Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
24/09.2TAVGS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: DESOBEDIÊNCIA
ELEMENTOS DO TIPO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
ACUSAÇÃO MANIFESTAMENTE INFUNDADA
Data do Acordão: 10/06/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA (VAGOS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 29º DA CRP; 69º, 148ºE 353ºDO CP; 311º E 500º DO CPP
Sumário: 1. Na norma do art.69.º, n.º3 do Código Penal, bem como na norma do art.500.º, n.º 2, do Código de Processo Penal não é cominado expressamente um crime de desobediência para a não entrega da carta de condução no caso de condenação em proibição de conduzir veículos com motor.
2. Resulta do art. 500º,nº3 do Código de Processo Pena que o legislador previu expressamente para a falta de cumprimento da entrega voluntária da licença de condução, a sua apreensão.

3.A norma do artigo 353º do CP diz quem violar imposições, proibições… determinadas… por sentença criminal …a título de pena acessória é punido… ; não diz imposições processuais decorrentes da aplicação de uma pena acessória.

4.Na norma do artigo 353º do CP está agora claramente dito que a condução no período da proibição aplicada constitui infracção penal - aquela infracção penal. Com tal incriminação o legislador não quis deixar na impunidade o incumprimento (com culpa dolosa) da pena acessória aplicada.

Decisão Texto Integral: Relatório

Por despacho de 22 de Março de 2010, proferido pela Ex.ma Juíza da Comarca do Baixo Vouga - Vagos - Juízo de Média Instância Criminal, foi decidido rejeitar a acusação deduzida pelo Ministério Público de fls. 32 e 34, contra a arguida C., pela prática de um crime de desobediência. p. e p. pelo art.348.º, n.º1, al. b), do Código Penal, por manifestamente infundada, nos termos do disposto no art. 311.º, n.ºs 2, al. a), e 3, al. d) do Código de Processo Penal.

Inconformado com o douto despacho dele interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:
1) O Ministério Público deduziu acusação contra a arguida C imputando-lhe a prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º l, alínea b), do Código Penal.
2) Por douto despacho de fls. 4l a 46, a Mma. Juiz a quo rejeitou a acusação pública deduzida pelo Ministério Público por manifestamente infundada.
3) Decorre dos elementos carreados para os presentes autos que na sentença proferida nos autos de Processo Especial Abreviado n.º …/08.5GTAVR, foi cominado com o crime de desobediência a falta da entrega da carta de condução pela arguida, no prazo de dez dias após o trânsito, trânsito esse que ocorreu.
4) Com o trânsito em julgado da sentença dos autos de Processo Especial Abreviado n.º …|08.5GTAVR, consolidaram-se na Ordem Jurídica todos os efeitos penais dali decorrentes, nos termos do artigo 467.º,n.º 1, do Código de Processo penal.
5) Não devia o Tribunal considerar não ser legítima nem emanar de autoridade competente aquela cominação com a prática de um crime de desobediência, nos termos do art. 348.º, n.º 1, alínea b), do código penal, pela falta de entrega da carta de condução no prazo de dez dias após o trânsito.
6) Não será de efectuar uma interpretação minimalista do artigo 348.º, n.º l, alínea b) do Código Penal, pois, caso contrário, estar-se-ia a esvaziar a norma nos casos em que a advertência e feita, como o foi na sentença condenatória proferida no processo Especial Abreviado n." 326108.5GTAVR, a fim de garantir o cumprimento da pena acessória por parte da arguida e, nessa medida, proteger a autonomia intencional do Estado de Direito.
7) O crime de desobediência consumou-se com a omissão do acto determinado, consubstanciada, in casu, com a falta de entrega da carta de condução pela arguida no prazo de dez dias após o trânsito.
8) Se se entender que não é legítimo ao Tribunal cominar a falta de entrega da carta de condução com a prática do crime de desobediência, e se a arguida recusasse a entrega da carta perante a autoridade policial, nos termos do artigo 500.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não haveria quaisquer consequências para o incumprimento.
9) Com efeito, se o Tribunal não puder, desde logo, no acórdão condenatório, cominar com a prática de crime a falta de entrega da carta de condução, também a autoridade policial, num segundo momento que viesse a ocorrer e na sequência do artigo 500.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não poderia cominar com tal crime a eventual e reiterada falta de entrega daquele documento por parte da arguida perante as autoridades policiais.
10) A conduta da arguida de não entrega voluntaria da carta e não se logrando proceder à apreensão daquele documento nos termos do artigo 500.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, cominaria na ausência de quaisquer consequências para a recusa da arguida em cumprir a pena acessória a que está obrigada.
11) A eventual recusa de a arguida cumprir com a pena acessória, traduzida na falta da entrega da carta de condução, parece-nos ser merecedora de suficiente dignidade a valorar em termos penais, pois, a assim não ser, equivaleria a admitir-se a possibilidade de deixar à consideração da arguida a decisão de cumprir ou não com tal pena acessória, ou de cumpri-la apenas quando entendesse.
12) A cominação com o crime de desobediência obsta à pretensão da arguida que pretenda subtrair-se ao cumprimento da pena acessória em que foi condenada por acórdão e reforça a confiança da comunidade na validade da norma penal violada.
13) Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido por violar o disposto nos artigos 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal e 311.º, n.º 1, 2, alínea a) e 3, alínea d), do Código de Processo Penal, e ordenando-se a sua substituição por outro a determinar o recebimento da acusação e designação de data para a audiência.
Pelo que, dando provimento ao recurso interposto, revogando o despacho recorrido e ordenando a sua substituição por outro a determinar o recebimento da acusação pública proferida e designação de data para a audiência, Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada Justiça!

A arguida C respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público pugnando pela manutenção do douto despacho recorrido.

O Ex.mo Procurador-geral-adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser revogado o despacho recorrido e ser proferido novo despacho que receba a acusação, não pela prática de um crime de desobediência, mas pela prática de um crime de violação de imposições, p. e p. pelo art.353.º do C.P.P., havendo que cumprir, oportunamente, o disposto no art.358.º, n.ºs 1 e 3 do C.P.P..

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

O despacho recorrido tem o seguinte teor:
« I. Pelo presente processo, entende o Ministério Público estar suficientemente indiciada a prática, pela arguida C, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art. 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, atenta a seguinte factualidade:
A arguida foi julgada no Processo Abreviado n.º …/08.5GTAVR, do Tribunal Judicial de Vagos, tendo sido condenada pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, n.º 1, e 69º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de multa à taxa diária € 6 (seis euros), perfazendo o total de € 270 (duzentos e setenta euros), bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículo a motor pelo período de 3 (três) meses, constando da douta sentença que a mesma terá de proceder à entrega da sua licença de condução na Secretaria do Tribunal Judicial de Vagos ou em qualquer outro posto policial da sua área de residência no prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado da sentença, sob a pena de incorrer na prática do crime de desobediência.
Encontrando-se a arguida presente na diligência de leitura de sentença, foi aquela devidamente notificada que tinha de proceder à entrega da sua carta de condução nos termos ordenados na sentença, tendo a sentença sido lida na sua presença.
Apesar da advertência que lhe foi efectuada e de a arguida saber que tinha de acatar a ordem imposta pelo Tribunal e que se não o fizesse incorria na prática do crime de desobediência, a arguida não entregou a sua carta de condução no Tribunal nem em qualquer posto policial, dentro ou fora do prazo que lhe foi indicado, de dez dias após o trânsito em julgado da sentença, tendo a sua carta de condução apreendida em 30/01/2009 pelos elementos do Posto Territorial de Vagos da Guarda Nacional Republicana por ordem do Tribunal Judicial de Vagos.
A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que estava a desrespeitar uma ordem legítima, emanada da autoridade competente e que lhe havia sido regularmente comunicada juntamente com a cominação para o seu incumprimento, encontrando-se ciente que estava obrigada a proceder à entrega da aludida carta e que se não o fizesse incorria na prática de um crime de desobediência.
Acresce que a arguida sabia que a sua conduta era proibida por lei e punida criminalmente.”.
II. Pois bem, atentemos na factualidade indiciada e nos elementos do tipo legal de crime imputado à arguida.
Preceitua o art. 348.º, n.º 1 do Código Penal que “Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados da autoridade competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se: a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação”.
Maia Gonçalves anota acerca deste normativo o seguinte: “Trata-se de um artigo controverso. Não é possível a sua eliminação, porque serve múltiplas incriminações extravagantes e por isso poderia desarmar a Administração Pública. Mas seria certamente excessivo proteger desta forma toda e qualquer ordem da autoridade, incriminando aqui tudo o que possa ser considerado não obediência”.
A amplitude deste crime voltou a ser ponderada pela CRCP, na 35.ª sessão. Para boa compreensão da amplitude actual da previsão aqui estabelecida, destacamos as seguintes passagens da discussão na CRCP “(...)
Para o Senhor Conselheiro Sousa e Brito torna-se no entanto necessário restringir o âmbito de aplicação do artigo, pois é excessivo proteger desta forma toda a ordem. Justifica-se plenamente uma restrição àquelas ordens protegidas directamente por disposição legal que preveja essa pena. Por outro lado entende que o mandato, por exemplo, deveria ter lugar com a cominação da pena. O Sr. Dr. Costa Andrade, concordando no plano dos princípios com o Sr. Conselheiro Sousa e Brito, frisou o facto de se operar uma alteração muito profunda, a ponto de desarmar a Administração Pública. O mesmo tipo de considerações teceu o professor Figueiredo Dias (a solução da exigência da norma legal seria a melhor), mas há que ter consciência da Administração Pública que temos. A Comissão acordou na seguinte solução, de molde a afastar o arbítrio neste domínio e numa tentativa de clarificar o alcance da norma para o aplicador (texto actual)”.
Ficou, portanto, clarificado que para a existência deste crime, para além do que se estabelece no corpo do n.º 1, é necessário que, em alternativa, se verifique ainda o condicionalismo de alguma das alíneas deste número – neste sentido, Código Penal Português Anotado e Comentado, 18.ª Ed., pág. 1045.
Por sua vez e incidindo, agora, no preceito que regula a execução da pena acessória de proibição de conduzir, pena em que a arguida foi condenada por sentença transitada em julgado, constata-se que o mesmo não sanciona com o crime de desobediência a falta de entrega da carta de condução.
Com efeito, estabelece o art. 500.º do Código de Processo Penal que “2. No prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo. 3. Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução”.
Também sobre a questão da entrega do título de condução preceitua o n.º 3 do art. 69.º do Código Penal que “No prazo de 10 dias contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo”.
Da leitura e análise dos dois normativos vindos de referir em último lugar resulta não existir, por conseguinte, qualquer cominação legal da punição da não entrega como crime de desobediência – um dos elementos do tipo objectivo do ilícito da desobediência.
Por sua vez, no que concerne ao preenchimento do tipo através da simples “cominação funcional” (assim designada por contraposição à “cominação legal”), importará ponderar se as condutas arguidas de desobediência merecem ou não tutela penal, tendo em vista o carácter fragmentário e de última ratio da intervenção penal.
Como é assinalado por Cristina Líbano Monteiro, que aqui seguimos de perto, “(…) a al. b) existe tão-só para os casos em que nenhuma norma jurídica, seja qual for a sua natureza (i. é, mesmo um preceito não criminal) prevê aquele comportamento desobediente. Só então será justificável que o legislador se tenha preocupado com um vazio de punibilidade, decidindo-se embora por uma solução, como já foi dito, incorrecta e desrespeitadora do princípio da legalidade criminal” (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra, Tomo III, pág. 354).
Para a não entrega voluntária da carta de condução – entrega essa que decorre da lei e não pressupõe qualquer ordem específica para esse efeito – o legislador prevê como consequência a determinação da sua apreensão, e tão só!
Desta feita, entendemos que a cominação da prática de um crime de desobediência para a conduta da sua não entrega contraria o sentido da norma da aplicação e execução da pena acessória de proibição de veículos com motor.
No sentido do vindo de sustentar, pode ver-se o Acórdão da Relação de Coimbra, de 22 de Outubro de 2008, Processo 43/08.6TAALB.C1, disponível in www.dgsi.pt, onde se lê que “Digamos que a notificação que é feita ao arguido para no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, entregar o título de condução, tem apenas um carácter informativo, ou se se quiser, não integra uma ordem, já que da sua não entrega decorre, como vimos, apenas a apreensão da mesma por parte das autoridades policiais. Não há pois qualquer cominação da prática de crime de desobediência. Por outro lado como é sabido, o intérprete deve presumir na determinação do sentido e alcance da lei, que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e consagrou as soluções mais acertadas. (artigo 9.º Código Civil).
Significa isto claramente que no caso em análise se fosse intenção do legislador, cominar o crime de desobediência para a não entrega da carta de condução, tê-lo-ia dito expressamente”.
No mesmo sentido, e com desenvolvida argumentação, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa, de 18 de Dezembro de 2008, processo 1932/2008-9, acessível também in ww.dgsi.pt, em que se salienta, além do mais: “(…) criando a lei mecanismos para quando, ultrapassada a fase “declarativa” da decisão sem que o agente cumpra voluntariamente, se passe a uma fase executiva da mesma, reagindo-se ao comportamento omissivo (no caso a não entrega da carta) com emprego de meios coercivos (determinando-se a concretização oficiosa da sua apreensão, fase para a qual se mostra indiferente a adopção de um comportamento colaborante por parte do arguido), e considerando que, entregue ou não a carta, se este conduzir no período de proibição comete o crime do artigo 353.º do CP (o que reduz, repete-se, a entrega da carta a um mero meio de permitir um mais fácil e melhor controlo da execução da pena de proibição de conduzir), a cominação da prática de crime de desobediência para a não entrega no momento em que surge nos caso dos autos carece de legitimidade”.
Concluímos, portanto e no seguimento do que se vem de expor, não haver lugar, no caso, à cominação do crime de desobediência, pelo que tendo existido a mesma, apenas podemos tê-la como não legítima e, por via disso, não poderemos tê-la em consideração para efeitos de ver como verificados, pelo menos, indiciariamente, todos os elementos (objectivos) necessários à prossecução penal da arguida pela eventual prática de um crime de desobediência.
Destarte, impõe-se então extrair as necessárias consequências, que, claro está, passam por rejeitar a acusação pública deduzida, por manifestamente infundada e à luz do disposto pelo art. 311.º, n.º 2, al. a), e n.º 3, al. d) do Código de Processo Penal.
Decisão:
Termos em que, face ao exposto, rejeita-se a acusação pública deduzida pelo Ministério Público contra a arguida C. de fls. 32 e 34, por manifestamente infundada, nos termos do disposto no art. 311.º, n.º 2, al. a), e n.º 3, al. d) do Código de Processo Penal.
Sem custas, por não serem devidas. Notifique.»

*

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98. e de 24-3-1999 Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247. e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350. , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente Ministério Público a questão a decidir é a seguinte:
- se o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 348.º, n.º1, al. b), do Código Penal e 311.º, n.ºs 1, 2, alínea a) e 3 alínea d), do Código de Processo Penal ao rejeitar a acusação do M.P. deduzida contra o arguido pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, por manifestamente infundada, devendo o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro a determinar o recebimento da acusação pelo crime que lhe era imputado e designação de data para a audiência a acusado.
Passemos ao conhecimento da questão objecto do recurso.
O art.348.º do Código Penal, que o recorrente entende ter sido violado na sentença recorrida, estatui o seguinte:
«1 Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados da autoridade competente, é punido com pena de prisão até1 ano ou com pena de multa até 120 dias se:
a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou
b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.”
O preenchimento do crime de desobediência, p. e p. pelo art.348.º do Código Penal, passará, assim, pela existência de:
- uma ordem ou mandado não acatados e que se analisam na imposição de praticar ou deixar de praticar certo facto;
- legalidade formal da ordem ou mandado;
- legalidade substancial;
- competência para a emissão da ordem ou mandado; e
- regularidade na transmissão.
Para que a legalidade seja substancial torna-se necessário que exista uma norma jurídica imperativa a cominar, no caso, a punição da desobediência ( al.a) citada), ou na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fazerem a correspondente cominação ( al.b).
O Cons. Maia Gonçalves refere a propósito deste ilícito, que «Trata-se de um artigo controverso. Não é possível a sua eliminação, porque serve múltiplas incriminações extravagantes e por isso poderia desarmar a Administração Pública. Mas seria certamente excessivo proteger desta forma toda e qualquer ordem da autoridade, incriminando aqui tudo o que possa ser considerado não obediência.
A amplitude deste crime voltou a ser ponderada pela CRCP, na 35ª sessão. Para boa compreensão da amplitude actual da previsão aqui estabelecida, destacamos as seguintes passagens da discussão na CRCP “.... Para o Senhor Conselheiro Sousa e Brito torna-se no entanto necessário restringir o âmbito de aplicação do artigo, pois é excessivo proteger desta forma toda a ordem. Justifica-se plenamente uma restrição àquelas ordens protegidas directamente por disposição legal que preveja essa pena. Por outro lado entende que o mandato, por exemplo, deveria ter lugar com a cominação da pena. O Sr. Dr. Costa Andrade, concordando no plano dos princípios com o Sr. Conselheiro Sousa e Brito, frisou o facto de se operar uma alteração muito profunda, a ponto de desarmar a Administração Pública. O mesmo tipo de considerações teceu o Professor Figueiredo Dias (a solução da exigência da norma legal seria a melhor), mas há que ter consciência da Administração Pública que temos. A Comissão acordou na seguinte solução, de molde a afastar o arbítrio neste domínio e numa tentativa de clarificar o alcance da norma para o aplicador (texto actual) ”.
Ficou, portanto, clarificado que para a existência deste crime, para além do que se estabelece no corpo do nº 1, é necessário que, em alternativa, se verifique ainda o condicionalismo de alguma das alíneas deste número.» - in “Código Penal Português Anotado”, 18ª ed., pág. 1045.
Por sua vez, a Dr.ª Cristina Líbano Monteiro escrevendo sobre o art.348.º, n.º1 do Código Penal defende: « Em definitivo: a al. b) existe tão só para os casos em que nenhuma norma jurídica, seja qual for a sua natureza (i. é, mesmo um preceito não criminal) prevê aquele comportamento desobediente. Só então será justificável que o legislador se tenha preocupado com um vazio de punibilidade, decidindo-se embora por uma solução, como já foi dito, incorrecta e desrespeitadora do princípio da legalidade criminal”. – cfr. “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo III, pág.354.
Resulta dos presentes autos que a arguida C, por sentença proferida a 10 de Novembro de 2008, no Processo Abreviado n.º../08.5GTAVR, do Tribunal Judicial de Vagos, transitada em julgado em 10 de Dezembro de 2008, foi condenada pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigo 292º, n.º 1, e 69º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 45 dias de multa à taxa diária € 6 e na pena acessória de proibição de conduzir veículo a motor pelo período de 3 (três) meses, constando da douta sentença que a mesma terá de proceder à entrega da sua licença de condução na Secretaria do Tribunal Judicial de Vagos ou em qualquer outro posto policial da sua área de residência no prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado da sentença, sob a pena de incorrer na prática do crime de desobediência.
O art.69.º, n.º 3, do Código Penal, estabelece que « No prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo.».
O art.500.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que regula a proibição de condução, tem exactamente a mesma redacção do art. 69.º, n.º 3 do Código Penal.
Parece-nos pacífico que o art.69.º, n.º3 do Código Penal, como o art.500.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não comina expressamente, em lado algum, um crime de desobediência para a não entrega da carta de condução no caso de condenação em proibição de conduzir veículos com motor.
O n.º 3 do art.500.º do Código de Processo Penal estatui, por sua vez, que « Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior , o tribunal ordena a apreensão da licença de condução.».
Resultando deste preceito que o legislador previu expressamente para a falta de cumprimento da entrega voluntária da licença de condução, a sua apreensão, a cominação da prática de um crime de desobediência para essa conduta de não entrega, contraria o elemento gramatical e racional da norma.
Se fosse intenção do legislador, cominar o crime de desobediência para a não entrega da carta de condução, no caso de condenação em proibição de conduzir veículos motorizados tê-lo-ia dito expressamente.
Assim o fez no caso de condenação em sanção acessória pela prática de uma contra-ordenação ao estabelecer no art.160.º do Código da Estrada ( redacção do DL n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro), designadamente:
«1. Os títulos de condução devem ser apreendidos para cumprimento da cassação do título, proibição ou inibição de conduzir.
(…).
3. Quando haja lugar à apreensão do título de condução, o condutor é notificado para, no prazo de 15 dias úteis, o entregar à autoridade competente, sob pena de crime de desobediência, devendo, nos casos previstos no n.º1, esta notificação ser efectuada com a notificação da decisão
O disposto no art.167.º do Código da Estrada ( na redacção do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, a que corresponde actualmente o art.160.º do Código da Estrada) foi já usado como “elemento valioso no sentido da criminalização da conduta tomada pelo arguido”, pois “ se o desrespeito da ordem dada pela autoridade administrativa configura um ilícito penal, então a violação de uma ordem de conteúdo igual dada pelo juiz terá que integrar também um ilícito penal, pelo menos por igualdade de razão.” – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Porto, de 18 de Novembro de 2009, proc. n.º 1952/08.8TAVNG.P1, in www.dgsi.pt/jtrp.
Cremos que o argumento por igualdade de razão, como o princípio da igualdade e a unidade do sistema jurídico não são violados com as diferentes consequências que dimanam do art.160.º do Código da Estrada e dos artigos 69.º, n.º 3 do Código Penal e 500.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal.
A propósito de uma decisão judicial que recusara a aplicação do art.167.º, n.º3 do Código da Estrada - na redacção emergente do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro e que na redacção do DL n.º 114/94 de 3 de Maio, deu lugar ao art.161.º, n.º3 do C.E. -, na parte em que tipificava como crime de desobediência o comportamento do condutor que, notificado para entregar a carta ou licença de condução a apreender pela autoridade competente, não o faça no prazo legal, com o argumento de que em situação materialmente idêntica no art.500.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.P., aquele preceito imputava um crime, que não ocorria se o arguido fosse condenado judicialmente em inibição de conduzir, por violação do princípio da igualdade a que alude o art.13.º da C.R.P., o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 149/2000, decidiu “ Não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 3 do artigo 161.º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94 de 3 de Maio, na parte em que tipifica como crime de desobediência o comportamento do condutor que, notificado para entregar a carta ou licença de condução a apreender pela autoridade competente.”.
Consignou-se para o efeito, designadamente, que os meios ao alcance das entidades que proferiram as decisões em causa, o tribunal e a autoridade administrativa, são por natureza distintos e, como tal, são, por natureza distintas as formas de executar essas decisões. “ Sendo a inibição de conduzir decretada como pena acessória, é possível ao órgão que decretou a pena – o tribunal – usar os meios coercitivos necessários e juridicamente admissíveis à execução dessa decisão. Se, ao invés, a inibição de conduzir for decretada como sanção acessória de uma contra-ordenação, a autoridade administrativa que a pretenda executar não pode usar desses meios, quando os mesmos colidam com certos direitos fundamentais (….). Refira-se, aliás, que o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro ( que institui o ilícito de mera ordenação social e o respectivo processo ), faz eco desta maior limitação dos poderes das autoridades administrativas em sede processual, ao vedar, na pendência deste, o uso de certos « meios de coacção». A diferente possibilidade de uso de meios coercitivos para a execução das próprias decisões explica o diferente tratamento da falta de entrega da carta ou licença de condução, consoante a inibição de conduzir tenha sido decretada por um tribunal ou por uma autoridade administrativa. No primeiro caso, nada obsta a que a entidade que proferiu a decisão ordene a efectiva apreensão da licença, mediante o recurso aos meios coercivos que forem possíveis; no segundo caso, e como refere o Sr. Procurador-Geral Adjunto nas suas alegações, « as alternativas que se colocavam ao legislador seriam precisamente a de criminalizar a omissão culposa do arguido ou facultar à Administração o recurso ao tribunal, com vista à autorização das ditas medidas coercivas que visassem a efectivação da apreensão da carta ou da licença de condução».” - in DR, II série, de 9 de Outubro de 2000.
O argumento do recorrente, de que se a arguida recusar a entrega da carta perante a autoridade policial, nos termos do art.500.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, não haveria consequências para esta, respondemos que se tal acontecer deverá o Tribunal mandar proceder à apreensão.
Estando pois na disponibilidade da arguida a entrega voluntária da carta, não podia o Tribunal, na parte final da sentença mencionada na acusação deduzida pelo Ministério Público substituir-se ao legislador e fazer a referida cominação.
O trânsito em julgado dessa sentença não obsta a que o Tribunal a quo, que julga a conduta da arguida no presente processo, conheça do preenchimento ou não de todos os elementos constitutivos do crime de desobediência, designadamente dos elementos relativos à legalidade substancial da cominação ali imposta ao abrigo do art.69.º, n.º3 do Código Penal - crime de desobediência, para a não entrega da carta de condução no prazo de 10 dias -, quando existe norma a regular de outro modo as consequências da não entrega atempada da carta ou licença de condução.
Do exposto concluímos que a cominação feita na sentença proferida no Processo Abreviado n.º ../08.5GTAVR, do Tribunal Judicial de Vagos, carece de suporte legal e, como tal, não vemos razões para censurar o Tribunal recorrido por haver rejeitado a acusação do Ministério Público uma vez que os factos descritos não integram a prática do imputado crime de desobediência - cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra, de 28 de Abril de 2010, proc. n.º 135/08.1TAVGS.C1 (com o mesmo relator e Ex.ma adjunta dos presentes autos ) e, ainda, os acórdãos deste Tribunal da Relação, de 22 de Outubro de 2008, proc. n.º 43/08.6TAALB.C1; de 22 de Abril de 2009, proc. n.º 329/07.7GTAVR.C1; de 14 de Outubro de 2009, proc. n.º 513/05.8TAOBR.C1; de 25 de Novembro de 2009, proc. n.º 260/08.9TA.AND.C1; e de 25 de Novembro de 2009, proc. n.º 2158/08.1TALRA.C1, in www.dgsi.pt/jtrc.
Tendo-se concluído que os factos em causa não integram o crime de desobediência, e perante o parecer do Ex.mo P.G.A., impõe-se determinar se os mesmos factos integram a prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo art. 353.º do Código Penal.
O art.353.º do Código Penal, na actual redacção e vigente à data dos factos, estatui que « Quem violar imposições, proibições ou interdições determinadas por sentença criminal, a título de pena aplicada em processo sumaríssimo, de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.».
Na sua anterior redacção, que resultava do DL n.º 48/95, de 15 de Março, estatuía-se que « Quem violar proibições ou interdições impostas por sentença criminal, a título de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.».
Nos acórdãos deste Tribunal da Relação, de 20 de Janeiro de 2010 (proc. n.º 672/08.8TAVNO.C1) e de 24 de Fevereiro de 2010 ( proc. n.º 117/09.6TAVNO.C1), decidiu-se que, em face da nova redacção do art.353.º do Código Penal, introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, a falta de entrega da carta ou licença de condução pelo arguido por condenação em pena acessória de proibição de conduzir, imposta em sentença criminal, preenche os elementos objectivos daquele tipo, uma vez que não só prevê o sancionamento por violação das proibições impostas por sentença criminal a título de pena acessória, como também os casos de violação de imposições determinadas a igual título - cfr. www.dgsi.pt/jtrc.
Salvo o devido respeito, cremos que a indiciada conduta da arguida C - condenada em pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, com a cominação de que pratica um crime de desobediência -, de omissão de entrega da carta de condução no prazo fixado na lei e indicado na sentença, não integra o crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo art.353.º do C.P..
Na defesa desta posição transcrevemos aqui, com a devida vénia, parte do acórdão deste Tribunal da Relação, de 12 de Maio de 2010 (proc. n.º 1745/08.2TAVIS.C1):
« O que a norma do art. 353.º do CP diz é que pratica o crime quem violar as imposições determinadas a título de pena acessória; não diz, imposições processuais decorrentes da aplicação de uma pena acessória.
Logo, só pratica o crime de violação de proibições quem puser em causa o conteúdo material da pena acessória: v.g. quem conduzir (art. 69.º do CP), quem exercer função (art. 66.º do CP) ou quem violar a suspensão do exercício de funções (art. 67.º do CP). Já não pratica o crime quem não cumpre as obrigações processuais decorrentes da aplicação de uma pena acessória: v.g, não entrega a carta de condução, não entrega a cédula profissional, não entrega a arma e carteira identificativa de serviço, estas obrigações processuais (…).
E não se pode entender que a obrigação de entrega da carta faz parte do conteúdo da própria pena acessória (…). Isto porque o legislador define o conteúdo desta no art. 69/1do Código Penal. E o princípio da legalidade e da tipicidade da norma penal não deixam espaço para interpretações que contrariem o elemento literal do tipo. A imposição material penal é a
“proibição de conduzir”, tão só.
Entende-se, pois, que a norma do art. 69/3 é meramente processual, ordenadora do cumprimento da pena e com função de controle deste mesmo cumprimento (…), demonstrando-o, aliás, o facto de estar “repetida” no art. 500/2 do CPP (com a diferença, apenas, no substantivo “licença” e “título”).
E faz todo o sentido que assim seja, até porque a execução da pena acessória só se inicia com a entrega da carta ou efectiva apreensão, como a jurisprudência definitivamente firmou (…)
Quer dizer (…) que as normas que processualmente regulamentam a execução da pena acessória estão sistematicamente bem delimitadas no Código. O substrato material da pena que aqui nos interessa é a proibição de conduzir, tão só (…), excluindo-se dela o acto de entrega da carta como elemento integrante desse substrato. Logo, se o arguido condenado não entrega a carta, como é sua obrigação processual, então é ordenada a apreensão. Enquanto não entregar, não se inicia o cumprimento da pena.
Concretizada a apreensão, inicia-se o cumprimento da pena. Se no período que dura a proibição o arguido conduzir, então põe em causa a imposição resultante da pena acessória e comete o crime de violação de proibições.
Assim, a falta de entrega da carta constitui obrigação processual do condenado não punível. Consequentemente não integra os elementos objectivos do tipo de ilícito do art. 353.º do Código Penal”.
4.2- Decorre dos preceitos acima transcritos que a referida pena acessória só é executada, por isso cumprida, a partir do momento em que o condenado entrega o título ou este lhe é apreendido em conformidade com o art.º 500/3 do C.P.P.
Isto porque logo no número seguinte, ou seja, no n.º4 do falado artigo 500º se estatui que a licença de condução ficará retida na secretaria [após a sua entrega ou a sua apreensão] «pelo período de tempo que durar a proibição.».
O que significa que o cumprimento da pena acessória não ocorre de forma imediata e automática a partir do trânsito em julgado da sentença que a aplicou, mas tão só após a entrega espontânea ou forçada do título.
De outro modo poderiam ocorrer situações em que no momento da sua apreensão o arguido pudesse invocar ter já decorrido o tempo do cumprimento da pena.
Daqui poder defender-se que será irrelevante para a integração do tipo [violação de imposições, proibições ou interdições judiciais] o facto do condenado continuar a conduzir até à data da apreensão do título, pois só a partir dela se iniciará o cumprimento ou execução da pena da proibição de conduzir.
Só no período de execução da pena fará então sentido falar-se em violação de proibições judiciais. Até à entrega espontânea ou forçada da licença de condução não haverá execução da pena e consequentemente violação de proibição judicial.
Se bem se atentar na redacção do tipo e para o que ao caso interessa, nele se dispõe que comete o crime «quem violar imposições ou proibições determinadas por sentença criminal a título de pena acessória.».
Ou seja, o tipo prevê como conduta criminosa a voluntária violação de imposições ou proibições que integrem o conteúdo duma pena acessória.
E a pena acessória no caso consubstancia-se na “proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses”. Pergunta-se -, a obrigação de entrega no indicado prazo da carta de condução integra tal proibição? Obviamente que não! É apodíctico que não integra a pena a obrigação da entrega da carta nas indicadas condições.
O legislador poderia tê-la incluído no tipo ou noutro, v.g., de desobediência, mas não o fez. Para o caso engendrou outro sistema de procedimento que o aplicador da lei até poderá criticar invocando v.g. a desarmonia do sistema face ao que se passa com o sistema contraordenacional do Código da Estrada; mas o que não pode é interpretar o tipo de modo a incluir situações nele não previstas, em violação do art.º1 do Código Penal.
Só a partir do momento em que o agente fica privado do título poderá ocorrer, com relevância penal, a frustração de imposições ou proibições sancionatórias constantes de sentença criminal, só então se podendo ver perfectibilizada a previsão dos elementos objectivos do tipo.».
O art.353.º do Código Penal não consente a integração nele de comportamentos processuais prévios à execução da sanção acessória, mas tão só comportamentos ou proibições que a integrem.
Em face de todo o exposto, e não tendo sido violadas as disposições mencionadas nas conclusões da motivação, improcede o recurso.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e manter o douto despacho recorrido.
Sem custas.
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ORLANDO GONÇALVES (RELATOR)
ALICE SANTOS