Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
108/13.2TBSBG-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: ACÇÃO DE INTERDIÇÃO
ANOMALIA PSÍQUICA
PERÍCIA
EXAME MÉDICO
Data do Acordão: 11/08/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COMARCA DA GUARDA - GUARDA - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 152, 153 CC, 896, 897, 898, 899 CPC, LEI Nº 45/2004 DE 19/8
Sumário: 1. A lei dá primazia às perícias médico-legais e forenses realizadas por um só médico, independentemente de se tratar de primeira ou segunda perícia, mas não exclui, e muito menos proíbe, que possam ser realizadas por dois ou mais peritos, como resulta do preceito do art. 950 do anterior CPC (897º nCPC).

2. Se é admissível a perícia colegial logo para o primeiro exame, com maior razoabilidade terá que ser admitida, até, desde que justificada, para o segundo exame, em caso de interdição por anomalia psíquica.

3. São aplicáveis ao “novo exame médico”, previsto no art.899 nº2 nCPC, as disposições relativas à prova pericial no âmbito do processo comum, que constam dos arts.477 e 489 nCPC.

4. Na acção de interdição por anomalia psíquica todas as diligências hão-de convergir para a averiguação e colheita de informações sobre se o requerido padece de deficiências de intelecto, de entendimento ou de discernimento, com carácter duradouro ou habitual, e não meramente acidental ou transitório, que o incapacitem para governar a sua pessoa ou administrar os seus bens.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

F (…), Autor/Recorrente nos autos à margem referenciados e aí melhor identificado, tendo sido notificado da decisão atinente à admissibilidade dos requerimentos probatórios apresentados pelo Requerente e não se conformando com a mesma, veio interpor dessa decisão Recurso de Apelação em separado, alegando e concluindo que:

1.      No âmbito dos presentes autos foi convocada audiência prévia que teve lugar em 26 de Janeiro de 2016.

2. No âmbito desta diligência, o Requerente, através do seu mandatário, expressou vontade em apresentar requerimento, com o propósito de alterar o seu requerimento probatório, nos termos do art.° 598º do CPC.

3. Foi sobre este requerimento que recaiu decisão, a qual se coloca agora em crise, por não se conformar com os fundamentos ali explanados pelo Tribunal a quo.

4. Os fundamentos da interdição e da inabilitação consistem em situações de anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, aos quais acresce a prodigalidade ou o abuso de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes, na inabilitação (art.°s DR. n.º 1 e 1552.°. do Código Civil).

5. O conceito de anomalia psíquica é aqui tomado num sentido mais lato, por abranger não só as deficiências patológicas do intelecto, entendimento ou discernimento, mas também as deficiências patológicas da vontade, da sensibilidade e afectividade, que afectem a pessoa no todo ou em parte, para gerir os seus interesses pessoais e patrimoniais.

6.      A acção de interdição por anomalia psíquica tem um regime processual especial, regulado nos arts. 891.° e seguintes do C.P.C.

7. Assim. a acção de interdição regula-se, em primeiro lugar, pelas disposições que lhe são próprias e, subsidiariamente, pelas disposições do processo declarativo comum ordinário, para que remete o n.º 2 do art. 899.°.

 8. Ora, no que respeita à prova pericial, o Tribunal o quo entendeu que esta última norma, embora admita a realização de "novo exame médico do requerido", mandar aplicar a esse novo exame "as disposições relativas ao primeiro exame". E assim conclui que o novo exame a realizar ao requerido, previsto no n.º 2 do art. 899.°, terá que ser singular e não colegial conforme pretende o Recorrente.

9. Não cremos que seja esta a melhor interpretação a fazer das normas legais referidas, pois não se configura como razoável a interpretação eminentemente literal e excessivamente restritiva que o tribunal a quo fez das normas do art.º 899.º, n.º 2 do C.P.C., quanto à admissibilidade da "perícia colegial".

10. Com efeito, o segmento normativo constante da parte final do n." 2 do art. 899.° do CP.C. que manda aplicar ao "novo exame médico do requerido" a realizar na fase contenciosa do processo "as disposições relativas ao primeiro exame", quer referir-se aos procedimentos a observar na realização desse exame, a que alude o n.º 1 do art. 898.°, ou seja, que quando o perito ou peritos se pronunciem pela necessidade da interdição ou da inabilitação, "o relatório pericial deve precisar, sempre que possível, o espécie de afecção de que sofre o requerido, a extensão da sua incapacidade, a data provável do começo desta e os meios de tratamento propostos". Na medida em que tais elementos deverão depois constar da sentença que decretar a interdição, conforme exige o art. 901.°, n.º 1. do CPC.

11. Ademais, no que respeita à admissibilidade da perícia colegial, cabe dizer ainda que, na própria letra da lei, é desde logo admissível no primeiro exame. Di-lo expressamente o art. 897.° do CP.C. quando refere a assistência ao interrogatório do requerido "do perito ou peritos nomeados". E também o sugere o n.º 2 do art. 898.º. no segmento" ... quando os peritos não cheguem a uma conclusão segura ... ".

12. Ora, se é admissível a perícia colegial logo para o primeiro exame, com maior razoabilidade terá que ser admitida, para o segundo exame a realizar na fase de instrução do processo. (Neste sentido vide Ac. do TRP, de 25-05-2010. e disponível em www.dgsi.pt.)

13.    Na instrução do processo de interdição para a fase de julgamento haverá lugar a perícia e a uma segunda perícia, se houver motivo para tal, nos termos dos art.467° a 489° do CPC com a especialidade que deve constar das mesmas, sempre que possível, a espécie de afecção de que sofre o requerido, a extensão da sua incapacidade. a data provável elo começo desta e os meios ele tratamento propostos.

14. Devendo ser desta forma a interpretação a dar ao art.899° nº 2 do CPC e não a do tribunal "a quo".

15. Deveria então o Tribunal a quo ter admitido a perícia colegial não o fazendo violou o Tribunal a quo o art.º 899.º do C.P.C..

16. Com o requerimento probatório apresentado pretendeu o aqui Recorrente juntar aos autos uma série de documentos com os quais se pretendia demonstrar fundamentalmente a debilidade do estado de saúde Requerido e bem assim o estado do seu património nos dias de hoje.

17. Ora, refere o Tribunal a quo que a junção de tais documentos se justificaria se estivéssemos perante uma acção de inventário ou de prestação de contas, o que não sendo o caso leva à sua não admissão.

18. Como é sabido, os documentos devem ser apresentados com o articulado em que se alegam os factos correspondentes (seja como fundamento da acção, seja como base da defesa), sendo este o momento regra da sua apresentação (art.° 423° n.º1 do CPC).

19. Não sendo apresentado no momento - regra, pode ainda a parte que deles pretende fazer uso apresentá-los até ao encerramento da discussão em la instância, e aqui de duas uma - ou o apresentante faz prova de que não pôde apresentá-los no momento - regra, e então não sofrerá qualquer sanção, ou não faz essa prova e será condenado em multa (art.º 423.º n.º 2).

20. Ora, no caso vertente a apresentação dos documentos foi manifestamente feita dentro daquele limite temporal, pois que o julgamento ainda não se acha designado!

21. Razão pela qual o Requerente estava em tempo para a junção dos documentos requeridos - sujeitando-se apenas ao pagamento da multa devida pela sua apresentação extemporânea, ou seja, posteriormente à apresentação do articulado correspondente.

22. Em suma, no caso sub judice, quando o Recorrente requereu a junção aos autos dos documentos que apresentou com o requerimento, encontrava-se bem aquém dos 20 dias que precediam a data designada para o início da audiência final, pelo que era então livre de requerer a junção dos aludidos documentos.

23. Deveria então o Tribunal a quo ter admitido a junção de todos os documentos solicitados pelo Requerente - não o fazendo violou o Tribunal recorrido o art.º 423.° do C.P.C ..

24. De facto, todos os documentos cuja junção se solicitou destinam-se a comprovar o débil estado do Requerido - pois da confrontação desses documentos com o alegado pelo Requerido se verificará que este não se encontra no pleno gozo das suas faculdades mentais.

25. Ora, passaremos a explicar pequenos pormenores que, embora não pertençam a este recurso, são importantes para se compreender melhor o que está em causa nestes autos e o porquê da necessidade de se juntarem aos autos aqueles concretos documentos e de se requerem tais diligências probatórias.

26. Como questão fulcral pode-se desde já adiantar que o Réu vive hoje em situação económica e financeira extremamente difícil. Encontrando-se o Réu e sua esposa privados de uma fortuna que foram amealhando ao longo de uma vida de trabalho.

27. Tanto quanto sabe o Autor, a sua irmã, (…) continua a apropriar-se dos recursos de seus pais, sem os quais não lhe seria possível suportar as elevadas despesas a que ela, marido e filhas se habituaram.

28. A avançada idade do Réu, a sua débil saúde e a confiança incontestável que depositam na filha facilitaram toda a manobra de desapossamento financeiro levado a cabo por esta, seu marido e suas filhas.

29. O Réu é uma pessoa muito ingénua: viveu sempre unicamente para o trabalho. Depois de ter atingido os 70 anos de idade, a sua capacidade de compreensão foi fortemente afectada.

30.    Ainda para mais o Réu tem, desde há mais de 20 anos, falta de audição o que torna ainda mais difícil para ele compreender o significado das palavras.

31. Efectivamente, o Réu não tem hoje no seu domínio valor algum, com excepção das últimas pensões vindas de França que são creditadas directamente na conta do Réu. Mas, note-se, que mesmo estes montantes. logo que creditados nas suas contas são imediatamente desviados pela filha.

32. No âmbito do processo 15/09.3TASBG ficou reconhecido que houve a transmissão de pelo menos €92.700.00 (noventa e dois mil e setecentos euros) do património dos pais do autor para o de sua irmã, ficando a dúvida sobre a apropriação ilícita ou a doação, e sendo certo que o desfecho teria sido outro se os ofendidos não se tivessem remetido ao silêncio, pois desta decisão a filha não fez reclamação.

33.    E se os Pais do Autor não estivessem mental e fisicamente em estado patológico, dar-se-iam conta da realidade.

34. O homem-médio colocado perante esta situação - de extravio dos seus bens - teria a diligência de tentar apurar o estado do seu património. No entanto, o Réu, actualmente, não tem capacidade para entender o estado crítico das suas finanças.

35.    Foi precisamente por esta razão que o Recorrente solicitou a junção aos autos de diversos extractos bancários!

36. Bem se entende que não estamos perante uma acção de prestação de contas ou de inventário, mas para se fazer prova do alegado na petição inicial - que o património do Réu fora desviado sem que este tenha capacidade de entender tal facto - será sempre necessário a junção aos autos de documentos que garantidamente atestem o valor sonegado.

37. De outra forma, o Réu vai apenas afirmar que não foi burlado ... que apenas deu seis mil contos a cada um dos filhos ... sem que se consiga confrontar o Réu e, consequentemente, demonstrar a fragilidade desses argumentos.

38. Pois de outra forma, o Tribunal a quo não conseguirá apurar a verdade dos factos - ou seja, se o património do Réu se encontra a ser desbaratado sem que este se aperceba, em virtude do seu estado de saúde.

39. Basta verificar quem recebeu os cheques, que foram debitados em milhares de euros na conta dos pais do Autor n.º 3 (...) 1 e n.º 3 (...) I para ficar assim inequivocamente demonstrando que quem deles beneficiou foi a irmã do Autor.

40. Ora, caso o Réu e sua esposa estivessem na posse das suas faculdades mentais já teriam entendido que o seu património se encontra empobrecido, no entanto, os mesmos não conseguem compreender o alcance da situação em que se encontram.

41. Verifica-se pelos factos supra expostos que o Réu está incapaz de reger a sua pessoa e bens, tal como está a sua esposa com quem está casada no regime da comunhão de bens e contra quem também corre também acção de inabilitação/interdição.

42. Verificou-se nos extractos bancários de (…) que entre transferências e depósitos, em numerário, receberam nas suas contas, desde 05-05-2000 a 27-12-2001, o valor de 24.1727,28$000 que representa o valor de € 120.653,00, não contando com os ordenados deles.

43. Também se pode ainda verificar que (…) e marido nos anos de 2000 e 2001, gastaram só da conta n.º (...) o valor de € 149.139,83, quando apenas recebiam de ordenado, no ano de 2000, um valor de 117.320$00 ele e 65.510$00 ela; e, no ano de 2001, recebiam unicamente um ordenado (a (…) ficou desempregada até 08-10-2002, em que passou a receber o ordenado de €286,00.

44. Verificou-se ainda que, em 13 de Março de 2007, foi lavrada uma escritura em nome da filha da irmã do Autor, (…), solteira, natural da freguesia do (...) , concelho do Sabugal, contribuinte n.º (...) , onde, pelo preço declarado de € 86.000.00, adquiria um apartamento em Almada.

45. Verificou-se que na conta n.º (...) , titulada por J (...) , desde Novembro de 2006 até Março de 2007, num período curto de 4 meses, foi debitado o montante de € 116.560.39. e no prazo de 1 ano € 136.858.15.

46. E verificando os extractos bancários de (…) esta estudante, sem rendimentos, entre 20-09-2006 e 28-12-2010, na conta n. ° (...) , do Santander Torta, gastou o valor de  € 29.261.21 - não se contando aqui despesas com estudos ou apartamento e em 17/03/2011 possuía na Conta de Aforro n.º (...) mais de € 30.191.00.

47. Assim como se verificou que a sua irmã (…) menor de 12 anos de idade, em 17/03/2011 tinha na conta de aforro n.º (...) o valor de € 25.115,11.

48. Na conta n.º 07145288001, em nome de (…), no banco Santander Totta, constata-se que, no dia 01/02/2000, este tinha depositados 574.387$00.

49. Como ainda se pode verificar nesta data, 17/03/2011, (…) tinha numa conta em certificados de aforro (n.º (...) ) o valor de € 7.500,00.

50. Resgatando, em certificados de aforro, em 30-05-200, € 25.208.00.

51.    Resgatando em certificados de aforro, em 2007, um valor de 30. 000.00.

52. É ainda importante referir que estes valores, embora vindos de uma conta de (…), tinham sido anteriormente obtidos pela movimentação fraudulenta das contas dos pais de (…). Fosse dos certificados de aforro fosse das contas bancárias, fosse dos lucros. das vendas de produtos agrícolas de (…)

53. Estas transferências recebidas, umas de contas de (…)e outras de transferências de outras contas não identificadas, sendo que já apresenta movimentos a crédito de vencimentos de depósitos a prazo de sua titularidade. o que justifica a investigação das contas dos pais do Autor e dos referidos (…), desde 1995, para se descobrir o "rasto" do dinheiro.

54. Ora, pese embora o vasto património que ostentam, não têm outro rendimento sem ser o salário mínimo, ou pouco mais.

55. A filha do Réu juntamente com o seu marido ganham ü volta de 1. 1 00 euros mensais, o que não chega para suportar sequer os gastos de uma filha a estudar numa Universidade privada, quanto mais de duas.

56. A juntar aos seguros de três carros, gasolinas, condomínios de dois apartamentos, seguro de dois apartamentos, alimentação, despesas com a habitação, etc. € 7.500.00.

57. E ainda depositam mais de 60 mil euros em contas a prazo  depois de investirem em apartamentos recheios e 4 carros etc.?

58. A juntar aos seguros de três carros, gasolinas, condomínios de dois apartamentos, seguro de dois apartamentos, alimentação. despesas com a habitação. etc.

59. E ainda depositam mais de 60 mil euros em contas a prazo depois de investirem em apartamentos recheios e 4 carros etc.?

60. Não receberam qualquer prémio ou regalia que aumentasse extraordinariamente os seus rendimentos ou permitisse uma vida desafogada ao ponto de comprarem imóveis a pronto pagamento e ainda 4 carros a pronto pagamento e a terem somas elevadas em certificados de aforro em seu nome. sem recorrerem a qualquer tipo de crédito bancário.

61. Ora, desde pelo menos o ano de 2000 que os pais do Autor não acrescentam qualquer valor nas suas contas bancárias - a não ser as reformas, de França e os subsídios que lá entram directamente.

62.    Como é bom de ver, o património do Réu foi retirado do seu domínio.

63.    Transformada parcialmente em imóveis titulados pela filha, genro e netas.

64. Que além do mais, podem até vir a ser alienados a terceiros de boa-fé, desprotegendo-se, desta forma, e de modo irremediável a tutela efectiva do Autor a ingressar na herança de seus pais.

65. Confrontados com esta situação pelo Autor, (…), sempre negaram ter doado qualquer valor à filha (…), marido e filhas destes - recusando-se, pura e simplesmente, a verificar o estado do seu património!

66. Justamente com os extractos bancários que se juntaram e que foram desentranhados se pode verificar o seguinte:

Extracto da conta de Aforro n.º (...) , com saldo zero, desde o dia 25-09-2009: Verificou-se ainda que saiu desta Conta de Aforro n.º (...) , sendo titulares os Pais do Autor, entre 19-02-2007 e 25-09-2009, o valor de € 97.891,00.

Extracto da conta de conta n.º (...) do Banco Santander Tota, sendo primeira titular (…) e segundo titular (…), também, desde 25/03/2007, se encontra com saldo zero;

Extracto da conta de conta n.º (...) do Banco Crédito Agrícola, titular (…), também a 11/07/2013 se encontra com saldo zero;

Extracto bancário da conta n.º (...) , no Banco Santander Totta, onde se pode verificar que no dia 21/11/2010, houve um débito de um cheque no valor de € 9.900.00, ficando com um saldo de apenas € 95.20;

Extracto bancário da conta n.º (...) , no Banco Santander Totta, onde se pode verificar que no dia 25/13/2011, houve um débito de um cheque no valor de valor de € 4.295.00, ficando com um saldo de apenas € 2,00;

Extracto bancário da conta n.º (...) , no Banco Santander Totta, onde se pode verificar que no dia 29/02/2012 houve um débito em cheque de valor de € 7.060.00 ficando com um saldo de apenas € 3,79:

Extracto bancário da conta n.º (...) , no Banco Santander Totta, onde se pode verificar que em 10/12/2012 foi depositado um valor de  € 5.000.00  estes valores correspondem à venda do terreno com o art.º 496 pelo valor de € 5.000.00. Onde se pode verificar que em 19/02/2012 esta conta já tinha um valor de € 11.439,90. Neste dia houve uma transferência no valor de € 3.939.00 para uma conta aberta nesse dia em nome (…) n.º 0003.32:148133020 e emitiram um débito em cheque no valor de € 7.:100.00. ficando a conta com um saldo de € 0,90.

67. Tais factos demonstram a incapacidade do Requerido em reger os seus bens.

68. Ora, como é óbvio os documentos, cuja junção se pretende, destinam-se a provar o património que os pais do Autor possuíam e o estado do mesmo na actualidade.

69. Salvo melhor opinião, esses documentos são fulcrais para a descoberta da verdade e constituem fortes indícios do real estado cognitivo do Requerido.

70. Ora, por identidade de razão as diligências solicitadas, ao abrigo do art.º 436.° do C.P.C., deverão ser admitidas por se visar com as mesmas apurar o estado actual do património do Réu e bem assim a capacidade de compreensão deste relativamente ao seu património.

71. Ao assim não entender violou o Tribunal recorrido o art.º 436.º do CPC.

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Não foram produzidas contra-alegações.

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II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa os constantes do elemento narrativo dos Autos.

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Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608º, do mesmo Código.

As questões suscitadas, na sua própria matriz constitutiva e redactorial, consistem em apreciar se:

I.

8. No que respeita à prova pericial, o Tribunal o quo entendeu que esta última norma, embora admita a realização de "novo exame médico do requerido", mandar aplicar a esse novo exame "as disposições relativas ao primeiro exame". E assim conclui que o novo exame a realizar ao requerido, previsto no n.º 2 do art. 899.°, terá que ser singular e não colegial conforme pretende o Recorrente.

9. Não cremos que seja esta a melhor interpretação a fazer das normas legais referidas, pois não se configura como razoável a interpretação eminentemente literal e excessivamente restritiva que o tribunal a quo fez das normas do art.º 899.º, n.º 2 do C.P.C., quanto à admissibilidade da "perícia colegial".

12. Ora, se é admissível a perícia colegial logo para o primeiro exame, com maior razoabilidade terá que ser admitida, para o segundo exame a realizar na fase de instrução do processo. (Neste sentido vide Ac. do TRP, de 25-05-2010, e disponível em www.dgsi.pt.).

15. Deveria então o Tribunal a quo ter admitido a perícia colegial não o fazendo violou o Tribunal a quo o art.º 899.º do C.P.C..

Apreciando, diga-se, pressuponentemente, como sustenta Baptista Machado Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1987, págs. 182 e 189), o texto ou letra da lei é o ponto de partida da interpretação e, como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei. A letra, o enunciado linguístico, é, assim, um ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.°, n.º 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) «que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso».

No mesmo sentido, Oliveira Ascensão escreve: a letra é não só o ponto de partida mas também um elemento irremovível de toda a interpretação, funcionando também o texto como limite da busca do espírito (O Direito, 6.ª ed., 1991, pág. 368).

Neste sentido (convocando, para o efeito o que já se apreciava no Ac. RP, de 25.05.2010, Relator: António Guerra Banha), não pode - aqui também -  desde logo, deixar de se fazer consignar que se configura como incontroverso e incontrovertível que

«a lei imponha, como diligência de prova obrigatória, o exame pericial médico (arts. 949.º e 951.º do Código de Processo Civil - 896º, 898º NCPC), no pressuposto de que "a existência ou inexistência de uma qualquer anomalia psíquica incapacitante, isto é, de uma anomalia psíquica de tal modo grave, que torne a pessoa inapta para se reger a ela própria e aos seus bens, traduz-se numa questão iminentemente técnica e que exige conhecimentos especiais que os julgadores, normalmente, não possuem" (cfr. acórdão da Relação de Guimarães de 29-01-2003, em www.dgsi.pt/jtrg.nsf/ proc. n.º 1476/02-2). E pelo seu saber e pela sua especialização profissional, os médicos, designadamente ao da especialidade de psiquiatria, são as pessoas mais habilitadas para se pronunciarem sobre tal questão.

Atenta a enorme relevância que o exame médico desempenha na decisão final sobre a interdição do requerido, o Supremo Tribunal de Justiça, através de acórdão de 12-06-2003 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 03B1717) considerou que "se alguma dúvida, reticência ou reparo merecer um exame de tamanha delicadeza e importância como é o destinado à avaliação da capacidade da pessoa para reger a sua pessoa e bens, previsto no art. 951.º, CPC (898º NCPC), não deverá, não poderá o juiz hesitar em corrigir o defeito ou a falta, ou, se necessário, mandar realizar novo exame, na fase de instrução da causa ". E cita, para fundamentar esta posição, os arts. 579.º e 952.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (477º899º NCPC). O que faz supor que considera supletivamente aplicáveis ao novo exame a realizar no âmbito deste processo as disposições relativas à prova pericial no âmbito do processo comum ordinário, que constam dos arts. 568.º a 591.º do Código de Processo Civil (477ºe 489º NCPC).

É neste contexto que não se configura como razoável a interpretação eminentemente literal e excessivamente restritiva que o tribunal recorrido fez das normas dos arts. 951.º, n.º 4 e 952.º n.º 2, do Código de Processo Civil (898º e 899º NCPC) (quer quanto ao conceito de "novo exame" referido nesta última disposição legal, quer quanto à admissibilidade da "perícia colegial").

Restringir o conceito de "novo exame médico" à realização de um novo exame pelo mesmo perito médico que realizou o primeiro exame é impedir que se produza uma segunda opinião médica sobre as capacidades intelectuais do interditando e, consequentemente, restringir o âmbito de avaliação do julgador. Sem que a lei imponha essa restrição.

Com efeito, o segmento normativo constante da parte final do n.º 2 do art. 952.º do Código de Processo Civil (899º NCPC), que manda aplicar ao "novo exame médico do requerido" a realizar na fase contenciosa do processo "as disposições relativas ao primeiro exame", quer referir-se aos procedimentos a observar na realização desse exame, a que alude o n.º 3 do art. 951.º (898º NCPC), ou seja, que quando o perito ou peritos se pronunciem pela necessidade da interdição ou da inabilitação, "o relatório pericial deve precisar, sempre que possível, a espécie de afecção de que sofre o requerido, a extensão da sua incapacidade, a data provável do começo desta e os meios de tratamento propostos". Na medida em que tais elementos deverão depois constar da sentença que decretar a interdição, conforme exige o art. 954.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (901º NCPC).

Já não parece aceitável que aquela remissão para "as disposições relativas ao primeiro exame" também deva abranger a restrição prevista no n.º 4 do art. 951.º (898º NCPC). Desde logo porque a não admissibilidade do segundo exame aí prevista refere-se expressamente a essa primeira fase do processo ["Não é admitido segundo exame nesta fase do processo"]. Inexistindo razão para a estender à fase subsequente do processo, para a qual a lei manda observar a tramitação do processo comum ordinário. Incluindo, portanto, as normas relativas à prova pericial que não sejam substancialmente incompatíveis com as normas específicas deste processo especial.

Faz-se, porém, notar que, mesmo na primeira fase do processo, o preceito em causa (ou seja, o n.º 4 do art. 951.º - 898º NCPC) prevê a possibilidade de um segundo exame, a pedido do requerente, a realizar pelo director de clínica da especialidade, e, portanto, por médico diferente do que realizou o primeiro exame, "quando os peritos não cheguem a uma conclusão segura sobre a capacidade ou incapacidade do arguido". O qual pode implicar, ou não, o internamento do requerido nessa clínica "pelo tempo indispensável, nunca excedente a um mês". O que sugere que, na ratio da lei, a avaliação o mais rigorosa possível das capacidades intelectuais do requerido deve prevalecer sobre as restrições de interesse meramente formal, como também interpretou o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão acima referido» (Ac. RP, de 25.05.2010, Relator: António Guerra Banha).

Isto dito, mais se acrescente, igualmente destacando, que:

«no que respeita à admissibilidade da perícia colegial, cabe dizer que, na própria letra da lei, é desde logo admissível no primeiro exame. Di-lo expressamente o art. 950.º do Código de Processo Civil (897º NCPC), quando refere a assistência ao interrogatório do requerido "do perito ou peritos nomeados". E também o sugere o n.º 4 do art. 951.º (898º NCPC), no segmento "… quando os peritos não cheguem a uma conclusão segura…".

Aliás, na redacção anterior à reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12-12, a lei exigia que logo o primeiro exame fosse realizado por "dois médicos, especializados em psiquiatria quando os houver na comarca" (cfr. o n.º 1 do art. 950.º e os n.ºs 1 e 2 do art. 951.º do Código de Processo Civil - 897º e 898º NCPC, na redacção anterior àquele decreto-lei).

A lei dá primazia às perícias médico-legais e forenses realizadas por um só médico, independentemente de se tratar de primeira ou segunda perícia (cfr. a propósito o art. 21.º, n.ºs 1 e 4, da Lei n.º 45/2004, de 19/08, que estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses), mas não exclui, e muito menos proíbe, que possam ser realizadas por dois ou mais peritos, como flui do preceito do art. 950.º do Código de Processo Civil (897º NCPC).

Ora, se é admissível a perícia colegial logo para o primeiro exame, com maior razoabilidade terá que ser admitida, desde que justificada, para o segundo exame a realizar na fase contenciosa do processo. Apenas havendo de cuidar que, tanto quanto possível, essa perícia seja realizada por médicos da especialidade de psiquiatria, como se infere da Lei n.º 45/2004, acima citada (cfr. art. 24.º), em conjugação com o regime jurídico da organização médico-legal, regulado pelo Decreto-Lei n.º 11/98, de 24/01 (cfr. art. 32.º)».

O que não pode deixar de atribuir resposta afirmativa às questões em I.

*

II.

19. Não sendo apresentado no momento - regra, pode ainda a parte que deles (documentos) pretende fazer uso apresentá-los até ao encerramento da discussão em 1ª instância, e aqui de duas uma - ou o apresentante faz prova de que não pôde apresentá-los no momento - regra, e então não sofrerá qualquer sanção, ou não faz essa prova e será condenado em multa (art.º 423.º n.º 2).

22. Em suma, no caso sub judice, quando o Recorrente requereu a junção aos autos dos documentos que apresentou com o requerimento, encontrava-se bem aquém dos 20 dias que precediam a data designada para o início da audiência final, pelo que era então livre de requerer a junção dos aludidos documentos.

23. Deveria então o Tribunal a quo ter admitido a junção de todos os documentos solicitados pelo Requerente - não o fazendo violou o Tribunal recorrido o art.º 423.° do C.P.C ..

41. Verifica-se pelos factos supra expostos que o Réu está incapaz de reger a sua pessoa e bens, tal como está a sua esposa com quem está casada no regime da comunhão de bens e contra quem também corre também acção de inabilitação/interdição.

65. Confrontados com esta situação pelo Autor, Manuel e Filomena Dias Rito, sempre negaram ter doado qualquer valor à filha Maria Rosa, marido e filhas destes - recusando-se, pura e simplesmente, a verificar o estado do seu património!

67. Tais factos demonstram a incapacidade do Requerido em reger os seus bens.

70. Ora, por identidade de razão as diligências solicitadas, ao abrigo do art.º 436.° do C.P.C., deverão ser admitidas por se visar com as mesmas apurar o estado actual do património do Réu e bem assim a capacidade de compreensão deste relativamente ao seu património.

71. Ao assim não entender violou o Tribunal recorrido o art.º 436.º do CPC.

Postula o art. 152º Código Civil (inabilitações) que a procedência do pedido de “interdição” pressupõe a existência de anomalia psíquica, incapacidade do interdicendo para reger a sua pessoa e bens que esta incapacidade seja efeito daquela anomalia. Importando, para o efeito, averiguar no sentido de autorizar o decretamento da inabilitação sobre o efectivo discernimento, sobre a vontade e sobre a própria sensibilidade daquele (Cf. RP, 12-12-1975: BMJ, 255.º-214). Por sua vez, no que respeita à esfera patrimonial, além do regime regra constante dos arts. 153.º e 154.º do Código Civil, haverá de ter presente que é a sentença que fixa os efeitos da inabilitação (Castro Mendes, Teoria Geral, 1978,1-348 e ss.).

Deste modo, a prodigalidade, para constituir fundamento de inabilitação deve revestir a natureza de habitual, abrangendo os indivíduos que praticam habitualmente actos de delapidação patrimonial. Para o efeito deve atender-se, concretamente, ao capital do requerido e à natureza das despesas: é necessário que as despesas ultrapassem o rendimento e ponham em risco o capital, mostrando-se improdutivas e injustificáveis; por outro lado, não há prodigalidade se os actos, embora ruinosos, têm um fim digno e nobre (Ac. RP, 21-4-1992: BMJ, 416.°-712). Querendo tal significar que por prodigalidade se entende a existência de uma propensão para a dissipação desregrada de bens, quer em proveito próprio, quer alheio, o que leva a supor que a pessoa que assim procede, estará incapaz de reger ou administrar convenientemente o seu património. Os interessados na inabilitação devem, pois, alegar e provar que há habitualidade actual na prática de actos ruinosos na administração dos bens e da sua dissipação e que isso constitui perigo actual para o património do inabilitante (Ac. RL, 18-1-2000: CJ, 2000, 1.°-81).

Deste modo, aqui, também, no sentido de carrear e poder facultar acervo probatório adrede, sai fora de dúvidas que na acção de interdição por anomalia psíquica "todas as diligências hão-de convergir para a averiguação e colheita de informações sobre se o requerido padece de deficiências de intelecto, de entendimento ou de discernimento, com carácter duradouro ou habitual, e não meramente acidental ou transitório, que o incapacitem para governar a sua pessoa ou administrar os seus bens" (cfr. acórdão TRP de 07-03-1996: Relator Alves Velho, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/proc. n.º 9530613).

O que responde afirmativamente às questões em II.

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Podendo, assim, concluir-se, sumariando  (art. 663º, nº7 NCPC), que:

1.

O texto ou letra da lei é o ponto de partida da interpretação e, como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei. A letra, o enunciado linguístico, é, assim, um ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.°, n.º 2 Código Civil: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Ou seja: a letra é não só o ponto de partida, mas também um elemento irremovível de toda a interpretação, funcionando também o texto como limite da busca do espírito.

2.

Não se configura como razoável a interpretação eminentemente literal e excessivamente restritiva que o tribunal recorrido fez das normas dos arts. 951.º, n.º 4 e 952.º n.º 2, do Código de Processo Civil (898º e 899º NCPC) (quer quanto ao conceito de "novo exame" referido nesta última disposição legal, quer quanto à admissibilidade da "perícia colegial").

3.

A lei dá primazia às perícias médico-legais e forenses realizadas por um só médico, independentemente de se tratar de primeira ou segunda perícia, mas não exclui, e muito menos proíbe, que possam ser realizadas por dois ou mais peritos, como flui do preceito do art. 950.º do Código de Processo Civil (897º NCPC). Ora, se é admissível a perícia colegial logo para o primeiro exame, com maior razoabilidade terá que ser admitida, até, desde que justificada, para o segundo exame a realizar na fase contenciosa do processo. Apenas havendo de cuidar que, tanto quanto possível, essa perícia seja realizada por médicos da especialidade de psiquiatria.

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4.

Postula o art. 152º Código Civil (inabilitações) que a procedência do pedido de “interdição” pressupõe a existência de anomalia psíquica, incapacidade do interdicendo para reger a sua pessoa e bens que esta incapacidade seja efeito daquela anomalia. Importando, para o efeito, averiguar no sentido de autorizar o decretamento da inabilitação sobre o efectivo discernimento, sobre a vontade e sobre a própria sensibilidade daquele.

5.

Deste modo, aqui, também, no sentido de carrear e poder facultar acervo probatório adrede, sai fora de dúvidas que na acção de interdição por anomalia psíquica todas as diligências hão-de convergir para a averiguação e colheita de informações sobre se o requerido padece de deficiências de intelecto, de entendimento ou de discernimento, com carácter duradouro ou habitual, e não meramente acidental ou transitório, que o incapacitem para governar a sua pessoa ou administrar os seus bens.

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III. A Decisão:

Pelas razões expostas, concede-se provimento ao recurso interposto, o que determina, em conformidade, como peticionado, julgar o “PRESENTE RECURSO TOTALMENTE PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, ADMITIR A REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL COLEGIAL; E BEM ASSIM ADMITIR OS DOCUMENTOS JUNTOS PELO REQUERENTE, AINDA QUE SANCIONADO AO PAGAMENTO DA MULTA DEVIDA; ADMITINDO AINDA A REALIZAÇÃO DAS DILIGÊNCIAS SOLICITADAS”.

Sem custas.

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António Carvalho Martins ( Relator)

Carlos Moreira

Moreira do Carmo