Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
81/1998.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO
ABUSO DO DIREITO
CRÉDITO LÍQUIDO
Data do Acordão: 09/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CELORICO DA BEIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.334, 405, 805, 810, 811, 812, 814 DO CC.
Sumário: 1. – O facto de as partes terem estipulado, para a hipótese de incumprimento de um contrato promessa de cessão de quotas, uma cláusula penal igual ao triplo do montante pecuniário que tinha o objecto da prestação, tal não implica que a estipulação constitua um abuso ao direito de contratar livremente, dentro dos limites da lei.

2. - O art.812 nº1 CC, que prevê a redução equitativa, aplica-se também à cláusula penal compulsória, apenas com função sancionatória.

3. – Para a redução equitativa, neste caso, não releva tanto o prejuízo real, mas antes o interesse do credor ao cumprimento, exigindo-se, na ponderação de interesses, a averiguação se o montante convencionado é ou não adequado, segundo um juízo de razoabilidade, à eficácia de ameaça, estimulando o devedor a cumprir.

4. - O facto de um devedor contestar o montante líquido exigido pelo credor, não torna a obrigação ilíquida, ainda que a prestação venha a ser fixada pelo tribunal em montante inferior ao pedido.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível):

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Recorrente/Recorrido (Autor)….……………...J. P (…), residente em Valverde, Aguiar da Beira;

Recorrido/recorrente (Réu/reconvintes)…….A.B. (…), residente em Trancoso, residente em Tamanhos, Trancoso.

Interveniente (activo)…………………………...M.P. (…), residente em Valverde, Aguiar da Beira.

Intervenientes (passivos)……………………..M.L. (…)

………………………………………………………M.A. (…)

………………………………………………………O.F. (…)

……………………………………………………...J.M. (…) e mulher F. M.(…),

………………………………………………………I.S. (…) e mulher M.S (…)

M.P. (…) e mulher C.P.(…),

…………………………………………………...….A.B (…) e mulher, G.B. (…)


*

I. Relatório.

a) O Autor celebrou, em 19 de Janeiro de 1998, um contrato-promessa com os Réus AB (…) e AL (…), tendo por objecto a cessão de todas as quotas da sociedade denominada «(…), Ld.ª», pertencentes a estes Réus e aos intervenientes passivos chamados à acção, pelo montante de 100 000 000$00 (cem milhões de escudos), sociedade que então levava a cabo a construção de um empreendimento turístico, apoiado financeiramente pelo Estado, através do Fundo de Turismo.

O Autor entregou aos Réus, como sinal e princípio de pagamento, a quantia de 10.000.000$00, tendo ficado acordado que os restantes 90.000.000$00 seriam pagos no acto da escritura, que se deveria realizar, no máximo, até ao dia 18 de Fevereiro de 1998.

Ficou também acordado que, em caso de incumprimento, o incumpridor teria de pagar, a título de cláusula penal, o triplo do valor total do contrato, sem prejuízo do Autor poder exigir o cumprimento específico do contrato.

O Autor pretendeu com a instauração da presente acção que o tribunal declarasse a nulidade do mencionado contrato-promessa e como fundamento alegou não ter sido celebrado por todos os titulares das quotas prometidas vender e de ser indeterminado o objecto do contrato devido ao facto de não se especificar o património da sociedade cujas quotas iriam ser transmitidas.

Pediu, além disso, a condenação solidária dos dois Réus a restituírem-lhe os 10 mil contos (€49.879,79 euros) que entregou a título de sinal, quantia esta devidamente actualizada e com juros a partir da citação.

Para o caso destes pedidos não procederem, pediu que se declarasse que os Réus não cumpriram o contrato-promessa e, com base em tal facto pediu a condenação solidária de ambos a restituírem-lhe a dita importância, acrescida de indemnização que, por não se encontrar ainda apurada, deveria ser determinada em liquidação de sentença.

Para o caso destes segundos pedidos também não procederem, pediu que o tribunal reconhecesse e declarasse a resolução do contrato-promessa, por alteração substancial da base negocial, caso em que os Réus deveriam ser também condenados solidariamente a restituir ao Autor a importância que receberam, actualizada e com juros moratórios a partir da citação.

A alteração da base negocial funda-se no facto do Fundo de Turismo ter exigido que o projecto fosse concluído até ao dia 9 de Novembro de 1998, implicando um investimento global na ordem dos 300 mil contos, encontrando-se a obra a meio e não havendo tempo para a concluir, sucedendo que o Autor só assinou o contrato porque lhe foi garantido pelos Réus um subsídio vindo do Fundo de Turismo de 40%, o que não aconteceu.

Os Réus contestaram e deduziram reconvenção.

Para efeitos de contestação, sustentaram que, muito embora o contrato tenha sido celebrado apenas pelos dois Réus, estavam autorizados pelos demais titulares das quotas a celebrá-lo, sendo tal facto do conhecimento do Autor.

Assim como era do seu conhecimento o estado em que se encontrava todo o processo relativo ao empreendimento turístico, incluindo as relações dos Réus com o Fundo de Turismo, inexistindo qualquer facto que justifique a invocação da mencionada alteração da base negocial.

Dizem que a cessão das quotas só não ocorreu porque o Autor sempre faltou ao acto de realização da escritura pública, o qual esteve combinado com o Autor várias vezes, tendo comparecido apenas na última data marcada, mas para se recusar a outorgar a escritura pública, alegando como justificação ter instaurado a presente acção, referindo ainda, para o mesmo efeito, a falta do livro de actas da sociedade.

Com esta recusa do Autor passaram os prazos e perdeu-se o apoio do Fundo de Turismo.

Em reconvenção, os Réus alegam que o Autor não cumpriu definitivamente o contrato-promessa e, por isso, pediram a condenação dele no pagamento da cláusula penal fixada no contrato, no montante de 300.000.000$00.

Requereram ainda a intervenção principal provocada, como associada do Autor, de MJ (…), sua esposa, para ser condenada solidariamente com o Autor no pagamento da quantia de 300 mil contos (€149.639,36 euros) e a intervenção principal provocada dos restantes sócios da sociedade «(…)o Ld.ª».

Houve réplica e admissão dos chamados, os quais aderiram aos articulados dos Réus.

O Autor contesta o montante da cláusula penal referindo que as partes pretenderam, sim, referir-se ao triplo do sinal e não ao triplo do preço, o que se indica até do facto de, nesta última hipótese, ser muito mais oneroso o incumprimento que o próprio cumprimento.

Nada mais de relevante foi alegado nos autos para efeitos de conhecimento dos recursos.

Após a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, com a consequente absolvição dos Réus AB (…)e AL (…) dos pedidos formulados contra eles pelo Autor.

A reconvenção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, foi declarada a resolução do contrato-promessa, por culpa imputável ao Autor, e os reconvindos JP (…) e MP (…) foram condenados a pagar aos reconvintes, réus e intervenientes, a quantia de €130.120,21 (cento e trinta mil e cento e vinte euros, e vinte e um cêntimos), montante a dividir na proporção das quotas dos Reconvintes-maridos na sociedade objecto do contrato promessa, quantia essa ainda acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até integral pagamento.

b) Os Autores recorrem, em síntese, por entenderem que a cláusula 7.ª do contrato-promessa, na que fixou a cláusula penal, padece de nulidade e, além disso, por considerarem também excessivo o montante fixado na sentença, que deve ser reduzido para €50 000,00 euros, importância igual ao sinal entregue, discordando ainda os Recorrentes do momento indicado para o vencimento dos juros que, a serem devidos, só o serão a partir da sentença condenatória

Dizem que a cláusula é nula porque o valor estipulado como pena constitui um claro abuso de direito e um desrespeito flagrante do princípio da boa fé na formação e conclusão dos contratos, na medida em que «ninguém no seu perfeito juízo estabeleceria uma cláusula penal de três vezes o valor do contrato». O que as partes quiseram, embora também num montante manifestamente excessivo, foi fixar aquela pena em três vezes o valor do montante entregue a título de sinal.

A cláusula 7.a do contrato-promessa deve, portanto, ser declarada nula.

Quanto aos juros de mora, sustentam que os mesmos só podem ser devidos a partir da condenação no pagamento e não a partir a notificação da reconvenção, na qual foi peticionado o pagamento do montante estipulado como cláusula penal.

Relativamente à redução da cláusula penal, consideram ainda excessivo o montante fixado na sentença pelas seguintes razões:

Por um lado, os Réus não sofreram qualquer prejuízo além daquele que já era inevitável ser produzido pelo empreendimento, sendo certo que na altura da celebração do contrato­-promessa já era dada como perdida pelos Réus a comparticipação vinda do Fundo de Turismo, devido ao facto dos Réus não terem dinheiro para cumprir os seus compromissos, incluindo os acordados com o mencionado Fundo de Turismo.

Por outro, não se provou que os Réus tivessem procedido à devolução das quantias já pagas pelo Fundo de Turismo, não podendo o tribunal dar como assente esse prejuízo.

Além disso, os Réus venderam o empreendimento a terceiros, pelo que, nenhum prejuízo tiveram.

Por conseguinte, é ajustado ao caso atribuir-se aos Réus, a título de pena, a quantia de € 50.000,00 correspondente a quantia entregue a título de sinal, soma que se aproxima mais do desejável equilíbrio contratual, reclamado pelo sentido da equidade que o atravessa.

c) O Réu AB(…) também recorreu por pretender que a valor da cláusula penal seja fixado exactamente no valor fixado no contrato-promessa, isto é, em €1 496 393,69 euros, mais juros de mora, ou, em caso de redução da cláusula penal, na quantia equivalente a ¾ da dita cláusula penal, acrescida dos mesmos juros, ou seja, €1 122 295,26 euros.

Justifica esta pretensão alegando que face aos factos provados houve incumprimento do contrato-promessa por parte dos Autores e esse incumprimento é-lhes imputável exclusiva e inteiramente, pois tinham perfeito conhecimento dos activos e passivos da sociedade, da necessidade de realizar a escritura definitiva no prazo estabelecido, para não serem perdidas as ajudas financeiras que haviam recebido e haveriam ainda de receber.

Os Autores agiram com manifesta intenção de não cumprirem o contrato, conscientes do alcance da cláusula penal que eles próprios impuseram no acto da celebração do contrato-promessa.

Sustenta que a condenação dos Autores no pagamento a clausula penal é acumulável com o sinal e que a cláusula penal não configura nem é redutível à indemnização propriamente dita, pois, para tal, era necessário que se tivessem alegado e apurado nos autos o prejuízo efectivamente sofrido pelo Réus.

Sustenta também que, no caso concreto, o tribunal recorrido não pode socorrer-se do disposto no n.º 3, do artigo 811.º, do Código Civil, mas tão só condenar os Autores no valor da cláusula penal inserta o contrato-promessa de cessão de quotas, assim se dando cumprimento ao estipulado e acordado pelos contraentes, tanto mais que os Autores são pessoas do mundo dos negócios, habituados a celebrá-los, sendo que, no caso, foram assistidos por advogado aquando da sua celebração.

Deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que condene os Autores no pagamento das quantias acima assinaladas.

d) Os Intervenientes JM (…) e Outros também recorreram.

Sustentam que a sentença padece de nulidade, por falta de fundamentação no que respeita à redução da cláusula penal, nos termos previstos nos artigos 659.º, n.º 2 e aI. b), do n.º 1, do artigo 668.º, ambos do Código de Processo Civil.

Quanto ao aspecto substantivo da decisão entendem que o montante fixado a título de cláusula penal é insuficiente, devendo ser fixado no máximo previsto.

Sustentam, para o efeito, que o regime previsto, nos artigos 810.º e seguintes do Código Civil, foi estabelecido para a cláusula penal indemnizatória, o mesmo é dizer, para a fixação antecipada do montante dos danos e não para os casos em que a cláusula penal assume natureza compulsória.

Ora, a cláusula estipulada pelas partes no contrato não se enquadra no tipo indemnizatório previsto nestas normas do Código Civil, sendo antes uma cláusula compulsória.

Por outro lado, não pode aplicar-se às cláusulas compulsórias, por analogia, a redução prevista para as cláusula indemnizatórias, porque entre umas e outras não há identidade funcional e teleológica que o justifique, pois estas últimas visam exclusivamente a liquidação antecipada do dano e as compulsórias promovem essencialmente a coerção ao cumprimento voluntário.

Nestas, mesmo que o devedor prove que o seu incumprimento não deu lugar a quaisquer danos, ainda assim está obrigado a cumprir com a penalidade fixada.

Com efeito, é adequado que se possa reduzir a cláusula penal indemnizatória, porquanto a mesma pressupõe uma quantificação antecipada dos danos e prejuízos a sofrer pela parte que cumpre (avaliação nem sempre rigorosa, por assentar num juízo de prognose), ao invés do que sucede na fixação da cláusula penal compulsória, pois, nesta, os danos previsíveis não são parte essencial da estipulação da cláusula, consistindo antes o seu elemento essencial na intenção das partes em punir o contraente incumpridor, o que inviabiliza a intervenção do instituto da redução equitativa da cláusula penal e daí que a cláusula seja devida por inteiro, sem redução.

Assim, o tribunal recorrido não poderia ter feito uso da faculdade prevista no artigo 812.º do Código Civil.

e) Apenas contra-alegaram os intervenientes JM (…) e Outros, mantendo a argumentação expendida no respectivo recurso.

e) O objecto dos três recursos de apelação consiste, em síntese, no seguinte:

Em primeiro lugar, cumpre analisar a questão da nulidade de sentença arguida pelos intervenientes.

Em segundo lugar, se a mencionada nulidade improceder, saber se a cláusula exarada sob o ponto 7 do contrato-promessa padece de nulidade, por se dever entender que está impregnada de abuso de direito.

Em terceiro lugar, caso a anterior resposta seja negativa, cumpre verificar se o montante da cláusula penal considerado na sentença deve ser fixado em €50 000,00 euros, como pretendem os Autores, ou na sua totalidade, como pretendem os Réus reconvintes, ou outro, designadamente o fixado na sentença, tornando-se necessário, nesta parte, analisar as seguintes questões:

a) Qual a natureza da cláusula penal, se indemnizatória ou compulsória, e se as cláusulas penais compulsórias podem ser reduzidas nos termos previstos no artigo 812.º do Código Civil.

b) Se se concluir pela hipótese da redução, saber que critérios práticos têm de ser verificados, nomeadamente se tem interesse saber se os Réus não sofreram qualquer prejuízo além daquele que já era inevitável ser produzido pelo empreendimento, por ser certo, já na altura da celebração do contrato­-promessa, a perda da comparticipação e o apoio do Fundo de Turismo, devido ao facto dos Réus não terem dinheiro para cumprir os seus compromissos, incluindo os acordados com este Fundo; se é de levar em conta o prejuízo resultante da eventual (não provada) devolução por parte dos Reconvintes das quantias já pagas pelo Fundo de Turismo e da ausência de prejuízo resultante do facto dos Réus terem vendido o empreendimento a terceiros.

Em quarto lugar, cumpre analisar a questão do início da contagem de juros.

II. Fundamentação.

a) Factos provados.

1 - No dia 19 de Janeiro de 1998, foi celebrado entre o Autor e os Réus AB (…)e AL (…), um contrato-promessa, no qual consta que estes intervieram em seu nome e em representação da sociedade «(…)Ld.ª», com o capital social de Esc. 40.000.000$00, matriculada na conservatória do registo comercial local, sob o n.º 167, da qual os citados Réus são sócios e únicos gerentes, sendo necessária e suficiente as assinaturas de ambos para obrigar a sociedade, e do qual consta:

Os citados Réus, «pela forma como intervêm e com autorização e ordem dos demais sócios, prometem ceder» ao Autor, «pelo valor total de 100.000.000$00 (cem milhões de escudos), todo o património da sociedade referida, incluindo o capital social (todas as quotas) nos termos e cláusulas seguintes que uns e outro aceitam e a que todos se obrigam:

1.ª - Com a cessão de todas as quotas dos sócios e que os primeiros se obrigam a que sejam cedidas, tanto mais que assumem a representação dos demais sócios, fica incluído todo o património da sociedade, mesmo projectos e tudo o mais que se relacione com o empreendimento.

2.ª - A liquidação de todo o passivo da sociedade, para com os sócios ou estranhos, fica a cargo e sob a responsabilidade dos primeiros.

3.ª - O segundo só será responsável por qualquer passivo da sociedade a partir do momento em que tome a sua administração ou lhe sejam efectuadas as cessões de quotas, através de escritura pública.

4.ª - O preço total de contrato (cessão de todas as quotas e o constante na cláusula 1.ª) é de cem milhões de escudos, tendo neste acto os primeiros recebido como sinal e princípio de pagamento a importância de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos), sendo o restante do preço (noventa milhões de escudos) a pagar no acto da escritura a ser outorgada no Cartório Notarial de Celorico da Beira, no prazo máximo de um mês.

(...).

6.ª - Os primeiros responsabilizam-se pelo cumprimento do contrato, podendo sempre o segundo exigir o cumprimento específico do mesmo.

7.ª - Para além do legalmente previsto no caso de incumprimento do contrato, aquele que se negar ao cumprimento do mesmo ou alguma das suas cláusulas terá de pagar ao outro o triplo do valor total do contrato, o que estabelecem e aceitam como cláusula penal» – (al. a).

2 - A sociedade «(…), Ld.ª» foi constituída, à data do registo do contrato de sociedade, pelos seguintes sócios:

AB(…), casado na comunhão de adquiridos com MB(…) tendo uma quota de Esc. 18.000.000$00, sendo gerente; O (…), casado, em comunhão geral, com M (…), tendo uma quota de Esc. 4.000.000$00; JJM (…) casado, em comunhão de adquiridos, com FM (…), tendo uma quota de Esc. 4.000.000$00; IS (…) casado, em comunhão de adquiridos, com MS (..), tendo uma quota de Esc. 6.000.000$00; AL (…), casado, em comunhão geral, com MS(…), tendo uma quota de Esc. 2.600.000$00, e sendo gerente; MP (…), casado, em comunhão de adquiridos, com CP (…), tendo uma quota de Esc. 2.000.000$00; AB(…), casado, em comunhão geral, com GB(…), tendo uma quota de Esc. 3.400.000$00 – (al. b).

3 - A alusão a «empreendimento», constante da cláusula 1.ª respeita a um empreendimento turístico que a sociedade em causa estava a implementar no lugar da Ratoeira, desta comarca – (al. c).

4 - A sociedade «(…) Ld.ª» não tem por objecto a compra e venda de imóveis – (al. d).

5 - Ao Autor foi mostrado que a sociedade (…), Ld.ª» é possuidora de um terreno sito no lugar da Ratoeira, a confrontar do nascente com o rio Mondego e do norte com caminho, no qual foi iniciada a construção, neste momento parada, de um conjunto de edifícios vocacionados para a actividade hoteleira e turística – (al. e).

6 - O empreendimento turístico que está a ser levado a cabo pela sociedade «(…), Ld.ª» foi objecto de um contrato de financiamento com o Fundo de Turismo – (al. f).

7 - Ao Autor foi entregue, pelo menos, fotocópia de três cartas, a saber:

I - A constante de folhas 25, dirigida ao Fundo de Turismo, da qual consta o pedido para que esta entidade autorize a cedência da sociedade a um industrial de lacticínios, devido às dificuldades da sociedade, conhecidas pelo Fundo de Turismo desde os vários pedidos de prorrogação dos prazos, devido ainda à não colaboração dos restantes sócios, a saída de um deles, a falta de capital e a não concessão de crédito pelas instituições bancárias. Mais consta que o dito industrial está interessado em concluir a obra, com capitais próprios. Consta ainda que os pagamentos feitos aos fornecedores têm sido a conta gotas e que os compromissos assumidos pelos sócios não foram assumidos. Diz-se ainda que «todas as portas se têm fechado – desde os subsídios que foram prometidos (...) inicialmente na ordem dos 40% e depois (...) atribuído 23%».

II - A carta constante de folhas 27, datada de 16 de Dezembro de 1997, dirigida pelo Fundo de Turismo ao gerente da sociedade, da qual consta a autorização de prorrogação do prazo de execução material e financeira do projecto de investimento até 09 de Novembro de  1998, sob condição resolutiva de:

i a) comprovação, no prazo de 90 dias, de uma execução financeira correspondente, no mínimo, a 70% dos capitais próprios (Esc. 165 426 800$00) e,

ii b) comprovação, no mesmo prazo, da obtenção dos meios financeiros necessários à conclusão do projecto, designadamente do empréstimo bancário de 60 mil contos já autorizado pelo Fundo de Turismo».

III - A carta constante de folhas 28, datada de 04 de Fevereiro de 1998, dirigida pelo Fundo de Turismo ao gerente da sociedade, da qual consta não ser necessária a autorização daquela entidade para uma cessão de quotas, uma vez que tal situação «não se encontra pela alínea f ) da cláusula 6.ª do contrato de concessão de incentivos, na medida em que esta só diz respeito à cessão de exploração, alienação e locação do empreendimento comparticipado e dos bens de equipamento adquiridos no âmbito da realização do projecto». Na mesma missiva reitera-se ainda as condições constantes da carta anterior, esclarecendo-se que o não cumprimento das mesmas até ao dia 11 de Março de 1998, implicará a resolução da deliberação da Comissão Administrativa de 11 de Dezembro de 1997, podendo configurar-se uma causa de rescisão do contrato, por incumprimento do prazo de execução material e financeiro do projecto de investimento, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 12.º do Dec. Lei n.º 215/92, de 13 de Outubro – (al. l).

8 - Antes da data designada para realização da escritura – 28 de Janeiro de 1998 – o Autor solicitou a sua desmarcação, invocando a indisponibilidade do seu advogado em estar presente – (al. m).

9 - Em 24 de Março de 1998, os Réus dirigiram carta registada com a/r ao Autor, através da qual lhe comunicaram que a escritura pública de formalização do negócio prometido se encontrava designada para as 16 horas do dia 27 de Março de 1998, no Cartório Notarial de Celorico da Beira – (al. n).

10 - No dia 27 de Março de 1998, às 16.00 horas, os Réus comparecerem ou fizeram-se representar, a fim de outorgar a escritura pública de cessão de quotas, tendo disponibilizado previamente ao Notário todos os elementos necessários ao aludido fim – (al. o).

11 - Compareceu o Autor, não tendo a escritura sido levada a efeito, pelos motivos seguintes invocados por este:

i a) Pelas razões constantes da acção n.º 81/98 que corre termos pelo Tribunal judicial deste concelho;

 ii b) Falta do livro de actas para saber se existia deliberação para ceder o património da sociedade – (al. p).

12 - O Autor é gerente e administrador de várias sociedades, nas quais detém uma participação social significativa – (al. q).

13 - O Autor faz face aos encargos do seu agregado familiar, designadamente do seu cônjuge, com os rendimentos obtidos com os seus negócios – (al. r).

14 - O negócio formalizado pelo contrato-promessa junto aos autos foi outorgado com o Autor com vista a obter tais rendimentos – (al. s).

15 - Os Réus AB (…) e AG (…) ficaram de entregar ao Autor o projecto e todos os documentos relativos ao empreendimento, incluindo o contrato e demais documentos relacionados com o Fundo de Turismo – (quesito 1.º).

16 - As partes no contrato promessa celebrado aceitaram como essencial o apoio do Fundo de Turismo para a implementação do empreendimento turístico – (quesito 5.º).

17 - O Autor soube que o Fundo de Turismo exigia a conclusão do empreendimento até ao dia 9 de Novembro de 1998 – (quesito 18.º).

19 - A obra implicava um investimento global de 316.037.000$00 – (quesito 20.º).

20 - Apenas se encontravam feitos os toscos dos edifícios, em pedra e betão, exceptuando o da residência da direcção, faltando tudo o resto – (quesito 21º).

21 - Os sócios da sociedade «(…) Ld.ª» e respectivos cônjuges reuniram-se e elaboraram a acta constante de folhas 106, onde consta, designadamente: «Dadas as circunstâncias expostas decidem os sócios e respectivos cônjuges por unanimidade negociar as respectivas quotas de imediato por forma a salvaguardar o apoio do Fundo de Turismo. (…) decidem…prometerem ceder ou ceder as suas quotas por um montante igual, digo global igual ou superior a cem mil contos, responsabilizando-se os sócios e cônjuges pelo pagamento do passivo da sociedade no caso de o negócio se realizar por tal preço. Para negociar o capital social da sociedade nos termos que entenderem convenientes em respeito pelos citados princípios e outorgar contrato-promessa de cessão de quotas em representação de todos os sócios, estes e suas mulheres mandatam os gerentes da sociedade AL (…) e AB(…), mandato que se esgotará com a celebração do contrato promessa, obrigando-se os sócios e cônjuges a respeitá-lo e a outorgar a ou as respectivas escrituras públicas» – (quesito 23.º).

22 - O que sucedeu por ocasião de uma assembleia-geral da sociedade ocorrida em 29/12/1997 – (quesito 24.º).

23 - Nessa altura, no empreendimento turístico da Ratoeira, já se encontrava realizado um investimento, em infra-estruturas e construção civil, de pelo menos 140.000.000$00 – (quesito 25.º).

24 - A obra exigia ainda um investimento superior a 80.000.000$00 para a conclusão dos trabalhos de construção – (quesito 26.º).

25 - Decidiram então os sócios e respectivos cônjuges, por unanimidade, negociar as respectivas quotas, de imediato, de forma a salvaguardar o apoio do Fundo de Turismo – (quesito 28.º).

26 - Decidindo prometer ceder ou ceder as quotas por um montante global igual ou superior a Esc. 100.000.000$00 – (quesito 29.º).

27 - E responsabilizando-se os sócios e cônjuges pelo pagamento do passivo da sociedade, no caso de o negócio se realizar por tal preço – (quesito 30.º).

28 - Tendo deliberado mandatar a negociação do capital social da sociedade e a outorga de contrato-promessa de cessão de quotas, em representação de todos os sócios e suas mulheres, nos gerentes da sociedade – (quesito 31.º).

29 - Na sequência da assembleia-geral, os Réus gerentes encetaram negociações com o A. – (quesito 32.º).

30 - Tendo-lhe explicado pormenorizadamente todo o projecto relativo ao empreendimento – (quesito 33.º).

31 - Mostrando-lhe o mesmo, por várias vezes, e disponibilizando-lhe todos os elementos solicitados, quer os da sociedade, quer os do empreendimento – (quesito 34.º).

32 - Esclareceram o Autor que o empreendimento se encontrava projectado e implantado em terrenos que identificaram devidamente – (quesito 35.º).

33 - Os referidos Réus disponibilizaram ao Autor os projectos de construção civil – (quesito 36.º).

34 - Transmitiram ao Autor qual o apoio do Fundo de Turismo concedido ao projecto e qual o estado do respectivo processo – (quesito 37.º).

35 - Esclareceram o Autor que o que levava os sócios a cederem as suas quotas era as condições impostas em Dezembro de 1997, pelo Fundo de Turismo, para manter o apoio concedido no âmbito do SIFIT (II), que implicava as condições constantes das cartas constantes de folhas 27 e 28 – (quesito 38.º).

36 - No decurso das negociações, e no acto da outorga da promessa, os Réus gerentes lembraram ao Autor de que ele deveria iniciar as obras de conclusão do projecto tão rapidamente quanto possível – (quesito 39.º).

37 - Os sócios e respectivos cônjuges reuniram, em assembleia-geral, a 22 de Janeiro de 1998 – (quesito 40.º).

38 - Tendo analisado o contrato-promessa e decidido conformar-se com o seu teor – (quesito 41.º).

39 - Mostrando todos disponibilidade para outorgar a escritura pública de cessão de quotas no dia 28 de Janeiro de 1998 e ainda tudo o necessário a tal fim – (quesito 42.º).

40 - Foi dado conhecimento ao Autor das actas lavradas das reuniões havidas entre os sócios e os seus cônjuges – (quesito 43.º e 44.º).

41 - No decurso das negociações, no acto da celebração do contrato-promessa e mesmo posteriormente, sempre foi claro para todos os outorgantes que o que se negociava era a cessão de quotas da sociedade (…) Ld.ª» - (quesito 45.º).

42 - Aquando do referido em M), o Autor mostrou intenção de outorgar a referida escritura num dos 15 dias subsequentes – (quesito 46.º).

43 - Nestas circunstâncias, a escritura foi novamente marcada para um dos 15 dias subsequentes – (quesito 47.º).

44 - O Autor solicitou, mais uma vez, o seu adiamento – (quesito 48.º).

45 - Os Réus gerentes, em conversa com o Autor, aperceberam-se que os motivos invocados por este para obter sucessivos adiamentos da data para realização da escritura não eram verdadeiros – (quesito 49.º).

46 - Os Réus gerentes começaram a pressionar o Autor, deslocando-se várias vezes à fábrica gerida por este – (quesito 50.º).

47 - Tendo sido designadas novas datas para a escritura – (quesito 51.º).

48 - Todas alteradas pelo Autor ou a seu pedido – (quesito 52.º).

49 - Verificando que a situação junto do Fundo de Turismo se complicava, os Réus, pessoalmente, alertaram o Autor de que, até ao dia 11 de Março de 1998, a sociedade havia de cumprir com os requisitos exigidos pelo Fundo de Turismo, sob pena de o projecto poder vir a perder o apoio concedido por este – (quesito 53.º).

50 - O que fizeram ainda por carta datada de 06 de Março de 1998 – (quesito 54.º).

51 - Nela alertando ainda para a necessidade de realizar a escritura no mais curto espaço de tempo – (quesito 55.º).

52 - E nela mostrando todos os sócios e cônjuges disponibilidade para outorgar a referida escritura em dia e hora que o Autor viesse a designar no prazo de 60 dias – (quesito 56.º).

53 - Transmitindo ainda que a não realização da escritura em tal prazo determinaria a efectiva perda do interesse dos Réus na formalização do negócio prometido, face ao incumprimento reiterado por parte do Autor e por dois motivos essenciais: aumento significativo e progressivo do passivo da sociedade e perda do apoio do Fundo de Turismo e sua repercussão no passivo social - (quesito 57.º).

54 - Transmitiram também que, caso o Autor não viesse a designar dia e hora para a realização da escritura, os Réus, dentro do aludido prazo, iriam, mais uma vez, proceder à sua marcação – (quesito 58.º).

55 - Na altura do sucedido em P), o Autor nem sequer esclareceu os Réus e restantes sócios e cônjuges das razões por si invocadas e remetidas para a acção judicial – (quesito 59.º).

56 - Razões cuja existência os Réus desconheciam – (quesito 60.º).

57 - Só através da citação nos presentes autos vieram os Réus a tomar conhecimento desses motivos – (quesito 61º).

58 - A escritura não mais pode ser realizada face à posição assumida pelo Autor – (quesito 62.º).

59 - O Autor recusou-se a celebrar a escritura consciente de que a sua não realização determinou a perda de interesse na realização do negócio pelos Réus – (quesito 63.º).

60 - A sociedade perdeu o apoio do Fundo de Turismo concedido ao projecto – (quesito 64.º).

61 - O montante do apoio concedido era do conhecimento público – (quesito 65.º).

62 - O Autor, aquando da elaboração do contrato-promessa, tinha a exacta consciência das obras necessárias para a conclusão do projecto – (quesito 66.º).

63 - Havia vários empreiteiros e sociedades ligadas à construção civil interessadas em realizar a obra, no prazo de 7 a 10 meses – (quesito 67.º).

64 - O que era do conhecimento do Autor – (quesito 68.º).

65 - Ocorreu uma reunião entre Autor e Réus gerentes em data anterior a 06 de Março de 1998 – (quesito 79.º).

2 - Passando à análise da questão objecto do recurso.

a) Em primeiro lugar, vejamos se ocorre a nulidade de sentença arguida pelos intervenientes.

Invocaram a nulidade da sentença alegando a falta de fundamentação justificativa da redução da cláusula penal.

Dizem que não está suficientemente fundamentada, como dispõe o artigo 659.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, face à excepcionalidade do instituto da redução da cláusula penal (artigo 812.º do Código Civil), falta que é sancionada com nulidade, nos termos da aI. b), do n.º 1, do artigo 668.º, ambos do Código de Processo Civil.

Passando à análise desta questão desde já se afirma que não ocorre a nulidade apontada.

O artigo 668.º do Código de Processo Civil, na al. b) do seu n.º 1, dispõe que a sentença é nula «Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».

Trata-se de um vício de natureza processual que respeita, por conseguinte, à observação das formalidades dos actos processuais, não de um vício sediado no direito substantivo aplicável ao caso.

Por conseguinte, esta nulidade processual tem a ver com a forma prescrita na lei processual, não com a matéria substantiva de que trata o processo.

Daí que esta falta de fundamentação da sentença, seja quanto à matéria de facto ou de direito, se refira à sua total omissão e não à sua maior ou menor valia do ponto de vista do direito substantivo aplicável ao caso.

 Relativamente à qualidade da fundamentação da sentença cumpre ponderar que a lei estabeleceu o mecanismo do recurso como forma de reagir contra ela.

Como ensinou o Prof. Alberto dos Reis, referindo-se a esta matéria, «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do art. 668.º» ([1]).

Improcede, pois, a nulidade invocada.

b) Passando à questão de saber se a cláusula n.º 7 do contrato-promessa padece de nulidade, por se entender que está impregnada de abuso de direito.

A cláusula diz o seguinte.

«Para além do legalmente previsto no caso de incumprimento do contrato, aquele que se negar ao cumprimento do mesmo ou alguma das suas cláusulas terá de pagar ao outro o triplo do valor total do contrato, o que estabelecem e aceitam como cláusula penal» – al. a) dos factos provados.

Sobre o abuso de direito dispõe o artigo 334.º do Código Civil, nestes termos:

«É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
Quando foi redigida a cláusula em questão o direito exercido foi o direito de liberdade contratual previsto no n.º 1 do artigo 405.º do Código Civil, onde se prescreve que, «Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver».

A questão que se coloca consiste, então, em saber se a mencionada cláusula resultou de um exercício do direito de contratar livremente, exercido com manifesto excesso em relação aos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

O fundamento que os Autores alegam consiste em afirmarem que «ninguém no seu perfeito juízo estabeleceria uma cláusula penal de três vezes o valor do contrato».

Ou seja, dizem que a cláusula é excessiva.

Ora, o facto de as partes no caso dos autos terem estipulado, para a hipótese de incumprimento, uma cláusula penal igual ao triplo do montante pecuniário que tinha o objecto da prestação, tal não implica que a estipulação constitua um abuso ao direito de contratar livremente, dentro dos limites da lei.

Pelas seguintes razões:

O triplo do valor do negócio destina-se a coagir as partes, ambas as partes, a cumprirem os seus deveres e os seus deveres consistem, neste caso, em serem fiéis à palavra dada, em cumprirem o que prometeram, em não defraudarem as legitimas expectativas dos outros, para as quais contribuíram.

Por conseguinte, a fixação, por mútuo acordo, da cláusula penal, embora com um valor equivalente ao triplo do valor do contrato, sendo este de 100 000 000$00, significa apenas que, na altura, foi entendido por ambas as partes ser absolutamente necessário honrar os compromissos assumidos.

E para que não houvesse hipóteses de alguma das partes faltar à palavra dada, fixaram um valor elevado para dissuadir o incumprimento.

Ora, não se vê que exista nisto abuso algum, sendo sim tal cláusula um reforço dos valores tutelados pelo direito que proclamam que os contratos devem ser cumpridos pontualmente.

Esta forma de coacção mútua, livre, voluntariamente imposta sobre si mesmos, não ofende nem a boa fé ([2]), nem os bons costumes, nem o fim social ou económico do direito.

Cumpre ainda referir outro aspecto.

O instituto do abuso de direito não está talhado para acudir a questões de «excesso» da cláusula penal.

Com efeito, a liberdade contratual assegura às partes o poder de formularem quaisquer cláusulas, desde que se contenham nos limites da lei, incluindo cláusulas excessivas, sem que a sua eventual excessividade seja causa da sua total supressão (nulidade), mas apenas fundamento para a sua redução, como resulta do disposto no artigo 812.º do Código Civil.

Bem se vê, por conseguinte, que é a própria lei a afastar do caso a aplicação do abuso de direito ao prever outro mecanismo jurídico para tutelar a matéria.

Improcede, por conseguinte, este fundamento do recurso do Autor.

c) Vejamos agora se o montante da cláusula penal indicado na sentença deve ser fixado em €50 000,00 euros, como pretendem os Autores ou em €1 496 393,69 euros como pretende o Réu António Batista e intervenientes ou ainda, em caso de redução da cláusula penal, na quantia equivalente a ¾ da dita cláusula penal, acrescida dos mesmos juros, ou seja, €1 122 295,26 euros.

Ou em outro valor, designadamente o fixado na sentença, tornando-se necessário, nesta parte, analisar as questões já atrás enunciadas.

1 – Começar-se-á por averiguar a natureza da cláusula penal fixada na cláusula 7.ª do contrato-promessa, se indemnizatória ou compulsória; depois ponderar-se-á se as cláusulas penais compulsórias podem ou não ser reduzidas nos termos do artigo 812.º do Código Civil e, por fim, ver-se-á se se pode fixar o montante da cláusula penal em montante superior ao do prejuízo.

Este conjunto de questões prende-se com o disposto nos artigos 810.º, 811.º e 812.º do Código Civil, que, por isso, se transcrevem de seguida.

Artigo 810.º:

1. As partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal.

2. A cláusula penal está sujeita às formalidades exigíveis para a obrigação principal, e é nula se for nula esta obrigação».

Artigo 811.º:

«1. O credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso na prestação; é nula qualquer estipulação em contrário.

2. O estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes.

3. O credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal».

Artigo 812.º:

«1. A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.

2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida».

Como vem referido abundantemente nas alegações de recurso dos Réus, a cláusula penal pode revestir duas modalidades, uma compensatória e outra sancionatória.

No ensinamento mais antigo, mas ainda actual, o Prof. Mota Pinto discorria sobre esta matéria, referindo que a cláusula penal era «…a estipulação em que as partes convencionam antecipadamente uma determinada prestação, normalmente uma quantia em dinheiro, que o devedor terá de satisfazer ao credor em caso de não cumprimento, ou de não cumprimento perfeito (maxime, em tempo) da obrigação. Pode, assim, revestir duas modalidades: cláusula penal compensatória ou moratória, conforme tenha sido estipulada para o não cumprimento da obrigação ou para a simples mora do devedor».

E que, além desta importante função que a cláusula penal desempenhava de liquidação prévia do dano, nos termos acordados pelas partes, não podia «… minimizar-se uma outra, para que esta figura está especialmente vocacionada: uma função sancionatória, de pressão sobre o devedor em ordem à execução correcta do contrato, sobretudo quando a pena é de montante elevado.

Sabendo o devedor a quantia que terá de entregar ao credor, se não cumprir a obrigação, a cláusula penal constituirá um incentivo ao cumprimento tanto maior quanto mais elevado for o seu montante, revestindo-se esta função de particular importância sobretudo tratando-se de obrigações de prestação de facto infungível ou de contratos em que o cumprimento rigoroso das obrigações assume particular significado» ([3]).

Podendo a cláusula penal fixada no contrato celebrado revestir uma destas modalidades, cumpre verificar qual delas foi querida pelas partes no contrato que deu origem à presente acção.

Uma e outra distinguem-se pela sua finalidade, podendo, porém, essa finalidade não ser perceptível face aos termos do contrato.

Porém, sendo a sua função coagir ao cumprimento, logo se vê que o seu quantitativo tem de ser superior àquele que resultaria da aplicação dos princípios legais da determinação do dano, pois, só após superada a função indemnizatória se entra na sua função compulsória ([4]).

Ora, no caso dos autos, a fixação da cláusula no triplo do valor do contrato mostra sem dúvida, dispensando outra argumentação, que tem natureza compulsória e, por isso, é nesta função que aqui será tratada.

Face à redacção do n.º 1 do artigo 810.º do Código Civil, que diz, expressamente, que a cláusula penal consiste na fixação «por acordo» do «montante da indemnização exigível», o tipo de cláusula penal prevista nesta norma é a da cláusula penal que tem função indemnizatória.

Conclusão que sai reforçada face ao disposto no n.º 3 do artigo 811.º do Código Civil, onde se determina que «O credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal» ([5]), resultando, claramente, desta disposição legal que a cláusula penal aqui tida em vista é a que tem apenas função indemnizatória.

Mas esta conclusão não afasta e possibilidade das partes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, estipularem cláusulas penais com função sancionatória ([6]).

Como é o caso dos autos.

Perante esta conclusão, não sendo a cláusula penal estipulada no contrato subsumível ao regime previsto nos artigos 810.º e 811.º do Código Civil, como também sustentam o Réu e intervenientes, coloca-se, porém, a questão de saber, se, apesar disso, ela é ou não susceptível de ser também reduzida ao abrigo do disposto no artigo 812.º do mesmo código.

O Réu e intervenientes alegam que não, por defenderem que a redução a que alude o artigo 812.º do Código Civil, respeitar apenas às cláusulas penais com função indemnizatória e não às que têm função sancionatória, isto é, a redução prevista no artigo 812.º do Código Civil só se aplicaria às cláusulas penais com função indemnizatória.

Não é este, porém, o entendimento que se harmoniza com os princípios gerais da ordem jurídica que se mostram refractários ao excesso.

Vejamos.

Da norma constante do n.º 1 do artigo 812.º do Código Civil, inserida na divisão relativa à «Fixação contratual dos direitos do credor», não se retira qualquer indicação no sentido de que ela se aplica apenas a um tipo de cláusula penal: a que tem natureza indemnizatória.

Sendo assim, quando no n.º 1, do artigo 812.º, do Código Civil, se decreta que a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, é legitimo, face ao princípio geral da proibição do excesso, interpretar esta norma como sendo aplicável também à cláusula penal que tenha apenas função sancionatória ([7]).

Com efeito, justifica-se tal entendimento, como medida de protecção contra a ligeireza e imponderação de alguns contraentes, os quais, na hora de prometer, como nada de concreto lhes sai das mãos, facilmente prometem e aceitam penalizações excessivas e mesmo abusivas, situação para a qual contribuirá a ideia, presente na mente do futuro incumpridor, de que certamente não se cairá na situação de incumprimento, logo, na necessidade de ter de cumprir a pena ([8]).

Resumindo:

A cláusula prevista no contrato tem natureza sancionatória e é passível de redução nos termos do artigo 812.º do Código Civil.

2 – Tendo-se concluído pela possibilidade da redução da cláusula penal, vejamos a que critérios recorrer para decidir se há lugar à redução e, havendo, em que montante deve ser fixada, designadamente se pode ser superior ao prejuízo sofrido.

No caso dos autos, a finalidade da cláusula, como acima se concluiu, foi compulsória e, como tal, não é abrangida pela disciplina prevista no artigo n.º 3 do artigo 811.º, onde se determina que «O credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal», a qual está apenas talhada para a cláusula penal com finalidades indemnizatórias.

Relativamente aos critérios a observar para verificar se deve ser operada uma redução e, se sim, em que montantes, servimo-nos, mais uma vez, da lição de António Pinto Monteiro, quando sustenta que «…o tribunal não pode deixar de ter em conta a finalidade prosseguida com a estipulação da cláusula penal, a fim de averiguar, a essa luz, se existe uma adequação entre o montante da pena e o escopo visado pelos contraentes. Significa isto, por conseguinte, que os mencionados factores, ou outros, terão uma importância relativamente diferente, consoante o escopo das partes, ou seja, a espécie da pena acordada.

Assim, enquanto na pena estipulada a título indemnizatório o grau de divergência entre o dano efectivo e o montante prefixado assume importância decisiva, o mesmo não sucederá quando se trate de uma pena convencionada como sanção compulsória.

Neste último caso, com efeito, não será o prejuízo real o factor mais importante a considerar, antes o interesse do credor ao cumprimento. Do que se trata, então, fundamentalmente, é de perguntar pelo montante necessário para estimular o devedor a cumprir e, assim, em último termo, de uma ponderação de interesses que, partindo do prioritário interesse do credor ao cumprimento, para o reforço e protecção do qual a cláusula foi estipulada, se preocupe em averiguar se o montante que se convencionou era adequado, segundo um juízo de razoabilidade, à eficácia da ameaça, que a pena consubstancia» ([9]).

Passando à análise do caso concreto.

Os Autores alegam que tem de se atender ao facto dos Réus não terem sofrido qualquer prejuízo, por três razões:

Diz que já era inevitável para os Réus o prejuízo então produzido pelo empreendimento, por ser certa, já na altura da celebração do contrato­-promessa, a perda da comparticipação e o apoio do Fundo de Turismo, devido ao facto dos Réus não terem dinheiro para cumprir os seus compromissos.

Esta argumentação corresponde à realidade factual, mas apenas em parte.

É certo que os Réus não tinam capacidade para realizar o investimento, mas outros possíveis adquirentes poderiam ter essa capacidade e beneficiar do financiamento estatal.

Por conseguinte, a existência da possibilidade desse financiamento, mesmo não podendo ser auferido directamente pelos Réus, representava um valor activo na negociação sobre a transmissão das quotas, ou seja, estas tinham mais valor caso existisse a possibilidade desse financiamento poder vir a ser obtido.

Ou seja, o valor gerado pela hipótese de financiamento existia apesar dos Réus não terem capacidade para executar o empreendimento.

Daí que este argumento do Autor não se afigure tão relevante como à primeira vista poderia parecer.

Alega ainda o Autor que os Réus não fizeram prova de terem devolvido as quantias já pagas pelo Fundo de Turismo.

Não tem razão.

Por uma lado, tivesse o Fundo de Turismo exigido ou não a devolução, tal obrigação existe e existindo representa um valor negativo patrimonial, uma dívida.

Por outro lado, é ao Autor que cabe provar os factos susceptíveis de justificar a redução, isto é, modificativos do direito, como prescreve o artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil.

Ora, era a ele que cumpria provar que tal dívida não existe, não estando feita tal prova.

Os Autores aludem ainda à ausência de prejuízo resultante do facto dos Réus terem vendido o empreendimento.

A este respeito, não há factos provados no processo que permitam chegar a qualquer conclusão em tal domínio e não havendo factos para ajuizar a partir deles, o tribunal não pode ajuizar com base em conjecturas e optar por uma delas.

Continuando.

No artigo 812.º do Código Civil ordena-se a redução de acordo com a equidade.

Como se disse, consoante a finalidade prosseguida com a estipulação da cláusula penal, assim as circunstâncias em que ocorre o incumprimento terão uma importância relativa diferente na hora de verificar se ocorre ou não adequação entre o montante da pena e o fim tido em mente pelos contraentes.

Tratando-se de cláusula com finalidade compulsória cumpre ponderar que montante era necessário, no caso concreto, para estimular o devedor a cumprir, sendo este um critério adequado a determinar a eficácia da ameaça, ou seja, a sua necessidade ou razoabilidade.

Vejamos o que a matéria de facto provada nos diz (ou não diz) quanto a estes critérios.

Dos factos provados resulta, claramente, que as partes estavam devidamente informadas das circunstâncias em que o negócio decorreu.

Por um lado, o Autor sabia que os Réus não tinham meios financeiros para continuar o empreendimento e que, por isso, vendiam as quotas da sociedade; sabia também o que tinha de fazer para não perder os apoios do Fundo de Turismo.

Os Réus, por seu turno, forneceram ao Autor os elementos necessários a este ficar ciente dos meandros do negócio.

Tudo isto é corroborado pelo facto do Autor se ter disponibilizado em data anterior a 28 de Janeiro de 1998 a celebrar a escritura pública nos 15 dias seguintes a esta data (ver resposta ao quesito 45.º e al. m) dos factos provados).

A fixação da cláusula penal em 300 000 000$00 também atesta a firmeza de convicção de ambas as partes no sentido de honrarem mutuamente os compromissos.

Já tinham sido despendidos no empreendimento em infra-estruturas e construção civil pelo menos 140 000 000$00 (ver quesito 25.º), quantia superior ao valor da cessão das quotas, pelo que, aparentemente o negócio não era desvantajoso para o Autor, na medida em que ainda beneficiava da propriedade do terreno onde se executava o empreendimento.

Traçado este cenário, cumpriria verificar qual a diferença entre o valor do prejuízo efectivo sofrido pelos Réus e o montante da pena para saber qual o interesse deles, isto é, que valor tinha para eles o cumprimento do contrato.

Verifica-se que, contrariamente, ao montante da pena, que é conhecido, nada se sabe de concreto sobre o prejuízo dos Réus.

Tal prejuízo, designadamente o resultante da eventual contagem de juros relativamente a empréstimos que houvessem contraído, não é conhecido porque se ignora de todo se os Réus estavam a pagar juros e se venderam o empreendimento, no pressuposto que foi vendido, como o Autor afirma.

Assim como se ignora que quantias tiveram de devolver ao Fundo de Turismo, se, efectivamente, recaiu esse dever sobre a sociedade.

Por conseguinte, não há dados para avaliar em termos monetários o interesse que os Réus tinham no cumprimento do contrato.

Mas teriam urgência no seu cumprimento, na medida em que estavam dispostos a ceder as suas quotas por 100 000 000$00, quando já tinham sido despendidos no empreendimento Esc. 140 000 000$00, sendo certo que o negócio envolvia ainda o valor do próprio terreno onde estava a ser executado o empreendimento.

Quanto à gravidade do incumprimento e grau de culpa.

Havendo sempre dificuldades, como há, em dar uma ideia da gravidade das situações a não ser que sejam referidas em relação a uma escala de graduação, dir-se-á, meramente com a intenção de se ser objectivo, dentro do possível em tais matérias, que a gravidade da situação e o grau de culpa do Autor se situam, considerando, por exemplo, uma escala ascendente de sete pontos, no ponto 5.

Com efeito, as partes inicialmente estavam bem determinadas em cumprir o negócio, mas, passado algum tempo, o Autor deixou de colaborar com os Réus (ver respostas aos quesitos 42.º a 56.º), ignorando estes as razões de tal comportamento.

Não há factos que possam ser valorados no sentido de atenuar a culpa do Autor em relação ao incumprimento.

Diga-se, porém, que também não se vêem vantagens para o Autor resultantes do incumprimento.

Com efeito, como ele diz no artigo 45.º da réplica, era mais oneroso o incumprimento que o próprio cumprimento.

Quanto à situação económica de ambas as partes, não há elementos para as avaliar.

Relativamente à boa ou má fé das partes na altura da celebração do contrato tudo indica que estavam todos de boa fé, nada havendo que indicie o oposto.

No que respeita à índole do contrato nada de relevante há a considerar.

Como acima se disse, tratando-se de cláusula com finalidade compulsória cumpre ponderar que montante mínimo era necessário estipular, no caso concreto, para estimular o devedor a cumprir, sendo este um critério adequado a determinar a eficácia da ameaça, ou seja, a sua necessidade ou razoabilidade.

A este respeito afigura-se que o sinal entregue é representativo da quantia mínima que as partes entenderam ser necessária como sanção pelo incumprimento.

Com efeito, embora o sinal não represente necessariamente a expressão monetária da garantia de cumprimento que as partes exigem uma da outra em regra tem a ver com esse tipo de avaliação.

Porém, as partes foram muito além disso, pois a cláusula penal compulsória representa 30 vezes o valor do sinal.

O que significa, face a tal desproporção, que a manutenção da cláusula representaria um enriquecimento dos Réus surgido do vazio, como que sem causa, em relação à importância patrimonial do negócio.

Isto é, a comunidade jurídica formada pelos cidadãos, personificada no modelo do bonus pater famílias, não avaliza um enriquecimento deste tipo, por não lhe encontrar causa justificativa.

Verifica-se, pois, que é necessário operar a redução da cláusula por ser manifestamente excessiva, cumprindo chegar a um montante que se tenha como eficaz para desempenhar a função prevista, devendo-se efectuar, para isso, a apontada redução, começando no valor fixado e regredindo até se encontrar um valor que ainda seja adequado a constituir uma ameaça para o Autor no sentido de o compelir eficazmente a cumprir o negócio.

Na sentença reduziu-se a cláusula para €130.120,21 (cento e trinta mil e cento e vinte euros, e vinte e um cêntimos), contando-se com o facto dos Réus fazerem seu, ao mesmo tempo, o sinal.

Ou seja, em termos reais, tendo também o sinal uma função de coerção no sentido de obrigar a cumprir, sob pena de ser perdido a favor do credor, o incumprimento do Autor custar-lhe-á, nos termos da sentença, €180 000,00 euros ou seja, pouco mais de 36 mil contos.

Afigura-se ser esta uma verba ajustada aos factos e suas implicações que acabam de ser assinalados, não se vendo razão para alterar este valor, quer para mais, como pretendem os Réus, quer para menos como é desejo dos Autores.

Com efeito, a verba de €130.120,21 euros, a que acresce, em termos de perda, ainda o sinal de €49 879,79 euros, exerce suficiente coacção sobre a vontade do devedor num negócio em que estava disposto a despender €498 797,90 euros (Esc.100 000 000$00).

Ou seja, só pelo facto do devedor ter negociado e não ter cumprimento, isso implica para si, a perda do valor do sinal, representativo de 10% do valor do negócio, mais 26% do valor do negócio, tudo isto sem receber nada em contrapartida.

Ora, este valor de €130.120,21 euros, representativo de 26% do valor do negócio, afigura-se, nas circunstâncias atrás apontadas, como adequadamente cogente para ser fixado a título de cláusula compulsória.

Cumpre, por isso, manter o valor fixado na sentença.

3 - Quanto ao momento do pagamento dos juros.

Na sentença os juros foram fixados desde a notificação da reconvenção.

O Autor sustenta que só podem ser devidos a partir da sentença.

Nesta matéria rege o artigo 805.º do Código Civil, o qual tem esta redacção:

«1 - O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

2 - Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:

a ); …; b )…;

c ) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.

3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número».

No caso dos autos estamos perante um caso de responsabilidade contratual, o que significa que tem aplicação a primeira parte do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil.

Ponto é que se conclua que o crédito é ilíquido, pois se for considerado líquido aplica-se o n.º 1 e os juros são devidos desde a data da interpelação, ou seja, desde a notificação da reconvenção.

Ora, o crédito pedido em reconvenção está perfeitamente definido no contrato-promessa como sendo no montante de trezentos milhões de escudos.

Trata-se, por conseguinte, de um crédito líquido.

Só seria ilíquido se o seu quantitativo não estivesse fixado e fosse necessário proceder a alguma operação adicional para o liquidar, para fixar o seu montante.

Isto é, se se tratasse de prestação acerca da qual nem o credor soubesse indicar um valor certo.

Não é o caso, o crédito está definido no contrato-promessa.

O facto de, por exemplo, um devedor contestar o montante líquido exigido pelo credor, não torna a obrigação ilíquida, ainda que a prestação venha a ser fixada pelo tribunal em montante inferior ao pedido.

Trata-se, neste caso, de improcedência parcial de um pedido relativo a um crédito líquido e não da liquidação, fixação de um crédito ilíquido.

A razão de não se vencerem juros nos créditos ilíquidos reside no facto do devedor não saber, sem culpa sua, tal como o credor também não sabe, o quantum da prestação que deve entregar ao credor.

Ora, nos casos em que o devedor contesta parcialmente o crédito líquido pedido pelo credor e obtém ganho de causa, então pode dizer-se que o devedor conhecia o montante líquido quando foi interpelado pelo credor e podia ter oferecido o pagamento a este do montante que considerava ser devido, pelo que, em caso de recusa do credor, seria este a constituir-se em mora e estando o credor em mora, não há vencimento de juros (n.º 2 do artigo 814.º do Código Civil).

Por conseguinte, nos termos do n.º 1 e 1.ª parte do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil, os juros são devidos desde a data da interpelação que é a data da notificação da contestação-reconvenção.

III. Decisão.

Considerando o exposto, delibera-se julgar improcedentes todos os recursos, mantendo-se a decisão recorrida. Custas de cada recurso pelos respectivos recorrentes.


Alberto Ruço (Relator)
Judite Pires
Carlos Gil

[1] Código de processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 140, (reimpressão), Coimbra Editora/1984.

[2] «A boa fé significa…que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente do exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros» -  Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito, pág. 55.

[3] Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, págs. 585 e 586, Coimbra Editora/1986.

[4] Como escreveu De Cupis, a função da cláusula penal concorrente com a indemnizatória,  ocorre quando é estipulada em montante superior àquele que resultaria da aplicação dos princípios legais da determinação do dano, pelo que, superada a função indemnizatória se entra na função penal. O temor da pena pactuada, que excede a medida do dano real, actua como um estímulo para o cumprimento, pelo que o vínculo obrigacional aparece eficazmente reforçado – El Dano, pág. 504/505, Bosch, Casa Editorial, S.A./1975.

[5] Neste sentido, António Pinto Monteiro: «…cremos que haverá toda a vantagem em considerar que o Código trata apenas da cláusula de fixação antecipada da indemnização: além de ser essa a atitude mais consentânea com a noção que dela dá o n.º 1 do art. 810.º, o regime prescrito actualmente no art. 811.º só se compreende em relação a esta figura, não a respeito da pena com escopo compulsório» - Cláusula Penal e Indemnização, pág. 486.

[6] Neste sentido António Pinto Monteiro quando diz que «…o regime prescrito nos arts. 810.º a 812.º só será de aplicar a outras espécies de cláusulas penais na medida em que ele se adeqúe à sua índole. Essas outras espécies são legitimadas pelo princípio da liberdade contratual, sem que a isso obste o disposto no n.º 1 do artigo 810.º, norma cujo significado é o de definir a hipótese a que se aplica o regime jurídico prescrito nas normas imediatamente seguintes»- ob. cit., pág. 591/592.

[7] Relativamente ao âmbito de aplicação do art. 812.º do Código Civil, António Pinto Monteiro defende que este preceito «…é de aplicar a todas as espécies de penas convencionais, e não só à que o Código expressamente prevê, no art. 810.º, n.º 1. Haja apenas sido estipulada a título indemnizatório ou como sanção compulsória, ela será abrangida pelo poder conferido ao juiz, nos termos do art. 812.º. Assim como entendemos que esta norma é igualmente aplicável, ainda que indirectamente ou por analogia, ao sinal e a outras figuras afins ou similares, sem pôr de parte certo tipo de sanções, no âmbito associativo e do foro laboral. E isto, porque nos parece que o art. 812.º encerra um princípio de alcance geral, destinado a corrigir excessos ou abusos decorrentes do exercício da liberdade contratual, ao nível da fixação das consequências do não cumprimento das obrigações» - ob. cit., pág. 730.

Nestes sentido, o ac. do Tribunal da Relação de Coimbra,  de 18 de Outubro de 2005, em http://www.gdsi.pt, processo n.º 1448/05: «Em face desta diferente «tipologia», tem-se sustentado que, perante o teor do art.º 811.º, só deve atender-se às cláusulas de fixação antecipada da indemnização, repousando a legitimidade na estipulação dos outros «tipos» no princípio da liberdade contratual, conquanto, na falta de específicos normativos que os contemplem, poderão os abusos decorrentes da sua fixação ser combatidos pelo recurso aos princípios gerais ou, analogicamente, convocando-se o próprio art.º 812.º».

[8] Cfr. A. Pinto Monteiro, ob. cit., pág. 717/718.

[9] Ob. cit., pág. 741 a 746.