Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
14/10.2TBFND-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: NULIDADE PROCESSUAL
DOCUMENTO APENAS EXISTENTE EM PROCESSO APENSO
Data do Acordão: 09/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE FUNDÃO– 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTºS 3º, 201º E 514º, Nº 2 DO CPC.
Sumário: I – Constitui irregularidade, geradora de nulidade processual, a utilização na sentença de factualidade decorrente de documento apenas existente em processo apenso, se não foi dada à parte a quem o documento prejudica – e que não intervém no dito apenso – oportunidade de sobre ele se pronunciar.
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

                1. RELATÓRIO

A B… – Instituição Financeira de Crédito, S.A. instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa, à qual foi dado o nº 14/10.2TBFND, contra F…, Lda e A…, N… e E…, tendo fundado a sua pretensão executiva numa livrança, que juntou.

Os executados F…, Lda e A… deduziram oposição à execução e à penhora, à qual foi dado o nº 14/10.2TBFND-B, alegando, em síntese, que nada devem à exequente, sendo que o preenchimento da livrança dada à execução foi abusivo e destituído de qualquer razão ou fundamento; a exequente e a 1ª executada celebraram em 21/07/2005 um contrato de aluguer, nos termos do qual a primeira alugou à segunda, mediante o pagamento do montante mensal de € 390,00, pelo prazo de 36 meses, o veículo automóvel de passageiros da marca SMART, modelo Fortwo Cabrio Diesel, com a matrícula …; como garantia do pagamento dos alugueres devidos e que não fossem pagos, a executada subscreveu uma livrança em branco, emitida em 21/07/2005 e avalizada pelos seus sócios gerentes na altura – o segundo opoente e N…; em cumprimento do contrato celebrado a executada pagou todos os alugueres até ao final do contrato; de modo que o preenchimento da livrança no pressuposto de existirem alugueres em falta é abusivo, e, por isso, nulo, com a consequente inexigibilidade do montante constante do título; e se o preenchimento da livrança se fundamentou na falta de pagamento duma reparação do veículo automóvel que teve lugar em Setembro ou Outubro de 2007, é igualmente abusivo, porquanto os oponentes não têm obrigação de suportar esse pagamento, já que a necessidade da reparação se deveu a avaria para a qual o respectivo utilizador em nada concorreu e que deve ser considerada coberta pela garantia; por outro lado, foram realizadas penhoras incidentes sobre bens da executada Elsa Margarida Neves Oliveira, a qual não é, nem jamais foi, sócia da 1ª executada, não subscreveu qualquer contrato de aluguer com a exequente e muito menos subscreveu a livrança dada à execução, pelo que não tem qualquer responsabilidade no pagamento da quantia reclamada pela exequente, devendo, por isso, ser ordenado o imediato levantamento das penhoras realizadas sobre bens próprios e exclusivos daquela.

A exequente contestou alegando, em síntese, que o preenchimento da livrança teve como fundamento o valor em dívida, correspondente aos alugueres não pagos e, bem assim, os valores referentes à reparação do veículo objecto do contrato, pela avaria identificada na oposição, da responsabilidade dos executados, e ainda os valores devidos pela viatura de substituição.

Foi proferido despacho saneador tabelar e dispensada a condensação.

Instruída a causa, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, em cujo âmbito foi proferida a decisão de facto de fls. 104 a 110.

                Foi depois emitida a sentença de fls. 113 a 138, cujo segmento decisório se transcreve:

                “Em face do que antecede, o Tribunal decide:

- Julgar parcialmente procedente a oposição à execução e, assim, reduzir a quantia exequenda a € 4.533,71 (quatro mil quinhentos e trinta e três euros e setenta e um cêntimos), a que acrescem juros de mora desde o vencimento do título apresentado à execução, no mais absolvendo os executados do pedido.

- Julgar verificada a excepção dilatória de ilegitimidade dos oponentes, declarando-se os mesmos parte ilegítima para o incidente de oposição à penhora, absolvendo-se a exequente da instância relativamente ao mesmo.

- Condenar os opoentes nas custas relativas ao incidente de oposição à penhora, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC, nos termos da tabela II anexa ao R.C.P.

- Condenar as partes, na proporção do respectivo decaimento, nas custas devidas a juízo pela oposição à execução.”

                Inconformados, os oponentes recorreram, encerrando a alegação apresentada com as conclusões seguintes:

                Não foi apresentada resposta.

                O recurso foi admitido tendo, nessa oportunidade, o tribunal “a quo” emitido também o despacho a que alude o artº 670º, nºs 1 e 5 do Cód. Proc. Civil, negando razão aos apelantes quanto às nulidades (processuais e da sentença) invocadas e concluindo nada haver a reparar ou sanar.

                Não se vislumbrando qualquer obstáculo a tal, cumpre apreciar e decidir.


***

                Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil[1], é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas as seguintes questões:

                a) Eliminação da factualidade constante do nº 2 do elenco feito na sentença recorrida;

                b) Contradição entre factos dados como provados;

                c) Anulação do julgamento;

                d) Nulidade processual.


***

                2. FUNDAMENTAÇÃO

                2.1. De facto

                2.1. Factualidade dada como assente pela 1ª instância


***

                2.2. De direito

                Os apelantes defendem que a factualidade constante do nº 2.1.2., supra, que corresponde ao teor do documento anexo ao contrato referido no ponto nº 2.1.6., deveria ser eliminada, uma vez que, por um lado, essa factualidade não integrou a decisão da matéria de facto e, por outro, o documento do qual a mesma emana não se encontra junto ao presente processo, antes constando de outro apenso do mesmo processo principal, em que os ora oponentes não são parte.

                Vejamos.

                Pela consulta do presente processo e do “apenso” que com o mesmo veio da 1ª instância, contendo duas certidões, uma do processo principal (execução comum nº 14/10.2TBFND em que é exequente B… – Instituição Financeira de Crédito, S.A. e executados F…, Lda e A…, N… e E…) e outra do Apenso A (oposição à execução nº 14/10.2TBFND-A, em que é oponente E… e exequente B…– Instituição Financeira de Crédito, S.A.)[2], constata-se que a factualidade em causa não integra a decisão sobre a matéria de facto e que o documento do qual foi extraída só do Apenso A faz parte, não tendo sido junta até à sentença, nomeadamente nos termos e para os efeitos do artº 514º, nº 2, fotocópia ou certidão do mesmo a este processo (Apenso B).

Embora haja identidade de exequente/oposta, os oponentes nos apensos A e B são diferentes e, apesar de terem outorgado procuração aos mesmos Srs. Advogados (Drs. …), estão a ser representados os do Apenso B pelo Dr. … e a do Apenso A pela Dr.ª ….

                Nada prova que os oponentes deste processo tivessem, até à sentença, conhecimento da junção do documento em causa ao Apenso A ou que tenham sido notificados da intenção de fazer uso do seu teor nestes autos, com vista a sobre ele se pronunciarem[3].

Face às circunstâncias apontadas, concordamos com os recorrentes e entendemos que foi irregular o uso nestes autos da factualidade em questão sem que previamente fosse junta certidão do documento de que emana e dada aos oponentes oportunidade de sobre ele pronunciarem.

A irregularidade apontada é, de acordo com os artºs 3º e 201º, geradora de nulidade, já que pode influir no exame e/ou na decisão da causa[4]. Com efeito, pelo menos teoricamente, é possível admitir que os oponentes, notificados da junção do documento constante do Apenso A, de cujo texto o tribunal “a quo” extraiu a factualidade agora posta em causa, consigam encontrar um qualquer argumento capaz de lhe retirar relevância.

E os recorrentes não tiveram oportunidade de antes e por outra forma arguir a nulidade em causa, já que a irregularidade que a gerou só na sentença recorrida foi praticada.

Tendo em atenção o disposto no nº 2 do artº 201º e no nº 3 do artº 659º, a nulidade apontada vicia apenas o processado posterior à decisão sobre a matéria de facto, incluindo, pois, a sentença, e implica tão só, antes da prolação de nova sentença, a prática do acto omitido, ou seja, a junção a estes autos de certidão do documento em que o tribunal se baseou para dar como provada a factualidade constante do item 2.1.2., supra, e notificação dessa junção aos oponentes, para, querendo, se pronunciarem.

Logram êxito, pois, na medida exposta, as conclusões da alegação dos recorrentes, o que importa a procedência da apelação e a anulação do processado a partir da decisão sobre a matéria de facto, devendo proceder-se como atrás explanado.

Nos termos do artº 713º, nº 7, elabora-se o seguinte sumário:

“Constitui irregularidade, geradora de nulidade processual, a utilização na sentença de factualidade decorrente de documento apenas existente em processo apenso, se não foi dada à parte a quem o documento prejudica – e que não intervém no dito apenso – oportunidade de sobre ele se pronunciar.”


***

                3. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e em anular o processado a partir da decisão sobre a matéria de facto, devendo proceder-se como atrás indicado.

                As custas ficam a cargo da parte que a final ficar vencida.

                                                                                                              Coimbra,

Artur Dias (Relator)
Jaime Ferreira
Jorge Arcanjo


[1] Na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24/08. São desse diploma, com essa redacção, as disposições legais adiante citadas sem menção da origem.
[2] Pela data das certidões (26/04/2001) constata-se que o “apenso” referido foi constituído apenas na altura do envio dos autos a esta Relação.
[3] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, pág. 8 e Volume 2º, pág. 400.
[4] É certo que a existência de pacto de preenchimento se presume da subscrição, aval e entrega da livrança em branco.
  Contudo, a amplitude desse pacto, designadamente se permite à exequente incluir no preenchimento todas as quantias devidas em caso de incumprimento e/ou rescisão do contrato de aluguer ou apenas as resultantes de alugueres devidos e não pagos não se pode presumir, sendo essencial para a respectiva prova o recurso ao documento junto ao Apenso A.