promoveram contra os réus, com base nele, no dia 29 de Outubro de 2019, no Juízo de Execução ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., acção executiva, tendo por finalidade a prestação de facto nos temos do art. 868° e seguintes do CPC.
Por requerimento atravessado no dia 14 de abril de 2021 os executados alegaram que promoveram a realização de obras em conformidade com o respectivo licenciamento, que a atividade foi, entretanto, licenciada a EE pela Alfândega de Aveiro, cumprindo-se, assim, qualquer das condições constantes do acórdão desta Relação, e juntaram:
- A alvará n.° ...20, emitido pela Câmara Municipal ... que titula a autorização de utilização do prédio sito em ..., da União das Freguesias ... e ..., descrito na Conservatória ..., sob o n.° ...15 e inscrito na matriz sob o artigo ...37 da respetiva freguesia, a que corresponde o alvará de licença de construção n.° ...20 emitido em .../.../2020 em nome de FF e GG e consigna que, por despacho de 20/08/2020 foi autorizada a seguinte utilização: indústria com uso de Destilaria;
- A comunicação da Alfândega de Aveiro, Delegação da Figueira da Foz, datada de 27 de novembro de 2020, dirigida a EE, com o assunto “concessão do estatuto de depositário e constituição de entreposto fiscal de produção - pequena destilaria”, com o reconhecimento a EE (NIF ...), o estatuto de depositário autorizado, com o n° de IEC PT0...2, para a categoria S200 (bebidas espirituosas), e da instalação sita na ... das ..., ... ..., descrita na conservatória do Registo Predial ... sob o n.° ...15, como entreposto fiscal de produção, pequena destilaria, com o n° PT...01, e a indicação que a empresa em nome individual fica, a partir de agora, obrigada ao cumprimento das disposições do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto-Lei n° 73/2010, de 21/06, nomeadamente no que toca à introdução no consumo (1) dos produtos sujeitos a Imposto sobre Bebidas Alcoólicas (artigo 10° e seguintes) e manutenção de estatuto de depositário autorizado (2) (artigo 22° e seguintes).
Os exequentes responderam que continua a haver depósito de resíduos, águas residuais e poço de captação de água; a atividade não se encontra licenciada em nome dos executados ou mesmo de outrem, pois apenas foi concedido o estatuto de depositário autorizado e constituição como entreposto fiscal de produção de pequena destilaria em nome de EE, que não há nenhuma confirmação, fiscalização seja do Município ..., seja das entidades competentes para o licenciamento mediante alvará, que não foram nem implementadas nem executadas as obras necessárias e adequadas a evitarem a emissão de resíduos, cheiros e águas residuais para o seu prédio e a atividade não está licenciada, e que não houve cessação de emissão de ruídos, fuligem cheiros e águas residuais para aquele prédio, nem nenhuma fiscalização ou entidade a conceder alvará e a certificar o licenciamento da atividade, mas antes, e tão só, autorização de utilização do prédio dos executados e fiel depositária a filha dos executados e não os próprios.
Por requerimento atravessado em 30 de Junho de 2021, os exequentes procederem, sob prévio convite da Sra. Juíza de Direito, à liquidação da sanção pecuniária compulsória em € 28 250,00, acrescidos de juros, moratórios e compulsórios.
Alegaram, para tanto, que os executados não encerraram a destilaria, nem cessaram a respectiva actividade, continuando a praticar, deliberada e conscientemente, atos ilícitos violadores dos direitos de personalidade dos exequentes, consubstanciados na emissão de fumos e fuligens, com produção de resíduos, fumos de combustão mais voláteis, cheiros libertados de massas e engaços depositados em decomposição, extração de aguardente a céu aberto e com escorrências, com focos de desenvolvimento de mosquitos, melgas e outros insetos, praticados no seguintes dias, meses e anos:
- 5, 7 a 12, 14 a 26, 28 a 31 de outubro de 2019;
- 27 e 28 de dezembro de 2019;
- 3 a 4, 7 a 11, 13 a 15, 18, 20 a 25, 27, 28, 30 e 31 de janeiro de 2020;
- 1, 4, 7 a 8, 10,12, 13, 15, 17, 19, 22, 28 de fevereiro de 2020;
- 5, 6, 7, 10, 11, 13, 14, 18, 27 a 28 de março de 2020:
- 11, 18 e 25 de abril de 2020;
- 9 e 22 de maio de 2020;
- 4 a 7, 9 a 23, 26, 27, 29, 30 de dezembro de 2020;
- 2, 4 a 6, 8 de janeiro de 2021
- 1, 2, 5, 25, 26, 27 de Fevereiro de 2021;
- 12, 13, 16, 17, 18 de Março de 2021
- 8, 9, 10 de abril de 2021.
Os executados responderam que a alegação dos exequentes não corresponde à verdade e consubstancia gratuita tentativa de extorsão.
Produzida, prova, designadamente, por declarações de parte dos exequentes e do executado, e realizada, no dia 3 de Março de 2022, a inspecção ao local, por despacho de 4 de Agosto de 2022, a Sra. Juíza de Direito, julgou extinta a execução, no que tange ao pedido de encerramento da destilaria e respetiva atividade, por inutilidade superveniente da lide, liquidou a sanção pecuniária compulsória devida pelos Executados aos Exequentes em 250 euros e condenou os Executados no seu pagamento, fixou ao incidente o valor da execução e condenou os exequentes e os executados nas custas do incidente e em taxa de justiça que fixou, individualmente, em 2 UC (para cada um).
Entretanto, por virtude do facto, que se lamenta, da morte do exequente, DD, foi habilitada para também em sua substituição, prosseguir os termos da causa, a exequente.
É a decisão contida no despacho de 4 de Agosto de 2022 que a exequente impugna no recurso - no qual pede a sua revogação e o prosseguimento da execução prosseguir, com vista ao cumprimento das obrigações a que os executados estão vinculados e, à indemnização devida aos exequentes; seja a título de danos morais, como a título de sanção compulsória - tendo encerrado a sua alegação com as conclusões seguintes:
1- ) Os executados não procederam ao encerramento imediato da destilaria e, da respectiva actividade, aquando da notificação do douto acórdão da Relação de Coimbra, datado de 10/09/2019, e; do qual foram notificados.
2- ) Não alegaram nem provaram, terem cumprido tal obrigação.
3- ) Como não implementaram, nem executaram as obras necessárias, nem tomaram as medidas adequadas a evitar a emissão de resíduos, cheiros e águas residuais, para o prédio dos exequentes.
4- ) Como a actividade industrial de produção de aguardente e derivados; comércio e seu aviamento na destilaria em questão, não se encontra devidamente licenciada, mediante emissão de alvará pela entidade competente.
5- ) Os executados não indemnizaram os exequentes pelos danos não patrimoniais causados, na quantia fixada pela Relação para cada um dos exequentes, nem pela sanção compulsória. De facto,
6- ) Os executados continuaram a laborar desde Setembro de 2019, limitaram-se a produzir aguardente e a comercializar na destilaria em causa.
7- ) Os executados limitaram-se a apresentar um pretenso projecto de ampliação de obras para rede de águas de consumo e drenagem doméstica, com o uso de destilaria, conforme melhor, consta da memória descritiva e justificativa, apresentada para aprovação na Câmara Municipal ....
8- ) A simples aprovação para obras pela Câmara Municipal, com emissão de alvará para utilização do prédio, para o fim de destilaria, não comprova, nem demonstra o cumprimento das obrigações, a que os executados estão adstritos; ou seja, de execução de obras necessárias e medidas adequadas a evitar a emissão de resíduos, cheiros e águas residuais, para o prédio dos exequentes; nem de que, a actividade industrial e comercial, se encontra devidamente licenciada.
9- ) Os executados continuam a vazar resíduos sólidos e líquidos da mesma forma e modo, como anteriormente, sempre o fizeram; tendo apenas, substituído a cobertura por placas e, cimentado o chão da entrada no acesso de viaturas às instalações.
10- ) Não obstante tenham apresentado, o formulário no SIR com vista ao licenciamento; porém, não cumpriram, nem demonstraram observar os requisitos legalmente exigidos pela legislação aplicável à indústria e, comércio de aguardentes e seus derivados. Efectivamente,
11- ) Os executados não procederam à contenção de resíduos, nem águas residuais e emitem gases e fumos para a atmosfera e, para o prédio dos exequentes.
12- ) Os executados violam - deliberada e culposamente - com a prática de atos, que sabiam estavam proibidos pelo acórdão da Relação, por não cumprirem com as prestações de facto; a que, estão condenados.
13- ) Os exequentes alegaram, concretizaram, especificaram; descriminando os dias, meses e anos da prática de atos ilícitos e danosos, violadores dos seus direitos de personalidade, por parte dos executados.
14- ) Por erro de interpretação, apreciação, valoração e decisão dos elementos probatórios constantes nos autos principais da ação declarativa; da inspecção da Alfândega que elaborou auto de Contra ordenação; do relatório pericial de IMAGAOT, constantes da ação declarativa; do projecto de obras junto da Câmara Municipal ...; do auto de ocorrência da Guarda Nacional da República; das comunicações aos autos do Sr. Agente de Execução; das declarações prestadas pelos exequentes em audiência, das folhas de suporte como documentos juntos aos autos; onde, estão apontados os dias, meses e anos da actividade e funcionamento da destilaria, como o auto de inspecção judicial, realizado na parte da ação declarativa e, no auto de inspecção realizado no âmbito da execução, com os registos fotográficos neles obtidos, não se revela a mais assertiva, com o normal do acontecer, da experiência comum, à luz do conhecimento e, da apreensão dos sentidos.
15- ) Concretamente, os factos impugnados, quanto aos pontos das questões de facto exaradas:
a.1) Juntaram aos autos “autorização de utilização n.° ...20”, referente ao processo n.° 01/20..., da qual resulta, para além do mais, que “O presente alvará titula a autorização de utilização do prédio sito em ..., da União das Freguesias ... e ..., descrito na Conservatória ..., sob o n.° ...15 e inscrito na matriz sob o artigo ...37 da respetiva freguesia, a que corresponde o alvará de licença de construção n.° ...20 emitido em .../.../2020 em nome de FF e GG.
Por despacho de 20/08/2020 foi autorizada a seguinte utilização: indústria com uso de Destilaria. Área de Pavimentos: 236,00m2
Localização: ... das ... - ...
- O Técnico responsável pela direção técnica da obra foi: HH, inscrita na Ordem dos Engenheiros sob o n.° ...47.
- Os autores dos projetos foram: II, inscrita na
Ordem dos Engenheiros sob ...41. (...)”.
a.2) Juntaram ainda aos autos comunicação da Alfândega de Aveiro, Delegação da Figueira da Foz, datada de 27 de novembro de 2020, dirigida a EE, com o seguinte assunto “concessão do estatuto de depositário e constituição de entreposto fiscal de produção - pequena destilaria”, da qual decorre o seguinte:
“Foi reconhecido a EE (NIF ...), o estatuto de depositário autorizado, com o n° de IEC PT0...2, para a categoria S200 (bebidas espirituosas).
Foi igualmente reconhecida a instalação sita na ... das ..., ... ..., descrita na conservatória do Registo Predial ... sob o n.° ...15, como entreposto fiscal de produção, pequena destilaria, com o n° PT...01. Essa empresa em nome individual fica, a partir de agora, obrigada ao cumprimento das disposições do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto-Lei n° 73/2010, de 21/06, nomeadamente no que toca à introdução no consumo (1) dos produtos sujeitos a Imposto sobre Bebidas Alcoólicas (artigo 10° e seguintes) e manutenção de estatuto de depositário autorizado (2) (artigo 22° e seguintes.”
a.3) Sem prejuízo do que consta do respetivo processo camarário, os Senhores funcionários da CM de ... asseveram que sempre que se deslocaram ao local a destilaria estava encerrada e sem indícios de estar em laboração; foram realizadas obras tendo em vista a adaptação do espaço ao fim a que se destina, o que foi feito e, nessa medida, foi emitida autorização de licenciamento; a utilização como destilaria compete à entidade competente;
Foi apenso por linha, aos presentes autos, o processo n.° ...19 de licenciamento de obras particulares e o processo do serviço de fiscalização.
a.4) Em 29 de outubro de 2020 o Executado submeteu o pedido de licenciamento industrial no âmbito do Sistema da Indústria Responsável (SIR), junto do Balção empreendedor - cfr. fls. 37 v.° a 38 v.° dos autos;
a.5) A Alfandega de Aveiro, Delegação da Figueira da Foz, reconheceu, em 27 de novembro de 2020, a EE o estatuto de depositário autorizado com o n.° IEC PT0...2 ...82 para a categoria S200 (bebidas espirituosas) e reconheceu a instalação sita na ... das ..., ...­ ..., descrita na CRP ..., sob o n.° ...15, como entreposto fiscal de produção, pequena destilaria com o n.° PT ...01 - fls. 39 e v.°.
a.6) Do NUIP n.° 13/20.... da Alfandega Aduaneira, Delegação da Figueira da Foz, decorre, para além do mais, o seguinte:
Auto de selagem realizado no dia 30 de outubro de 2019 do portão em chapa canelada, que é o único acesso ao edifício da destilaria, sita em ..., ..., ..., com selo em plástico com o n.° 0000005DAFC inscrito; Auto de desselagem e transferência lavrado no dia 04 do mês de dezembro de 2020, do portão em chapa canelada, único acesso à destilaria “casa ...” possuidor do selo n.° 0000005DAFC.
Do respetivo relatório fotográfico constam, para além do mais, as seguintes legendas: pormenor do portão metálico selado de acesso ao estabelecimento com marcas de arrombamento; plano geral das alterações efetuadas no local dos depósitos de destilação, nomeadamente colocação de piso; plano geral das alterações efetuadas no local da caldeira e depósito do engaço, nomeadamente colocação de cobertura.
a.7) Os Executados juntaram aos autos duas faturas-recibos, emitidas por A... em 14 de novembro de 2019 e por B..., S.A. emitida em 30 de dezembro de 2019.
a.8) As obras foram objeto de fiscalização, cfr. consta do livro de obras.
a.9) Mais informa que os resíduos não serão encaminhados para este depósito e de acordo com o dito pelo interessado posteriormente se e aquando da exploração da indústria os resíduos serão retirados devidamente nos termos legais.
a.10) É assim evidente que foram executadas obras, devidamente licenciadas e vistoriadas, e, no final, foi emitida pela CM, o respetivo alvará de utilização para indústria com uso de destilaria.
a.11) Mais: para poderem exercer a atividade em conformidade com os requisitos legais e regulamentares aplicáveis, o Executado submeteu pedido de licenciamento industrial na plataforma SIR, através do Balcão do Empreendedor e a Alfandega de Aveiro, Delegação da Figueira da Foz, reconheceu, a instalação sita na ... das ..., ... ..., descrita na CRP ..., sob o n.° ...15, como entreposto fiscal de produção, pequena destilaria com o n.° PT ...01.
a.12) Em face do exposto, concluímos que a destilaria e respetiva atividade encontram-se devidamente licenciados e, nessa medida, mostra-se cumprida a decisão exequenda.
a13) Os exequentes sustentam que a destilaria esteve em funcionamento nos seguintes dias e meses do ano: 5, 7 a 12, 14 a 26, 28 a 31 de outubro de 2019, 27 e 28 de dezembro de 2019, 3 a 4, 7 a 11, 13 a 15, 18, 20 a 25, 27, 28, 30 e 31 de janeiro de 2020, 1, 4, 7 a 8, 10,12, 13, 15, 17, 19, 22, 28 de fevereiro de 2020, 5, 6, 7, 10, 11, 13, 14, 18, 27 a 28 de março de 2020,11, 18, 25 de abril de 2020, 9 e 22 de maio de 2020, 4 a 7, 9 a 23, 26, 27, 29, 30 de dezembro de 2020, 2, 4 a 6, 8 de janeiro de 2021,1, 2, 5, 25, 26, 27 de fevereiro de 2021, 12, 13, 16, 17, 18 de março de 2021 8, 9, 10 de abril de 2021,
Não questionando o princípio da livre apreciação da prova pelo Tribunal a quo, nem da decisão; requer-se a sua sindicância neste segundo grau de jurisdição.
16- ) No entender dos exequentes, a decisão que, entendem ser a correta é:
a.1) Juntaram aos autos “autorização de utilização n.° ...20”, referente ao processo n.° 01/20..., da qual resulta, para além do mais, que “O presente alvará titula a autorização de utilização do prédio sito em ..., da União das Freguesias ... e ..., descrito na Conservatória ..., sob o n.° ...15 e inscrito na matriz sob o artigo ...37 da respetiva freguesia, a que corresponde o alvará de licença de construção n.° ...20 emitido em 07/O2/2O2O em nome de FF e GG.
Por despacho de 20/08/2020 foi autorizada a seguinte utilização: indústria com uso de Destilaria.
Área de Pavimentos: 236,00m2
Localização: ... das ... - ...
- O Técnico responsável pela direção técnica da obra foi: HH, inscrita na Ordem dos Engenheiros sob o n.° ...47.
- Os autores dos projetos foram: II, inscrita na Ordem dos Engenheiros sob ...41. (...)”.
a.7) Os Executados juntaram aos autos duas faturas-recibos, emitidas por A... em 14 de novembro de 2019 e por B..., S.A. emitida em 30 de dezembro de 2019.
a.8) As obras foram objeto de fiscalização, cfr. consta do livro de obras.
a.9) Mais informa que os resíduos não serão encaminhados para este depósito e de acordo com o dito pelo interessado posteriormente se e aquando da exploração da indústria os resíduos serão retirados devidamente nos termos legais.
a.10) É assim evidente que foram executadas obras, devidamente licenciadas e vistoriadas, e, no final, foi emitida pela CM, o respetivo alvará de utilização para indústria com uso de destilaria.
- O projecto de obras limitou-se à suposta obra de contenção de abastecimento de águas e drenagens de águas residuais, conforme consta do termo de responsabilidade do autor do mesmo;
- A autorização de utilização reporta-se ao edifício (prédio) correspondente ao alvará de licença de construção;
- As faturas-recibos reportam-se à obra de cobertura;
- As obras (objecto) fiscalizadas constantes do Livro de Obra, não são as necessárias, nem foram implementadas, nem executadas medidas adequadas a evitar a emissão de resíduos, cheiros e águas residuais para o prédio dos exequentes;
- A Câmara Municipal não emitiu alvará de utilização para a indústria de produção na destilaria de aguardente e seus derivados.
a.2) Juntaram ainda aos autos comunicação da Alfândega de Aveiro, Delegação da Figueira da Foz, datada de 27 de novembro de 2020, dirigida a EE, com o seguinte assunto“ concessão do estatuto de depositário e constituição de entreposto fiscal de produção - pequena destilaria”, da qual decorre o seguinte:


 “Foi reconhecido a EE (NIF ...), o estatuto de depositário autorizado, com o n° de IEC PT0...2, para a categoria S200 (bebidas espirituosas).
Foi igualmente reconhecida a instalação sita na ... das ..., ... ..., descrita na conservatória do Registo Predial ... sob o n.° ...15, como entreposto fiscal de produção, pequena destilaria, com o n° PT...01.
Essa empresa em nome individual fica, a partir de agora, obrigada ao cumprimento das disposições do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto-Lei n° 73/2010, de 21/06, nomeadamente no que toca à introdução no consumo (1) dos produtos sujeitos a Imposto sobre Bebidas Alcoólicas (artigo 10° e seguintes) e manutenção de estatuto de depositário autorizado (2)
(artigo 22° e seguintes.”
A comunicação da Alfândega de Aveiro, delegação da Figueira da Foz, considera o estatuto de depósito de bebidas espirituosas a EE e, não aos executados e, efeitos fiscais.
a.3) Sem prejuízo do que consta do respetivo processo camarário, os Senhores funcionários da CM de ... asseveram que sempre que se deslocaram ao local a destilaria estava encerrada e sem indícios de estar em laboração; foram realizadas obras tendo em vista a adaptação do espaço ao fim a que se destina, o que foi feito e, nessa medida, foi emitida autorização de licenciamento; a utilização como destilaria compete à entidade competente;
Foi apenso por linha, aos presentes autos, o processo n.° ...19 de licenciamento de obras particulares e o processo do serviço de fiscalização.
Os funcionários da Câmara Municipal ..., referiram nas datas e horas da fiscalização, não detetaram actividade e laboração da destilaria e; que, a utilização com a mesma, compete às entidades competentes.
a.4) Em 29 de outubro de 2020 o Executado submeteu o pedido de licenciamento industrial no âmbito do Sistema da Indústria Responsável (SIR), junto do Balção empreendedor - cfr. fls. 37 v.° a 38 v.° dos autos;
a.11) Mais: para poderem exercer a atividade em conformidade com os requisitos legais e regulamentares aplicáveis, o Executado submeteu pedido de licenciamento industrial na plataforma SIR, através do Balcão do Empreendedor e a Alfandega de Aveiro, Delegação da Figueira da Foz, reconheceu, a instalação sita na ... das ..., ... ..., descrita na CRP ..., sob o n.° ...15, como entreposto fiscal de produção, pequena destilaria com o n.° PT ...01. O pedido de licenciamento industrial no âmbito do SIR, não cumpre os itens exigidos e previstos na legislação aplicável; mormente, de impacto ambiental, segurança na saúde, segurança social e segurança contra incêndio.
a.9) Mais informa que os resíduos não serão encaminhados para este depósito e de acordo com o dito pelo interessado posteriormente se e aquando da exploração da indústria os resíduos serão retirados devidamente nos termos legais.
a.10) É assim evidente que foram executadas obras, devidamente licenciadas e vistoriadas, e, no final, foi emitida pela CM, o respetivo alvará de utilização para indústria com uso de destilaria. Os resíduos sólidos são encaminhados para terreno adjacente à destilaria a céu aberto, onde são despejados, aí acumulados e mantidos. As obras não foram fiscalizadas pela entidade coordenadora.
a.13) Os exequentes sustentam que a destilaria esteve em funcionamento nos seguintes dias e meses do ano:
5, 7 a 12, 14 a 26, 28 a 31 de outubro de 2019,
27 e 28 de dezembro de 2019,
3 a 4, 7 a 11, 13 a 15, 18, 20 a 25, 27, 28, 30 e 31 de janeiro de 2020,
1, 4, 7 a 8, 10,12, 13, 15, 17, 19, 22, 28 de fevereiro de 2020,
5, 6, 7, 10, 11, 13, 14, 18, 27 a 28 de março de 2020,
11, 18, 25 de abril de 2020,
9 e 22 de maio de 2020,
4 a 7, 9 a 23, 26, 27, 29, 30 de dezembro de 2020,
2, 4 a 6, 8 de janeiro de 2021,
1, 2, 5, 25, 26, 27 de fevereiro de 2021,
12, 13, 16, 17, 18 de março de 2021 8, 9, 10 de abril de 2021.
17- ) Face ao exposto e, ao suprimido, por erro de interpretação, mostram-se violados os princípios gerais do direito constitucional, direito civil, processual civil atinentes e; os comandos legais aplicáveis; mormente, o disposto nos arts.: 20°, n° 1 e 4; 66° e 202° da CRP; 397°; 483°; 1346°; 1347° do CC; 1°; 2°; 868° e 876° do CPC; arts. 3°; 11°; 25°; 33° do DL n° 169/2012, de 1 de Agosto e; art. 81°, n° 3, al. f) e u) do DL n° 226- A/07.
18- ) Porquanto, nem o pedido de extinção da execução, quanto ao encerramento da destilaria e respectiva actividade comercial, se encontra cumprida, para se dar por extinto; nem a liquidação pecuniária compulsória devida é a mais consentânea, com a violação dos direitos de personalidade dos exequentes; não obstante, os factos provados, o direito aplicável e, a mens legis.
19- ) O recurso deve merecer provimento, revogando-se a douta sentença e, a execução prosseguir, com vista ao cumprimento das obrigações a que os executados estão vinculados e, à indemnização devida aos exequentes; seja a título de danos morais, como a título de sanção compulsória.
Os executados, na resposta ao recurso concluíram, naturalmente, pela improcedência dele.
2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.
A decisão impugnada no recurso tem, designadamente, o conteúdo seguinte:
2. Os Exequentes juntaram aos autos informação de serviço elaborada por elementos do Posto da GNR ..., processo n.° 254/19...., da qual decorre que no dia 20 de maio de 2020, pelas 08h40, no local onde funciona a destilaria, era visível fumo proveniente da chaminé, mas o portão estava fechado; apuraram que a máquina (caldeira) se encontrava em funcionamento, estando a destilar naquele momento para um recipiente, que apenas continha uma pequena quantidade de aguardente; o Sr. JJ referiu que encontrava-se a trabalhar nas instalações, tendo como objetivo testar a máquina (caldeira) que tinha sido intervencionada no dia anterior e proceder à limpeza do espaço.
No dia 02 de novembro de 2020 o Senhor Agente de Execução deslocou-se ao local -destilaria sita na ..., ..., e deu conta nos autos que a destilaria estava aparentemente fechada / selada por cadeado, com os dizeres 000005DAFC e com um ferro comprido; não ouviu barulho, não viu fumo ou qualquer atividade; contactou com o Executado que o informou que a destilaria foi fechada e selada pelas autoridades alfandegárias, cfr. fotografias que junta.
No dia 13 de abril de 2021 o Senhor Agente de Execução procedeu ao encerramento da destilaria, dando conta que a mesma teria estado a laborar há pouco tempo face ao forte odor a bagaço e aos detritos que se encontram no exterior; mais fez constar que já não se encontra na porta o cadeado nem o ferro que fechava a porta.
No dia 14 de abril de 2021 os Executados vieram aos autos informar o seguinte: promoveram a realização de obras em conformidade com o respetivo licenciamento; a atividade foi, entretanto, licenciada a EE pela Alfandega de Aveiro; qualquer uma das condições que constam do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra mostra-se cumpridas, pelo que inexiste qualquer razão para que se mantenha o enceramento. Juntaram aos autos “autorização de utilização n° ...20”, referente ao processo n° 01/20..., da qual resulta, para além do mais, que “O presente alvará titula a autorização de utilização do prédio sito em ..., da União das Freguesias ... e ..., descrito na ..., sob o n° ...85 e inscrito na matriz sob o artigo ...37 da respetiva freguesia, a que corresponde o alvará de licença de construção n° ...20 emitido em .../.../2020 em nome de FF e GG. Por despacho de 20/08/2020 foi autorizada a seguinte utilização: indústria com uso de Destilaria.
Área de Pavimentos: 236,00m2.
Localização: ... das ... - ...
- O Técnico responsável peia direção técnica da obra foi:
HH, inscrita na Ordem dos Engenheiros sob o n° ...47.
- Os autores dos projetos foram:
II, inscrita na Ordem dos Engenheiros sob ...41. (...)”
Juntaram ainda aos autos comunicação da Alfândega de Aveiro, Delegação da Figueira da Foz, datada de 27 de novembro de 2020, dirigida a EE, com o seguinte assunto “concessão do estatuto de depositário e constituição de entreposto fiscal de produção - pequena destilaria”, da qual decorre o seguinte:
“Foi reconhecido a EE (NIF ...), o estatuto de depositário autorizado, com o n° de IEC PT0...2, para a categoria S200 (bebidas espirituosas).
Foi igualmente reconhecida a instalação sita na ... das ..., ... ..., descrita na conservatória do Registo Predial ... sob o n° ...15, como entreposto fiscal de produção, pequena destilaria, com o n° PT...01. Essa empresa em nome individual fica, a partir de agora, obrigada ao cumprimento das disposições do Código dos Impostos Especiais de Consumo (C/EC), aprovado pelo Decreto-Lei n° 73/2010, de 21/06, nomeadamente no que toca à introdução no consumo (1) dos produtos sujeitos a Imposto sobre Bebidas Alcoólicas (artigo 10° e seguintes) e manutenção de estatuto de depositário autorizado (2) (artigo 22° e seguintes. ”
Os Exequentes responderam ao requerimento e documentos juntos pelos Executados sustentando em síntese que continua a haver depósito de resíduos, águas residuais e poço de captação de água; a atividade não se encontra licenciada em nome dos executados ou mesmo de outrem pois apenas foi concedido o estatuto de depositário autorizado e constituição como entreposto fiscal de produção de pequena destilaria em nome de EE; não há nenhuma confirmação, fiscalização seja do Município ..., seja das entidades competentes para o licenciamento mediante alvará, por exemplo; não foram nem implementadas nem executadas as obras necessárias e adequadas a evitarem a emissão de resíduos, cheiros e águas residuais para o prédio dos exequentes e a atividade não está licenciada; concluem que não houve cessação de emissão de ruídos, fuligem cheiros e, águas residuais para o prédio do exequentes, nem nenhuma fiscalização, nem nenhuma entidade a conceder alvará e, a certificar o licenciamento da atividade, mas antes e, tão só autorização de utilização do prédio dos executados e, fiel depositária a filha de aguardentes e não os próprios, nem licenciada a atividade.
Por requerimento de 30 de junho de 2021 vieram os Exequentes concretizar o pedido formulado a titulo de sanção pecuniária compulsória (28.250,00 euros, ao que acrescem juros de mora), nos seguintes termos: os executados não encerraram a destilaria, nem a respetiva atividade, continuando a praticar, deliberada e conscientemente, atos ilícitos violadores dos direitos de personalidade dos Exequentes, consubstanciados na emissão de fumos e fuligens, com produção de resíduos, fumos de combustão mais voláteis, cheiros libertados de massas e engaços depositados em decomposição, extração de aguardente a céu aberto e com escorrências, com focos de desenvolvimento de mosquitos, melgas e outros insetos, praticadas nos seguintes dias, meses e anos:
5, 7 a 12, 14 a 26, 28 a 31 de outubro de 2019,
27 e 28 de dezembro de 2019
3 a 4, 7 a 11, 13 a 15, 18, 20 a 25, 27, 28, 30 e 31 de janeiro de 2020
I, 4, 7 a 8, 10,12, 13, 15, 17, 19, 22, 28 de fevereiro de 2020
5, 6, 7, 10, 11, 13, 14, 18, 27 a 28 de março de 2020;
II, 18, 25 de abril de 2020;
9 e 22 de maio de 2020;
4 a 7, 9 a 23, 26, 27, 29, 30 de dezembro de 2020;
2, 4 a 6, 8 de janeiro de 2021
1, 2, 5, 25, 26, 27 de fevereiro de 2021;
12, 13, 16, 17, 18 de março de 2021
8, 9, 10 de abril de 2021.
Cfr. documentos juntos a fls. 114 e ss. dos autos
Foi produzida prova por declarações:
A Exequente CC referiu, em síntese, que por conselho do seu Advogado, marcava no calendário da cozinha os dias em que a destilaria esteve a funcionar; ia ao limite da sua propriedade e via quando é que a destilaria estava a funcionar; via o carro, a baganha, ouvia a caldeira e ouvia-os a falar; passou para as folhas que constam a fls. 114 e ss. dos autos a anotação que tinha nos calendários, calendários que exibiu durante a diligência; durante este ano (2021) a destilaria não funcionou como antes - agora não tem cheiro e o barulho não é tanto; mas as águas continuam a correr; o cheiro é o cheiro normal da baganha; em abril e maio fizeram obras na destilaria; quem trabalha no local não é o Executado, mas o Senhor KK;
O Exequente DD referiu, em síntese, que a destilaria fica a cerca de 100 metros da sua casa; a destilaria esteve um mês ou dois fechada o ano passado (2021) e depois deram ordens para abrir; de resto, estiveram sempre a funcionar; do seu quintal consegue ver o fumo e consegue ouvir as caldeiras a despejar o bagulho para o chão; via os carros a entrar e sair, dia e noite; o bagulho é despejado e passado 1 ou 2 dias depois passa uma camioneta; questionado referiu que não foram feitas quaisquer obras e que a CM aceitou isso assim; nunca viu obras nem materiais; a sua mulher apontou num calendário os dias em que a destilaria esteve a funcionar; a aguardente não é só do Executado, mas de todas as pessoas de lá que têm vinhas; os executados não contêm as águas residuais; eles não fizeram obras, exceto cimentar lá dentro, colocaram um telhado; a destilaria cheira mal e quando andam a acartar bagulho cheira ainda pior;
O Executado FF referiu, em síntese, que as instalações da destilaria são suas e da irmã, porque são da herança; remodelou a destilação toda; as obras começaram em novembro de 2019 e consubstanciaram-se no seguinte: colocaram um telhado, dentro da destilação criaram 03 salas, forradas de azulejo, fizeram portas de alumínio, etc.; as obras levadas a cabo foram uma exigência da CM de ... para que pudesse abrir; o projeto foi apresentado na CM em 2015/2016 e depois parou porque teve um AVC em 2017/2018; o alvará de autorização foi emitido em .../.../2020; abriu a destilaria depois de desselarem - em 04 de dezembro de 2020; a destilaria foi selada em março de 2019 pela GNR ... e depois pediu a desselagem e eles vieram em dezembro de 2020; durante esse período de tempo a destilaria não esteve a funcionar; era impossível trabalhar porque estava selado e não podia mexer; vai lá quase todos os dias; quando lá vai liga quase sempre a caldeira, por razões de manutenção, conforme instruções do engenheiro; cá fora fez duas fossas estanques; o pedreiro ia lá quando podia, depois do horário de trabalho; o mesmo aconteceu com quem lhe colocou o telhado; o seu vizinho só consegue saber o que estão a fazer dentro da destilaria se for lá dentro; a atividade é da sua filha desde 04 de dezembro de 2020; antes a atividade era sua e da sua irmã; a sua filha tem lá um empregado, o Sr. JJ, desde essa mesma data; antes disso ele só foi lá para as limpezas e ajudava o declarante sempre que ele lhe pedia; antes existia um telhado podre; foram feitas 4 salas forradas com azulejos, com depósitos; fez duas fossas (antes havia só uma); foi pedir à CM o licenciamento e para esse efeito apresentou um projeto; as fossas estão ao lado do cais do bagulho; as fossas são estanques; andaram em obras durante um ano; a GNR foi ao local; dias antes andou lá com o Senhor da Caldeira e o Senhor JJ foi lá para testar a caldeira; desconhece porque se encontravam outras pessoas com o Senhor JJ; foram várias pessoas da CM testar as obras; foi lá a Arquiteta e depois a Dra. LL; a atividade foi para a filha porque o declarante já não tem saúde; esteve presente no dia em que a GNR foi lá abrir aquilo, em dezembro de 2020; depois de março de 2019 a destilaria foi encerrada e lacrada.
Foi efetuada inspeção ao local, com registo fotográfico e tomada de esclarecimentos à Senhora Arquiteta MM, o Senhor Fiscal NN e a Senhora Técnica OO, todos a exercer funções na Câmara Municipal ... e que têm conhecimento direto do processo n° 01/20... e subsequente autorização de utilização n° ...20, cfr. auto lacrado em 03 de março de 2022.
Sem prejuízo do que consta do respetivo processo camarário, os Senhores funcionários da CM de ... asseceram que sempre que se deslocaram ao local a destilaria estaca encerrada e sem indícios de estar em laboração; foram realizadas obras tendo em cista a adaptação do espaço ao fim a que se destina, o que foi feito e, nessa medida, foi emitida autorização de licenciamento; a utilização como destilaria compete à entidade competente;
Foi apenso por linha, aos presentes autos, o processo n° ...19 de licenciamento de obras particulares e o processo do serviço de fiscalização.
No que tange ao serviço de fiscalização:
Em novembro de 2019 o Ministério Público da Secção de ... solicitou à CM de ... que informe se a atividade exercida pelos aqui Executados está licenciada;
A essa solicitação, em dezembro desse mesmo ano a Senhora Arquiteta MM informou, para além do mais, que não consta nos serviços qualquer comunicação de atividade exercida e licenciada de destilaria pertencente aos Executados; que houve um pedido de licenciamento da operação urbanística “obras de ampliação de edificação para uso de destilaria”, a levar a efeito em ..., das ..., concelho ..., tendo sido atribuído o processo camarário n° 17/2016, processo arquivado por iniciativa do Requerente; em 09 de dezembro de 2019 deu entrada o processo n° ...19 relativo pedido de licenciamento da operação urbanística “obra de ampliação de edificação para industria com uso de destilaria" a levar a efeito num prédio urbano artigo n ° 3937 registado na CRP sob o n° ...08 sito em ... das ..., concelho ..., em nome do Executado AA e de GG; a Senhora Arquiteta sugeriu que seja efetuada uma fiscalização;
Em fevereiro de 2020 o Senhor Fiscal NN elaborou a seguinte informação: foram realizadas várias deslocações ao local em dias e horas distintos (28 de janeiro de 2020, pelas 10h30, no dia 29 de janeiro de 2020 pelas 16h20 e no dia 30 de janeiro de 2020 pelas 15h30); o edifício encontra-se aparentemente encerrado, com as portas fechadas, não havendo indícios de presença humana; não se vislumbrou indícios de laboração da suposta atividade, não se verificando a saída de fumos das chaminés no edifício; existe processo de controlo prévio: a operação urbanística - ampliação de edficação para industria com o uso de destilaria, com o processo de licenciamento n° ...19, requerido no dia 09 de dezembro de 2019, peio Executado; foi emitido no dia 07 de fevereiro de 2020 alvará de licenciamento e, nessa medida, propôs a realização de uma vistoria ao imóvel. A vistoria foi agendada para março de 2020 e, por razões de conhecimento público, adiada para 25 de junho de 2020.
Do auto de vistoria lavrado no dia 25 de junho de 2020 decorre que não se encontra em funcionamento e as instalações estavam limpas e sem vestígios de utilização.
Do processo n°...19 de obras paticuiares resulta, para além do mais, o seguinte:
Licenciamento de obra de edficação consta, para além do mais.
O pedido
Declaração pública de interesses privados
Mapa de medições; obras de reconstrução / alteração /ampliação
Anexos ao projeto relativo às mencionadas obras de ampliação de edificação para industria com o uso de destilaria, localizada na ...,
Especialidades - rede de abastecimento de água e drenagem de águas residuais e pluviais
Na sequência da informação anexa foi lavrada informação técnica pela Senhora Arquiteta MM no sentido de não existir inconveniente na pretensão do requerente no que se refere à aprovação do projeto de arquitetura da obra de ampliação de edificação para indústria com uso de destilaria;
Em 18 de dezembro de 2019 o Executado e outro foram notificados do deferimento do pedido de ampliação de edificação para industria com uso de destilaria.
Utilização
Concessão de alvará de autorização de utilização de edifícios novos, reconstruídos, reparados, ampliados ou alterados para fins de indústria com uso de destilaria;
Consta além do mais, o livro de obras com, para além do mais, as seguintes anotações da Senhora Diretora de fiscalização da obra:
Em 05 de maio de 2020 o projeto não faz menção ao encaminhamento /depósito de resíduos que supostamente virão a ser produzidos; não faz qualquer referência à entrada de água da rede pública nos alambiques;
Chegada à obra detetei algumas incoerências com o projeto aprovado - pilares metálicos em vez de betão, paredes exteriores em blocos com reboco à vista, omissão no projeto de telheiro de cobertura dos supostos resíduos, omissão em planta dos poços para recolha das águas residuais provenientes dos supostos resíduos, rede de águas residuais em projeto não estão de acordo com o existente em obra (IS existentes);
Em 26 de junho de 2020 alterações em obra de acordo com o autor do projeto;
paredes exteriores em blocos com reboco à vista pelo exterior e reboco pintado pelo interior;
cobertura em chapa metálica simples; pilares interiores em perfis metálicos; ligação das águas residuais provenientes da IS existente sem alterações
Em 10 de julho de 2020
a obra encontra-se concluída de acordo com as alterações aprovadas pelo autor do projeto e de acordo com o projeto aprovado na Câmara, não tendo sido verificado nem acompanha a obra no que diz respeito ao encaminhamento e tratamento dos resíduos provocados pelo funcionamento do edifício no uso a que se destina, pelos mesmo não constarem do projeto aprovado.
Oficio da CM de 22 de julho de 2020 ao Executado e a GG do qual decorre, para além do mais que, analisando o temo de responsabilidade do diretor de fiscalização da obra, verificou—e que a técnica refere não tendo sido acompanhado e verificado no que diz respeito ao depósito e encaminhamento dos resíduos provocados pelo uso a que se destina o edifício (indústria com uso destilaria) pelos mesmos não estarem mencionados em projeto”. Analisada a planta das telas finais, verifica-se que existe um espaço destinado a “depósito e recolha de produto sobrante”. Assim sendo e por se notar divergências entre os elementos apresentados (planta e termo de responsabilidade) deverá V Ex. esclarecer esta questão.
Em 27 de julho de 2020 o Executado e outro, através do engenheiro civil, autor e coordenador do projeto da obra de ampliação do edifício destinado a destilaria, responderam ao mencionado oficio da seguinte forma: no que diz respeito ao apresentado nas telas finais sobre o espaço destinado a depósito e recolha de produto sobrante este espaço já existia bem como um compartimento estanque, não tendo sido demonstrado no projeto inicial. Foi apresentado agora em telas finais porque durante a obra foi feito outro compartimento estanque pré-fabricado em anéis de betão por forma a aumentar a capacidade de armazenamento das águas pluviais, razão pela qual se apresentaram nas telas finais, englobando o esquema de drenagem de águas pluviais e o espaço de depósito de resíduos, que nada tem a haver com o e encaminhamento de resíduos. Mais informa que os resíduos não serão encaminhados para este depósito e de acordo com o dito pelo interessado posteriormente se e aquando da exploração da indústria os resíduos serão retirados devidamente nos termos legais.
No dia 11 de agosto de 2020 foi realizada uma vistoria, onde se concluiu pela conformidade da obra, com o projeto de arquitetura e arranjos exteriores aprovados e com as condições do respetivo procedimento de controlo prévio, assim como a conformidade da utilização previstas com as normas regulamentares e que fixam o uso; para que posam exercer a atividade em conformidade com os requisitos legais e regulamentares aplicáveis, a instalação do estabelecimento industrial está sujeito ao Sistema de Indústria Responsável (SIR) e aos procedimentos previstos no momento que são realizados por via eletrónica, na plataforma SIR, acessível através do Balcão do Empreendedor ou nos balcões presenciais das entidades públicas competentes que permitirá classificar o estabelecimento industrial, identificar o procedimento a aplicar, a Entidade Coordenadora (EC) e os regimes ambientais aplicáveis, bem como outros diplomas legais.
Após parecer jurídico foi emtido o alvará de utilização n° ...20, em nome do Executado e outra, o qual ... a autorização de utilização do prédio sto em ..., da União das Freguesias ... e ..., deserto na CRP ... sob o n° ...15 e inserto na matriz sob o n° ...37 da respetiva freguesia, a que corresponde o alvará de licença de construção n° ...20 emtido em 07/02/2020 em nome do Executado e outro; por despacho de 20 de agosto de 2020 foi autorizada a seguinte utilização: indústria com uso de destilaria.
Em 29 de outubro de 2020 o Executado submeteu o pedido de licenciamento industrial no âmbito do Sistema da Indústria Responsável (S/R), junto do Baição empreendedor - cfr. fís. 37 v° a 38 v° dos autos; A Alfandega de Aveiro, Delegação da Figueira da Foz, reconheceu, em 27 de novembro de 2020, a EE o estatuto de depostário autorizado com o n° IEC PT0...2 ...82 para a categoria S200 (bebidas espirituosas) e reconheceu a instalação sita na ... das ..., ... ..., descrita na CRP ..., sob o n° ...15, como entreposto fiscal de produção, pequena destilaria com o n° PT...01 - fís. 39 e v. °
Do NU/P n° 13/20.... da Aifandega Aduaneira, Delegação da Figueira da Foz, decorre, para além do mais, o seguinte: Auto de selagem realizado no dia 30 de outubro de 2019 do portão em chapa canelada, que é o único acesso ao edifício da destilaria, sita em ..., ..., ..., com seio em plástico com o n° 0000005DAFCinserto; Auto de desseiagem e transferência lavrado no dia 04 do mês de dezembro de 2020, do portão em chapa canelada, único acesso à destilaria “casa ...” possuidor do seio n° 0000005DAFC. Do respetivo relatório fotográfico constam, para além do mais, as seguintes legendas: pormenor do portão metálico selado de acesso ao estabelecimento com marcas de arrombamento; plano geral das alterações efetuadas no local dos depósitos de destilação, nomeadamente colocação de piso; plano geral das alterações efetuadas no local da caldeira e depósito do engaço, nomeadamente colocação de cobertura Os Executados juntaram aos autos duas faturas-recibos, emitidas por A... em 14 de novembro de 2019 e por B..., S.A. emitida em 30 de dezembro de 2019.
(...) Em face do exposto, concluímos que a destilaria e respetiva atividade encontram-se devidamente licenciados e, nessa medida, mostra-se cumprida a decisão exequenda.
Cumpre agora apreciar se entre o trânsito em julgado da decisão exequenda e o licenciamento da destilaria e respetiva atividade, os Executados praticam atos violadores dos direitos dos Exequentes.
Por reporte a esse período de tempo, os Exequentes sustentam que a destilaria esteve em funcionamento nos seguintes dias e meses do ano de 2020
28 de fevereiro
5, 6, 7, 10, 11, 13, 14, 18, 27 a 28 de março;
11, 18, 25 de abril;
9 e 22 de maio;
por referência aos dias que a Exequente CC anotou no calendário que tem na cozinha.
Recorde-se que a declarante referiu que fazia as mencionadas anotações quando via carros a passar, via a baganha, ouvia pessoas a falar ou a caldeira a funcionar.
Como referido, o Tribunal deslocou-se ao local e verificou (dos locais indicados pela Exequente) ser impossível à Exequente apreender, com concretude, o que se passava na destilaria, a partir da sua casa. Veja-se o que ficou a constar do auto de inspeção ao local:
Fotografia n° 25 -perspetiva da casa dos Embargantes e da Destilaria
Fotografia n° 18 - visão / visibilidade da/para a casa dos exequentes a partir do exterior da destilaria.
Fotografia n° 19 - Casa do exequente (visibilidade da casa peia destilaria)
Fotografia n° 26 a 28 - Fotografias tiradas da varanda (fotografia 32) do exequente na direção da destilaria Fotografias n° 29 a n° 31 - Fotografias tiradas da janela da casa do exequente, vista da janela na direção da destilaria
Fotografia n° 33 - prédio dos Exequentes; face interior muro dos Exequentes já referido nas fotografias n° 21 e n° 22 (nestas, face exterior);
Fotografia n° 34 - Vista para a destilaria no limite da propriedade do exequente (muro fotografado anteriormente)
Ou seja: a Exequente podia ouvir carros e pessoas, mas isso não significa que a destilaria estivesse em atividade.
Ainda que reportado a um período que não releva para os autos, verifica-se que a Exequente terá anotado, no seu calendário, que nos dias 28 e 30 de janeiro de 2020 a destilaria funcionou durante o dia - cfr. fls. 115 dos autos.
Acontece que, em fevereiro de 2020 o Senhor Fiscal NN, no âmbito das suas funções, elaborou informação da qual resulta que realizou deslocações ao local, nomeadamente nos dias 28 de janeiro de 2020, pelas 10h30 e no dia 30 de janeiro de 2020 pelas 15h30 e que o edifício encontra-se aparentemente encerrado, com as portas fechadas, não havendo indícios de presença humana; não se vislumbrou indícios de laboração da suposta atividade, não se verificando a saída de fumos das chaminés no edifício. Por outro lado, não podemos deixar de assinalar um facto de conhecimento público - o dever geral de recolhimento domiciliário imposto na decorrência do estado de emergência, que entrou em vigor em 22 de março de 2020 e se prolongou até 02 de maio. Deste modo, considerando o exposto e nomeadamente que, do prédio dos Exequentes não é possível ver, com a mínima clareza o que se passa na destilaria e, considerando a assinalada incongruência entre o que a Exequente assinalou no sobredito calendário e o resultado da fiscalização, ficamos na dúvida sobre se a destilaria esteve em atividade nos dias indicados pela Exequente, ou se se tratou apenas do barulho de um carro e /ou pessoas a falarem (como, por exemplo, o veiculo do Senhor Fiscal e este).
Ademais, a Exequente não identificou, com concretude, por reporte aos dias que assinalou, qual o ato violador dos seus direitos perpetrado pelos Executados. Ou seja, se foram emitidos fumos e fuligens, produzidos/emtidos ruídos, cheiros, águas residuais, ..., O que releva visto que os Executados foram condenados em sanção pecuniária compulsória por cada infração (ou ato violador) e não por cada dia de (pretensa) atividade da destilaria.
Face ao que acima expusemos, temos, porém, por certo, que no dia 20 de maio de 2020 a destilaria estava em atividade e emitiu fumos, por assim ter sido atestado pela GNR local.
É certo que o Executado declarou que a destilaria esteve selada até dezembro de 2020. Porém, como o Executado bem sabe e, por outro lado, resulta do expediente lavrado na sequência do auto de desselagem (presenciado pelo Executado), o portão metálico selado de acesso ao estabelecimento estava com marcas de arrombamento.
Tanto assim é que no assinalado dia 20 de maio de 2020 encontravam-se na destilaria, não o Senhor JJ - pretensamente a testar a caldeira -, conjuntamente com outras pessoas, a destilar.
3. Fundamentos.
3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.
Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ainda ser restringido, expressa ou tacitamente, pelo próprio recorrente, no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (art.° 635.° n.°s 2, 1.9 parte, 3 e 5 do CPC).
A acção executiva, que visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado, tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (art.°s 2.°, n.°s 1 e 2, e 10.°, n.°s 4 e 5, do CPC). A acção executiva visa a realização coactiva de uma prestação ou de um seu equivalente pecuniário. A exequibilidade da pretensão, na qual se contém a faculdade de exigir a prestação, e, portanto, a possibilidade de realização coactiva desta prestação, deve resultar do título. O titulo deve, portanto, incorporar o direito de execução, quer dizer, o direito do credor a executar o património do devedor - ou de um terceiro - para obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação (art.°s 817.° e 818.° do Código Civil).
O objecto da acção executiva é necessariamente, e apenas, um direito a uma prestação, visto que só este direito impõe um dever de prestar e só este dever de prestar pode ser imposto coactivamente. Quando a prestação devida consista na prestação de um facto positivo, ou seja, numa obrigação de facere, o direito que o título deve incorporar é o de exigir a realização dessa prestação. Se esse facto for fungível - quer dizer, quando para o credor seja indiferente que se ele seja realizado pelo devedor ou pelo terceiro - o objecto da execução, é distinto, quando, apesar da mora do devedor, o credor mantém o interesse na sua realização e quando, por essa mora ou por outra circunstância, o credor perdeu o interesse na prestação. O credor que permanece interessado na realização do facto pode requerer a prestação do facto por outrem à custa do devedor e a indemnização dos prejuízos causados com a mora (art.°s 804.°, n.° 1, e 828.° do Código Civil e 868.°, n.° 1, 1^ parte, do CPC); se o credor perdeu interesse na realização do facto, pode requerer uma indemnização pelos prejuízos sofridos com o incumprimento da prestação (art.° 868.°, n.° 1, 2.^ parte, do CPC)[1]. Se a execução tiver por objecto prestação de facto negativo, aquela destina-se a remover ou a ressarcir as consequências da violação do dever de omissão; dado que se trata de uma obrigação de non facere, a execução da obrigação correspondente, visa remover aquilo que foi indevidamente praticado ou, quando isso se não mostre possível, ressarcir os prejuízos suportados pelo credor. Nesta hipótese, o objecto da execução não coincide com a obrigação de non facere, sendo, assim, diferente da obrigação que consta do título executivo. Se o facto praticado criou uma situação irremovível e, como tal insuscpetível de ser reparada in natura, objecto da execução só pode ser a indemnização compensatória e eventual quantia correspondente à sanção pecuniária compulsória (art.° 566.°, n.° 1, do Código Civil, e 876.°, n.° 1, do CPC).
Sendo o objecto da acção executiva uma pretensão - i.e., uma faculdade de exigência da prestação que é correlativo de um poder de aquisição dessa prestação - tal pretensão mantém, na execução, todas as características do seu regime substantivo. É, por isso, que são oponíveis à pretensão todas as excepções peremptórias como, por exemplo, o cumprimento ou a verificação de uma condição resolutiva a que esteja submetida (art.°s 578, n°s 1 e 3, 729.°, g), 2.^ parte, e 731.° do CPC).
A exequibilidade intrínseca da pretensão respeita à inexistência de qualquer vício material ou excepção peremptória que impeça a realização coactiva da prestação. Essa exequibilidade é, na realidade uma condição processual de procedência, ou seja, uma condição da qual depende a concessão de tutela jurisdicional que, no caso concreto, é a execução da prestação.
Uma das situações típicas de não accionabilidade da pretensão é, pois, o cumprimento, ou qualquer outro facto extintivo da obrigação, como por exemplo, a verificação de uma condição resolutiva que eventualmente lhe tenha sido aposta, que constituem uma excepção peremptória (art.° 576.°, n°s 1 e 3, do CPC).
O acto decisório que serve de suporte à execução determinou o encerramento imediato do estabelecimento industrial de destilaria dos executados e a proibição do exercício, por estes, da actividade industrial correspondente, enquanto não forem implementadas e executadas as obras ou necessárias e medidas adequadas a evitar a emissão de resíduos, cheiros e águas residuais para o prédio dos autores ou enquanto não se encontrarem devidamente licenciados.
Numa primeira aproximação, pareceria que estamos perante obrigações alternativas, que, consabidamente, se caracterizam pela pluralidade de prestações, das quais basta realizar uma para configurar ou para que se dê o cumprimento. Postulam, por isso, uma única obrigação, com duas ou mais prestações de que o devedor se exonera quando efectuar a prestação que for escolhida (art.° 543.°, n.° 1, do Código Civil). Na falta de determinação contrária - e numa manifestação do favor debitoris - a escolha compete ao devedor (art.° 543.°, n.° 2, do Código Civil). A escolha da prestação é livre, pelo que o devedor, cabendo-lhe a escolha, pode optar pela pior prestação, podendo fazê-lo até ao cumprimento, sob pena de, caso o retarde, se constituir em mora.
Todavia, julga-se mais exacto perspectivar o comando preceptivo contido na decisão que serve de suporte às pretensões executivas, a partir do instituto da condição, evidentemente com as adaptações que decorrem da circunstância de a condição resultar aqui, não de convenção negocial, mas de um acto de jurisdição.
O Código Civil dá esta noção de condição: cláusula contratual típica que vem subordinar a eficácia de uma declaração de vontade a um evento futuro e incerto (art.° 270.°). Depois de dar esta noção, o mesmo Código procede a um distinguo entre a condição suspensiva e a condição resolutiva. A condição diz-se suspensiva quando o negócio só produza efeitos após a verificação do evento; a condição é resolutiva sempre que o negócio deixe de produzir efeitos após a eventual verificação do evento em causa (art.° 270.°).
Além desta classificação legal, a condição é susceptível de uma multiplicidade de classificações de origem puramente doutrinal[2]. Por relevar para a economia do recurso, destaca-se a ordenação das condições que as separa entre as condições casuais e potestativas, condições de momento certo e de momento incerto, e condições automáticas e condições exercitáveis.
Assim, a condição pode ser casual ou potestativa, conforme o evento de que dependam se traduza num facto alheio aos participantes ou, pelo contrário, emirja da vontade de um deles, caso em que este último recebe o direito potestativo de deter ou desencadear a eficácia do negócio. A condição casual pode depender dum facto natural, dum acto de terceiro ou dum acto social ou administrativo.
As condições podem ser de momento certo ou de momento incerto, conforme ocorra numa ocasião prefixada, ainda que incerta ou numa ocasião indeterminada, podendo ainda ser automáticas ou exercitáveis, de harmonia com a desnecessidade ou a necessidade, para a sua eficácia, de qualquer manifestação de vontade.
A condição seja ela suspensiva ou resolutiva, mesmo quando releva só da autonomia privada das partes deve ser respeitada; é claro, que mais o deve ser quando resulte de decisão judicial (art°s 270°, 405.° e 406.° n° 1 do Código Civil).
A pendência da condição cessa com a verificação ou não verificação; a certeza de que a condição se não verificará equivale à não verificação (art.° 275.° do Código Civil). Verificada a condição os seus efeitos retrotraem-se, em princípio, à data da conclusão do negócio a que foi aposta. Portanto, sendo resolutiva, aquele negócio tem-se como não celebrado (art.°s 276.° e 277.° do Código Civil).
Os efeitos da verificação ou do preenchimento da condição vêm claramente marcados na lei: a produção dos efeitos do acto, tratando-se de condição suspensiva; a cessação desses mesmos efeitos, se a condição for resolutiva. A regra é a de que, esse desencadeamento ou essa cessação sejam retroactivos (seja resolução e não dissolução); mas a isso pode opor-se a natureza do negócio ou a vontade das partes, ou no caso de constar de acto judicial, do seu significado e sentido (art° 276.° do Código Civil).
Para o problema, sempre sensível, do ónus da prova da verificação da condição, a lei disponibiliza uma previsão específica: esse ónus recaiu sobre o autor, se o direito que invoca estiver sujeito a condição suspensiva, ou sobre o réu, se essa condição for resolutiva (art.° 343.°, n.° 3, do Código Civil).
Na espécie sujeita, a decisão judicial no qual se fundam as pretensões executivas deduzidas pelos apelantes, impôs aos apelados uma obrigação de facere - encerrar o seu estabelecimento industrial - e uma obrigação de non facere - a inibição do exercício da actividade correspondente, mas subordinou uma e outra obrigação a uma condição resolutiva alternativa potestativa: a realização das obras ou necessárias e medidas adequadas a evitar a emissão de resíduos, cheiros e águas residuais para o prédio dos autores ou o licenciamento. Verificada uma qualquer destas condições, as obrigações de encerramento do estabelecimento e de proibição do exercício da actividade industrial nele prosseguida, consideram-se resolvidas, i.e., extintas, embora não retroactivamente - mas apenas a partir do momento da verificação da condição subordinante.
Como decorre do acórdão que serve de título ao accionamento executivo, os executados exerciam no seu prédio a actividade industrial de destilação de aguardente a partir de engaço de uvas e de outros frutos. E foi o exercício dessa actividade que aquele mesmo Acórdão lhes proibiu, designadamente enquanto não se encontrarem devidamente licenciados, acto decisório que, do mesmo passo, lhes cominou, uma sanção pecuniária compulsória por cada acto violador do direito dos autores.
Não é isento de dúvida, em face da decisão que serve de fundamento à execução, o que se deve entender, por um lado, por licenciamento devido e, por outro, por acto violador do direito dos autores.
O Sistema de Indústria Responsável (SIR) - aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.° 169/2012, de 1 de Agosto, na sua redacção actual - estabelece os procedimentos necessários, designadamente ao acesso a actividade industrial, entendendo-se como tal a actividade económica prevista na Classificação Portuguesa de Actividades Económicas - CAE - ver. 3 - aprovada pelo Decreto-Lei n.° 381/2007, de 14 de Novembro - como sucede com a indústria de bebidas (art.° 1°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 169/2012, de 1 de Agosto, Anexo I, Parte I, Secção C, Divisão 11, do Decreto-Lei n.° 73/2015, de 11 de Maio, na sua redacção actual)
Os estabelecimentos comerciais classificam-se em 3 tipos: o tipo I inclui estabelecimentos cujos projectos de instalação se encontrem abrangidos por, pelo menos, um dos seguintes regimes jurídicos: regime jurídico de impacto ambiental (RJAIA); regime jurídico de prevenção integrada da poluição (RJPCIP), referido no capítulo II do regime jurídico de Emissões Industriais (REI); regime jurídico da prevenção de acidentes graves que envolvam substâncias perigosas (RPAG); realização de operações de gestão de resíduos que careçam de vistoria prévia à luz do regime de prevenção, produção e gestão de resíduos (art.° 11.°, n.°s 1 e 2, a) a c) do Decreto-Lei n.° 169/2012, de 1 de Agosto).
Os estabelecimentos industriais de tipo II, são os não incluídos no tipo I, abrangidos pelo regime do comércio europeu de gases com efeito de estufa (CELE) ou em que seja necessária a obtenção de alvará para a gestão de resíduos que dispensem vistoria prévia, com excepção dos estabelecimentos identificados na parte 2-A do anexo ao SIR (art.° 11.°, n.° 3 do Decreto-Lei n.° 169/2012, de 1 de Agosto).
Os estabelecimentos industriais de tipo III, classificam-se por exclusão de partes: são os não abrangidos pelos tipos I e II (art.° 11.°, n.° 4, do Decreto-Lei n.° 169/2012, de 1 de Agosto).
Esta classificação dos estabelecimentos industriais releva, desse logo, para a determinação do regime jurídico aplicável à sua instalação e exploração: os estabelecimentos de tipo I, II e II, estão sujeitos a procedimento com vistoria prévia, procedimento sem vistoria prévia e a mera comunicação prévia, respectivamente (art.° 12.° do Decreto-Lei n.° 169/2012, de 1 de Agosto).
As operações urbanísticas a realizar para a instalação de estabelecimentos industriais regem-se pelo RJUE (art.° 17.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 169/2012, de 1 de Agosto). Tratando-se de estabelecimentos do tipo III, cuja instalação envolva a realização de operações urbanísticas sujeitas a controlo prévio, deve ser obtida autorização de utilização ou certidão comprovativa do respectivo deferimento tácito, antes de ser apresentada a mera comunicação prévia ao abrigo do SIR (art.° 17.°, n.° 5, do Decreto-Lei n.° 169/2012, de 1 de Agosto).
O procedimento de mera comunicação prévia consiste na inserção no “Balcão do Empreendedor” dos dados necessários à caracterização do estabelecimento e da respectiva actividade, submissão a que se segue a emissão pelo “Balcão”, imediata e automática, do título digital de exploração, entendendo-se como tal o título relativo à instalação e exploração de um estabelecimento industrial, que constitui declaração de reconhecimento e comprova perante qualquer autoridade o cumprimento das normas legais e regulamentares constantes dos regimes jurídicos no âmbito do SIR (art.°s 2.° e 33.°, n.°s 1 e 4, do Decreto-Lei n.° 169/2012, de 1 de Agosto).
Os estabelecimentos industriais de bebidas - como é o caso do estabelecimento dos executados, não está abrangido pelo RJAIA - aprovado pelo Decreto-Lei n.° 151-B/2013, de 31 de Outubro, na sua redacção actual (art.° 3.° e Anexos I e II), pelo RJPCIP - aprovado pelo Decreto-Lei n.° 129/2013, de 30 de Agosto, na sua redacção actual (art.° 2.° e 29.° e Anexo I), pelo RPAG - aprovado pelo Decreto-Lei n.° 130/2015, de 5 de Agosto (art.° 2.°) nem pelo regime geral de gestão de resíduos - aprovado pelo Decreto-Lei n.° 102-D/2020, de 10 de Dezembro). Do que decorre esta conclusão expressiva: o seu regime de licenciamento é o da mera comunicação prévia.
Este conjunto de considerações torna patente o seguinte: que para a instalação do estabelecimento industrial dos executados são necessários dois actos autorizativos da administração: o de licenciamento da operação urbanística e de utilização do imóvel, da competência da administração autárquica; o de licenciamento da instalação e de exploração do estabelecimento industrial, da competência da administração central.
Dada a exigência de dois actos autorizativos da administração é, pois, pertinente perguntar o que se deve entender pela expressão devido licenciamento, contida no acórdão que constitui o título executivo.
Há, pois, que proceder à sua interpretação.
3.3. Interpretação da decisão judicial.
A decisão judicial é o acto através do qual o tribunal extrai da matéria de direito e de facto apreciada uma consequência jurídica. Trata-se, naturalmente, do principal acto processual do tribunal, no qual julga, seja por iniciativa própria seja em resposta a um pedido da parte, uma qualquer questão que lhe compete apreciar.
Como qualquer acto processual, a decisão judicial está sujeita às inelimináveis deficiências de linguagem como meio de veiculação do pensamento. Só esta constatação seria suficiente para tornar patente a necessidade da sua interpretação.
Mesmo quando o seu sentido pareça estar bem à vista, deve essa primeira impressão, colhida uti oculi, ser contrastada por uma séria reflexão e só depois disso se poderá ter como realmente claro e de plana inteligência a decisão considerada.
São múltiplos os casos em que a controvérsia gravita, precisamente, em torno da interpretação da sentença: na individualização dos limites, objectivos e subjectivos, da res judicata, ou simplesmente do seu valor como precedente - e na sua execução.
Devendo ter-se por adquirido que a interpretação da decisão judicial não tem por objecto a reconstrução da mens judieis - mas a descoberta do sentido preceptivo que se evidencia no texto do acto processual, a determinação da estatuição nele presente, resta saber a que princípios regulativos deve obedecer essa actividade interpretativa.
Visando a interpretação da decisão determinar o seu sentido juridicamente relevante, segue-se que a questão da interpretação do acto-decisão surge absorvida no problema mais vasto da interpretação do acto jurídico. Neste contexto, compreende-se o procedimento de assimilação da decisão judicial a outras categorias de actos jurídicos, de modo a possibilitar o uso de instrumentos interpretativos para eles dispostos no direito positivo.
Nem noutro sentido se orienta a jurisprudência, que, partindo da caracterização da decisão judicial como acto jurídico receptício, tem sustentado, de forma repetida, que à interpretação da sentença devem aplicar-se os critérios definidos no art.° 236 do Código Civil, aplicável, por força de remissão expressa, também a actos não negociais, portanto, a actos puramente funcionais que não possam considerar-se actos marcados pela liberdade de celebração (art° 295 do Código Civil)[3] .
Por aplicação deste critério, a decisão judicial deve ser interpretada de acordo com o sentido que o declaratário normal, colocado na posição real do declaratário - a parte - possa deduzir do seu contexto[4].
Nestas condições, a violação das regras de interpretação da decisão judicial resolve-se num error in judicando e não num vício de actividade e a tarefa interpretativa releva, não da quaestio facti, antes se reconduzindo à questão-de-direito.
Dado que a tarefa interpretativa se dirige à individualização do sentido preceptivo da decisão, a interpretação deve incidir, preferencialmente, sobre a decisão em sentido estrito, quer dizer, sobre a parte decisória ou dispositiva, na qual se contém a decisão de condenação ou de absolvição (art.° 607.°, n.° 3, in fine, do CPC). Todavia, como a decisão se encontra sempre referenciada a certos fundamentos, visto que é a conclusão de certos pressupostos de facto e de direito, é licito recorrer à motivação da decisão para se estabelecer o exacto significado do decisum, da estatuição que encerra. Pode-se, mesmo, ir mais longe: se a decisão representa o conclusuum de um procedimento, ela pode ser interpretada à luz da globalidade dos actos que a precederam, quer se trate de actos das partes ou de actos do tribunal.
No caso, deu-se como provado no acórdão desta Relação que os réus exercem o comércio de aguardente, sem alvará, nem inspecção ou licença e escreveu-se, nos seus fundamentos, que a actividade levada a cabo pelos réus no seu estabelecimento encontra-se sujeita a licenciamento prévio por parte da Câmara Municipal ..., licenciamento que não existia sendo tal actividade exercida de modo ilegal.
Aquele acórdão parece, assim, ter partido do princípio, que o licenciamento exigível é o da operação urbanística e da utilização da edificação, da competência daquele órgão autárquico. Todavia, como já se detalhou, a instalação e o funcionamento de um estabelecimento industrial depende de, pelo menos, dois actos autorizativos da administração: a autorização da operação urbanística e de utilização das instalações industriais - da competência de ente autárquico - a autorização de exercício da actividade industrial - da competência da administração central.
Considerada a razão material subjacente ao encerramento do estabelecimento e à proibição de exercício da actividade industrial e às condições dispostas no acórdão - a protecção de direitos ou bens de personalidade da exequente e, bem assim, do seu direito real de propriedade - a boa interpretação do Acórdão é a de que por licenciamento devido se deve entender a obtenção de todos os actos autorizativos necessários à instalação e funcionamento do estabelecimento industrial.
Os actos autorizativos são actos permissivos, dado que permitem a adopção pelo administrado de uma conduta ou a omissão de um comportamento que, de outro modo, lhe estariam vedados, pelo que a autorização é o acto pelo qual a administração permite o exercício de um ou direito ou de uma competência pré-existente, mas que está condicionado pela necessidade de obter uma decisão prévia da administração. Em face do acórdão e dos fundamentos em que se apoia, é suficiente, para o que o comando injuntivo que contém se julgue acatado, que sejam obtidos os apontados actos autorizativos, ainda que o seu beneficiário seja uma pessoa diversa dos executados: o que releva é a permissão de exercício da actividade industrial que, sem eles, está vedada aos executados, uma vez que importa é que, objectivamente, a instalação e a exploração do estabelecimento industrial sejam lícitas.
O acto decisório que serve de suporte à execução determinou o encerramento imediato da destilaria e da respetiva atividade enquanto não forem implementadas e executadas as obras ou necessárias e medidas adequadas a evitar a emissão de resíduos, cheiros e águas residuais para o prédio dos autores - CC e cônjuge, DD - ou enquanto não se encontrarem devidamente licenciados.
Assim, por aplicação das mesmas regras de interpretação, por actos violadores dos direitos dos autores, exequentes, deve entender-se os que se traduzam na emissão nociva de resíduos, cheiros e águas residuais para o prédio daqueles. Desta constatação decorre que a violação da proibição de encerramento do estabelecimento e de inibição do exercício da actividade industrial de destilação de bebida espirituosa - aguardente - a partir do engaço de uvas e de outras plantas, sendo embora ilícita, por infringir o comando contido no acórdão, não é, de per se, um acto violador dos direitos dos exequentes, dado que tal ofensa só se se verifica se dessa contravenção resultarem emissões nocivas.
De outro aspecto, apenas, apenas se devem ter por violadores dos direitos dos autores os actos dos réus praticados na pendência da proibição de funcionamento do estabelecimento e de exercício da actividade para que se mostra vocacionado, e já não também os praticados depois da verificação de uma das condições alternativas apostas àquela proibição - v.g. o licenciamento do estabelecimento e da respectiva atividade.
E este também o sentido que a exequente dá ao título executivo, dado que se liquidou a sanção pecuniária nele cominada por referência aos dias em que o estabelecimento esteve em funcionamento, o mesmo é dizer, em violação da proibição e da inibição que lhes foi judicialmente imposta.
O mesmo Acórdão cominou aos executados uma sanção pecuniária por cada acto de violação dos direitos dos autores, o que, implícita e necessariamente, assenta na vinculação a uma prestação de facto negativo, que além de duradoura - domínio por excelência daquela sanção - deve ter-se por naturalmente infungível. Sanção que foi fixada, não por unidade de tempo - mais talhada para as prestações de facto positivo - mas por cada infracção ou contravenção ulterior da obrigação, mais adequada nas prestações de facto negativo, i.e., por cada emissão nociva.
O mecanismo legal consente conclusões extremamente precisas quanto à razão de ser da sanção, o seu sentido e o seu alcance.
A sanção surge, desde logo, como um meio de constrangimento destinado a pressionar o obrigado recalcitrante, de modo a acatar a decisão do juiz e a cumprir a sua obrigação, sob pena de lhe serem infligidos determinados prejuízos. De acordo com o preambulo do diploma legal que a inseriu no Código Civil - o Decreto-Lei n.° 263/83, de 16 de Junho - ela tem uma dupla finalidade de moralidade e eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto, por outro se favorece a execução específica das obrigações de facto ou de abstenção infungíveis. Razão pela qual a nossa literatura jurídica vê nela um instrumento coercitivo, não hesitando, alguns autores e jurisprudência estrangeira, em considerar estar-se aqui perante um meio de constrangimento não patrimonial - mas sim pessoal. Portanto, o seu fundamento final, não é a reparação de danos causados pela falta de cumprimento pontual - mas o de dobrar ou vergar a vontade do devedor rebelde. Do que decorre esta consequência irrecusável e expressiva: a sanção pecuniária apenas vale para violações da obrigação que venham a ocorrer no futuro, posteriormente à sua cominação e não para violações anteriores.
No nosso caso, a sanção compulsória apenas é aplicável às violações ocorridas depois do trânsito em julgado do acórdão que a cominou, ocorrido em 26 de Fevereiro de 2020. Ponto que os exequentes não levaram em devida e boa conta, ao pedirem a cominação da sanção para uma pluralidade de violações - supostamente - ocorridas em data anterior àquele trânsito, sanção cuja quantidade, aliás, os exequentes não liquidaram, como deviam, logo no requerimento executivo (art.° 716.°, n° 1, do CPC). A rejeição da sua pretensão quanto a estas violações é, assim, meramente consequencial. De outro aspecto, a sanção também só será exigível, evidentemente, até ao momento da verificação de qualquer das condições a que as obrigações de encerramento e a proibição do exercício da actividade foram subordinadas, dado que, verificada qualquer das condições, as obrigações - de facere - de encerramento do estabelecimento industrial - de non facere - de inibição do exercício da actividade de destilação de bebida espirituosa, se devem considerar extintas.
A exacta determinação do âmbito do recurso importa ainda outro esclarecimento complementar.
O problema de saber se um acto autorizativo administrativo, que exclui a ilicitude no âmbito do direito administrativo, deverá também ser considerado como causa justificativa o domínio jurídico-civil é particularmente complexo[5].
Uma solução possível é a de delimitar o âmbito da aplicação da norma de justificação ao domínio específico de que ela faz parte, deixando incólume a norma de ilicitude pertencente a outros ramos de direito. Assim, por exemplo, uma licença de construção civil exclui apenas a ilicitude segundo as normas do direito urbanístico e de edificações urbanas - mas não exclui a ilicitude no campo do direito civil. Portanto, apesar de a actividade destinatária de uma autorização ser valorada como lícita pela ordem jurídico- administrativa, ela pode ter de suportar, em alguns casos, a actio negatória de terceiros e acções de responsabilidade extracontratual por actos ilícitos.
A autorização administrativa opera como causa justificativa no âmbito do direito administrativo, mas não se transfere ipso facto para o direito civil. O acto autorizativo jurídico-público deixa, por isso, imperturbados os direitos de terceiro modelados pela lei civil. Está nestas condições, por exemplo, a autorização de construção ou utilização que deve limitar-se a reconhecer e a conotar juridicamente o ius aedificandi ou a utilização do edifício - e já não a obrigar terceiros a tolerar efeitos resultantes do exercício, pelo beneficiário da autorização, da actividade privada de construção, autorizada pela administração. O mesmo sucede com o ato autorizativo de instalação e exploração de um estabelecimento industrial: o acto administrativo correspondente não conforma jurídico-materialmente a relação jurídica civil, não produzindo quaisquer efeitos preclusivos dos direitos de terceiros[6].
Serve isto para dizer que apesar do ato autorizativo da administração de instalação e exploração de um estabelecimento comercial, o seu funcionamento pode ser causa de emissões nocivas e de violação de direitos pessoais ou patrimoniais de terceiros. Mas isto, para o nosso caso é indiferente. Dado que estamos em plena execução de prestações, positivas e negativas, definidas por um titulo executivo apenas nos interessa averiguar se essas prestações se mostram ou não cumpridas, pelo que ainda que o estabelecimento dos executados, apesar de licenciado, continue a constituir causa de lesão para direitos da exequente, uma tal questão não constitui objecto, quer da execução quer do recurso, sendo certo que, segundo o título, a ilicitude da conduta dos apelados decorre da falta dos actos administrativos autorizativos necessários, como linearmente resulta da circunstância de o encerramento do estabelecimento e de proibição do exercício da respectiva industrial terem sido subordinados, designadamente, à obtenção dos apontados actos permissivos da administração.
Em qualquer caso, sempre seria de exigir a prova autónoma de que, apesar do licenciamento, a exploração ou o funcionamento do estabelecimento, violam direitos pessoais ou reais, prova para o qual a acção executiva não é, patentemente, a sede adequada. O mesmo sucede, aliás, com a impugnação dos atos autorizativos da administração, para a qual os tribunais comuns nem sequer são competentes. Assim, por exemplo, convém recordar à exequente que o título digital de autorização de instalação do estabelecimento industrial é susceptível de reacção contenciosa - nos tribunais administrativos (art.° 83-A, do Decreto-Lei n.° 169/2012, de 1 de Agosto).
A sentença impugnada no recurso estatuiu apenas sobre dois objectos: a pretensão de encerramento do estabelecimento industrial dos executados, relativamente à qual extinguiu, por inutilidade superveniente da lide, a instância executiva; a liquidação da sanção pecuniária compulsória cominada àquelas no título que serve se suporte à execução que a decisão recorrida liquidou em € 250,00 e que, numa repetição escusada, condenou no pagamento.
A apelante, naturalmente, discorda já que no seu ver a decisão recorrida incorreu, desde logo num error in iudicando da matéria de facto relevante por erro na apreciação ou aferição das provas.
Apesar da dificuldade de compreensão da racionalidade da sentença impugnada - que constitui um amontoado, desordenado e desconexo, de factos, provas e vicissitudes processuais e procedimentais, sem discriminação ou individualização sequer dos factos que teve por provados ou não provados nem indicação, especificada ou não das razões de direito em que apoiou o seu veredicto - a conjugação do seu conteúdo com a impugnação da recorrente permite isolar os factos essenciais que, segunda a apelante, foram julgados em erro: a realização das obras ou a obtenção do licenciamento do instalação e funcionamento do estabelecimento industrial dos executados; o número das violações por estes dos direitos dos exequentes e, consequentemente, o valor da sanção pecuniária devida pelos executados aos exequentes e que deve ser objecto da satisfação coactiva na execução, através da constituição da garantia patrimonial representada pela penhora e da execução dessa garantia através, v.g., da venda executiva dos bens penhorados.
Há, portanto, que tornar patentes os parâmetros dos poderes de controlo que são assinalados a esta Relação relativamente à decisão da matéria de facto do tribunal do Tribunal de que provém o recurso.
3.3. Error in iudicando por erro em matéria de provas.
3.3.1. Finalidades e parâmetros sob cujo signo são actuados os poderes de controlo desta Relação relativamente à decisão da matéria de facto.
O controlo da Relação relativamente à decisão da matéria de facto pode ter, entre outras, como finalidade, a reponderação da decisão proferida. A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar - e substituir - a decisão da 1^ instância, designadamente se a prova produzida - designadamente a prova pessoal produzida na audiência final, desde que tenha sido objecto de registo - impuser decisão diversa (art.° 640.°, n° 1, do CPC).
Todavia, esse controlo é actuado na ausência de dois princípios que contribuem decisivamente para a boa decisão da questão de facto: o da oralidade e da imediação - a decisão da Relação não é atingida por forma oral - mas através da audição de registos fonográficos ou da leitura, fria e inexpressiva de transcrições - e sem uma relação de proximidade comunicante com os participantes processuais, de modo a obter uma percepção própria do material que há-de ter como base dessa mesma decisão.
Além disso, esse controlo orienta-se pelos parâmetros seguintes:
a) Do exercício da prova - que visa a demonstração da realidade dos factos - apenas pode ser obtida uma verdade judicial, jurídico-prática e não uma verdade, absoluta ou ontológica, matemática ou científica (art.° 341.° do Código Civil);
b) A livre apreciação da prova assenta na prudente convicção - i.e., na faculdade de decidir de forma correcta - que o tribunal adquirir das provas que foram produzidas (art.° 607.°, n° 5, do CPC).
c) A prudente obtenção da convicção deve respeitar as leis da ciência, da lógica e as regras da experiência - entendidas como os juízos hipotéticos, de conteúdo geral, desligados dos factos concretos objecto do processo, procedentes da experiência, mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram deduzidos e que, para além desses casos, pretendem ter validade para casos novos - e que constituem as premissas maiores de facto às quais são subsumíveis factos concretos;
d) A convicção formada pelo juiz sobre a realidade dos factos deve ser uma convicção subjectiva fundada numa convicção objectiva, assente nas regras da ciência e da lógica e da experiência comum ou de normalidade maioritária e, portanto, uma convicção cognitiva e não volitiva, voluntarista, subjectiva ou emocional.
e) A convicção objectiva é uma convicção argumentativa, i.e., demonstrável através de um ou mais argumentos capazes de se impor aos outros;
e) A apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica - de evidence and inference, i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis: os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis[7].
Note-se - de harmonia com a doutrina que se tem por preferível - que se a Relação tem o dever de proceder ao exame crítico das provas - novas ou mesmo só renovadas - que sejam produzidas perante ela e de formar, relativamente às provas submetidas à sua livre apreciação, uma convicção prudente sobre essas provas - não há razão bastante - legal ou sequer epistemológica - para que não proceda àquele exame e à formulação desta convicção - e à sua objectivação - no caso de reapreciação das provas já examinadas pela 1^ instância (art.° 607.°, n° 5, ex-vi art.° 663.°, n° 2, do CPC). O controlo da correcção da decisão da matéria de facto da 1^ instância exige, realmente, que a Relação construa - autonomamente, embora com os limites decorrentes da sua vinculação à impugnação do recorrente - não só a sua própria convicção sobre as provas produzidas, mas igualmente que a fundamente[8].
A conclusão da correcção ou da incorrecção da decisão da questão de facto do tribunal da 1^ instância exige um juízo de relação ou comparação entre a convicção que o decisor de facto daquela instância extrai dos elementos de prova que apreciou e a convicção que a Relação adquire da reapreciação dessas mesmas provas. Se a convicção do juiz da 1.9 instância e da Relação forem coincidentes, a decisão da matéria de facto daquele tribunal deve ter-se por correcta, com a consequente improcedência da impugnação deduzida contra ela; se a convicção do decisor da 1.9 instância e da Relação forem divergentes, a Relação deve fazer prevalecer a sua convicção sobre o convencimento do juiz da 19 instância e, correspondentemente, revogar a decisão deste último e logo a substituir por outra conforme aquela mesma convicção[9].
A Relação deve, pois, formar uma convicção verdadeira - e fundamentada - sobre a prova produzida na 1.9 instância, independente ou autónoma da convicção do juiz a quo, que pode ou não ser coincidente com a deste último - não se limitando a controlar a legalidade da produção da prova realizada naquela instância e a aceitar o resultado do exercício da prova - salvo casos em que esse julgamento seja ilógico, irracional, arbitrário, incongruente ou absurdo[10].
3.3.2. Reponderação das provas.
Como já se observou os factos que relevam para a questão objecto da controvérsia - e do recurso - são os relativos à realização das obras e o ao licenciamento do estabelecimento industrial de destilação de bebidas espirituosas, objecto das condições resolutivas dispostas no título executivo, e aos actos de violação pelos executados dos direitos dos autores exequentes. Os factos relativos aos actos autorizativos só documentalmente - e por documento autêntico, ainda que electrónico - podem provar-se, dado que se resolvem aos actos administrativos praticados em procedimento da mesma natureza ( art.° 369, n.°s 1 e 2, do Código Civil, e 64.° do Código de Procedimento Administrativo).
E a verdade é que estão adquiridos para o processo os documentos autênticos demonstrativos da licença, titulada por alvará, de utilização do prédio dos executados para o exercício da actividade de destilaria e, bem assim, da autorização para a instalação e exploração do estabelecimento industrial correspondente. Recorde-se - como se notou - que, dado que o estabelecimento é classificado como de tipo III, ao seu licenciamento é aplicável o procedimento de mera comunicação prévia, que consiste na inserção no “Balcão do Empreendedor” dos dados necessários à caracterização do estabelecimento e da respectiva actividade, submissão que se segue, imediata e automaticamente, a emissão, pelo “Balcão do Empreendedor”, do título digital de exploração, que reconhece e comprova, perante qualquer autoridade, o cumprimento das normas legais e regulamentares constantes dos regimes jurídicos no âmbito do SIR. Título que foi emitido depois de obtida a autorização de utilização, concedida pela Câmara Municipal, que assegura a conclusão da operação urbanística e a sua conformidade da obra com o projecto aprovado e, bem assim, com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis (art.°s 4.°, n.° 5, e 62.° n.° 1, do RJEU).
A apelante acha que não está provado que o prédio tenha licença de utilização - emitida pela autarquia - ou de instalação ou exploração do estabelecimento industrial - emitida pela administração central. Em face dos apontados documentos autênticos a discordância da exequente é inteiramente desrazoável e só seria fundada se tivesse arguido a sua falsidade - o que não fez - sendo certo que não é lícito á impugnante utilizar, contra meio de prova plena, i.e., para prova de factos plenamente provados por documentos, ainda que digitais, ou outro meio de prova, a prova testemunhal e, por extensão de regime, a prova por declarações de parte, dada a pouca fiabilidade destes meios de prova (art.° 393.°, n.° 2, do Código Civil).
Maneira que, no segmento, em que concluiu que o estabelecimento industrial se mostra licenciado, a decisão impugnada é correcta.
E devendo ter-se como plenamente provado - em face do título digital emitido na sequência de comunicação prévia - que tanto a utilização do edifício como a instalação e a exploração do estabelecimento para a destilação de bebida espirituosa - aguardante - mostram devidamente licenciadas desde 27 de Novembro de 2020 - segue-se que os únicos actos relevantes de violação dos direitos dos autores relativamente aos quais há que reponderar a exactidão do julgamento são os que, alegadamente, ocorreram entre a data do trânsito em julgado do acórdão que serve de título executivo - 20 de Fevereiro de 2020 - e a data em que o estabelecimento foi licenciado, ou seja os ocorridos nos dias 22 e 28 de Fevereiro, 5 a 7, 10, 11, 13, 14, 18, 27 e 28 de Março, 11, 18 e 25 de Abril de 2020, 9 e 22 de Maio de 2020.
A sentença impugnada apenas deu como provada, com base num documento autêntico - o auto elaborado pela GNR - uma violação, ocorrida no dia 20 de Maio de 2020. Infelizmente, não atentou que os exequentes não alegaram que, nesse dia, se tenha verificado qualquer infracção, tendo-se limitado, por referência ao mês de Maio de 2020, a invocar que as contravenções ocorreram no dias 9 e 22 de Maio.
E que provas dá apelante para o erro de julgamento das datas em que ocorreram as violações que alegou?
A prova testemunhal, representada pelos depoimentos, prestados no local, no âmbito da inspecção judicial, das testemunhas MM e NN - arquitecta e fiscal da Câmara Municipal ..., respectivamente, e que intervieram no procedimento de licenciamento da competência daquele Município - e a prova por declarações de parte dos exequentes.
Os depoimentos das testemunhas MM e NN estão bem longe de confortar o ponto de vista da apelante. Desde logo porque estes asseveram que a Câmara Municipal licenciou as obras e concedeu a licença de utilização do edifício - o que a apelante, inexplicavelmente, nega; depois, porque a primeira asseverou que na vistoria que realizou ao local não havia indícios de laboração, estava tudo conforme com as telas finais apresentadas, nós temos aqui verificou-se que, não se encontrava em funcionamento qualquer actividade industrial com o uso de destilaria, encontrando-se as instalações limpas e sem vestígios de utilização imprópria, inexistência de indícios que, mais à frente, reiterou, e a segunda assegurou que no âmbito das minhas competências fui passando e estava sempre encerrado, o que sucedeu, de harmonia com a informação que elaborou, nos dias 28 e 30 de Janeiro de 2020, dias em que, segundo a recorrente a destilaria esteve em funcionamento. De resto, aquelas duas testemunhas asseguram que foram realizadas obras - que o executado, nas suas declarações também confirmou e cuja realização é, evidentemente, confirmado pelo alvará de licença - mas que ambos os exequentes, CC e DD negam, dado que, segunda a primeira, cá fora não fizeram tanques, nem fizeram nada e, segundo o último, não fizeram obras nenhumas, só fizeram o telhado, mais nada.
Uma prova cuja determinação da exacta força persuasiva levanta algumas dificuldades é as declarações de parte (art° 466.°, n° 3, do CPC). Prova que, por declaração expressa da lei, está submetida à livre convicção do juiz, salvo, naturalmente se o depoimento conduzir à confissão (art.° 466.°, n.° 3, do CPC). As declarações de parte podem, na verdade, redundar na obtenção de meio de prova de natureza distinta e com diferente valor probatório: confissão; reconhecimento de factos desfavoráveis que não possam valer como confissão; demonstração de factos favoráveis - caso em que as declarações de parte são livremente valoráveis pelo juiz (art.°s 352.° e 381.° do Código Civil e 466.° n.° 3, do CPC).
No entanto, não falta quem sustente que as declarações de parte se reconduzem à figura do início de prova e não à de um meio probatório em sentido próprio. Como o princípio de prova é o menor grau de prova - dado que sé vale apenas como factor corroborante da prova de um facto - as declarações de parte não são suficientes para estabelecer por si só, qualquer prova, mas pode coadjuvar, em conjugação com outros elementos, a prova do facto: a sua função seria, assim, eminentemente integrativa e subsidiária ou supletiva[11].
Seja como for, as declarações da própria parte - pela natureza das coisas, dado o perigo de parcialidade - devem ser avaliadas com particular prudência. O que bem se compreende: por força da qualidade de parte é natural a tendência do depoente para exprimir pontos de vista que o favoreçam e mesmo a inexigibilidade de dizer a verdade que conhece. Nalguns casos, o depoente reiterará as alegações que produziu nos articulados porque está sinceramente convencido de que a sua versão é a verdadeira. É o caso de boa fé; outras vezes, apesar de reconhecer que essa versão não é verdadeira, confirma-a por fraqueza de ânimo. Pode, finalmente, suceder, que nos articulados a parte tenha atraiçoado a verdade, tenha produzido alegações cientemente falsas: neste caso o mesmo impudor que o levou a faltar à verdade levá-lo-á a reiterar no seu depoimento essas alegações. Tudo, portanto, a aconselhar vivamente a prudência - muita prudência - na avaliação das declarações da própria parte.
E, no caso, há boas razões para ter a prova por declarações de parte dos exequentes, na hipótese mais benigna, por inconclusiva.
Decerto que a apelante - interrogada pelo seu Advogado, aliás, indevidamente, uma vez que a parte deve ser interrogada pelo juiz - afiançou que a conselho do seu Advogado marcava no calendário os dias em a destilaria funcionava, para o que aos limites da sua propriedade e via a destilaria a funcionar, ouvia a caldeira, via os carros, a baganha e ouvia-os falar, via passar os carros para baixo de via as caldeiras. Mas há-de convir-se que ouvir veículos automóveis e pessoas a falar não são exactamente sinónimos de funcionamento da destilaria. Depois, as datas apontadas pela apelante não se conjugam com as declarações do seu falecido cônjuge que declarou que a mulher é que apontava aquilo, só foi agora no ano passado que ela começou a apontar, devia ser aí no meado do ano - portanto em 2021. Como nesta data a instalação e a exploração do estabelecimento já se mostra licenciado, é meramente consequente consequencial, por um lado, a irrelevância deste troço das declarações daquela parte e, de outro, sua desconformidade com as declarações da exequente.
Depois, temos o executado, PP, a afiançar os factos contrários àqueles que foram asseverados pelos exequentes nas suas declarações. Realmente, o apelado garantiu que remodelaram-se as instalações todas, as obras começaram no mês 11 de 2019, remodelei a casa toda, o telhado, dentro das destilaria foram criadas três salas, forradas a azulejos e portas de alumínio, que fez das fosas estanques, que só abriu depois da desselarem aquilo no dia 4 de Dezembro de 2020, que foi selado em Março de 2019 pela Guarda de Coimbra, que pediu o desselamento e até Dezembro de 2020 não esteve a laborar, não podia lá mexer, só abriu em Dezembro, 4 de Dezembro
O panorama com que nos deparamos é, pois, desolador: as partes com evidente interesse no desfecho do litígio - e melhor colocadas para esclarecer os pontos de facto duvidosos, por estarem num posto de observação que lhes permite constatar presencialmente os factos controvertidos - sustentam versões inconciliáveis sobre as mesmas afirmações de facto.
Abstraindo dos estímulos divergentes da prova por declarações de parte, outras circunstâncias concorrem para diminuir ou enfraquecer a força persuasiva que se deve associar às declarações de parte dos exequentes.
Desde logo - como já se observou - as declarações da apelante não se conjugam, nalguns pontos, com as declarações do fiscal da Câmara Municipal ... - NN - que assegurou que sempre que os funcionários daquela Câmara se deslocaram ao local, a destilaria estava encerrada e sem indícios de estar a elaborar, o que sucedeu, de harmonia com a informação que elaborou, nos dias 28 e 30 de Janeiro de 2020, dias em que, segundo a recorrente a destilaria esteve em funcionamento, o que cria a dúvida sobre a correcção da percepção dos factos que relatou.
Por último, um outro motivo tolhe a força persuasiva das declarações, sobretudo da apelante: o facto, constatado pela Sra. Juíza de Direito, na inspecção que realizou ao local - que fez documentar fotograficamente - de harmonia com o qual a apelante não podia apreender, com concretude, o que se passava na destilaria a partir de sua casa.
A inspecção judicial destina-se a examinar, com ressalva da intimidade da vida privada e familiar e da dignidade humana, coisas ou pessoas, a facultar a deslocação ao local da questão ou a mandar proceder à reconstituição de factos (art.° 490.°. n.° 1, do CPC).
A doutrina salienta una voce, como traço característico da inspecção judicial, a circunstância de se tratar, além de uma prova real - porque o meio probatório consiste numa coisa - da prova directa por excelência[12]. Ao passo que, noutros meios probatórios, o juiz se vê obrigado a servir-se de intermediários, na inspecção judicial não há intermediação: o juiz é posto em contacto directo e imediato com o facto a provar. A circunstância de o juiz ser posto em contacto imediato com o facto a provar, sem que entre o juiz se interponha uma pessoa - confissão, prova pericial e prova testemunhal - ou uma coisa - prova por documentos - exerce uma influência considerável sobre a formação da convicção do julgador. Ao contrário de outros meios de prova em que lhe dão unicamente a representação de um facto, na inspecção judicial, aquele magistrado tem diante de si o próprio facto que pretende captar.
Mas isso não impõe que a inspecção deva prevalecer, de modo absoluto, sobre qualquer outro meio de prova, ou dito de outro modo, que se lhe deva reconhecer força de prova plena.
É verdade que, visando a prova estabelecer a convicção pessoal do magistrado, este deve prestar aos seus próprios sentidos maior valor do que qualquer outra demonstração; mas não está inteiramente excluída a possibilidade de o juiz ser induzido em erro pelos seus sentidos e de, portanto, a sua convicção ser formada a partir de percepções individuais inexactas.
Isto explica, decerto, a prudência da nossa lei quanto ao valor deste meio de prova. No tocante à eficácia probatória da inspecção rege, por inteiro, o princípio da prova livre: o resultado da inspecção é apreciado livremente pelo tribunal (art.° 391.° do Código Civil). O tribunal deve, por isso, atribuir aos resultados da inspecção judicial o valor que em sua consciência entender, em atenção às restantes provas e a todos os elementos de convicção disponibilizados pelo processo.
Mas esta circunstância não deve fazer esquecer duas coisas: que a prova por meio de inspecção ou reconhecimento judicial é frequentemente idónea para convencer o juiz, de modo extraordinariamente simples, da existência ou inexistência de um facto; que o juiz que a realiza está em condições, melhor que ninguém, de determinar o seu alcance probatório.
Estas características da prova por inspecção tornam particularmente difícil a substituição da Relação à 1.g instância no julgamento de um facto cuja realidade tenha sido estabelecida a partir desse meio de prova, não faltando mesmo quem sustente a insindicabilidade da convicção do juiz a quo, formada com base nessa prova[13].
Realmente, se o que que individualiza a inspecção judicial relativamente às demais provas é a percepção judicial directa, o rigor dos princípios exigiria que só pudesse decidir a matéria de facto o juiz que tenha produzido este meio de prova; se a inspecção pode ser realizada por um juiz e a matéria de facto decidida por outro, perde-se a essência mesma da inspecção.
O problema que aquela possibilidade traz imbricada é, portanto, o do valor do auto lavrado para documentar a produção daquela prova. Se a inspecção é realizada pelo mesmo juiz que deve decidir a questão de facto, o princípio da imediação vale em toda a sua extensão, de modo que a convicção do juiz se forma não de harmonia com o plasmado no auto - mas com a percepção obtida pelo juiz com os seus sentidos. Neste caso, o auto não é o fundamento da convicção, embora, claro, possa cumprir o papel de auxiliar de memória daquilo que foi percepcionado no acto; a convicção do juiz forma-se com o acto - e não com o auto; quando a valoração daquela prova não possa ser actuada de harmonia com o princípio da imediação, já o elemento de convicção não é o acto - mas o auto.
Esta constatação obriga ao distinguo lógico entre dados intrínsecos objectivos e dados intrínsecos subjectivos[14].
Tratando-se de dados intrínsecos objectivos, a convicção do juiz que não produziu essa prova - por exemplo, o tribunal de recurso - pode basear-se no auto: se neste se fez constar, por exemplo, que distância existente entre dois pontos era de 10 m, o que no terreno existia uma árvore, o segundo juiz pode partir desses dados objectivos, dando-os como certos.
Quando se trata de dados intrínsecos subjectivos, quer dizer, apreciações, conclusões ou deduções, é mais que duvidoso que o auto que documenta a inspecção possa ser usado por um juiz distinto para decidir a matéria de facto ou para controlar essa decisão. Se relativamente aos dados objectivos - que são meras constatações da percepção do juiz - é muito difícil que possam ser negados, seja elas partes seja por outro juiz, já no tocante aos dados subjectivos - os que consistem em apreciações - vale a regra contrária.
Estando fora de dúvida que a inspecção judicial é assinaladamente eficaz para esclarecer um facto que interessa à decisão da causa e, portanto, para exercer a maior influência no ânimo do juiz, ainda assim não deve excluir-se, por inteiro, a possibilidade de se censurar o erro do juiz da audiência na apreciação dessa prova, opondo-lhe outros meios idóneos para rectificar percepções individuais inexactas e para corrigir equívocos ou a violação, na valoração dos resultados a que a inspecção conduziu, de regras de ciência, de lógica ou a da experiência.
No caso, a Sra. Juíza de Direito que procedeu à inspecção, assegura que a apelante - ao contrário do que declarou - não podia aperceber-se, a partir da sua casa, do que se passava, em concreto, na destilaria, constatação que, se não destrói a razão de ciência invocada pela apelante, é suscpetível no mínimo, de a por em causa ou de impor uma reserva muito cautelosa na apreciação das suas declarações. Para se furtar a este argumento de prova - que assenta num dado intrínseco objectivo, objecto de constatação presencial pela Magistrada que levou a cabo o acto de inspecção do local - a apelante sustenta na alegação que não se poderá perder de vista, desde logo, a existência do fumo, eleva-se no ar - o que é uma evidência. Mas a apelante notará que, nas suas declarações não afiançou o facto do funcionamento da destilaria a partir da existência de fumos.
Por conseguinte, a intratável conciliação das declarações da exequente e do executado e as demais circunstâncias apontadas, geram, no mínimo, a dúvida sobre a realidade dos factos relativamente aos quais se procede à reponderação da exactidão do seu julgamento. Neste caso, face ao carácter irresolúvel da dúvida sobre a realidade dos enunciados de facto controversos, deve fazer-se intervir a regra de julgamento que decorre do ónus da prova: há que decidir contra a parte vinculado por aquele ónus - a apelante (art.°s 342.°, n.° 1 e 346.° do Código Civil e 414.° do CPC).
Considera-se, portanto, correcta a convicção argumentativa exposta na sentença apelada. E sendo isto assim, há que concluir que não há realmente razão para considerar que a Senhora Juíza de Direito tenha incorrido, no julgamento dos pontos de facto controvertidos - num error in iudicando, por erro na aferição das provas e, portanto, que a convicção que extraiu das provas não foi alcançada com o uso da prudência, i.e., da faculdade de decidir de forma correcta[15].
Não há, pois, há fundamento para alterar a decisão da matéria do Tribunal de que provém o recurso.
3.4. Concretização.
Como se expôs, o Acórdão no qual se fundam as pretensões executivas deduzidas pelos apelantes, impôs aos apelados uma obrigação de facere - encerrar o seu estabelecimento industrial - e uma obrigação de non facere - a inibição do exercício da actividade correspondente, mas subordinou uma e outra obrigação a uma condição resolutiva alternativa potestativa: a realização das obras necessárias e medidas adequadas a evitar a emissão de resíduos, cheiros e águas residuais para o prédio dos autores ou o devido licenciamento.
Ora, é seguro a verificação de, pelo menos, de uma daquelas condições: a relativa ao licenciamento, ou, mais rigorosamente, à obtenção dos dois actos administrativos autorizativos indispensáveis para a instalação e funcionamento do estabelecimento industrial dos executados: a licença da operação urbanística e da utilização da edificação para a prossecução da actividade industrial de destilação; a autorização de instalação e de exploração, para esta actividade económica, do estabelecimento.
É exacto, como salienta a apelante, que a autorização para a instalação e exploração do estabelecimento de destilaria não foi atribuída aos executados - mas a uma filha do executado. Porém, julga-se suficiente, para o preenchimento da condição disposta no título executivo, a obtenção do acto autorizativo da administração dado que o que releva, para aquele fim, é a permissão de exercício da actividade industrial que, sem ela, está vedada aos executados, uma vez que importa é que, objectivamente, a instalação e a exploração do estabelecimento industrial sejam lícitas.
Ainda que esta consideração se não julgue probante, sempre se imporia concluir pela verificação da condição alternativa aposta no acto decisório que serve de suporte à execução: a realização das obras indispensáveis à instalação do estabelecimento e sua adequação para o exercício da actividade para que está vocacionado e, portanto, também para impedir as emissões nocivas lesivas dos direitos dos exequentes. É o que, inequivocamente, resulta da licença da operação urbanística e de utilização da edificação para aquela actividade económica, emitida pela Câmara Municipal, embora essa adequação resulte, sobretudo, do acto administrativo autorizativo da administração central, dado que este reconhece e prova o cumprimento das normas legais e regulamentares constantes dos regimes jurídicos no âmbito do SIR. Se a apelante entender que as obras realizadas não são adequadas para aquelas finalidades, resta-lhe impugnar, na jurisdição administrativa, com fundamento na sua ilegalidade, o acto administrativo correspondente.
A apelante acha, no entanto, que os executados não cumpriram, nem demonstraram a observância dos requisitos legalmente exigidos pela legislação aplicável à indústria e, comércio de aguardentes e seus derivados. Mas não: o título relativo à instalação e exploração de um estabelecimento industrial, emitido na sequência do procedimento de mera comunicação prévia, tramitado no Balcão do Empreendedor, é categórico em assegurar que constitui declaração de reconhecimento e comprova perante qualquer autoridade o cumprimento das normas legais e regulamentares constantes dos regimes jurídicos no âmbito do SR. Em qualquer caso - como se notou - se a apelante está convencida que este acto administrativo é ilegal, deveria - ou deverá - também impugná-lo nos tribunais administrativos.
Verificada uma tal condição resolutiva, as obrigações de encerramento do estabelecimento e de proibição do exercício da actividade industrial nele prosseguida, consideram-se resolvidas, i.e., extintas, a partir do momento da verificação da condição subordinante.
A instância executiva extingue-se sempre que se torne supervenientemente impossível ou inútil, i.e., sempre que por facto ocorrido na pendência dessa instância, a pretensão executiva que o exequente actuava na acção se mostrar satisfeita ou é de satisfação impossível (art.° 277.°, e), do CPC). Sempre que o resultado ou efeito jurídico visado com a execução se mostrar atingido ou é impossível a sua obtenção e, portanto, a solução do litígio deixa de interessar é claro que o processo não deve continuar - mas antes cessar. A instância extingue-se porque se tornou impossível ou inútil o prosseguimento da lide: verificado o facto, o tribunal não conhece do mérito da causa, limitando-se a declarar aquela extinção. Mas não é bem isso que patentemente sucede com a extinção da pretensão executiva resultante da verificação da condição resolutiva que lhe foi aposta no título que serve de fundamento à execução. Neste caso, o que verifica é que, por facto superveniente o acto decisório, apresentado como título executivo, deixou de ser exequível, e, portanto, o caso é de inexequibilidade extrínseca da pretensão, quer dizer, de falta de título executivo, ainda que superveniente, o que importa - porque se resolve na falta de um pressuposto processual da execução - o indeferimento do requerimento executivo e a rejeição oficiosa da execução.
De harmonia com a matéria de facto que se deve ter por definitivamente adquirida para o processo, a apelante não demonstrou os actos de violação dos seus direitos, para cuja repressão foi cominada a sanção pecuniária compulsória. Como era sobre ela que recaiu o ónus da respectiva prova, importa resolver contra a recorrente a questão de facto correspondente (art.°s 342.°, n.° 1, e 346.° d o Código Civil, e 414.° do CPC).
Como se observou, a sentença impugnada deu como provada a violação dos direitos dos exequentes numa data - 20 de Maio de 2020 - que aqueles não alegaram e, portanto, adquiriu um facto de que não lhe era licito conhecer.
É controverso se esta atitude da decisão impugnada - tomar conhecimento de facto de que não podia servir-se, por não ter sido articulado ou alegado pela parte - se resolve numa nulidade por um excesso de pronúncia ou antes num erro de julgamento, dado que uma coisa é tomar em consideração um determinado facto, outra conhecer de questão de facto de não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão - mas não é a própria questão[16]. Mas a declaração do direito caso, não nos força a discutir se a situação figurada se consubstancia num erro de julgamento ou antes numa nulidade de sentença, nem a optar por um dos termos da alternativa, sendo certo que, concluindo-se que se trata de um error in iudicando de que, portanto, este tribunal sempre poderia conhecer - ao contrário do que sucederia se se devesse concluir que se trata e uma nulidade da decisão, dado que este desvalor reclama uma arguição da parte - a consequência seria a da revogação da decisão recorrida no segmento em que concluiu pela aplicação da sanção pecuniária compulsória. Porém, há que ponderar o seguinte: a função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa. O modelo do nosso sistema de recursos é, portanto, o da reponderação e não o de reexame[17].
Do modo como é construída a função do recurso ordinário, decorre uma dupla proibição: a da reformatio in melius e in pejus, cuja violação, por importar o conhecimento pelo tribunal ad quem de matéria que não se inscreve na sua competência decisória, determina a nulidade, por excesso de pronúncia, do acórdão correspondente (art°s 615.°, n.° 1, d), 2^ parte, e 666.°, n.° 1, do CPC).
A decisão do tribunal ad quem não pode ser mais desfavorável ao recorrente de que a decisão recorrida: é nisto que consiste exactamente a reformatio in pejus (art.° 635.°, n.° 4, do CPC). Maneira que, no caso, se impõe manter a decisão recorrida - apesar do apontado erro - no tocante aquele acto de violação de direitos dos exequentes e, consequentemente, a sujeição dos executados à sanção compulsória correspondente.
O recurso não dispõe, pois, de bom fundamento. Há, por isso, que lhe recusar provimento.
- Para a instalação de um estabelecimento industrial são necessários dois actos autorizativos da administração: o de licenciamento da operação urbanística e de utilização do imóvel, da competência da administração autárquica; o de licenciamento da instalação e de exploração do estabelecimento industrial, da competência da administração central;
- À interpretação da sentença, designadamente para efeitos da sua execução, devem aplicar-se os critérios definidos no art.° 236.° do Código Civil, aplicável, por força de remissão expressa, também a actos não negociais, portanto, a actos puramente funcionais que não possam considerar-se actos marcados pela liberdade de celebração;
- Uma das situações típicas de não accionabilidade da pretensão é o cumprimento, ou qualquer outro facto extintivo da obrigação, como por exemplo, a verificação de uma condição resolutiva que eventualmente lhe tenha sido aposta, que constituem uma excepção peremptória;
- Os actos administrativos autorizativos só documentalmente podem provar-se e o respectivo documento autêntico, ainda que meramente electrónico, faz prova plena da sua emissão, pelo que é inadmissível a impugnação dos factos documentados por recurso à prova testemunhal e, por extensão de regime, a prova por declarações de parte, dada a pouca fiabilidade destes meios de prova;
- Por força da proibição da reformatio in pejus, a decisão do tribunal ad quem não pode ser mais desfavorável ao recorrente de que a decisão recorrida;
A apelante deverá suportar, porque sucumbe no recurso, as respectivas custas (art.° 527.°. n°s 1 e 2, do CPC).
4. Decisão
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela apelante.
2023.03.14





[1] Neste sentido, com fundamento na preferência da lei pela execução específica do facto fungível, Castro Mendes, Direito Processual Civil, III, 250 e ss., Lebre de Freitas A Acção Executiva, 320; diferentemente, entendendo que o credor pode optar entre a execução específica do facto através da sua realização por outrem e a indemnização do seu equivalente pecuniário, Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, pág. 33, Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, pág. 374 e Remédio Marques, Curso de Processo Executivo, pág. 403.
[2]  António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 2^ edição, Almedina,
Coimbra, 2000, pág. 511 e Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, AAFDL, Lisboa, 1995, págs. 327 a 334, e da Condição, BMJ n.° 263, págs. 37 a 60.
[3]  Acs. do STJ de 28.01.1997, CJ, STJ, T V, I, pág. 83, 29.05.1991, BMJ n.° 407, pág. 446, 05.12.2002, 18.09.2003 e 24.02.2005, www.dgsi.pt. e da RP de 14.03.1995 e 22.05.2000, www.dgsi.pt. Cfr., em sentido concordante, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Tomo I, 2^ edição, Coimbra, 2004, pág. 227 e, em sentido dubitativo, Paula Costa e Silva, Acto e Processo, Coimbra, 2003, págs. 63 e ss. Note-se, porém, que alguma jurisprudência adiciona, aos critérios de interpretação da declaração negocial, as directrizes da interpretação da lei: cfr. os Acs. do STJ de 03.12.1998 e 05.11.1998, www.dgsi.pt. No sentido da aplicação à interpretação da decisão judicial dos princípios comuns à interpretação do negócio jurídico e da lei, Antunes Varela, RLJ, Ano 124, pág. 152.
[4] À luz desta jurisprudência a interpretação dos actos processuais surge marcada por um princípio da unidade, visto que os actos das partes estão também sujeitos aos mesmos critérios interpretativos. Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, Lisboa, Lex, 2000, pág. 98.
[5]  José Joaquim Gomes Canotilho, Actos Autorizativos Jurídico-Públicos e Responsabilidade por Danos Ambientais, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1983, págs. 2 a 59.
[6]  Acs. da RC de 31.10.2006, www.dgsi.pt, e do STJ de 29.06.2107 (117/13.1TBMLG.G1.S1); Oliveira Ascensão, Direito
Civil, Reais, 5.^ edição, Coimbra, 2000, pág. 253.
[7] Michelle Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, págs. 42 e 43.
[8] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., pág. 237 e João Paulo Remédio Marques, A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3^ edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 638.
[9] Miguel Teixeira de Sousa, “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia - Ac. do STJ de 24.9.2013, Proc. 1965/04, in Cadernos de Direito Privado, n° 44, Outubro/Dezembro 2013, págs. 33 e ss.
[10]  António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2022, págs. 333 e 334.
[11] Carolina Braga da Costa Henriques, Declarações de Parte, pág. 48, disponível em wwwestudogeral.sib.uc.pt, Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum á Luz do Processo Civil de 2013, Almedina, Coimbra, 2013, pág. 278, e Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 357, e Acs. da RP de 15.09.2014, 20.11.2014, 17.12.2014, 26.06.2014 e 30.06.2014; criticamente, Miguel Teixeira de Sousa, entrada de 20.01.2017, acessível em https://blogippc.blogspot.pt/2017/01/jurisprudência-536.html#links; diferentemente, contra a degradação antecipada do valor probatório das declarações, por não ter fundamento legal, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos da prova legal, Luís Pires de Sousa, As Malquistas Declarações de Parte ("Não acredito na parte porque é parte")», disponível                          no                                         sítio                          do                              STJ
http://www.stj.pt/ficheiros/coloquios/coloquios STJ/CPC2015/painel 1 articulados audiencialuissousa.pdf; Catarina Gomes Pedra, A Prova por Declarações das Partes no Novo Código de Processo Civil/Em Busca da Verdade Material no Processo, Escola de Direito do Minho, 2014, pág. 145, Mariana Fidalgo, A Prova por Declarações de Parte, FDUL, 2015, pág. 80, Elisabete Fernandes “Nemo Debet Esse Testis in Propria Causa?” Sobre a (in)coerência do Sistema Processual a este Propósito, Julgar Especial, Prova Difícil, 2014, pág. 36., Acs. da RP de 23.03.2015 e de da RE de 12.03.2015, www.dgsi.pt. e, por todos, Ac. da RL de 26.04.2017 (18591/15.OT8NT.L1-7).
[12] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, Coimbra Editora, 1981, pág. 305.
[13] Ac. da RE de 03.06.04, CJ, XXIX, III, pág. 249 e Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 150.
[14] Juan Montero Aroca, La Prueba en el Proceso Civil, 4^ edición, Thomson, Civitas, pág. 432.
[15] João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2022, pág.
521.
[16] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra, 1984, pág. 145.
[17] Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pág.
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