Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3310/08.5TBVIS-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ALIMENTOS
MENORES
ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA
FGADM
Data do Acordão: 12/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU - TRIBUNAL JUDICIAL - 3º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI Nº 75/98 DE 19/11, DL Nº 164/99 DE 13/5
Sumário: I – A adstrição do FGADM ao pagamento de pensão cujo montante resulta da simples aplicação do factor de actualização fixado na sentença de regulação das responsabilidades parentais, não significa vinculação do Fundo ao pagamento de pensão de montante superior ao imposto ao progenitor incumpridor.

II – Mas, considerando o disposto nos artºs 2º e 3º nº3 da Lei 75/98 e a autonomia e cariz social da obrigação do Fundo, que visa a salvaguarda dos superiores interesses dos menores, o quantum da pensão a que ficará adstrito não está limitado pelo valor da antes imposta ao progenitor em falta, mas será aquele que, à data da decisão que o vincular, se revelar adequado para a consecução daquele fito.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA


1.
A (…) deduziu incidente de incumprimento da prestação alimentícia contra F (…), por dívida deste ao filho menor de ambos, AR (…).

Alegou que foi fixada judicialmente a pensão de 100,00 euros a prestar pelo pai, atualizada anualmente à taxa de 4% com início em dezembro de 2008, e que o requerido não pagou, encontrando-se em dívida, até novembro de 2012, 5.095,68 euros.
Notificado o requerido nada disse.

Pelo que foi proferida sentença na qual, dando-se como provados os factos alegados, se declarou o incumprimento do requerido e se condenou o mesmo no paramento da aludida quantia acrescida  das prestações vincendas e dos juros   devidos.

Seguidamente o Ministério Público, constatada a impossibilidade de cobrança coerciva dos montantes devidos, veio requerer  que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegure o pagamento dos mesmos.

Foram efetuadas as diligências necessárias à instrução de tal pedido, designadamente a elaboração de relatório social relativo ao agregado familiar em que se insere o menor.

O MºPº pronunciou-se no sentido de o FGADM assegurar o pagamento da quantia de 116,97 euros que resulta do fator de  atualização de 4% fixado.

2.
Seguidamente foi proferida sentença na qual se decidiu:
Julgar procedente o requerimento formulado pelo Ministério Público ao abrigo do disposto no art. 3º, nº 1 da Lei nº 75/98 de 19/11 e, em consequência:
- fixar em 117€ (cem e dezassete euros), atualizável anualmente, a partir de Maio de 2014 inclusive, de acordo com os índices de preço do consumidor anualmente publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, a prestação a pagar, em substituição do progenitor, pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, relativamente ao menor supra-referido, com início no mês subsequente ao da notificação desta decisão, enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação que impende sobre o progenitor, cessando obrigatoriamente quando o menor atingir a maioridade e devendo as entidades referidas no nº 2 e 3 do referido preceito legal comunicar ao tribunal qualquer facto que possa determinar a alteração ou a cessação da prestação de alimentos a cargo do Estado.

3.
Inconformado recorreu o FGADM.
Rematando as suas alegações com a seguintes conclusões:
1. Salvo o devido respeito, não pode o ora recorrente concordar com a douta decisão recorrida.
2. Para que sejam atribuídas as prestações de alimentos é necessário que se verifiquem vários requisitos cumulativos.
3. Mesmo que assim se não entendesse, o que só por mera hipótese se admite, o FGADM não poderá ser condenado a pagar uma prestação de valor superior à fixada aos devedores originários.
4. A obrigação do FGADM é a de assegurar/garantir os alimentos devidos a menores e não o de substituir a obrigação alimentícia que recai sobre o obrigado a alimentos.
5. Ora, a obrigação legal de prestar alimentos é diferente da obrigação judicial de os prestar, sendo que só existe obrigado judicial desde que o tribunal o defina como devedor de alimentos, isto é, o condene em determinada e quantificada prestação alimentar.
6. Sendo indubitável que a letra da lei aponta no sentido de que o FGADM apenas garante o pagamento dos alimentos judicialmente fixados.
7. E a verdade é que ao caso em apreço desconhece o FGADM qual o valor da prestação de alimentos fixada para o progenitor pai.
8. Sucede porém que, e como consta na douta decisão que ora se recorre, cite-se “(…) face ao montante da prestação de alimentos judicialmente fixada, ao montante em divida e ás condições de vida do menor, entendo que deve de ser fixada em 117€ a prestação a assegurar pelo FGA (…)”.
9. De referenciar que, a obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM, autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal, não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação.
10. A verdade é que o FGADM desconhece o valor da prestação fixado ao progenitor/ devedor.
11. A este propósito cumpre esclarecer que a responsabilidade do FGADM é, residual, uma vez que a satisfação do pagamento das prestações alimentícias incumbe em primeira mão aos pais e só quando tal é inviável é que intervém o Estado, assumindo tal pagamento e desde que preenchidos os requisitos cumulativos exigidos por Lei.
12. Admitir o contrário, face ao que anteriormente foi referido, seria iludir o espírito da Lei, abrindo a porta à desresponsabilização dos obrigados a prestar alimentos, por saberem, a priori, que o Estado supriria as suas faltas. Essa, não foi, certamente, a intenção do legislador.
13. Na verdade, não só seria incomportável para o Estado colmatar carências pretéritas dos menores, como seria inadequado substituir o obrigado originário a alimentos, no seu inalienável dever de prover ao sustento e educação daqueles.
14. O Estado somente se substitui ao obrigado enquanto este não iniciar ou reiniciar o cumprimento da sua obrigação e pelo valor fixado para esta. Valor este que o fundo desconhece.
15. Esta prestação é autónoma relativamente à do obrigado a alimentos, e, para a sua fixação, é necessária a verificação do incumprimento e da impossibilidade da sua satisfação por este último.
16. A vertente da autonomia da prestação do Estado ressalta, desde logo, do facto de que a acumulação de várias prestações vencidas pelo obrigado a alimentos constitui um dos elementos a ter em conta para o apuramento das necessidades dos menores, podendo influir no montante da prestação a suportar pelo Fundo, que poderá ser diversa da devida pelo obrigado.
17. É que o FGADM não garante o pagamento da prestação de alimentos não satisfeita pela pessoa judicialmente obrigada a prestá-los, antes assegurando, face à verificação cumulativa de vários requisitos, o pagamento de uma prestação “a forfait” de um montante por regra equivalente – ou menor – ao que fora judicialmente fixado – vide Remédio Marques in “Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos A Menores).
18. No caso concreto, parece ter sido intenção do legislador acudir a uma situação de necessidade do menor, necessidade presente, decorrente do incumprimento do obrigado principal. Evitar que se repitam situações, que podem ser irremediáveis, de o menor não ter alimentos. Fazer com que, verificado o incumprimento do principal obrigado, o menor tenha assegurado o seu sustento.
19. O momento da verificação da impossibilidade de o progenitor satisfazer a obrigação a que estava vinculado é, assim, o da decisão judicial que julgue procedente o incidente de fixação da obrigação do Estado em substituição do devedor originário.
20. O legislador não sentiu necessidade de as incluir na garantia prestada. Pelas mesmas razões, que não sentiu necessidade de garantir a totalidade da prestação a que o requerido está obrigado. A diferença – se houver – entre a prestação a cargo do requerido e o valor da prestação a cargo do FGADM também terá de continuar a ser exigida do primeiro.
21. Temos, necessariamente, de concluir que a entidade subrogada, quando procede ao pagamento da prestação de alimentos, o faz no cumprimento de uma obrigação própria e não alheia, e, assim sendo, o Fundo deve substituir-se ao devedor originário apenas desde a notificação da decisão que determina a sub-rogação.
22. Sobre esta mesma matéria decidiu recentemente, e bem, Tribunal da Relação de Coimbra – Proc. 3819/04 – 2ª secção cível acórdão de 19/02/2013; assim como Tribunal da Relação do Porto Proc. 30/09 – 5ª secção acórdão de 25/02/2013.
23. Com efeito, a intervenção do FGADM reveste natureza subsidiária, visto que é a não realização coactiva da prestação alimentícia já fixada, que a legitima.
24. O Estado somente se substitui ao obrigado enquanto este não iniciar ou reiniciar o cumprimento da sua obrigação.
25. Depois de pagar, o FGADM fica sub-rogado em todos os direitos do menor credor dos alimentos, sendo-lhe, pois, lícito exigir do devedor de alimentos uma prestação igual ou equivalente àquela com que tiver sido satisfeito o interesse do menor (credor), incluindo o direito de requerer execução judicial para reembolso das importâncias pagas.
26. Tal significa que o FGADM é apenas um substituto do devedor dos alimentos, pelo que a sua prestação não pode exceder a fixada para o mesmo, ao que a sub-rogação não pode exceder a medida da sub-rogação total, porquanto, se o terceiro paga mais do que ao devedor competia pagar, ele não tem o direito de exigir do devedor o reembolso pelo excesso e só poderá exigir do credor a restituição do que este recebeu indevidamente.
27. Não pode o terceiro, satisfazendo o credor, aumentar o montante do crédito contra o devedor – vide Vaz Serra in BMJ 37/56. Sendo que se o terceiro pagou mais do que era devido pelo devedor, no excesso não opera a sub-rogação e portanto o direito ao reembolso.
28. Acresce que se a prestação social pudesse ser fixada em valor superior não se justificaria racionalmente que a lei a fizesse depender do incumprimento pelo obrigado, antes deveria depender apenas e tão só as necessidades actuais do menor. 
29. Aceitar que a prestação fosse superior seria instituir-se, sem apoio normativo, uma prestação social em parte não reembolsável e ainda por cima sem que o credor a tenha de restituir como “indevida” no sentido do art. 10º do Decreto-lei 164/99 (com a redacção introduzida, respectivamente, pela Lei n.º 66-B/2012 de 31 de Dezembro e pela Lei n.º 64/2012 de 20 de Dezembro).
30. Pelo que não tem, qualquer suporte legal fixar-se uma prestação alimentícia a cargo do FGADM superior à fixada ao progenitor pai ora devedor, logo o FGADM apenas se deverá considerar obrigado a assumir essa mesma prestação em substituição do progenitor em incumprimento.
31. Ao manter-se tal decisão, a obrigação e responsabilidade de prestar alimentos deixará de ser imputável ao progenitor pai passando a ser única e exclusivamente da responsabilidade do FGADM, o que de todo se demonstra impossível pelas razões supra descritas.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. Tão doutamente suprirão deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida nos termos e com os efeitos legais. Eximindo-se o FGADM de prestar alimentos em valor superior ao fixado ao progenitor em incumprimento.

Contra-alegou o MºPº pugnando pela manutenção do decidido com base nos seguintes, essenciais, argumentos:

1- A obrigação alimentar dos pais para com os filhos decorre directamente do poder paternal, está contida nos arts.1878º a 1880º/C.C, e tem na sua génese um vínculo específico, natural, familiar, inerente à própria condição de se ser pai ou mãe (de uma relação de parentesco)
2- Quando um tribunal condena um progenitor ou outra pessoa legalmente obrigada a prestar alimentos a menores a pagar prestação de alimentos, fá-lo no âmbito do poder/dever paternal de alimentos, dando assim cumprimento àquela obrigação que recai sobre os pais de prestar alimentos a favor dos filhos.
3- Já a fonte geradora da obrigação do fundo é legal, pois radica num conjunto de políticas activas no domínio da concretização dos direitos sociais, com vista a garantir um mínimo de condições de subsistência a quem ainda não pode prover à própria subsistência, por ser menor.
4- A prestação a cargo do Fundo, pela sua natureza, tem na sua génese um cariz social, já que de entre os factores que relevam para o não cumprimento da obrigação de alimentos assumem frequência significativa a ausência do devedor e a sua situação sócio-económica, seja por motivo de desemprego ou de situação laboral menos estável, doença ou incapacidade, decorrentes, em muitos casos, da toxicodependência, e o crescimento de situações de maternidade ou paternidade na adolescência que inviabilizam, por vezes, a assunção das respectivas responsabilidades parentais. (…). Estas situações justificam que o Estado crie mecanismos que assegurem, na falta de cumprimento daquela obrigação, a satisfação do direito a alimentos.
O fundo traduz um avanço qualitativo inovador na política social desenvolvida pelo Estado, ao mesmo tempo que se dá cumprimento ao objectivo de reforço da protecção social devida a menores. (ver neste sentido, no preâmbulo do Dl 164/99 de 13/05).
5- Tem também uma natureza dependente da obrigação “familiar” pois não surge em paralelo ou em simultâneo com a prestação dos progenitores nem exclui a sua responsabilidade; ela surge dependente daquela e depois de verificados determinados requisitos estabelecidos na própria lei.
6- Tem ainda um carácter subsidiário, já que limita-se à garantia dos alimentos devidos a menores, assegurando o pagamento das prestações enquanto subsistirem as circunstâncias que motivaram a sua concessão e até que cesse a obrigação do devedor.
7- Tem ainda um carácter reembolsável, já que as prestações devidas constituem um crédito de quem, na ausência ou durante o incumprimento do requerido, custeou unilateralmente, ao longo dos anos, a satisfação das necessidades do menor.
8- Acaba também por ter a sua própria autonomia, já que da fixação da prestação a cargo do FGDA nasce uma obrigação nova, com pressupostos próprios, legalmente definidos, que carecem de verificação e de declaração pelo Tribunal e gozam de uma garantia específica.
9- O que interessa, porém, reter é que a intervenção do fundo, não é de funcionamento automático, só surge em determinado circunstancialismo, ou seja, o legislador delineou os pressupostos da responsabilização do FGDA, a partir dos quais nasce a obrigação do Fundo.
10- O art. 3.º do DL 164/99 de 13/5 sob a epígrafe “Pressupostos e requisitos de atribuição”, estabelece o nº 1 que o fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:
a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei, n.º 314/78, de 27 de Outubro; e
b) O menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
O nº 2 explicita depois esta alínea - entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário.
11- A prestação a cargo do fundo só surge, para futuro, conforme resulta do Ac. de Uniformização de Jurisprudência do STJ de 12/2009.
12- Nos autos principais, em 29/10/2008, ficou acordado, no que à prestação de alimentos respeita, que o pai contribuiria com a prestação de alimentos no valor mensal de 100,00 euros, quantia esta actualizável anualmente, com início em Dezembro de 2009, de acordo com uma taxa de 4%.
13-Foram as seguintes as actualizações anuais:
--em 2009, a prestação passou para 104,00 euros;
--em 2010, a prestação passou para 108,16 euros;
--em 2011, a prestação passou para 112,48 euros;
--em 2012, a prestação passou para 116,97 euros;
--em Dezembro de 2013, a prestação passará para 121,64 euros;
14- Estes são os valores da prestação de alimentos a cargo do progenitor e que são contabilizados (designadamente com a actualização) quando nos autos de incumprimento se apura qual o valor das prestações em dívida e se condena o incumpridor ao pagamento das prestações já vencidas.
15- Na data em que a Mmª Juiz fixou a prestação a cargo do Fundo, a prestação de alimentos a cargo do devedor (no caso o pai) já era de 116,97 euros, pelo que, o facto de ter procedido ao arredondamento, não permite afirmar que a prestação a cargo do Fundo foi superior à fixada para o devedor originário.
16- Conforme resulta do Decreto-Lei n.º 138/98 de 16 de Maio (diploma que estabelece regras fundamentais a observar no processo de transição para o euro), do seu art. 3º, nº2 (sob a epígrafe “arredondamento”), resulta que o arredondamento deve ser feito por excesso quando a importância em causa for igual ou superior a $50 e por defeito nos restantes casos.
17- No caso em apreço, quando a Mmª Juiz arredondou o valor da prestação que naquele momento era devida ao progenitor – de 116,97 euros para 118,00 euros - e fixou-a a cargo do fundo não existe condenação em valor superior à obrigação do progenitor.
18- Não nos parece, contudo, que a Lei 75/98 de 19/11, alterada pela L 66-B/2012 de 31/12, impeça que o Juiz fixe uma prestação ao Estado diferente da que foi fixada ao devedor.
Conforme se escreveu no Ac. RL de 18/12/2012, proc. 5270/08.3TBALM, (publicado na base de dados do ITIJ), sendo a obrigação de prestação a cargo do Fundo é independente e autónoma, “no sentido de que o Estado não se vincula a suportar os precisos alimentos incumpridos, mas antes a suportar alimentos fixados ex novo”. “A prestação de alimentos incumprida pelo primitivo devedor funciona apenas como um pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado para satisfação de uma necessidade actual do menor”. Deste modo, a prévia declaração de incumprimento é pressuposto da intervenção do Fundo, não tendo de haver condenação prévia deste, conforme invoca a Recrte.
Porém, o Fundo responde por uma obrigação própria e não como garante do incumprimento de terceiro.
19- Parece-nos, assim, que o legislador permite a fixação de uma prestação a cargo do fundo diferente, para mais ou para menos, da fixada para o devedor sem que com isso fiquem prejudicados os direitos de reembolso por parte da SS, já que nos termos do art.7º do DL 164/99 de 13/5, se preceitua que o reembolso não prejudica a obrigação de prestar alimentos previamente fixada pelo tribunal competente.
20- Mais discutível parece ser a questão da prestação a cargo do fundo ser actualizada automaticamente.
21- Embora consideremos que nada obsta que o Juiz ao fixar a prestação a cargo do Fundo, possa fazê-lo na exacta medida em que surge a prestação a cargo do devedor, isto é, também sujeita á mesma actualização que a prestação do devedor, certo é que também admitimos o já sufragado em alguma jurisprudência, em sentido diferente.
22- Conforme se escreve no sumário do Ac. RL, 1529/03.4TCLRS, de 8/11/2012 (publicado na base de dados do ITIJ) que “3- A prestação de alimentos a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não é actualizável automaticamente em cada ano de acordo com os índices oficiais de inflação publicados pelo Instituto Nacional de Estatística.” Nesse mesmo acórdão se escreve que “Dispõe o artigo 3º nº 6 da Lei 75/98, de 19 de Novembro, que “compete a quem receber a prestação a renovação anual da prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição, sem o que a mesma cessa.” A fixação do montante da prestação a cargo do FGADM obedece, como já se salientou, ao disposto no artigo 2º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, sendo a prestação devida por períodos anuais e cessando se não for feita a prova dos pressupostos da atribuição da prestação por parte do FGADM.
Devendo ser renovada anualmente a prova da verificação dos pressupostos de intervenção do FGADM e, analisada tal prova, caberá ao tribunal decidir a alteração do valor do montante da prestação, se tal se justificar.
A actualização automática e anual do valor da prestação só se justificaria no caso de a obrigação se prolongar por um período de tempo mais dilatado sem intervenção do tribunal, como aconteceria se só terminasse com a maioridade, por exemplo.
Não deve, pois, conceder-se, provimento ao recurso interposto, sem prejuízo de se poder considerar apenas que a prestação de alimentos a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não é actualizável anualmente de acordo com os índices de preço do consumidor publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, cabendo ao tribunal decidir a alteração do valor do montante da prestação, se tal se justificar, ao Juiz no momento da renovação anual.


3.
Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685-A º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

(Im)possibilidade de adstrição do FGADM a quantum alimentício diferente, vg., superior, ao inicialmente  imposto ao progenitor.

4.
Foram dados como provados  na decisão os seguintes factos:

1) Por sentença proferida no dia 13-12-2012 e transitada em julgado, foi declarada fixada na quantia global de 5.095,68€ a dívida por alimentos devidos pelo progenitor do AR (…) para além das prestações vincendas desde Dezembro de 2012 inclusive.
2) O menor AR (…) reside com a mãe, o actual cônjuge desta e uma irmã menor.
3) A mãe do menor aufere 503,59 euros mensais pelo seu desempenho laboral como empregada doméstica.
4) O actual cônjuge da mãe do menor aufere 614€ mensais.
5) A mãe do menor recebe ainda 118,83€ a título de abono de família mensal devido aos filhos menores.
5) Não são conhecidos rendimentos ao progenitor do menor.

Nos termos do artº 712º nº1 al. a) do CPC, aditam-se ainda os seguintes que resultam dos documentos juntos aos autos e das próprias posições, não dissidentes, dos intervenientes processuais:

6) Por sentença de regulação do exercício do poder paternal foi fixada a pensão de 100,00 euros a prestar pelo pai, atualizada anualmente à taxa de 4% com início em dezembro de 2008.
7) À data da decisão recorrida, o valor da pensão, ex vi da aplicação do fator de atualização fixado na sentença que fixou o quantum inicial de 100,000 euros, ascendia a 116,97 euros.

5.
Apreciando.
5.1.
A questão apresenta-se, liminarmente e em função do modo  como o recurso é delineado e os elementos factuais constantes dos autos, muito simples.
Na verdade, bem vistas as coisas e tal como doutamente expende o MºPº, in casu não pode defender-se que a responsabilidade do FGADM foi fixada em quantia superior à que impendia sobre o pai.
Pois que, ex vi do fator de atualização de 4% que foi fixado na sentença de rrp sobre o montante inicial da pensão que ascendia a 100,00 euros, este, à data da prolação da decisão que vinculou o Fundo, já representava 116.97 euros.
Ora tendo o valor posto a cargo deste, em substituição do pai, sido de 117,00 euros, é meridianamente evidente que este arredondamento por excesso, e tal como outrossim doutamente menciona o Digno Magistrado do MºPº, é, legal e circunstancialmente, mais do que possível e admissível.
Decorrentemente, não pode concluir-se, na senda do recorrente – aliás, ao que parece e pelo que expende, desde logo por desconhecer qual o valor da prestação de alimentos fixada para o progenitor pai, o que, porém, era facilmente ultrapassável pela consulta do processo –, que foi fixado quantum alimentício superior ao que caberia ao pai.
 Pois que, como se viu, sobre este, e à data do despoletamento da  intervenção do Fundo e da prolação da sentença –data atualizada que importa considerar: art- 663º nº1 do CPC – já impendia a obrigação de satisfazer os ditos 117,00 euros.
5.2.
Mas, mesmo que assim não fosse, não assistiria razão ao recorrente.
Não há dúvida que a obrigação/intervenção do FGADM se assume, a um tempo, apenas subsidiária, substitutiva e tendencialmente provisória, relativamente à obrigação do progenitor incumpridor.
Mas, a outro tempo, não existe também controvérsia quanto ao seu  cariz   de obrigação nova e autónoma.
Assentando esta autonomia na sua própria génese, ratio e teleologia: ela não radica na obrigação natural, legalmente acolhida, derivada dos laços familiares, mas antes dimana da função social do Estado que lhe impõe que garanta aos seus cidadãos, máxime os de tenra idade que não podem prover ao seu sustento, o mínimo de subsistência material necessário à salvaguarda dos seus direitos e interesses basilares e da sua própria dignidade humana.
Ora atenta a autonomia e o desiderato/fito/finalidade da obrigação, é evidente que ela deve ser substanciada, ie., o seu conteúdo deve ser fixado/preenchido, de per se, em si mesmo considerada, sem que esteja inelutável e totalmente dependente do conteúdo/teor da obrigação judicialmente determinados para o progenitor incumpridor, vg. no que concerne ao seu quantum.
Podendo/devendo esta/e constituir apenas uma referência, um ponto de partida, para a determinação do conteúdo da obrigação do Fundo.
E este entendimento a lei consagrou quando, no artº 2º da Lei 75/98, de19.11, e artº 3º do seu diploma regulamentar, DL 164/99 de 13.05 estatuiu:
1. As prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 Uc.
2. Para a determinação do montante referido no número anterior o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor”.
Deste elemento literal, e desde logo heuristicamente, se retira, numa sensata e razoável exegese hermenêutica, que a lei apenas fixou um teto máximo para o valor da pensão.
 E, para a sua determinação concreta, definiu certos requisitos, pressupostos ou condicionantes, de entre os quais consta o montante da prestação de alimentos fixada ao progenitor incumpridor.
É assim obvio que sendo este pressuposto apenas um entre vários a considerar, ele não vale apenas por si e em termos inelutáveis e inultrapassáveis, mas antes devendo valer concatenado com os demais.
 E não assumindo pois um valor absoluto, mas apenas relativo, e, consequentemente - e indo diretamente ao ponto -, não podendo tal referencial impedir que o valor da pensão do Fundo seja superior, ou até inferior, ao fixado no processo de regulação das responsabilidades parentais.
A fixação do valor da pensão a suportar pelo Fundo depende, pois, de vários fatores, de entre os quais sobrelevam o conteúdo da obrigação alimentícia fixada ao progenitor faltoso e o seu incumprimento e as necessidades atuais do menor: aqueles são o pressuposto necessário da vinculação do Fundo, estas são limite do quantum a fixar a seu encargo.
Se assim não fosse não se compreenderia o teor do nº2, e bastando ao legislador, acrescentar ao nº1, «nem, para cada menor, o  montante fixado na sentença de regulação do poder (responsabilidades) paternal (parentais).»
É caso paradigmático para se chamar à colação o disposto no arº 9º nº2 do CC, pois que a interpretação oposta não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal.
Acresce que, para proferir a decisão na qual se tem de pronunciar quanto ao valor da pensão que o Fundo tem de suportar: «o juiz mandará proceder às… diligências que entenda indispensáveis e a inquérito sobre as necessidades do menor…» - nº3 do artº 3º daquela Lei
Ora se estas diligencias não se destinassem a determinar qual o valor atual adequado, pois que ele nunca poderia ultrapassar o antes fixado, seriam totalmente desnecessárias, inúteis ou inócuas, o que não se pode admitir.
Ademais esta interpretação descentra/desvia o cerne da questão/discussão do seu verdadeiro e essencial ponto.
Pois que coloca o enfoque e enfatiza a análise apenas na perspetiva da despesa do Estado e descurando/olvidando o verdadeiro cerne da questão que é apenas e tão somente a satisfação das necessidades basilares dos menores com vista à salvaguarda dos seus interesses e direitos fundamentais.
E, inclusive, esgrimindo argumentos algo minudentes, rebuscados e não atendíveis, como seja o atinente ao montante do direito de subrogação  do Fundo ou à necessidade de este continuar a pagar a diferença que para mais fosse obrigado por reporte à pensão fixada para o progenitor – cfr. Ac. da RL de 11.2012, p. 1529/03.4TCLRS-A.L2-6 e da RC de 19.02.2013, p. 3819/04.0TBLRA-C.C1,  in dgsi.pt.
Na verdade e quanto a estes óbices basta contrapor que o Fundo, enquanto entidade com natureza e escopo finalístico de índole social, tem, porventura - e se o incumpridor não assumir, quando interpelado para o efeito, o pagamento do excesso relativamente ao que foi inicialmente condenado-, de suportar tal acréscimo.
Isto numa interpretação possível e razoável, atentos os magnos interesses a tutelar,  até porque se a lei não prevê diretamente esta hipótese também a não proíbe.
Aliás, tal encargo poderá/deverá ser apenas provisório e ressarcível pois que não está vedado a tal instituição que despolete no processo incidente tendente à prolação de decisão que declare a obrigação de o progenitor faltoso ficar vinculado ao pagamento do valor da diferença a que ele (FGADM) ficou adstrito e desde a data em que começou a pagar a pensão maior.
E sendo a posição ora propugnada a maioritariamente defendida na jurisprudência, e na doutrina mais abalizada, deve ela, salvo posição de princípio inamovível, e por razões de justiça comparativa, máxime num campo tão sensível e melindroso como é o da justiça dos menores, ser, em princípio, sufragada – cfr. neste sentido, e para maiores explanações, na jurisprudência, os Acs. do STJ de 30.09.2008, p.08A2953, de 04.06.2009, p.91/03.2TQPDL.S1 e de 12.07.2011, p. 4231/09.0TBGMR.G1.S1; Ac. da RL de 11.07.2013, p. 5147/03.9TBSXL-B.L1-2; Acs. da RP de 15.10.2013, p. 37/12.7TBCNF.1.P1 e de 15.10.2013, p. 151/12.9TBARC.P1 e Ac. da RC de 22.10.2013, p. 2441/10.6TBPBL-A.C1, todos in dgsi.pt. E, na doutrina,  Helena Melo, João Raposo, Luís Carvalho, Manuel Bargado, Ana Teresa Leal e Felicidade d’Oliveira  in Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, Quid Juris, 2ª edição, pag. 110 e Remédio Marques,  in Algumas Notas Sobre Alimentos Devidos a Menores, 2ª edição, ps. 234 e 237-239.

Improcede o recurso.

6.
Sumariando
I – A adstrição do FGADM ao pagamento de pensão cujo montante resulta da simples aplicação do fator de atualização fixado na sentença de regulação das responsabilidades parentais, não significa vinculação do Fundo ao pagamento de pensão de montante superior ao imposto ao progenitor incumpridor.
II – Mas, considerando o disposto nos artºs 2º e 3º nº3 da Lei 75/98 e a autonomia e cariz social da obrigação do Fundo, que visa a salvaguarda dos superiores interesses dos menores, o quantum da pensão a que ficará adstrito não está limitado pelo valor da antes imposta ao progenitor em falta, mas será aquele que, à data da decisão que o vincular, se revelar adequado para a consecução daquele fito.

7.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelo recorrente.

Coimbra, 2013.12.10



Carlos Moreira ( Relator )
Anabela Luna de Carvalho
Moreira do Carmo