Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
132/13.5TBVZL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: INSOLVÊNCIA
INCIDENTE DA QUALIFICAÇÃO
PRECLUSÃO
ENCERRAMENTO DO PROCESSO
Data do Acordão: 09/08/2015
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - SEC.COMÉRCIO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.36, 39, 230, 232 CIRE.
Sumário: 1.- Não deve confundir-se o despacho de encerramento do processo de insolvência, ainda que baseado na insuficiência da massa insolvente, ao abrigo do art. 230º, nº 1, d), e 232º, nº 1, do CIRE, facto apurado já no curso do processo, após ter sido declarada a insolvência, com o despacho que declara findo o processo, previsto no art. 39º, nº 7, b), do CIRE, por na referida sentença que declarou a insolvência o juiz ter logo concluído pela insuficiência da massa insolvente, nos termos do mesmo art. 39º, seus nº 1 e 9, e não ter sido requerido o complemento da dita sentença;

2.- Actualmente, com a alteração advinda da Lei 16/12, de 20.4, o incidente de qualificação de insolvência, com carácter pleno ou limitado, deixou de ter abertura obrigatória com a sentença que declara a insolvência, como decorre dos arts. 36º, nº 1, i), e 39º, nº 1, do CIRE, só havendo lugar à abertura do referido incidente desde que o juiz disponha de elementos que justifiquem a mesma;

3.- Declarada a insolvência com verificação judicial imediata da insuficiência da massa insolvente e não aberto, ao mesmo tempo, o incidente de qualificação da insolvência com caracter limitado (art. 39º, nº 1), o prazo para o administrador da insolvência ou qualquer interessado alegar o que tiver por conveniente para efeito de qualificação da insolvência como culposa é de 45 dias contados desde a data da sentença de declaração da insolvência (art. 191º, a), do CIRE), sob pena de não mais poder ser aberto, posteriormente a tal prazo, tal incidente de qualificação.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. Foi declarada a insolvência de J (…) Unipessoal, Lda, com sede em Vouzela, por sentença, já transitada, de 2.7.2013. Tal insolvência foi declarada com efeitos limitados, nos termos do art. 39º, nº 1 e 9 do CIRE.

Relativamente a tal sentença não foi requerido o complemento da mesma, pelo que foi o processo declarado como findo, com as respectivas notificação e publicitação de encerramento, nos termos dos arts. 39º, nº 7, b), e 230º, nº 2, do CIRE, por despacho de 10.2.2014.  

A Sra. Administradora de Insolvência veio, em 10.2.2014, (fls. 3 e segs.) alegar e emitir parecer no sentido da qualificação da insolvência como fortuita.

O Ministério Público, sem que tivesse havido qualquer despacho do juiz, teve vista e, pronunciando-se (fls. 18/19), em 4.3.2014, opinou pela qualificação da insolvência como culposa, nos termos do preceituado na h) do nº 2 do art. 186º do CIRE, por não terem sido elaboradas as contas anuais no prazo legal, nem terem sido submetidas à devida fiscalização e depositadas na conservatória de registo comercial, pelo que incumpriu a obrigação de manter a contabilidade organizada.

Foi, então, proferido despacho, em 10.3.2014, que considerou ter sido aberto o incidente de qualificação de insolvência e ordenou a notificação da insolvente e a citação dos seus gerentes para se oporem. 

J (…) e G (…), gerentes da insolvente, apresentaram oposição alegando que a G (…) apenas iniciou a sua gerência a partir de Junho de 2012, sendo que o único acto de gestão que praticou foram a compra e venda de diversos imóveis, no mesmo dia, em virtude de o gerente J (…) se ter deslocado para a Suíça à procura de trabalho. Que a insolvente pertencia, de facto, ao pai do requerido J (…) (…) em tudo o que extravasasse a actividade das terraplanagens e, ainda, que aquela (…) se recusava a entregar documentos contabilísticos e a apresentar contas. Que a falta de prestação de contas não foi causa da insolvência da Requerida nem a agravou por qualquer meio, sendo que os requeridos tentaram, apesar da conjectura muito negativa, honrar os seus compromissos e, não o tendo conseguido, decidiram apresentar a requerida à insolvência, encontrando-se ambos emigrados na Suíça. Pugnam, assim, pela qualificação da insolvência como fortuita.

*

A final foi proferida sentença que, nos termos do disposto nos arts. 186º, nº 1, nº 2, h) e nº 3, b) e 189º, nº 1 e nº 2, a), b), c) e e) do CIRE:

a) Qualificou como culposa a insolvência de J (…), Unipessoal Lda;

b) Declarou afectados pela qualificação J (…) e G (…)

c) Declarou J (…) inibido pelo período de dois anos e seis meses para administrar património de terceiro e para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.

d) Declarou G (…) inibida pelo período de dois anos e três meses para administrar património de terceiro e para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.

e) Condenou J (…) e G (…) no pagamento solidário de indemnização a favor dos credores, correspondente ao valor dos créditos indicados em sede de petição inicial de insolvência – 57.379,81 €.

*

2. J (…) e G (…) interpuseram recurso e concluíram como segue:

(…)

3. O Mº Pº contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

II - Factos Provados

1. Por requerimento datado de 28.06.2013, veio a Requerida J (…) Unipessoal, Lda. apresentar-se à insolvência, tendo os autos sido autuados com o nº132/13.5TBVZL.

2. Alegou, em sede de petição inicial que vem acumulando passivo e que, devido à crise no sector da construção civil, se confrontou com uma redução drástica do volume de trabalho e uma diminuição das margens de lucro, em virtude, desde logo, da redução da procura e do aumento do custo dos materiais de construção.

3. Alegou, ainda, nessa sede, que não laborava há meses, que deixou de pagar atempadamente os seus compromissos e perdeu credibilidade junto da banca e clientes, que não detinha estabelecimento comercial mas apenas um automóvel de valor inferior a €: 5000,00.

4. Mais alegou que o seu passivo ascendia a cerca de €: 57 379,81.

5. E, apor fim, alegou estar impossibilitada de dar cumprimento à obrigação de juntar as contas anuais relativas aos três últimos exercícios, bem como os relatórios de gestão, uma vez que “alegadamente a contabilidade da requerente não procedeu à sua elaboração, atento o facto de a requerente ter deixado de pagar os respectivos serviços”.

6. Em 02.07.2013 foi proferida sentença de declaração da insolvência da Requerida J (…), Unipessoal, Lda., a qual foi declarada com carácter limitado.

7. Por decisão proferida em 10.02.2014, por não ter sido requerido o complemento da sentença, foi declarado o encerramento do processo de insolvência da Requerida.

8. A Requerida C (…) Unipessoal, Lda. foi constituída em 23.02.2004, sendo o seu único sócio o Requerido J (…), o qual foi, ainda, gerente desde a sua constituição e até à data da declaração da insolvência, tendo o mesmo contratado os serviços de contabilidade e sendo conhecido, perante terceiros, como o representante da Sociedade Requerida.

9. O objecto social da Requerida é a construção civil, o trabalho de máquinas retro e terraplanagens e a compra e venda de imóveis.

10. Em 08.06.2012 a Requerida G (…) passou a constar no pacto social e no registo da Requerida Sociedade como sua gerente, conjuntamente com J (…)

11. Os Requeridos J (…) e G (…) são casados entre si.

12. A Requerida Sociedade apresentou contas e registou tal apresentação nos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009 não o tendo feito nos anos subsequentes e a até à declaração da sua insolvência.

13. A (…) foi TOC da Sociedade Requerida desde a sua constituição e até 20.10.2011, tendo renunciado ao cargo em virtude de a gerência não proceder à entrega de elementos contabilísticos necessários para elaboração dos balancetes, mais não tendo procedido ao pagamento dos seus honorários.

14. À data da apresentação à insolvência a Requerida apenas era proprietária de um veículo automóvel de matricula NO-94-61.

15. Em 15.02.2013 a Requerida vendeu ao Banif, S.A. as fracções autónomas identificadas pelas letras A, B, C, D, E, F, G, H e I do prédio inscrito na matriz urbana da freguesia de Oliveira de Frades sob o art. 2121 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Frades sob o nº 1664, sendo que as referidas fracções se encontravam oneradas com hipotecas a favor do adquirente.

16. A Requerida G (…)apenas iniciou a gerência da Requerida Sociedade a partir de Junho de 2012, quando esta já não laborava e apenas visando a venda dos imóveis referida em 15., venda essa que veio a intermediar em nome da Sociedade Requerida.

17. O vertido em 16. deveu-se à circunstância de o Requerido Jaime ter emigrado, nessa altura, para a Suíça em virtude de estar laboralmente inactivo em Portugal.

18. Após o referido em 16., a Requerida G (…)emigrou para a Suíça.

19. Em 2010 o Requerido J (…) foi alertado pelos serviços de contabilidade da Requerida para risco de reversão fiscal sobre si mesmo, da falta de elementos para elaborar a contabilidade e situação deficitária da Requerida Sociedade.

20. Em 2011 e antes do vertido em 13., a Requerida G (…)e o Requerido J (…) foram informados pelos serviços de contabilidade da Sociedade Requerida do buraco financeiro em que a mesma se encontrava e da inexistência de documentos com vista a elaborar as contas, tendo tido conhecimento de que não havia apresentação de contas desde 2009.

21. O pai do Requerido J (…), A (…), prestava, desde 2006 (e até 2011), no seio da Sociedade Requerida, serviços de empreiteiro, contratando sub-empreiteiros, fornecedores e outros profissionais da construção civil, visando a compra e venda dos imóveis,

22. sendo que o Requerido Jaime explorava, no seio das actividades da Requerida, sobretudo os serviços de terraplanagens da Requerida Sociedade, tendo até 2009 procedido à entrega, nos serviços de contabilidade da Requerida Sociedade, de todos os documentos com vista à elaboração de contas.

23. O pai do Requerido J (…), A (…), não apresentava ao Requerido J (…) ou aos serviços de contabilidade da Requerida Sociedade quaisquer documentos contabilísticos ou contratos, tendo sido instado para tal.

24. O Requerido Jaime conformou-se com o vertido em 23. durante o período que mediou a actividade do seu pai, A (…), no seio da Sociedade Requerida.

25. O pai do Requerido J (…), A (…) teve um AVC em Junho de 2011 encontrando-se, desde essa altura, dependente de terceiro para todas as tarefas relacionadas com a sua alimentação e higiene pessoal.

26. Os Requeridos G (…) e J (…)  residem actualmente na Suíça com os filhos.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apenas há que apreciar as questões que ali foram enunciadas.

Nessa conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Abertura do incidente de qualificação da insolvência e sua oportunidade.

- Ampliação dos temas da prova.

- Alteração da matéria de facto.

- Verificação dos pressupostos da insolvência culposa nos termos do art. 186º, nº 2, h), e 3, b), do CIRE.

- Afectação dos requeridos G (…)e J (…) , enquanto gerentes da sociedade, por essa qualificação como culposa.

2. Em relação à 1ª questão, e atentas as alegações da recorrente e suas primeiras I-III conclusões de recurso, a mesma acaba por subdividir-se em 3 questões. Vejamos então.

Primus. Com a alteração advinda da Lei 16/12, de 20.4, o incidente de qualificação de insolvência, com carácter pleno ou limitado, deixou de ter abertura obrigatória com a sentença que declara a insolvência, como decorre dos arts. 36º, nº 1, i), e 39º, nº 1, do CIRE, ao contrário do que acontecia na redacção anterior de tais preceitos. Hoje, com a prolação de tal sentença, só há lugar à abertura do referido incidente desde que o juiz disponha de elementos que justifiquem tal abertura.

O que quer dizer que com a prolação da mencionada sentença, que declara a insolvência, não se torna obrigatório abrir o indicado incidente, ao contrário do que a recorrente defende, podendo tal incidente ser aberto posteriormente pelo juiz.

Secundus. No caso dos autos o juiz na sentença que declarou a insolvência concluiu que o património do devedor não era presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente, nos termos do art. 39º, nº 1 e 9, do CIRE, pelo que a ter sido aberto incidente de qualificação de insolvência - que não foi – o mesmo teria que ter carácter limitado (nos termos do corpo do art. 191º, nº 1, do CIRE).

Posteriormente, porque nenhum interessado requereu o complemento da sentença, foi o processo de insolvência declarado por findo, nos termos do art. 39º, nº 7, b), do CIRE.

Tecnicamente, aos olhos da lei, dar-se por findo o processo de insolvência não é a mesma coisa que declarar-se o encerramento do processo. Aquela circunstância ocorre no caso daquele artigo enquanto o encerramento do processo ocorre à sombra das hipóteses previstas no art. 230º, nº 1, do CIRE. Efectivamente, o corpo do nº 1 delimita o seu campo de aplicação, restringindo-o aos factos determinantes do encerramento do processo de insolvência que se verificam na hipótese de ele prosseguir após a declaração de insolvência. Ao fazer esta ressalva o legislador tinha em mente os casos em que o processo de insolvência não segue o seu curso normal por o juiz, ao proferir a sentença declaratória da insolvência, dispor de elementos que o levam a admitir que o património do devedor é insuficiente, como se dispõe no citado art. 39º, nº 1, do CIRE (vide Carvalho Fernandes e J. Labareda, CIRE Anotado, 2ª Ed., 2013, nota 4. ao artigo 230º, pág. 874, nota 3. ao art. 232º, pág. 880 e nota 9. ao mesmo artigo, pág. 882).

Repare-se que por este art. 39º, nº 1, o juiz conclui pela insuficiência do património logo quando profere a sentença de insolvência, enquanto que na hipótese do art. 230º, nº 1, sua d) e concomitante art. 232º, nº 1, do CIRE, essa conclusão é tirada pelo administrador da insolvência já no curso do processo de insolvência, depois de proferida a sentença que declara a insolvência. Esta diferença esbate-se, todavia, face à actual redacção do art. 232º, nº 1, pois o juiz pode, hoje, também conhecer oficiosamente desse facto e declarar o encerramento do processo. Desde, obviamente, que não tenha extraído tal conclusão na sentença que declara a insolvência, como prevê o indicado art. 39º, nº 1, pois nesse caso deve, na falta de pedido de complemento da sentença, declarar findo o processo, a coberto do mencionado artigo, seu nº 7, b) - sem prejuízo da tramitação do incidente limitado de qualificação de insolvência caso tenha sido aberto.          

O que interessa neste momento dizer é que, em bom rigor, havendo diferença técnico-jurídica entre fim do processo e encerramento do processo de insolvência, como o nosso caso demonstra, não se pode propriamente falar em encerramento do processo – aliás o despacho judicial foi de dar por findo o processo à sombra do art. 39º, nº 7, b) – e querer, por isso, aplicar estrita e directamente, como a recorrente defende, o estatuído no art. 233º, nº 6, do CIRE, que estipula que ocorrendo encerramento do processo de insolvência sem que tenha sido aberto o incidente de qualificação de insolvência deve o juiz declarar expressamente, na decisão prevista no art. 230º o carácter fortuito da insolvência.   

Em terceiro lugar e por fim, cabe averiguar se o referido incidente foi oportunamente aberto, a partir da apontada circunstância de o legislador ter desobrigado a sua abertura com a prolação da sentença que declara a insolvência. E quanto a esta sub-questão a recorrente tem razão.

Na verdade, quando tal incidente de qualificação não é aberto com a sentença que declara a insolvência põe-se a interrogação de saber até quando pode ele ser aberto. Interessa ao caso concreto a norma que rege na situação de incidente de qualificação limitado.

Dispõe o referido art. 191º, nº 1, do CIRE, que ele se aplica em 2 hipóteses: ao já mencionado caso do art. 39º, nº 1; e ao caso do art. 232º, nº 5, do CIRE, em que se prevê o encerramento do processo por insuficiência da massa e em que tenha sido aberto incidente pleno de qualificação de insolvência que passa a prosseguir os seus termos como limitado se ainda não estiver terminado.

Esta 2ª hipótese não interessa agora para a nossa decisão porque o processo não foi encerrado à sombra dos ditos arts. 230º, nº 1, d) e 232º, nº 1, nem havia prévia abertura de incidente pleno de qualificação de insolvência.

Interessando, apenas, a 1ª hipótese, verifica-se que, nos termos da a) do art. 191º, o prazo para o administrador da insolvência ou qualquer interessado alegar o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa é de 45 dias contados, respectivamente, da data da sentença de declaração da insolvência. Posto, obviamente, que entretanto ou previamente o juiz não tivesse aberto oficiosamente tal incidente, o que no caso não aconteceu.          

O que vemos no caso dos autos, é que proferida a sentença que declarou a insolvência, com carácter limitado, em 2.7.2013, ninguém, juiz, administrador da insolvência ou qualquer interessado, veio alegar o que quer que fosse nos 45 dias subsequentes para efeitos de qualificação de insolvência. Portanto, decorridos tais 45 dias estava vedado abrir tal incidente de qualificação.

Ora, só muito mais tarde, em 10.2.2014, a administradora da insolvência veio produzir a sua alegação fundamentada, como o impõem o citado 191º, nº 1, a), e o art. 188º, nº 1, do CIRE, defendendo que a insolvência era fortuita, sem que o juiz tivesse conhecido dos factos alegados e considerasse oportuno abrir o incidente de qualificação, como o impunha o citado art. 188º, nº 1. E O Mº Pº só emitiu parecer, no sentido da insolvência culposa, em 4.3.2014, tendo apenas o juiz, em 10.3.2014, declarado aberto tal incidente, embora de modo dubitativo quanto à data pois não disse “declaro” aberto o incidente mas sim “declarado” aberto o incidente.

Seja como for, em 10.2.2014, por parte da administradora da insolvência, em 4.3.2014, por parte do Mº Pº e em 10.3.2014, por parte do Juiz (ou em 10.2.2014 se for entendido, o que não aceitamos, que ele considerou aberto o incidente na data em que o administradora da insolvência produziu a sua alegação) já era tarde demais para abrir tal incidente porque o prazo para tanto tinha sido há muito ultrapassado.

Desta sorte, em bom rigor interpretativo, quando se proferiu despacho em que se dizia estar “declarado” aberto o incidente de qualificação de insolvência tal abertura, por extemporaneidade, já não podia ter acontecido.

Despacho que, como interlocutório, pode agora ser objecto de recurso (art. 644º, nº 3, do NCPC). E por aplicação analógica do sobredito art. 233º, nº 6, e 185º do CIRE, tem de considerar-se face à situação apurada que a insolvência foi fortuita.       

Uma nota mais. Para quem não aceite a conclusão a que chegámos e defenda que a abertura do aludido incidente ainda se mostra tempestiva, depois de expirado aquele prazo de 45 dias, porque o juiz a final de contas o que fez foi declarar encerrado o processo, por insuficiência da massa insolvente, e a abertura do aludido incidente ocorreu dentro do subsequente período de 45 dias, previsto no citado art. 191º, a), afirmamos que não temos por bom tal entendimento.

Desde logo, porque como mais atrás salientámos, a hipótese de encerramento do processo é diferente juridicamente da de fim do processo, pois ela está prevista pelo legislador para a situação de prossecução do processo, após a sentença que declarou a insolvência, o que na situação em apreço não aconteceu, visto que, atenta a insuficiência do património do devedor e a falta de pedido de completamento da sentença, o processo foi logo dado por findo. Depois, porque exaurido o primeiro prazo de 45 dias já não pode ele contar-se de novo (vide neste sentido Carvalho Fernandes e J. Labareda, ob. cit., nota 6. ao artigo 191º, pág. 740 e A. Soveral Martins, Curso de D. Insolvência, 2015, pág. 393/394).

3. Face ao exposto e ao que se vai decidir queda inútil conhecer as restantes questões acima elencadas.

4. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Não deve confundir-se o despacho de encerramento do processo de insolvência, ainda que baseado na insuficiência da massa insolvente, ao abrigo do art. 230º, nº 1, d), e 232º, nº 1, do CIRE, facto apurado já no curso do processo, após ter sido declarada a insolvência, com o despacho que declara findo o processo, previsto no art. 39º, nº 7, b), do CIRE, por na referida sentença que declarou a insolvência o juiz ter logo concluído pela insuficiência da massa insolvente, nos termos do mesmo art. 39º, seus nº 1 e 9, e não ter sido requerido o complemento da dita sentença;

ii) Actualmente, com a alteração advinda da Lei 16/12, de 20.4, o incidente de qualificação de insolvência, com carácter pleno ou limitado, deixou de ter abertura obrigatória com a sentença que declara a insolvência, como decorre dos arts. 36º, nº 1, i), e 39º, nº 1, do CIRE, só havendo lugar à abertura do referido incidente desde que o juiz disponha de elementos que justifiquem a mesma;

iii) Declarada a insolvência com verificação judicial imediata da insuficiência da massa insolvente e não aberto, ao mesmo tempo, o incidente de qualificação da insolvência com caracter limitado (art. 39º, nº 1), o prazo para o administrador da insolvência ou qualquer interessado alegar o que tiver por conveniente para efeito de qualificação da insolvência como culposa é de 45 dias contados desde a data da sentença de declaração da insolvência (art. 191º, a), do CIRE), sob pena de não mais poder ser aberto, posteriormente a tal prazo, tal incidente de qualificação.   

 

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, indo os recorrentes J (…) e G (…) absolvidos.

*

Sem custas.

*

Coimbra, 8.9.2015

Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Maria João Areias ( com voto de vencido)

Voto de vencido:

Nas suas alegações de recurso, os apelantes declararam a sua intenção de interporem recurso da sentença que qualificou a insolvência como culposa, levantando as seguintes “questões prévias” (que no presente acórdão, surge subdividida em três):

- não tendo o tribunal, na sentença que declarou a sentença, declarado aberto o incidente de qualificação de insolvência, não podiam os autos ter prosseguido os seus termos, devendo anular-se e dar-se sem efeito todo o processado subsequente, sendo a insolvência declarada como gratuita;

- declarado o encerramento do processo por decisão de 10.02.2014, sem que até aí tivesse sido declarado aberto o incidente de qualificação de insolvência, e por aplicação do disposto na al. i) do nº1 do artigo 36º do CIRE, sempre o juiz deveria ter declarado expressamente o carater fortuito da insolvência

Nas suas alegações de recurso, seja no corpo das mesmas, seja nas suas conclusões, nunca os apelantes declararam pretender interpor recurso do despacho proferido a 10.03.2014 – pelo qual o juiz a quo considerou “declarado aberto o incidente de qualificação de insolvência”, determinando a notificação da devedora e a citação dos gerentes para se oporem nos termos do artigo 188º, nº6 do CIRE.

Devidamente citados, os requeridos/apelantes vieram deduzir oposição ao incidente de qualificação de insolvência, sem que nela tenham levantado as questões por si agora suscitadas, pela primeira vez, em sede de recurso, relativamente à omissão da declaração de abertura do incidente na sentença que declarou a insolvência, à circunstância de o despacho que declarou o encerramento do processo não ter declarado o carater fortuito da insolvência, ou à tempestividade do parecer emitido pelo Administrador judicial, e que, em seu entender, levariam à nulidade de todo o processado ou à declaração da insolvência como fortuita.

Tais questões não foram antes suscitadas nem apreciadas pelo tribunal a quo, constituindo questões novas e que, como tal, não poderiam ser objeto de apreciação por este tribunal.

Por outro lado, encontrando-se em causa a omissão ou a prática de atos que a lei não admite, as irregularidades invocadas integrar-se-iam na figura das nulidades do processo, pelo que, deveriam ter sido invocadas pelos requeridos, junto do tribunal a quo, no prazo de que dispunham para deduzir oposição ao incidente em apreço, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 195º, nº1, 199º, nº1, do CPC.

Em consequência, não conheceríamos das invocadas “questões prévias, passando ao conhecimento das demais questões suscitadas pelo apelante.

                                                                             

Maria João Areias