Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4173/09.9TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS GIL
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
REGULAMENTO
DELIBERAÇÃO
NULIDADE
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 11/30/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.268, 286, 295, 334, 1306, 1418, 1429-A CC
Sumário: I - A nossa lei civil não prevê a figura do “regulamento predisposto ou pré-constituído”, segundo a qual o proprietário inicial do prédio constituído em propriedade horizontal elabora um regulamento do condomínio que os condóminos, ao adquirirem as suas fracções, aceitam.
II - Enferma do vício da nulidade ( e não do da ineficácia ) a deliberação de associação proprietária de imóvel a constituir em propriedade horizontal mediante a qual é aprovado regulamento de condomínio destinado a condomínio a constituir futuramente.

III - A invocação da nulidade de deliberação por parte de quem a votou favoravelmente não constitui abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, por se tratar de vício de carácter substantivo, passível de ser conhecido oficiosamente pelo tribunal.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            1. Relatório

            A 12 de Novembro de 2009, nos Juízos Cíveis do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, CA (…) instaurou acção declarativa sob forma sumária contra a Associação de Moradores (…) pedindo que o regulamento do condomínio do Lote C do prédio urbano sito na Rua ..., em Coimbra, constituído em propriedade horizontal, inscrito na matriz predial sob o artigo ..., da freguesia de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº ..., da mesma freguesia seja declarado ineficaz, sendo a Associação de Moradores (…) condenada a administrar o condomínio do Lote C de acordo com o título constitutivo de propriedade horizontal desse prédio e a fazer a administração desse condomínio em separado de qualquer outro Lote, nomeadamente do Lote A um.

            CA (…) fundamenta as suas pretensões alegando, em síntese, que é proprietário da fracção autónoma P do Lote C do mencionado prédio, sendo a Associação de Moradores (…) administradora desse prédio, que quando ainda não havia título constitutivo da propriedade horizontal dos Lotes C e A um, ambos sitos na Rua ..., foi aprovado um regulamento do condomínio desses lotes, regulamento que colide com o título constitutivo da propriedade horizontal em virtude das permilagens nele mencionadas não corresponderem às que constam do referido título constitutivo e ainda porque é exercida conjuntamente a administração dos Lotes C e A um, como se de um único edifício se tratasse, quando nem sequer se trata de edifícios contíguos ligados entre si nem têm partes comuns afectadas ao uso de todos ou de algumas fracções que os compõem.

            Efectuada a citação da Associação de Moradores (…), esta contestou por excepção alegando que é inepta a petição inicial por insanável contradição entre os pedidos e a causa de pedir em virtude do CA (…) não peticionar a anulação de nenhuma das normas estatutárias e do regulamento do condomínio, que caducou o direito do CA (…) impugnar o regulamento do condomínio, alegando ainda que CA (…) compareceu na assembleia geral realizada a 31 de Maio de 2003 em que foi aprovado o regulamento do condomínio impugnado nestes autos, com seu voto favorável, que a permilagem constante do regulamento do condomínio não altera a permilagem do título constitutivo da propriedade horizontal, apenas sendo um critério para o cálculo da participação dos condóminos nos custos e despesas do condomínio, que não é proibida a associação de condomínios, concluindo pela total improcedência da acção.

            CA (…) respondeu pugnando pela inverificação das excepções invocadas pela Associação de Moradores (…).

            Após convite à ré para esclarecimento da alguma factualidade alegada na contestação, realizou-se audiência preliminar no decurso da qual as partes acordaram nalguns esclarecimentos de ordem factual e, após isso, foi proferida decisão que julgou a acção totalmente improcedente, considerando que CA (…) por ter votado favoravelmente o regulamento do condomínio impugnado, não tem o direito a impugná-lo com fundamento em vícios integradores de mera anulabilidade e que, a existir esse direito, estaria caduco.

            Inconformado com a decisão final proferida, CA (…) interpôs recurso de apelação contra a mesma oferecendo as seguintes conclusões:

                1ª- O estado dos autos permitem conhecer do mérito da causa, pois o cerne do litígio se reconduz a matéria de direito.

                2ª. No entanto, na nossa opinião, a solução de direito encontrada para o caso em análise não é a correcta, sendo, até, contrária à lei e à sua interpretação.

                3ª. Aquando da aprovação do regulamento do condomínio por uma assembleia de sócios, a única diferença entre a ré e o autor, era que a primeira já sabia do teor do futuro título constitutivo da propriedade horizontal, que veio a ser celebrado três dias depois dessa assembleia, e o segundo nada sabia sobre a data da sua feitura e, muito menos, do seu teor.

                4ª. Não é pelo facto de terem decorrido quase sete anos sobre a assembleia que aprovou o regulamento de condomínio, que o direito do Apelante impugnar tal regulamento caducou.

                5ª. No que toca à caducidade do direito de impugnar o regulamento do condomínio, os regimes previstos nos artigos 1433º, 177º e 178º do C.C. não têm qualquer aplicação ao litígio em questão nos presentes autos.

                6ª. O regulamento de condomínio compete elaborar à assembleia de condóminos ou ao administrador (art. 1429-A do C.C.).

                7ª. A deliberação da assembleia de sócios da ré, realizada no dia 31 de Maio de 2003, não tinha competência para decidir sobre questões de condomínio e, muito menos, para elaborar um regulamento de condomínio.

                8ª. Tal deliberação, para além de ser nula, é ineficaz.

                9ª. É nula porque contrária à lei, nomeadamente dos artigos 1429º-A e 1415º do C.C., bem como por o seu objecto ser física e legalmente impossível

                10ª. A deliberação da assembleia de sócios que aprovou o regulamento de condomínio é afectada pelo vício da ineficácia, pois pronunciou-se sobre questões para as quais não tinha competência.

                11ª. A deliberação social que alterou os estatutos da ré, em nada abona a favor ou a desfavor da tese de que o regulamento do condomínio é válido.

                12ª. A assembleia em causa poderia deliberar sobre tal assunto, mas não podia era aprovar um regulamento de condomínio sem ter competência para tal.

                13ª. Como a assembleia de sócios não tinha competência para aprovar o regulamento de condomínio, essa deliberação é nula e pode ser invocada a todo o tempo, nos termos do art. 286º e nº 1, do artigo 268º do C.C..

                14ª. O Recorrente não ratificou a deliberação que aprovou o regulamento de condomínio pelo facto de ter votado favoravelmente tal regulamento.

                15ª. É um absurdo dizer-se que o Apelante ratificou a deliberação que aprovou o regulamento de condomínio, quando a referida assembleia não tinha competência para aprovar tal matéria.

                16ª. Por outro lado, para haver ratificação tinha de haver um acto ou negócio anterior, que precisava de ser validado ou confirmado.

                17ª. O regulamento de condomínio além de ser aprovado por uma assembleia sem competência, não coincide em muitos aspectos com o título constitutivo da propriedade horizontal, que foi elaborado três dias depois.

                18ª. Não é possível ratificar-se uma deliberação de uma assembleia sem competência para aprovar o regulamento de condomínio, quando ainda não havia condomínio.

                19ª. Não se pode ratificar um acto ou negócio que ainda não existe.

                20ª. Não estando constituída a propriedade horizontal, é impossível ratificar qualquer deliberação social realizada anteriormente e que aprovou um regulamento de condomínio sobre o prédio em questão.

                21ª. Nada se pode confirmar ou validar, quando ainda não existe o negócio que se quer ratificar.

                22ª. A questão da permilagem não se resume só ao regime previsto no artigo 1424º do C.C..

                23ª. O valor da permilagem é muito importante para qualquer condómino, pois pode influenciar a vida do condomínio com o peso do seu voto.

                24ª. O título constitutivo só pode ser alterado por escritura pública, havendo acordo de todos os condóminos.

                25ª. As estipulações do título constitutivo não coincidem com as do regulamento do condomínio, nomeadamente a permilagem, a destinação da fracção E, do bloco C, e a administração conjunta do condomínio dos dois blocos.

                26ª. A diferença de permilagem entre os documentos em análise não é o facto mais relevante para determinar a invalidade do regulamento do condomínio, tendo em conta que o mesmo contraria o título constitutivo.

                27ª. Além desta não coincidência, há outras ilegalidades cometidas, como seja a administração conjunta do condomínio dos dois blocos e a destinação da fracção E, do Bloco C, que foi transformada pelo regulamento do condomínio em parte comum.

                28ª. A douta decisão violou o disposto nos artigos 1419º, nº 1, 1430º, nº 2 e 1432º, nº 3 do C.C..

                29ª. Para haver administração conjunta do condomínio dos dois blocos, é necessário que os mesmos sejam contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que as compõem (art. 1438º-A do C.C.).

                30ª. Os dois blocos não são contíguos e não têm partes comuns entre si.

                31ª. O título constitutivo de propriedade horizontal não prevê a administração conjunta do condomínio dos dois blocos.

                32ª. Se assim fosse, tal cláusula estaria escrita no referido título.

                33ª. A douta decisão recorrida, na sua fundamentação, não teve em conta nem a doutrina e nem a corrente jurisprudencial sobre as matérias em causa.

            A recorrida contra-alegou pugnando pela integral confirmação da decisão sob censura.

            As partes foram convidadas a, querendo, se pronunciarem sobre algumas alterações oficiosas da matéria de facto e ainda sobre a eventual existência de abuso de direito por parte do autor, tendo-se ambas pronunciado.

            Colhidos os vistos legais e não se verificando quaisquer circunstâncias que obstem ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre agora decidir.

            2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da existência de vício na deliberação dos associados da ré datada de 31 de Maio de 2003 e que aprovou o regulamento do condomínio dos Blocos A-1 e C, sitos na Rua ..., em Coimbra e da qualificação desse vício;

2.2 Consequências jurídicas do vício eventualmente existente na deliberação dos associados da ré que aprovou o regulamento do condomínio impugnado.

3. Fundamentos de facto exarados na decisão sob censura e que não foram objecto de qualquer impugnação, bem como os resultantes do aditamento oficioso de factualidade efectuado nesta instância, não impondo os elementos do processo decisão diversa, nem tendo sido admitido documento superveniente com virtualidade para infirmar aquela decisão (artigo 712º, nº 1, do Código de Processo Civil)


3.1

CA (…) é dono da fracção autónoma designada pela letra “P”, correspondente ao 2.º andar C, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal correspondente ao edifício designado por Lote C, sito na Rua ..., freguesia de ..., concelho de Coimbra, inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de ... sob o artigo ....º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º ... da mesma freguesia, ali registado a seu favor pelo registo G de ..., apresentação 36.

3.2

A Associação de Moradores (…) é administradora do condomínio do referido prédio.

3.3

A Associação de Moradores da (…) é uma associação sem fins lucrativos, constituída em 29 de Maio de 1976, e que tinha como finalidade a construção de blocos habitacionais, num programa de auto-construção financiado pelo Serviço Ambulatório de Apoio Local (SAAL), para os vários sócios que a constituíam.

3.4

A associação construiu os Blocos C e A 1, então[1] inscritos respectivamente sob os artigos 6.499.º e 6.498.º, e promoveu a transformação da propriedade cooperativa em propriedade horizontal, tendo a respectiva escritura de constituição da propriedade horizontal sido realizada no dia 3 de Junho de 2003 no Segundo Cartório Notarial de Coimbra, bem como a transmissão da propriedade plena das fracções aos seus associados.

3.5

Na escritura de constituição da propriedade horizontal o valor relativo da fracção “P” do Bloco C foi fixado em 52,3/1000 e o valor relativo da fracção “E” do mesmo bloco, que se encontra afecta a reuniões do condomínio, foi fixado em 17,4/1000.

3.6

Em Assembleia Geral dos associados da Associação de Moradores (…) realizada no dia 31 de Maio de 2003, realizada com a presença de 41 dos seus cooperantes/associados, representativos de 86% dos associados, e nomeadamente com a presença de CA (…), foi aprovado com 40 votos a favor e 1 voto contra, do autor, a alteração dos Estatutos da Associação, que passaram a prever ter a Associação de Moradores da (…) como objectivos promover a melhoria das condições de habitação dos seus associados, promover a administração das fracções enquanto se encontrem em regime de compropriedade colectiva bem como a administração de todos os serviços de equipamento básico com estas conexionadas, e promover a administração do condomínio emergente da transformação em propriedade horizontal privada da propriedade colectiva existente à data da entrada em vigor da revisão estatutária.

3.7

Nessa mesma Assembleia Geral foi aprovado com 41 votos a favor o regulamento do condomínio dos Blocos A1 e C, sendo o voto do autor favorável mas com a seguinte justificação do voto: “o sócio nº 7 justificou o seu voto a favor do regulamento do condomínio no seu todo, ressalvando, todavia, pois não foi dissecado e votado por si cada artigo, para os quais (alguns) tinha propostas de emenda e alteração, que considerava contrário à lei, entre outros, os termos da ali. 11), Artº 16º[2], face ao conteúdo do p. 4, Artº 1432, do Código Civil, como parte comum – o solo, Artº 3º, alí. 2)[3], visto que se encontra em regime de direito de superfície.

3.8

Do art. 2.º do regulamento consta que são condóminos do Bloco C, entre outros, o titular da fracção “P”, que representa 24,84/1000 do valor total do imóvel, e o titular da fracção “E”, que foi destinada à sede da Associação de Moradores da (…)

3.9

Do art. 3.º do regulamento consta que é parte comum, entre outras, a sede da Associação de Moradores (…).

3.10

A Associação de Moradores (…) exerce conjuntamente a administração dos condomínios do Lote C e A 1 dos prédios sitos na Rua ..., em Coimbra, como se de um único edifício se tratasse.

3.11

O bloco C dista do bloco A1 cerca de 10 metros, sendo esta a mesma distância que tem em relação aos blocos A e B da mesma rua, blocos estes que são administrados por outro condomínio[4].

3.12

Estes quatro blocos ladeiam um jardim que é do domínio público e cuja manutenção é partilhada pelo condomínio dos blocos[5] C e A1.

3.13

As antenas parabólicas e antenas dos quatro canais que servem os blocos C e A1 estão instaladas no bloco C.

3.14

O condomínio instalou a respectiva sede no bloco C, onde são guardados os materiais e equipamentos de limpeza utilizados na limpeza e manutenção de ambos os blocos.

4. Fundamentos de direito

4.1 Da existência de vício na deliberação dos associados da ré datada de 31 de Maio de 2003 e que aprovou o regulamento do condomínio dos Blocos A-1 e C, sitos na Rua ..., em Coimbra e da qualificação desse vício

Na presente acção, ainda que apenas de forma implícita ao nível do pedido[6], o autor põe em causa a validade e eficácia da deliberação dos associados da ré tomada a 31 de Maio de 2003 e que aprovou o regulamento do condomínio dos blocos A-1 e C do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., em Coimbra.

O autor não pretende impugnar a deliberação dos associados da ré de 31 de Maio de 2003 que alterou os estatutos da ré, passando estes a prever que a ré tinha por “objectivo nuclear a defesa dos interesses sociais dos seus associados, nomeadamente (…) promover a administração do condomínio emergente da transformação em propriedade horizontal privada da propriedade colectiva existente à data da entrada em vigor da presente revisão estatutária.” Além disso, é inequívoco que o autor não põe em causa a qualidade de administradora do condomínio por parte da ré, apenas se opondo ao exercício de tais funções conjuntamente com o Bloco A-1. Neste quadro, não há que questionar da licitude desta investidura em tais funções[7], tanto mais que se desconhece se por efeito de assembleia de condóminos realizadas após a constituição da propriedade horizontal o vício inicial foi entretanto superado.

 Tanto quanto é possível concluir dos elementos juntos aos autos, a ré é uma associação adrede constituída para construir blocos habitacionais num programa de auto-construção financiado pelo Serviço Ambulatório de Apoio Local, tendo para o efeito beneficiado da cedência do direito de superfície de um prédio, pelo prazo de setenta anos, por parte do Município de Coimbra (inscrição de 06 de Setembro de 1995, titulada pela apresentação nº 35 – veja-se a certidão da Conservatória do Registo Predial de Coimbra junta aos autos de folhas 14 a 17).

Quarenta e um dos associados da ré, representativos de oitenta e seis por cento desses associados, entre os quais se incluía o autor, votaram favoravelmente uma deliberação que aprovou o Regulamento do Condomínio aqui posto em crise pelo autor. No momento dessa votação não estava ainda constituída a propriedade horizontal dos Bloco A-1 e C, constituição que ocorreu a 03 de Junho de 2003.

A questão que se coloca é assim a de saber se a assembleia geral da ré tinha competência para aprovar um Regulamento do Condomínio referente a condomínio ainda inexistente nessa data, embora fosse previsível a sua constituição dentro em breve.

Nos termos do disposto no artigo 1418º, nº 2, alínea b), do Código Civil, o título constitutivo da propriedade horizontal pode conter o regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das fracções autónomas.

A lei determina que havendo mais de quatro condóminos, caso não faça parte do título constitutivo da propriedade horizontal, seja elaborado uma regulamento do condomínio disciplinando o uso, a fruição e a conservação das partes comuns (artigo 1429º-A, nº 1, do Código Civil).

Quando o regulamento do condomínio não faça parte do título constitutivo da propriedade horizontal, a sua feitura compete à assembleia de condóminos ou ao administrador, se aquela o não houver elaborado (artigo 1429º-A, nº 2, do Código Civil).

A nossa lei civil não prevê a figura que é conhecida na doutrina italiana como o regulamento predisposto ou pré-constituído e que permite que o proprietário inicial do prédio constituído em propriedade horizontal elabore um regulamento do condomínio que os condóminos ao adquirirem as suas fracções aceitam[8]. Prevendo a inclusão no título constitutivo da propriedade horizontal do regulamento do condomínio ou conferindo competência à assembleia de condóminos ou ao administrador do condomínio, se aquela assembleia não o tiver elaborado, a nossa lei civil afasta a possibilidade de tal instrumento normativo poder ser elaborado em momento anterior e distinto do da constituição da propriedade horizontal.

O regulamento do condomínio constante do título constitutivo da propriedade horizontal pode regular o uso, fruição e conservação das coisas comuns, quer das fracções autónomas, enquanto o regulamento do condomínio que seja aprovado pela assembleia de condóminos ou elaborado pelo administrador do condómino, nos casos em que aquela assembleia o não elabore, apenas pode disciplinar o uso, a fruição e a conservação das partes comuns (confrontem-se os artigos 1418º, nº 2, alínea b) e 1429º-A, nº 1, ambos do Código Civil).

O poder de administração das coisas comuns, quando o título constitutivo da propriedade horizontal não contenha o regulamento do condomínio, cabe à assembleia de condóminos e não é disponível por estes, mesmo por unanimidade[9], porquanto se traduziria na alteração das regras legais do direito de propriedade horizontal, assim se violando a regra da tipicidade e taxatividade dos direitos reais (artigo 1306º, nº 1, do Código Civil).

Neste circunstancialismo, à semelhança[10] do que sustentou o tribunal a quo, conclui-se que a assembleia geral da ré não tinha competência para deliberar a aprovação de um regulamento de condomínio para prédios de que era proprietária superficiária.

Na decisão recorrida entendeu-se que o vício em causa era o da ineficácia, por analogia com o que é sustentado por alguma doutrina para o caso de deliberação tomada para a assembleia de condóminos em matéria alheia à sua competência[11], mas ainda atinente ao condomínio, posição que foi também seguida no acórdão desta Relação de 02 de Novembro de 1982[12].  

Coerentemente com esta qualificação da patologia da deliberação da assembleia geral da ré que aprovou o regulamento do condomínio, o tribunal a quo sustentou que o autor ao votar favoravelmente aquela deliberação, a ratificou. Salvo melhor opinião, cremos que há um equívoco nesta qualificação.

A ratificação é um acto jurídico previsto na representação sem poderes e mediante o qual a pessoa em nome da qual foi celebrado um negócio por outra pessoa sem poderes para a representar aceita para si esse negócio (veja-se o artigo 268º, nº 1, do Código Civil)[13].

No caso dos autos, a deliberação tomada na assembleia geral e que aprovou o regulamento do condomínio que o autor aqui põe em crise teve a participação do autor enquanto associado, sendo que nessa altura não era condómino, qualidade que apenas poderia adquirir após 03 de Junho de 2003, data em que foi constituída a propriedade horizontal. O registo da aquisição do direito de propriedade sobre a fracção autónoma C do Bloco C a favor do autor apenas foi efectuado a 29 de Abril de 2004, a escritura de constituição da propriedade horizontal foi celebrada a 03 de Junho de 2003 e a deliberação dos associados da ré foi tomada a 31 de Maio de 2003.

Assim sendo, em nossa opinião, o autor só poderia praticar um acto de ratificação daquela deliberação após o momento em que adquirisse a qualidade de condómino de um dos blocos a que respeita o regulamento do condomínio aprovado na assembleia geral da ré. Não parece assim que a votação favorável do autor nestes autos da deliberação da assembleia geral da ré que aprovou o regulamento do condomínio possa ser havida como uma ratificação, assim se sanando o vício dessa deliberação, com efeitos retroactivos.

Na nossa perspectiva, apenas será curial qualificar como ratificação de um acto, a conduta de aprovação que ocorra após a prática de outro acto cuja eficácia depende precisamente daquela ratificação. Se essa conduta é contemporânea do próprio acto afectado do vício, não parece que seja caso de ratificação, sendo quando muito e quando possível, um caso de consentimento na prática do acto ou de aceitação do mesmo.

No entanto, a nossa divergência relativamente à decisão recorrida vai mais fundo e contende com a própria qualificação do vício que afecta a deliberação que aprovou o regulamento do condomínio.

Na verdade, a ineficácia em sentido estrito é a sanção que cabe ao negócio (e aos simples actos jurídicos por força da norma de extensão do artigo 295º do Código Civil) que, em si, não tem vícios, apenas carecendo de factores extrínsecos que determinam a não produção de efeitos jurídicos[14]. Porém, no caso dos autos, a deliberação em crise enferma de vício no seu conteúdo por incidir sobre matéria estranha à competência[15], rectius, à capacidade de gozo da ré.

Não tendo o regulamento de condomínio aprovado em assembleia geral da ré integrado o acto constitutivo da propriedade horizontal dos blocos A-1 e C, cabia legalmente à assembleia de condóminos a sua aprovação ou quando a isso não procedesse, ao administrador do condomínio. Apenas a partir dessa aprovação, pelos órgãos competentes, o regulamento de condomínio produziria efeitos, não se verificando a eficácia retroactiva típica da ratificação, tanto mais que iria retroagir a um momento em que, por definição, não poderia produzir efeitos, porque ainda não existia condomínio.

Por isso, em nosso entender, a deliberação tomada em assembleia geral da ré incidente sobre matéria que exorbita da sua competência enferma antes de nulidade, pois ofende preceitos legais imperativos, recaindo sobre matéria excluída da esfera jurídica da associação, matéria que, em rigor, exorbita da sua capacidade de gozo[16]. De facto, como resulta do que antes se expôs, a ré, enquanto proprietária superficiária dos blocos que veio depois a constituir em propriedade horizontal, não tem legalmente poderes para aprovar um regulamento de condomínio antes da constituição desse condomínio, apenas lhe sendo reconhecida essa faculdade no próprio momento de constituição da propriedade horizontal e desde que o referido regulamento faça parte do acto constitutivo da propriedade horizontal (artigo 1418º, nº 2, alínea b), do Código Civil).

Por tudo quanto precede conclui-se que a deliberação tomada em assembleia geral da ré e que aprovou o regulamento do condomínio posto em crise nestes autos pelo autor enferma de nulidade.

Este tribunal, observado, como foi, o disposto no artigo 3º, nº 3º, do Código de Processo Civil, ao abrigo do previsto no artigo 664º do mesmo diploma legal pode divergir na qualificação jurídica do vício que afecta a deliberação da assembleia geral da ré tomada a 31 de Maio de 2003 e pela qual foi aprovado o regulamento do condomínio que o autor questiona nestes autos.

Debruçando-nos sobre o próprio conteúdo do regulamento do condomínio, refira-se ainda que ao invés do afirmado na decisão recorrida, a invocada divergência entre a permilagem exarada no regulamento do condomínio e o título constitutivo da propriedade horizontal não tem relevo apenas para a questão da repartição das despesas nas coisas comuns, relevando também, como aliás resulta de forma expressa do artigo 15º, nº 2, do regulamento do condomínio, para a determinação do número de votos de cada condómino[17], facto que o autor destaca na sua petição inicial (veja-se o artigo 25º deste articulado). Neste segmento, salvo melhor opinião, também a previsão do regulamento incide sobre matéria que não está na disponibilidade das partes (artigos 1430º, nº 2 e 1432º, nº 3, ambos do Código Civil), pelo que, ainda que a deliberação que aprovou o regulamento do condomínio não estivesse afectada de qualquer vício, sempre se verificaria a nulidade daquela previsão do regulamento do condomínio.

4.2 Consequências jurídicas do vício na deliberação dos associados da ré que aprovou o regulamento do condomínio

À deliberação de uma associação afectada de nulidade, enquanto acto jurídico[18], por força do disposto no artigo 295º do Código Civil, é aplicável o disposto no artigo 286º do mesmo diploma legal[19], sendo por isso invocável a todo o tempo, por qualquer interessado, podendo ser declarada oficiosamente pelo tribunal.

No caso dos autos há porém uma particularidade: a deliberação afectada de nulidade que aprovou o regulamento do condomínio foi votada favoravelmente pelo autor com uma declaração de voto em que imputou ilegalidades a alguns dos artigos do regulamento do condomínio aprovado, artigos que não são os que ora são questionados pelo autor nestes autos.

Neste circunstancialismo coloca-se a seguinte interrogação: é legítimo que alguém que votou favoravelmente um certo instrumento normativo, ainda que com reservas relativamente a alguns segmentos desse instrumento, venha, questionando segmentos desse instrumento relativamente ao qual não manifestou reservas, invocar um vício que afecta a deliberação que aprovou o referido regulamento?

Nos termos do disposto no artigo 334º do Código Civil é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito. Tem-se entendido que o termo direito tem de ser entendida em sentido amplo, abrangendo toda e qualquer prerrogativa jurídica subjectiva[20], não se cingindo deste modo ao simples exercício de direitos subjectivos.

No caso dos autos, o autor veio exercer um direito potestativo[21] pretendendo prevalecer-se da invalidade de um acto que votou favoravelmente e questionando segmentos desse acto relativamente aos quais não exteriorizou quaisquer reservas aquando da votação da deliberação.

O autor veio invocar o vício volvidos mais de seis anos sobre a votação da deliberação afectada do vício e não indica qualquer razão para que tenha então votado favoravelmente as partes do regulamento do condomínio que ora põe em crise.

A deliberação foi aprovada por oitenta e seis por cento dos associados da ré, associados que são os condóminos do edifício constituído em propriedade horizontal três dias depois.

Neste quadro factual, pode afirmar-se que a conduta do autor ao propor esta acção ofende de forma clara as exigências da boa fé, exercendo abusivamente o direito potestativo de invocar a nulidade da deliberação que aprovou o regulamento do condomínio a 31 de Maio de 2003? Essa conduta do autor integrará um censurável venire contra factum proprium?

Na construção dogmática do venire contra factum proprium levada a cabo pelo Professor Baptista Machado[22] os pressupostos que desencadeiam o efeito jurídico próprio do instituto jurídico em apreço são:

a) uma situação objectiva de confiança, isto é, a confiança digna de tutela tem que assentar em algo de objectivo, numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura;

b) um investimento de confiança e a irreversibilidade desse investimento;

c) a boa-fé da contraparte que confiou, pelo que a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando esteja de boa-fé (por desconhecer a divergência entre a aparência criada e a situação ou intenção reais) e tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico.

No caso dos autos, afigura-se-nos que não estão reunidos os apertados requisitos do instituto do abuso de direito na modalidade do venire contra factum proprium.

Na verdade, o voto do autor não constitui uma posição vinculante relativamente a uma dada situação futura, quando, como é o caso dos autos, esse voto contribui para a formação de uma deliberação nula porque ofensiva de normas legais imperativas[23]. Por outro lado, não parece que a ré tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico, ainda para mais quando foi confrontada logo na assembleia geral com algumas dúvidas quanto à legalidade de algumas normas do regulamento do condomínio. Finalmente, não resulta da matéria provada, nem foi alegada matéria factual pela ré nos seus articulados, donde resulte qualquer investimento irreversível de confiança da sua parte.

A nulidade da deliberação que aprovou o regulamento do condomínio determina, em consequência, que este instrumento deixe de produzir efeitos, pelo que a ré, administradora do condomínio do bloco em que se localiza a fracção autónoma do autor deve administrar o referido bloco de acordo com o título constitutivo, deixando de ter base normativa para proceder à administração conjunta dos blocos A-1 e C.

Por tudo quanto precede, conclui-se pela procedência da acção, devendo a sentença sob censura ser revogada.

5. Dispositivo

Pelo exposto, ainda que com fundamentos não inteiramente coincidentes, julga-se procedente o recurso de apelação interposto por CA (…) e, em consequência, revoga-se a sentença sob censura, proferida a 03 de Maio de 2010, a qual se substitui por decisão que declara a nulidade da deliberação da assembleia geral da Associação de Moradores (…), de 31 de Maio de 2003, que aprovou o regulamento do condomínio dos Lotes A-1 e C do edifício sito na Rua ..., freguesia de ...., Coimbra e, em consequência, condena-se a ré a administrar o condomínio do Lote C de acordo com o título constitutivo de propriedade horizontal desse prédio e a fazer a administração desse condomínio em separado de qualquer outro Lote, nomeadamente do Lote A um. Custas do recurso e da acção a cargo da recorrida.


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Carlos Gil ( Relator )
Fonte Ramos
Carlos Querido


[1] Rectifica-se o conteúdo deste segmento dos factos provados porquanto resulta de folhas 15 e 20 que o artigo matricial foi entretanto alterado e que à data da constituição da propriedade horizontal o Bloco A-1 estaria inscrito na matriz sob o artigo 6.498.
[2] Este número do artigo 16º do regulamento do condomínio dispõe que “As reuniões da Assembleia Geral têm início à hora marcada, em primeira convocatória, com a presença dos sócios representativos da maioria do capital investido e, em segunda convocatória, meia hora depois, com a mesma Ordem de Trabalhos, podendo neste caso a Assembleia deliberar por maioria de votos dos condóminos presentes, desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio (Art.º 1432 do Código Civil).
[3] O nº 2, do artigo 3º do regulamento do condomínio dispõe que “São comuns a todas as fracções o solo, as entradas, as escadas, as galerias (vulgo varandas ou corredor), o telhado, as paredes mestras, as instalações de água, gás, electricidade, telefone, parabólicas, antenas colectivas de som e imagem, até à entrada da porta de cada uma das fracções e as demais partes assim consideradas por disposição legal (Art.º 1421 do Código Civil).
[4] Alterou-se um pouco a redacção procurando clarificar o sentido deste segmento da frase.
[5] Aditou-se a palavra “blocos” que por manifesto lapso foi omitida.
[6] Atente-se que o autor apenas alude no seu petitório à ineficácia do regulamento do condomínio, nada referindo relativamente à deliberação que aprovou tal instrumento. No entanto, na resposta à contestação, o autor esclareceu a sua pretensão referindo-se expressamente à ineficácia da deliberação dos associados da ré tomada a 31 de Maio de 2003 (vejam-se os artigos 5º e 6º da resposta à contestação).
[7] No sentido da nulidade da cláusula pela qual o vendedor das fracções autónomas reserva para si a administração do condomínio pronuncia-se Sandra Passinhas in A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina 2000, páginas 289 a 291.
[8] Sobre esta figura veja-se, Sandra Passinhas in A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina 2000, páginas 70 a 74.
[9] Neste sentido veja-se Sandra Passinhas in A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina 2000, página 76.
[10] A semelhança é só na conclusão e não nos fundamentos e até na consequência jurídica.
[11] Neste sentido veja-se, Código Civil Anotado, Pires de Lima e Antunes Varela, Volume III, 2ª edição revista e actualizada com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita, Coimbra Editora 1984, página 448 e Manuel Henrique Mesquita in A propriedade Horizontal no Código Civil Português, Revista de Direito e Estudos Sociais, Janeiro-Dezembro 1976, Ano XXIII, nºs 1, 2, 3 e 4, página 141. 
[12] Publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano VIII, tomo 5, páginas 22 a 25.
[13] Veja-se Do Abuso de Representação, Helena Mota, Coimbra Editora 2001, página 162.
[14] Assim, por todos, vejam-se, Teoria Geral da Relação Jurídica, Volume II, 4ª reimpressão, Almedina 1974, Manuel A. Domingues de Andrade, páginas 411 a 413 e Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo I, 1999, Almedina, António Menezes Cordeiro, página 566.
[15] Não estando sequer em causa a repartição da competência entre os diversos órgãos da associação.
[16] Pronuncia-se neste sentido, a propósito das deliberações sociais das sociedades comerciais, num modelo que se afigura transponível para as deliberações das associações, o Sr. Conselheiro Pinto Furtado em Deliberações de Sociedades Comerciais, Almedina 2005, páginas 224 e 225, 598 e 599, 630 e 631.
[17] O nº 2, do artigo 15º do regulamento do condomínio em causa dispõe que “Cada condómino tem na Assembleia tantos votos quantas unidades inteiras que couberam na percentagem fixada no título constitutivo da propriedade horizontal, referidas no Artigo 2º deste regulamento.
[18] Neste sentido veja-se, Sr. Conselheiro Pinto Furtado em Deliberações de Sociedades Comerciais, Almedina 2005, páginas 134 a 167.
[19] Neste sentido veja-se, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo III, 2004, Almedina, António Menezes Cordeiro, páginas 686 a 688.
[20] Neste sentido veja-se, Do Abuso de Direito, Almedina 1983, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, páginas 67 e 68.
[21] Sem tomar posição quanto à invocação da nulidade, mas apontando no sentido de que, em geral e ressalvadas algumas excepções decorrentes da intervenção do princípio da boa fé, os direitos potestativos não serão passíveis de abuso de direito veja-se, Do Abuso de Direito, Almedina 1983, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, páginas 71 a 75. A questão tem sido debatida no domínio da nulidade por vício de forma, dando origem a posições desencontradas (sobre esta matéria vejam-se, por todos, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo III, 2004, Almedina, António Menezes Cordeiro, páginas 203 a 205 e 321 a 325 e Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Volume II, Coimbra Editora 2008, Paulo Mota Pinto, páginas 1253 a 1264).
[22] Veja-se, Tutela da Confiança e “Venire contra Factum Proprium” in João Baptista Machado, Obra Dispersa, Volume I, Scientia Iuridica, Braga 1991, páginas 415 a 419.  
[23] Sobre esta ausência de vinculação futura veja-se o lugar paralelo do artigo 57º do Código das Sociedades Comerciais e do qual resulta que no caso de deliberações nulas, ao invés do que sucede com as meramente anuláveis, o direito à invalidação da deliberação não está dependente do sentido de voto daquele que exerce o direito potestativo à invalidação da deliberação social. Bem se compreende que este seja o regime das deliberações nulas, porque, caso contrário, as normas imperativas que determinam a nulidade das deliberações afectadas de nulidade, facilmente seriam postergadas, bastando para tanto uma votação unânime de todos os sócios da deliberação ofensiva de norma legal imperativa. No sentido do instituto do abuso de direito não ser aplicável quando esteja em causa a invocação de uma nulidade substantiva veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Setembro de 2010, relatado pelo Sr. Conselheiro Oliveira Vasconcelos, no processo nº 69/06.4TBVLN.G1.S1 e acessível no site do ITIJ.