Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1519/13.9TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: SUB-ROGAÇÃO
CREDOR
DEVEDOR
PRESSUPOSTOS
EFEITOS
CRÉDITO CONEXO DE REGRESSO
Data do Acordão: 03/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU – 4.º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 606º Nº1 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1 - A lei admite que o credor se substitua (sub-rogue) ao devedor no exercício de direitos ou poderes que a este último competem, desde que se verifiquem os 3 seguintes pressupostos: que faça valer contra o terceiro um direito de conteúdo patrimonial; que haja inércia do devedor; e que tal substituição se apresente como essencial à satisfação ou garantia do direito do credor.

2 - Substituição (sub-rogação) que não aproveita apenas ao credor que a exerce, mas a todos os credores; uma vez que os bens entram ou reentram no património do devedor em benefício de todos os credores.

3 - Não pode assim o credor exercer tal faculdade legal quando o invocado crédito do seu devedor é um crédito “conexo” e de regresso, dependente, na sua constituição e no seu “quantum”, da satisfação, ainda não efectuada, do “crédito principal”.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A... e marido, B... , por si e em representação do filho menor C... , todos residentes na Rua (...), Viseu, intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário (hoje, processo comum), contra D... e esposa, E... , residentes na Rua (...), Viseu, pedindo que estes sejam:

“ (…) condenados a pagarem, por via da referida sub-rogação da sociedade F..., Lda., credora daqueles, em face do alegado direito de regresso, as seguintes quantias:

A) À autora A... as seguintes quantias:

- € 27.159,18, a título de danos patrimoniais, a que acrescem os respectivos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data da citação da aludida sociedade, F..., Lda., na acção referida no art. 5.º deste petitório, até integral pagamento; e

- € 30.000,00, a título de danos não patrimoniais, a que acrescem os respectivos juros de mora que se vencerem, à taxa legal, desde a data da Sentença proferida na acção mencionada no art. 5.º deste petitório até integral pagamento;

B) Aos autores A... e B... a quantia global de € 1.099,40 (€ 240,00 + € 496,40 + € 363,00), a título de danos patrimoniais, a que acrescem os respectivos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data da citação da aludida sociedade, F..., Lda., na acção referida no art. 5.º deste Petitório até integral pagamento;

C) Ao autor C... (representado pelos seus pais) a quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais, a que acrescem os respectivos juros de mora que se vencerem, à taxa legal, desde a data da sentença proferida na acção mencionada no art. 5.º deste petitório até integral pagamento;

D) Os juros vencidos, à taxa legal, desde aquelas citação e sentença, respectivamente, até hoje (05/05/2013), no montante de €9.775,12 (€6.652,14+ €2.446,03+€269,28+€407,67), sobre as quantias devidas aos AA.;

E) Os juros vincendos, a partir desta última data (05/05/2013), até integral pagamento (…)”

Alegaram para tal, em síntese, que são credores – dum montante indemnizatório fixado por sentença, transitada em julgado, proferida em anterior acção – da firma F..., Lda., a qual, enquanto R. em tal anterior acção, fez intervir acessoriamente, invocando acção de regresso (pelo prejuízo causada pela perda que tal anterior acção lhe poderia causar) contra eles, os aqui RR.. Assim, não tendo a firma F..., Lda. pago aos AA. a indemnização em que foi condenada (em tal anterior acção), tendo-os os AA. executado sem sucesso (não encontraram bens livres capazes de satisfazer o seu crédito), vêm, “nos termos do art. 606.º do Código Civil, os ora A.A. exercer contra os ora R.R. aquele seu direito [de regresso] aos danos patrimoniais e não patrimoniais, em que a dita sociedade foi condenada”.

Os RR. contestaram, invocando, muito em resumo, a inadmissibilidade da sub-rogação e a caducidade do exercício da mesma.

Findos os articulados, foi a instância declarada regular, após o que, entendendo o Exmo. Juiz que os autos contêm todos os elementos para uma decisão de mérito da causa, passou de imediato a apreciá-la e a proferir sentença em que, a final, julgou improcedente a acção e absolveu os RR. do pedido.

Inconformados com tal decisão, interpuseram os AA. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que mande prosseguir os autos.

Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

1.ª – É possível, legalmente, aos AA. lançarem mão da presente acção contra os RR., para obterem destes o pagamento peticionado;

2.ª – Tal pedido pode ser exercido directamente contra os ora RR., em face da vinculação destes, perante a F..., Lda., de realizarem os trabalhos, defeituosos, no imóvel em questão, que foram a causa directa e necessária das lesões e dos prejuízos, consubstanciados naquele;

3.ª – Na presente acção, os AA. exercem um direito próprio e não como substitutos ou representantes daquele F..., Lda.;

4.ª – A entender-se o contrário, necessitando o F..., Lda. de, previamente, pagar os montantes peticionados aos AA. e só depois exigir o reembolso (pagamento aos ora RR., seria impedir, em definitivo, a obtenção pelos AA. daquela indemnização/direito, em face da impossibilidade fáctica de aquela empresa poder dispor de tais quantias para proceder àquele pagamento prévio);

5.ª – Tal pagamento prévio e posterior exigência de reembolso poderá entender-se no caso de uma mera acção sub-rogatória (indirecta ou oblíqua) e não, como na presente acção, perante o caso de actuação (directa) dos AA. junto dos RR., responsáveis, únicos e exclusivos, pelos danos causados e pelos montantes atribuídos;

6.ª – Em suma, não se está, in casu, perante uma mera expectativa de aquisição de um direito pelos AA. contra os ora RR., mas antes na situação e exercício de um direito subjectivo, já existente, à indemnização arbitrada por via da responsabilidade extracontratual dos ora RR., causadores dos danos em questão;

7.ª – A sentença recorrida, ao julgar improcedente a acção e absolvendo os RR. do pedido, violou, ou fez errada interpretação, do disposto nos arts. 606.º e 10.º, n.º 3, ambos do CC.;

8.ª – Deverá, pois, dando-se provimento ao recurso, ser revogada, julgando-se a acção procedente, com as demais consequências legais.

Os RR. responderam, terminando as suas contra-alegações sustentando, em síntese, que a decisão recorrida não violou qualquer norma substantiva, designadamente as referidas pelos recorrente, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II – Fundamentação de Facto

Os elementos de facto relevantes para a decisão são os seguintes:

A) Na PI, os AA. alegaram o seguinte:

1º - Os ora A.A. propuseram contra F..., Lda., acção de condenação, sob a forma ordinária, que correu termos por esse Tribunal sob o n.º 1368/07.3TBVIS (1.º Juízo Cível), pedindo a condenação desta a pagar-lhe determinadas quantias, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais;

2.º - Com efeito, e como causa de pedir de tal acção, alegaram os A.A. que, por uma deficiente colocação do gradeamento de uma das varandas da sua casa de habitação (fracção autónoma), que haviam comprado àquela sociedade (que construiu o respectivo imóvel), a A. mulher caiu desamparada no chão, sofrendo várias lesões, que lhe determinaram, a ela e ao seu marido e filho, aqueles danos patrimoniais e não patrimoniais;

3.º - Aquela sociedade contestou aquele pedido, tendo, entretanto, requerido a intervenção dos ora R.R. naquela acção (n.º 1368/07.3TBVIS), com base no eventual direito de regresso que a mesma teria sobre estes, em caso da sua condenação no pedido, em virtude de terem sido eles a fornecer e a fixar aquele gradeamento;

4.º - Ficou provado na referida acção ordinária que, efectivamente, aquela colocação/fixação do gradeamento em causa foi levada a cabo, pelos ora R.R., de modo deficiente, daí resultando a sua queda, causa adequada daqueles danos patrimoniais e não patrimoniais dos ora A.A.;

5.º - Veio a acção (n.º 1368/07.3TBVIS) a ser julgada parcialmente procedente e aquela Ré sociedade condenada a pagar:

a) “à autora A... as seguintes quantias:

- €27.159,18, a título de danos patrimoniais, a que acrescem os respectivos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data da citação até integral pagamento; e

- €30.000,00, a título de danos não patrimoniais, a que acrescem os respectivos juros de mora que se vencerem, à taxa legal, desde a data da presente sentença até integral pagamento”;

b) “aos autores A... e B... a quantia global de €1.099,40 (€240,00 + €496,40 + €363,00), a título de danos patrimoniais, a que acrescem os respectivos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data da citação até integral pagamento”; e

c) “ao autor C... (representado pelos seus pais) a quantia de €5.000,00, a título de danos não patrimoniais, a que acrescem os respectivos juros de mora que se vencerem, à taxa legal, desde a data da presente sentença até integral pagamento”;

6.º - Tal sentença transitou em julgado;

7.º - Sendo que a mesma constitui caso julgado, quanto aos ora R.R., relativamente às questões de que pudesse depender o dito direito de regresso sobre si da sociedade F..., Lda. (Cfr. arts. 330.º, n.º 2 e 332.º, n.º 4, ambos do CPC);

8.º - Ora, como aquela Ré sociedade não tivesse pago as quantias em que foi condenada, tiveram os A.A. de instaurar a competente execução contra a mesma (Cfr. Doc. n.º 3 que juntam);

9.º - Porém, vieram a deparar-se com a manifesta insuficiência de bens da executada, a penhorar (Cfr. Doc. n.º 4 que juntam);

10.º - Com efeito, do seu património conhecido faziam/fazem parte apenas dois bens imóveis, a saber:

a) Prédio rústico, composto de terra de regadio, com videiras e oliveiras, sito ao “ (...)”, freguesia de (...), concelho de Viseu, inscrito na respectiva matriz sob o art. 3910.º e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o n.º 6041; e

a) Prédio rústico, composto de terra de pinhal e mato, sito ao “ (...)” ou “ (...)”, freguesia de (...), concelho de Viseu, inscrito na respectiva matriz sob o art. 5465.º e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o n.º 3916;

11.º - Sobre os quais impendiam/impendem vários encargos/ónus a favor de terceiros, nomeadamente da Fazenda Nacional (Cfr. Docs. n.ºs 5 e 6 que juntam);

12.º - De modo que, ao fim e ao cabo, é mais do que seguro que os A.A. nada virão a receber da dita sociedade, por inexistência de património da mesma, susceptível de penhora e venda, naquela execução;

13.º - Daí a necessidade da presente acção;

14.º - Na verdade, nos termos do art. 606.º do Código Civil, têm os ora A.A. a faculdade de exercer contra os ora R.R. aquele seu direito aos danos patrimoniais e não patrimoniais, em que a dita sociedade foi condenada;

15.º - Por este “direito” ter, manifestamente, natureza “patrimonial”, que competia àquela sociedade exercer e, em face da inacção desta, a “faculdade” de os A.A. o fazerem contra os ora R.R., por via do direito de regresso;

16.º - Sendo que tal “sub-rogação indirecta” daquela sociedade pelos ora A.A. sobre os ora R.R. é essencial à satisfação do direito à indemnização dos A.A. (Cfr. n.º 2 do cit. art. 606.º do CC) e mostra-se necessária, em face da inércia daquela sociedade, que, para cumprimento daquela sentença condenatória e em face da inexistência/insuficiência do seu património, tinha a obrigação de já ter accionado os ora R.R., por via do direito de regresso, para satisfazer aquela “obrigação”, em que foi condenada, relativamente aos A.A. (Cfr. Ac. do TRC de 17-01-2006, in www.dgsi.pt).

Nos termos expostos, e nos mais de direito aplicável, deve a presente acção ser julgada procedente e os r.r. condenados a pagarem, por via da referida sub-rogação da sociedade F..., Lda., credora daqueles, em face do alegado direito de regresso, as seguintes quantias: (…)”

B) A decisão proferida e sob recurso é do seguinte conteúdo:

Aos autores foi reconhecido um direito de crédito sobre a sociedade “ F..., Lda.”, através de sentença proferida no âmbito da acção declarativa nº1368/07.3TBVIS que correu termos no 1º Juízo Cível, a qual transitou em julgado.

No âmbito da acção referida foram os ora réus admitidos a intervir de forma acessória por se entender que a ali ré teria um eventual direito de regresso sobre os aí chamados e ora réus.

De acordo com o nº1 do art. 606º, nº1 do C. Civil “Sempre que o devedor o não faça, tem o credor a faculdade de exercer, contra terceiro, os direitos de conteúdo patrimonial que competem àquele, excepto se, por sua própria natureza ou disposição da lei, só puderem ser exercidos pelo respectivo titular” e o nº2 do mesmo artigo estabelece que “A sub-rogação, porém, só é permitida quando seja essencial à satisfação ou garantia do direito do credor.”

A admissibilidade desta acção sub-rogatória resulta da ideia de que “parece razoável que os credores possam defender-se contra a inacção do seu devedor, de que resulte perderse, diminuir ou deixar de aumentar o seu património.” – Vaz Serra, in Responsabilidade Patrimonial, BMJ nº75, pag. 37 citado por Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 622. Todavia, o interesse do credor tem que ser definido por uma insolvência efectiva ou o agravamento da insolvência do devedor, já que só em tal circunstância a sub-rogação é essencial à satisfação ou garantia do direito daquele.

Segundo Vaz Serra, in Op. Cit, pag. 159, a acção sub-rogatória “deve ser encarada como uma acção meramente conservativa. Mesmo que o credor pretenda pagar-se desde logo, a acção sub-rogatória fica distinta da execução, da qual é então um simples meio preparatório. A acção sub-rogatória não conduz a que o credor, querendo obter imediatamente a satisfação do seu crédito, se aproprie com esse fim dos bens ou dos valores que o devedor, sem a acção sub-rogatória, teria deixado perder. O credor tem apenas um poder de execução sobre o património do devedor e deve, por isso, fazer primeiro entrar ou reentrar os bens neste património. É certo que a iniciativa da acção lhe pertenceu, mas exerceu-a pelo devedor”

Existe, porém, uma questão prévia. Para que o devedor possa deixar de agir por inacção, é, em primeiro lugar, necessário que estejam reunidos os pressupostos para que ele possa agir. Ora, à devedora “ F..., Lda.” é reconhecido um direito de acção por via de regresso sobre os ora réus. Sublinhe-se que isso implica a consideração de que estes não tinham direito a intervir na causa a título principal. Como refere Mário Júlio Almeida Costa, in Direito das Obrigações, pag. 826, “Pela sub-rogação, transmite-se um direito de crédito existente, ao passo que o direito de regresso significa o nascimento de um direito novo na titularidade da pessoa que no todo ou em parte, extinguiu uma anterior relação creditória (art. 524º) ou à custa de quem esta foi extinta (533º)” O direito de regresso, portanto, só existirá na esfera jurídica da devedora dos ora autores, a sociedade “ F..., Lda.”, quando esta tenha pago aos aqui autores o montante no qual foi condenado. Ora, isso torna de todo inviável a acção sub-rogatória, na medida em que isso mesmo é o que pretendem os credores, agora autores. Ou seja, o que se deve ponderar é se os ora autores/credores podem exercer a acção pela devedora, isto é, nos mesmos termos em que a devedora o poderia fazer. A verdade é que não podem porque esta também o não poderia fazer sem antes ter satisfeito o crédito dos autores. E se o tivesse feito os autores não teriam interesse em propor a acção sub-rogatória. Por aqui se constata a impossibilidade lógica de se lançar mão desta acção sub-rogatória quando o devedor tem um direito de regresso sobre um terceiro directamente relacionado com o crédito que se visa conservar.

Nesta conformidade, e pelo exposto, julgo improcedente a presente acção e consequentemente, absolvo os réus do pedido.

C) No corpo da alegação recursiva, os AA/recorrentes sustentaram, entre outras coisas, o seguinte:

Os A.A., no caso sub judice, não estão, propriamente, a substituir-se à F..., Lda., mas antes a exercer um direito próprio contra os R.R..

Na verdade, tal como o entende João Cura Mariano (in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, pág. 197 e segs.), a admissibilidade desta acção sub-rogatória nem sequer está dependente de uma “previsão legal específica”.

In casu, a “especial configuração de determinadas relações negociais” entre a F..., Lda., os A.A. e os ora R.R. (contrato de compra e venda entre os A.A. e a F..., Lda. e a relação sub-contratual entre esta e o R. marido) leva a aceitar que existe “uma relação directa” entre os R.R. e os ora R.R., por existir uma manifesta “interligação entre o contrato base e o subcontrato”.

Ou seja, atenta, na presente acção, a pressuposta e verificada “conexão funcional entre os dois contratos”, em face da vinculação do ora R. marido, perante a F..., Lda., de realizar aqueles trabalhos, defeituosos, no imóvel vendido aos A.A., que foram causa directa e necessária das lesões da A. mulher, cuja indemnização está consubstanciada no pedido dos A.A., parece evidente que tal pedido pode ser exercido directamente contra os ora R.R. .

Tanto mais que, estando-se, in casu, em sede de responsabilidade extracontratual dos R.R. perante os A.A., por via da comprovada negligência na execução defeituosa dos trabalhos de colocação da “varanda”, que levou à queda da A. mulher e às lesões e danos, objecto desta acção, é também evidente que existe uma solidariedade passiva dos R.R. perante os A.A. .

Assim, até pelo recurso à integração (Cfr. art. 10.º, n.º 3, do CC), tem de, in casu, concluir-se pela legitimidade dos A.A. em recorrer à presente acção, para obterem dos R.R. o pagamento das quantias peticionadas.

Sem o que – convenhamos – estariam os A.A. impedidos de vir a receber tais quantias de quem é, e foi, afinal, o responsável directo pelo deflagrar do “sinistro”, que vitimou a A. mulher e causou todos os danos peticionados.

Na presente acção, não se está perante um mero caso de “sub-rogação indirecta ou oblíqua”, mas, antes, repete-se, perante um caso de direito próprio dos A.A. em irem junto dos R.R. obter o pagamento dos danos de que eles (o R. marido) foram causa directa e necessária.

A entender-se o contrário, como o fazem os R.R. e a sentença recorrida, seria impedir, em definitivo, que os A.A. obtenham o pagamento da indemnização por aqueles prejuízos, já que a F..., Lda., insolvente na prática, jamais poderá pagar, previamente, aquele montante (da indemnização) aos A.A. para, de seguida, ir exigi-lo dos R.R., por via do direito de regresso… .

Tal “situação” e “injustiça”, flagrante, não pretendeu, seguramente, o legislador. E daí, pelo menos, o recurso à “integração” da lacuna da lei, possibilitando aos A.A. a presente acção contra os R.R., para o recebimento daquela indemnização, tanto mais que o seu “fundamento”, repete-se, está ligado, directamente, à actuação negligente, e exclusiva, do R. marido.

De referir, por último, que nem a lei, nem a doutrina, mesmo a invocada na sentença recorrida, nem a jurisprudência, impedem tal “analogia”, pois, uma coisa é, em suma, a acção sub-rogatória (indirecta) outra, diversa, é a acção directa do credor (no caso, os A.A.) contra quem (no caso os R.R.) é responsável pelo pagamento do seu crédito (indemnização).

Ou, por outras palavras:

Os A.A. não estão, in casu, perante uma situação de “mera expectativa” de aquisição de um direito de “regresso” pela F..., Lda. (com prévio pagamento deste aos A.A. da aludida indemnização…) contra os ora R.R., mas antes na de exercício de um direito subjectivo já existente, de obterem a indemnização do responsável extracontratual (os ora R.R.), causador dos danos em questão.

*

*

*

III – Fundamentação de Direito

A 1.ª nota é, naturalmente, sobre o conteúdo surpreendente de parte significativa da peça recursiva dos AA/apelantes.

Não é compreensível, em face do que invocaram na PI, que os AA/apelantes digam o que dizem na alegação recursiva; daí que – para que não haja dúvidas sobre os motivos da nossa incredulidade – tenhamos procedido à transcrição (com sublinhados nossos) do que alegaram na PI e do que agora vêm dizer na peça recursiva.

Repare-se – sem pretender repetir tudo o que já foi transcrito – que os AA/apelantes dizem na PI, de várias maneiras, que vêm em substituição da F..., Lda. exercer o crédito de regresso que esta tem sobre os aqui RR.; dizem explicitamente que, “nos termos do art. 606.º do Código Civil, têm a faculdade de exercer contra os ora R.R. aquele seu direito aos danos patrimoniais e não patrimoniais, em que a dita sociedade foi condenada” e que actuam “ (…) em face da inacção desta”; concluindo mesmo a dizer que “tal “sub-rogação indirecta” daquela sociedade pelos ora A.A. sobre os ora R.R. é essencial à satisfação do direito à indemnização dos A.A. (Cfr. n.º 2 do cit. art. 606.º do CC) e mostra-se necessária, em face da inércia daquela sociedade, que, para cumprimento daquela sentença condenatória e em face da inexistência/insuficiência do seu património, tinha a obrigação de já ter accionado os ora R.R., por via do direito de regresso, para satisfazer aquela “obrigação”, em que foi condenada, relativamente aos A.A.”.

E de tal maneira é/foi assim que nada os AA/apelantes alegaram sobre os detalhes factuais do evento danoso, limitando-se a referir os termos conclusivos da anterior condenação (por responsabilidade contratual, como claramente resulta de fls. 23 destes autos, da sentença em que foi proferida tal condenação) que, também o invocam, “constitui caso julgado quanto aos ora RR.”

Não obstante, vêm agora, na peça recursiva, sustentar que não intentaram a acção sub-rogatória do art. 606.º do C. Civil; dizendo que “ (…) não estão, propriamente, a substituir-se à F..., Lda., mas antes a exercer um direito próprio contra os R.R.”; que estamos “em sede de responsabilidade extracontratual dos R.R. perante os A.A.”, que “ (…) não se está perante um mero caso de “sub-rogação indirecta ou oblíqua”, mas, antes, repete-se, perante um caso de direito próprio dos A.A. em irem junto dos R.R. obter o pagamento dos danos de que eles (o R. marido) foram causa directa e necessária (…)”.

Não pode ser!

A instância processual tem um objecto que fica estável – quanto às pessoas, causa de pedir e pedido – com a citação do réu (cfr. 260.º do NCPC).

O processo – as peças processuais – é um momento em que deve haver verdade, lealdade, boa fé, seriedade, probidade; e, sendo o processo escrito, quem nele diz hoje uma coisa e amanhã o seu contrário só acaba, com tal comportamento errático, por contribuir para o descrédito de tudo o que diz.

É em certa medida o caso; embora não sejam exactamente os factos, mas a configuração jurídico-processual dos mesmos, que estão em causa.

Efectivamente, o modo como os AA/apelantes procuraram alterar a causa de pedir – de modo completamente irregular (cfr. 264.º e 265.º do NCPC) – na alegação recursiva, vindo negar o que alegaram/invocaram na PI e procurando dar à PI uma configuração processual que a mesma, de todo, não possui, é sintomático da “desconfiança” que passaram depositar no que antes haviam invocado na PI.

Esquecendo a finalidade dos recursos; que os mesmos visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento, que são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamentos de questões novas.

Isto dito, debrucemo-nos sobre o objecto válido do presente recurso:

A acção, tal como a PI se apresenta, é inquestionavelmente uma sub-rogação do credor ao devedor do art. 606.º do C. Civil; os AA. vêm procurar substituir-se à sua devedora (à F..., Lda.) no exercício dos direitos desta contra terceiros (os aqui RR/apelados).

Esta acção – sub-rogação do credor ao devedor – é um dos remédios legais destinados à salvaguarda dos interesses dos credores[1]; e tem em vista evitar que a inacção do devedor possa afectar a consistência prática da garantia patrimonial do credor.

Com tal acção a lei admite que o credor – defendendo-se da inércia do devedor – se substitua ao devedor no exercício de direitos ou poderes que a este último competem e que ele se abstém de efectivar; é isto que se quer dizer com a sub-rogação do credor ao devedor[2].

Estabelecendo a lei, para o seu exercício, 3 pressupostos ou requisitos:

1.º - Que se façam valer contra terceiros direitos de conteúdo patrimonial[3];

2.º - Que haja inércia do devedor; traduzida quer numa inactividade consciente quer num esquecimento ou falta de atenção (isto é, exclui-se o procedimento sub-rogatório quando o devedor se encontre a exercer diligentemente os direitos em causa)[4].

3.º - Que seja essencial; que se apresente como indispensável à satisfação ou garantia do direito do credor (606.º/2 do C. Civil)[5].

Dizendo também a lei que, quando o credor actua judicialmente pelo devedor, será necessária a citação dele (608.º do C. Civil)[6]; exigência que tem uma dupla função: assegurar à decisão judicial eficácia de caso julgado em relação ao devedor e permitir a este – que é o verdadeiro titular do direito exercido pelo credor – a defesa dos seus interesses.

E dispondo ainda a lei – quanto aos efeitos (art. 609.º do C. Civil) – que “ a sub-rogação exercida por um dos credores aproveita a todos os demais”. O que quer dizer que, uma vez efectivada a sub-rogação, os bens entram ou reentram no património do devedor em benefício de todos os credores e do próprio devedor; que é um meio conservatório da garantia patrimonial que não aproveita apenas ao credor que o utiliza[7].

Assim sendo, face aos requisitos/pressupostos e aos efeitos acabados de expor, é a acção de sub-rogação no caso vertente inviável e por isso bem andou a decisão recorrida ao julgar, findos os articulados, a acção improcedente.

Efectivamente, não se verifica o 2.º requisito referido, isto é, não há/houve inércia da F..., Lda. no exercício do seu crédito contra os aqui RR..

E não há/houve inércia desde logo porque ainda não há crédito; que só nasce – por via de regresso – quando a F..., Lda. tiver sofrido o prejuízo consistente no pagamento da indemnização aos aqui AA./apelantes; o que, evidentemente, ainda não aconteceu.

Raciocínio este que, reconhece-se, parece à primeira vista formal e falacioso; uma vez que, dir-se-á, exigir que a F..., Lda. já tenha sofrido o prejuízo (isto é, já tenha pago a indemnização aos aqui AA./apelantes) para os AA/apelantes poderem vir com a presente sub-rogação é algo contraditório, uma vez que no exacto momento em que tal suceder (e por causa disso) deixam os AA/apelante de ter necessidade de recorrer à presente sub-rogação; ou seja, dir-se-á, com tal raciocínio está é a vedar-se aos AA/apelantes o exercício de tal faculdade legal.

Mas é justamente assim; num caso como o presente – em que está em causa um crédito de regresso (em que a sua constituição e o seu “quantum” dependem da satisfação do “crédito principal”, que, por sua vez, gera o crédito “conexo” e de regresso) – não se vê como é que os AA. possam exercer tal faculdade legal.

Como resulta do já referido, a propósito dos efeitos da sub-rogação (art. 609.º do C. Civil), o pedido da acção não pode consistir em os aqui RR. pagarem aos aqui AA. a indemnização devida pelos RR ao devedor dos AA.

O credor que se prevalece da sub-rogação invoca um direito do devedor, pelo que os bens terão o destino que lhes caberia se o direito fosse exercido pelo seu titular; ou seja, a sub-rogação aproveita a todos os credores[8], o montante indemnizatório devido entrará no património do devedor em benefício de todos os credores e do próprio devedor.

O que significa, encurtando razões, que não se sabe qual é a parte de tal montante que irá/ia beneficiar os aqui AA. e só neste medida haverá/haveria crédito de regresso, o que, naturalmente, nos remete, também em relação ao “quantum” do crédito de regresso, para uma equação insolúvel.

Com o que apenas procuramos reforçar que o que parece ser uma solução formal e falaciosa é mesmo a única solução possível.

É pois completamente inútil:

Mandar os AA/apelantes suprir a ilegitimidade consistente em não fazerem intervir na acção o seu devedor (como expressamente é imposto pelo art. 608.º do C. Civil);

Mandar os AA/apelantes corrigir o pedido, de acordo e em função dos efeitos da sub-rogação constantes do art. 609.º do C. Civil;

Mandá-los expor/concretizar melhor a relação conexa (por reporte à relação principal, única discutida e decidida na acção anterior), entre a sua devedora e os aqui RR.; uma vez que só a relação principal fez parte do objecto da anterior acção (cfr. sentença anterior-fls. 43 destes autos).

Uma vez que, seja como for, corrigida ou não, sempre a presente acção de sub-rogação estará votada ao insucesso.

Não por afastarmos a possibilidade de, em tese, poder ser construída, por recurso à analogia (art. 10.º/1 do C. Civil), uma hipótese de sub-rogação directa do comprador sobre o subempreiteiro do vendedor/empreiteiro (em linha com o defendido, por Cura Mariano[9], para a relação entre o dono da obra e o subempreiteiro); embora, em tal hipótese, observa-se, continuássemos na responsabilidade contratual, estando assim o seu exercício sujeito ao cumprimento de prazos de denúncia do defeito, de caducidade de direitos e de garantia geral[10].

Mas sim por tal questão não se colocar; uma vez que, como já explicámos, a presente acção não é uma sub-rogação directa do comprador sobre o subempreiteiro (ou uma acção por responsabilidade extra-contratual), mas sim, clara e indiscutivelmente, como os AA/apelantes deixaram bem escrito no art. 16.º da PI, é a “sub-rogação indirecta” daquela sociedade pelos ora A.A. sobre os ora R.R. (…) (Cfr. n.º 2 do cit. art. 606.º do CC) e mostra-se necessária, em face da inércia daquela sociedade, que, para cumprimento daquela sentença condenatória e em face da inexistência/insuficiência do seu património, tinha a obrigação de já ter accionado os ora R.R., por via do direito de regresso, para satisfazer aquela “obrigação”, em que foi condenada, relativamente aos A.A.”

É pois quanto basta para dizer que improcede “in totum” o que os AA/apelantes invocaram e concluíram na sua alegação recursiva, o que determina o naufrágio da apelação e a confirmação do sentenciado na 1ª instância.
*
IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.

Custas, em ambas as instâncias, pelos AA/apelantes.

Coimbra, 25/03/2014

 (Barateiro Martins - Relator)

 (Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)


[1] Os outros são, consabidamente, a declaração de nulidade, a impugnação pauliana e o arresto.

[2]Também designada sub-rogação propriamente dita, indirecta ou oblíqua; em que o credor age na qualidade de representante ou substituto legal do devedor, tudo se passando como se os actos fossem praticados por este. (figura diversa é a chamada sub-rogação directa, mediante a qual o credor exerce em nome próprio um direito do seu devedor, fazendo-se pagar por um devedor deste; a sub-rogação directa não é admitida pela lei com carácter generalizado, mas só em certos casos excepcionais – arts. 794.º e 803.º)” Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 4.ª ed., pág. 586/7. Identicamente, Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, pág. 62 a 65; e Brandão Proença, Lições de Cumprimento e não Cumprimento, pág. 405 a 410 (maxime, 409).
[3] Pressuposto/requisito explicitamente visado no art. 15.º da PI transcrita em A).
[4] Pressuposto/requisito explicitamente visado nos art. 15.º e 16.º da PI transcrita em A).
[5] Pressuposto/requisito explicitamente visado nos art. 9.º, 11.º, 12.º e 13.º da PI transcrita em A).

[6] É um caso de litisconsórcio necessário – cfr. Antunes Varela, C. Civil Anotado, Vol. 1.º, 4.ª ed., pág. 622 a 625; Almeida e Costa, Menezes Leitão e Brandão Proença, obras e locais citados.

[7]Mostra esta disposição que a procedência da acção sub-rogatória não tem como consequência a entrada de bens no património do credor; os bens entram no património do devedor em benefício de todos os credores e em benefício do próprio devedor. Os credores funcionam como substitutos processuais do devedor” Antunes Varela, C. Civil Anotado, Vol. 1.º, 4.ª ed., pág. 622 a 625.
[8] Não é como na impugnação pauliana, cuja ineficácia aproveita apenas ao credor que a haja intentado.
[9] Obra referida pelos AA/apelantes, pág. 195 a 199.

[10] Convindo lembrar, a tal propósito, que o evento danoso ocorreu em Janeiro de 2006 – isto é, os contratos de compra e venda e de subempreitada são necessariamente anteriores – e a presente acção entrou em 10/05/2013; ou seja, a hipótese de sub-rogação directa do comprador sobre o subempreiteiro, admitindo que pode ter suporte legal, era algo que os AA/apelantes não deviam ter aguardado tanto tempo para intentar. O mesmo se podendo/devendo dizer sobre o exercício da responsabilidade civil extracontratual – que também não é o caso da presente acção – sujeito aos prazos de prescrição do art. 498.º do C. Civil.