Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
310/12.4JAAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CACILDA SENA
Descritores: INTERESSE EM AGIR
ASSISTENTE
RECURSO
MEDIDA DA PENA
PEDIDO CÍVEL
FUNDAMENTAÇÃO
CRIME
LEGITIMIDADE PASSIVA
DEMANDADO CIVIL
Data do Acordão: 02/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA (JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL DE ÍLHAVO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 68.º, 71.º, E 73.º, N.º 1, DO CPP
Sumário: I - Não tendo o assistente invocado, no recurso interposto da sentença do tribunal da 1.ª instância, qualquer interesse específico ou vantagem na aplicação, ao arguido, de uma pena mais elevada, distinto das finalidades públicas da aplicação da pena, não se pode dizer que a decisão foi proferida contra o recorrente e que existe interesse em agir relevante que possa integrar o pressuposto de admissibilidade do recurso nesta parte.

II - Os responsáveis meramente civis referidos no n.º 1 do artigo 73.º do CPP são aqueles que têm obrigação de indemnizar independentemente de culpa, por força da transferência legal de responsabilidade ou de responsabilidade pelo risco.

III - Não sendo a causa de pedir, relativa a pedido deduzido contra determinada sociedade exploradora do parque de campismo onde ocorreu um crime de natureza sexual perpetrado pelo arguido, fundada na prática desse ilícito, mas na falta de condições de segurança e vigilância do espaço físico referido, carece a demandada de legitimidade passiva.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª secção, criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:
I - RELATÓRIO

No processo supra identificado, foi submetido a julgamento, A... , completamente identificado nos autos.

Discutida a causa, veio o Tribunal Colectivo a proferir sentença na qual decidiu:

A)- Absolver o arguido A... da prática do crime de violação agravada na forma tentada quanto à menor B... (sem prejuízo da sua condenação pela prática do crime de coacção sexual agravada) e também absolvê-lo da agravação quanto ao crime de sequestro e da qualificação quanto ao crime de ofensa à integridade física (sem prejuízo da condenação pela forma simples destes dois crimes);

Na mesma sentença condenou-se o arguido pela prática dos seguintes crimes

B) - Um crime de coacção sexual agravada, na forma consumada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 163º, nº 1 e 177º, nº 6, do Código Penal, quanto à menor B..., na pena de três anos de prisão;

C) - Um crime de violação agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 164º, nº 1, al. b), e 177º, nº 5, do Código Penal, quanto à menor C..., na pena de cinco anos de prisão;

D) - Um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º, nº 1, do Código Penal, na pena de nove meses de prisão;

 E) - Um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal na pena de um ano e seis meses de prisão;

F) - Um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143º, nº1, do Código Penal, na pena de um ano de prisão

G) – Em cúmulo jurídico, das sobreditas penas, foi o arguido condenado na pena única de sete anos de prisão.

Parte cível:

H) - condenar o arguido/demandado a pagar à menor C..., representada pela sua mãe D..., a quantia de 15.172,57 (quinze mil cento e setenta e dois euros e cinquenta e sete cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescidos dos juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, do mais peticionado o absolvendo;

I)- condenar o arguido/demandado pagar à menor B..., representada pelo seu pai E..., a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, do mais peticionado o absolvendo;

J)- absolver a demandada F..., SA do pedido contra si formulado por C..., representada pela sua mãe D...;

*

Inconformados com o assim decidido, vieram recorrer a assistente, C..., representada por sua mãe D... (admitida a intervir nos autos como assistente em representação de sua filha, por despacho de fls. 353) fls.1017 a 1072, e também o arguido fls. 1084 a1103.

A assistente terminou a sua pretensão recursiva com as seguintes

Conclusões:

1. No que concerne à matéria de facto insurge-se a Recorrente quanto aos pontos 13 e 24 da matéria de facto dada como provada e alíneas e,f,g,h,i,j,k,l,m e o da matéria de facto dada como não provada, considerando que tais factos foram incorrectamente julgados.

2. No que concerne ao ponto 13 dos factos dados como provados, entende a Recorrente que foi tal facto incorrectamente dado como provado na parte em que prevê espaço vedado do Parque de Campismo.

3. Na verdade, não se poderá concluir da prova produzida em sede de discussão e julgamento que o parque de campismo se encontrava vedado em toda a extensão.

4. Resultando aliás o contrário, das declarações pelo arguido prestadas em que o mesmo descreve a forma como entrou no parque, que o mesmo não se encontrava adequadamente vedado de forma a impedir a entrada de intrusos não campistas – veja-se o depoimento do arguido A..., gravado no sistema integrado de gravação digital do habilus media studio, na audiência realizada no dia 05-06-2013, com início às 10:05:30 e fim às 11:03:50, nomeadamente, o excerto gravado de 00h07m25s a 00h08m32s do depoimento.

5. Acresce que, também a testemunha G... (cujo depoimento se encontra gravado no sistema integrado de gravação digital do habilus media studio, na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 17-06-2013, com inicio às 14:50:33 e fim às 15:20:02), descreve como o muro lateral do parque é baixo e permite a fácil entrada através do mesmo – vide 00h24m59s a 00h25m54s de tal depoimento.

6. Ora, quer o arguido, quer a testemunha G... confirmam que o parque não se encontrava vedado em toda a área que o rodeia, confirmando além disso que o muro se encontrava baixo, sendo fácil o acesso ao parque,

7. Nestes termos entende a recorrente que mal andou o tribunal a quo ao dar como provado o ponto 13. nos termos em que o fez, entendendo de facto a recorrente qe deverá o ponto 13 dos factos provados ser alterado, passando a ter a seguinte redacção: “13 – Durante a madrugada do dia seguinte, 23 de Agosto de 2012, cerca das 5 horas, o arguido introduziu-se no interior do espaço do Parque de Campismo da (...), situado na (...), (...), tendo para o efeito saltado uma zona de muro sem vedação, dirigindo-se para junto de um dos blocos de sanitários aí existentes, permanecendo no exterior de tal bloco, junto à entrada para as instalações sanitárias destinadas a utentes do sexo feminino”.

8. Quanto ao ponto 24 dos factos dados como provados, entende a Recorrente que a matéria constante de tal ponto não resultou efectivamente provada da prova produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente dos depoimentos pelas testemunhas prestados e demais provas existentes nos autos e reproduzidas em julgamento.

9. De facto entende a Recorrente ser incorrecta a referência a que foi alertada a segurança do parque, quando na realidade quem foi alertado foi o porteiro do parque que se encontrava na recepção e não qualquer segurança do parque, isso mesmo resultando dos depoimentos prestados.

10. Além disso, não corresponde também à verdade que tenham sido dois dos funcionários do parque de campismo que tenham acorrido aos sanitários para ajudar a ofendida, mas sim o porteiro do parque de campismo e o campista L....

11. Resultando o ora alegado nomeadamente de depoimento da testemunha I... (gravado no sistema de gravação digital, na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 05-06-2013, com inicio às 12:11:32 e fim às 12:24:03, vide excerto gravado do minuto 00h00m22s a 00h03m10s), bem como do depoimento da testemunha J... (gravado no sistema integrado de gravação digital, na audiência realizada no dia 05-06-2013, com início às 11:53:39 e fim às 12:10:10 – vide excerto gravado do minuto 00h02m30s a 00h04m28s).

12. Ora, de tais depoimentos resulta que foi alertado o porteiro do parque de campismo e que foi este em conjunto com o campista L... , quem arrombou a porta das instalações sanitárias.

13. Apenas tendo posteriormente o funcionário do parque J...que não se encontrava ao serviço, mas que se encontrava a dormir no parque, sido chamado pelo porteito I... para o ajudar na situação.

14. Pelo que, entende a Recorrente que julgou mal o Tribunal a quo a matéria de facto neste ponto, devendo assim o ponto 24. dos factos dados como provados ser alterado, passando o mesmo a ter a seguinte redacção: “ 24 – Tendo o campista L... ouvido os gritos da ofendida, alertou o porteiro I..., tendo ambos acorrido àquelas instalações sanitárias e arrombado a respectiva porta”.

15. Relativamente às alíneas e,f,h,i,j e o, dos factos provados, entende a Recorrente que foram os mesmos incorrectamente dados como não provados, impondo-se assim também a sua alteração.

16. Assim, no que concerne aos factos constantes das alíneas e,f,h,i, e j, entende a Recorrente que para além de resultarem tais factos do depoimento prestado nomeadamente pela testemunha G... (depoimento gravado na audiência de 17-06-2013 com início às 14:50:33 e fim às 15:20:02 – vide excertos gravados de 00h09m12s a 00h12m47s a 00h18m15s a 00h21m48s), resulta do senso e experiência comuns que tais circunstâncias são consequências normais resultantes da situação a que foi sujeita a menor C....

17. Na verdade, do depoimento de G..., pai da ofendida, resultou que a menor ficou profundamente alterada e revoltada com a situação por que passou de violação e sequestro, tendo tal situação deixado marcas profundas que determinaram a alteração do seu dia a dia e da sua personalidade.

18. Determinando em consequência também a alteração da sua forma de relacionamento com terceiros e a dificuldade da mesma na sua convivência familiar e social.

19. Situação essa relatada pelo pai da ofendida na primeira pessoa, ao referir as dificuldades de contacto e de diálogo que passou a ter com a ofendida, mas também as dificuldades desta de contacto e diálogo com terceiras pessoas, nomeadamente com amigas.

20. Relatando a testemunha que a ofendida perdeu algumas amigas em consequência da sua alteração de comportamento fruto dos factos sobre si praticados pelo arguido.

21. Ora, conjugando a gravidade da situação pela qual a ofendida passou, com o depoimento por esta testemunha prestado e com a experiência comum, que permite concluir que perante estes factos qualquer outra pessoa sofreria trauma semelhante, entende a Recorrente que mal andou o tribunal a quo ao dar tais factos com não provados.

22. Pelo que, deverá a matéria de facto ser alterada, sendo as alíneas e,f,h,i,e j., eliminadas dos factos não provados e acrescentadas nos factos provados, passando assim a constar nos factos provados:

- A menor C... ainda revela revolta;

- A menor C... ainda hoje não deixa que ninguém lhe toque e nem permite que exista contacto físico com quem quer que seja;

- A menor C... durante toda a sua vida vai ter presente os factos ocorridos, os quais vão pesar em qualquer relacionamento que venha a ter;

- Os factos praticados pelo arguido causaram danos psicológicos irreversíveis na menor C...;

- O arguido privou a menor C... da sua liberdade não apenas naquele dia mas durante toda a sua vida;

23. Por outro lado, entende a Recorrente existir contradição entre o facto dado como provado na alínea O) e o ponto 46 dos factos dados como provados.

24. Na verdade, consta do ponto 46 dos factos provados que a menor acorda frequentemente com sobressaltos, não fazendo desta forma um sono descansado.

25. Nestes termos, há contradição entre o ponto 46 dos factos provados e a alínea O) dos factos não provados.

26. Entendendo a Recorrente que deverá ser eliminada a alínea O) dos factos não provados, sendo acrescentado aos factos provados o seguinte: - Desde a data dos factos a menor C... nunca mais teve uma noite de sono descansado.

27. Também a alínea g) dos factos não provados entende a Recorrente ter sido matéria de facto documental dos autos.

28. Na verdade, conta nos autos o Relatório Clínico elaborado em 24 de Agosto de 2012 pelo Hospital de Aveiro, Centro Hospital Baixo Vouga., EPE, o qual inclusivamente foi junto como documento nº1 com o pedido de indemnização pelo Recorrente formulado.

29. Resultando de tal relatório que foi o arguido também para Hospital de Aveiro e que estando identificado como agressor da menor C... foi sujeito a análises para se verificar da possibilidade da menor ter sido infectada com alguma doença infecto-contagiosa – vide fls. 3 e 4, bem como folhas 2 do relatório clínico onde consta o plano de acompanhamento da situação.

30. Ora, resulta de forma indubitável de tal relatório que o arguido é portador de Hepatite C, pelo deverá ser acrescentado aos factos provados o seguinte facto, sendo o mesmo eliminado dos factos não provados: - O arguido é portador de hepatite C.

31. Quanto à alínea k) dos factos dados como não provados, entende a Recorrente que também tal facto foi incorrectamente julgado, tendo contrariamente ao constante do douto acórdão recorrido sido produzida prova que permita ao tribunal concluir que efectivamente o parque não se encontrava devidamente vedado, nem protegido da entrada indevida de pessoas.

32. Quanto a tal ponto assume especial relevância o depoimento prestado pelo própria arguido, A..., (gravado no sistema integrado de gravação digital, na audiência de discussão e julgamento realizado no dia 05-06-2013, com início às 10:05:30 e fim às 11:03:05 – vide Excerto gravado do minuto 00h07m25sa00h08m32 s), bem como depoimento prestado pela testemunha G... (depoimento gravado na audiência realizada no dia 17-06-2013, com início às 14:50:33 e fim às 15:20:02 – excerto gravado do minuto 00h25m54s).

33. Ora, de tais depoimentos resulta sem margem para dúvidas que o muro circundante do parque de campismo, para além de ser baixo, permitindo o fácil acesso pelo exterior não tinha em algumas partes, nomeadamente na parte utilizada pelo arguido para entrar qualquer vedação.

34. Pelo que, deverá também neste ponto ser alterada a matéria de facto, sendo eliminada a alínea k dos factos não provados e acrescentando aos factos provados o seguinte: “ O muro envolvente do parque de campismo tinha pelo menos uma zona onde era baixo, permitindo o fácil acesso ao interior do parque de campismo pelo exterior através da transposição de tal muro, não existindo vedação nessa zona.”

35. Quanto à alínea I dos factos dados como não provados, entende a recorrente que em face da prova produzida deveria tal facto ter sido dado como provado.

36. De facto, no que concerne à alínea I foi referido por diversas testemunhas que habitualmente apenas se encontravam dois porteiros no parque de campismo, cabendo a um ficar na entrada do parque e a outro fazer rondas.

37. Veja-se o depoimento da testemunha J...(gravado na audiência de 05-06-2013, com início às 11:53:39 e fim às 12:10:10 – excerto gravado de 00h00m20s a 00h01m24s e de 00h09m54sa00h12m02s); da testemunha G..., (gravado na audiência de julgamento realizada no da 17-06-2013, com início às 14:50:33 e fim às 15:20:02 – excerto gravado de 00h22m25s a 00h23m29s); da testemunha I... (gravado na audiência de 05-06-2013, com início às 12:11:32 e fim às 12:24:03 – excerto gravado de 00h05m48s a 00h06m52s) e da testemunha M... (gravado na audiência realizada no dia 20-06-2013, com início às 15:03:34 e fim às 15:11:18 – excerto gravado de 00h01m04s a 00h01m22s e de 00h05m52s a 00h07m17s).

38. Ora, de tais depoimentos resulta que habitualmente encontrar-se-ão dois funcionários do parque ao serviço, sendo de facto as testemunhas indicadas unânimes em referir tal questão.

39. Pelo que, deve a alínea l) dos factos não provados, acrescentando-se um ponto aos factos provados, com a seguinte redacção: “O parque de campismo tem habitualmente apenas dois porteiros ao serviço.”

40. Quanto à alínea m) dos factos dados como não provados, também tal matéria deveria ter sido levada à matéria de facto dada como provada.

41. Na verdade, apesar de ser referido que em conjunto com o funcionário do parque de campismo, I... se encontrava ao serviço também um Sr. N..., este funcionário nunca apareceu nos presentes autos.

42. Sendo que, apesar da situação ocorrida ter gerado grande confusão no parque de campismo, tal funcionário não apareceu para ajudar, ninguém o tendo visto e não sendo sequer testemunha nos presentes autos.

43. Tendo o funcionário I... que se encontrava ao serviço, de se socorrer da ajuda de um campista do parque e de chamar a testemunha J..., o qual apesar de ser funcionário do parque de campismo não se encontrava sequer a trabalhar.

44. Sendo que, a encontrar-se a trabalhar no dia e hora dos factos o funcionário N..., o mesmo teria inevitavelmente tido qualquer tipo de intervenção na situação em apreço, tendo certamente comparecido para ajudar na situação e sido arrolado com testemunha.

45. Contudo, nada disso aconteceu, sendo apenas o seu nome referido, mas não aparecendo e mesmo em quaisquer circunstâncias.

46. Acresce que, é também a testemunha G... referido que foi o próprio N... quem lhe admitiu não estar ao serviço nessa noite – vide depoimento de G... gravado no dia 17-06-2013, com início às 14:50:33 e fim às 15:02:02 – excerto gravado de 00h22m25s a 00h24m56s.

47. Igualmente resultando da conjugação dos restantes depoimentos, mas mis precisamente das testemunhas J...(depoimento gravado na audiência de 05-06-2013, com início às 11:53:39 e fim às 12:10:10 – excerto gravado de 00h09m54s a 00h12m02s) e I... (depoimento gravado na audiência de 05-06-2013, com inicio às 12:11:32 e fim às 12:24:03 – excerto gravado de 00h00m23s a 00h01m30s; de 00h02m50s a 00h03m18s; de 00h04m35s a 00h05m34s e 00h08m16s a 00h10m08s).

48. Descrevendo a título de exemplo a testemunha J...que se encontravam dois funcionários ao serviço, mas alegando depois durante o seu depoimento não ter a certeza e não sabendo explicar onde estará o N....

49. Além disso, a testemunha I... refere ter chamado J...para o ajudar, não sabendo onde estaria o N..., tendo assim a recepção ficado sem ninguém a controlar as entradas.

50. Nestes termos, entende a Recorrente que tal facto foi incorrectamente julgado, pelo que, deverá o mesmo ser eliminado dos factos não provados e acrescentando aos factos provados, passando assim nos factos provados a constar o seguinte ponto: “Na data e hora da ocorrência dos factos encontrava-se no parque apenas um porteiro na recepção do mesmo, não existindo mais ninguém a patrulhar o parque”.

51. Acresce que, no que concerne ainda à matéria de facto, entende a recorrente verificar-se uma omissão de pronúncia do douto acórdão recorrido, atendendo a que, o artigo 86º do pedido de indemnização cível, apesar de ser matéria alegada pela recorrente e sobre a qual foi produzida prova, não consta nem nos factos provados nem nos não provados.

52. Tendo o tribunal a quo tomado a sua decisão no que concerne ao pedido de indemnização civil e à alegada responsabilidade do parque de campismo sem considerar toda a matéria alegada e sobre a qual foi produzida prova.

53. Com interessa para este facto prestou depoimento nomeadamente a testemunha J..., cujo depoimento se encontra gravado na audiência de 05-06-2013, com início às 11:53:39 e fim às 12:10:10 – excerto gravado de 00h12m58s a 00h13m15s.

54. Ora, resulta assim que tendo sido produzida  prova quanto a tal facto, teria necessariamente o tribunal a quo de se ter pronunciado sobre o mesmo.

55. Pelo que, considerando o depoimento da testemunha J..., e de forma a sanar tal vício, entende a recorrente que deverá ser acrescentado aos factos provados o seguinte facto: “ O parque de campismo apenas tem câmaras de vigilância na entrada e não nas outras zonas do mesmo”.

56. Versa o presente recurso também sobre matéria de direito.

57. Sendo que, em primeiro lugar, entende a recorrente que considerando a alteração da matéria de facto no que concerne à alínea g) dos factos não provados, a qual como referido supra se entende que deverá passar a facto provado, se impõe a reanálise e ponderação da medida da pena.

58. Com efeito, foi considerada a circunstância agravante da ofendida C... ser menor de 16 anos – n~5 do artigo 177º do CPP.

59. Não tendo contudo sido considerada a circunstância do arguido ser portador de hepatite C, doença sexualmente transmissível.

60.Nestes termos e tendo as agravações quer do nº3, quer do número 5 do referido artigo 177º, o mesmo efeito agravante, ou seja 1/3 da pena, teriam ambas as circunstâncias de ser consideradas, uma para a agravação da pena e outra na valoração da medida da pena efectiva a aplicar.

61. Contudo, tal não ocorreu, não tendo o tribunal a quo considerado sequer no douto acórdão recorrido a circunstância do arguido ser portador de doença sexualmente transmissível.

62. Nestes termos, e com o devido respeito por entendimento diverso entende o recorrente que errou o tribunal a quo, o que deverá determinar a alteração do douto acórdão recorrido e mais concretamente da pena aplicada ao arguido pela prática deste crime, sendo a referida circunstância valorada na medida da pena.

63. Por outro lado, não ode a recorrente concordar com a pena em concreto aplicada ao arguido, entendendo não se adequar a mesma à gravidade do crime praticado.

64. Entendendo além disso a Recorrente não se adequar a pena às finalidades previstas no artigo 40º do Código Penal, nem ao disposto no artº 71º do mesmo diploma legal.

65. Ora, no caso em apreço, e considerando a moldura penal aplicável, entende a recorrente que a pena em concreto fixada para o crime de violação agravado pelo arguido praticado não é adequada a garantir quaisquer das finalidades referidas, nem é adequada à culpa pelo arguido revelada.

66. Na verdade, sendo a moldura penal de 4 anos a 13 anos e 4 meses e tendo sido fixada a pena de 5 anos, a pena em concreto fixada, encontra-se muito próxima do seu mínimo legal.

67. Contudo, o arguido que não demonstrou sequer qualquer arrependimento em audiência de discussão e julgamento, revela, como resulta dos próprios autos uma propensão para a prática de crime deste género, principalmente atendendo ao facto de ser toxicodependente.

68. Apresentando uma atitude desculpabilizante dos seus comportamentos, pelo que, não apresenta após a prática dos factos uma verdadeira interiorização da gravidade dos factos por si praticados e a vontade de mantar um comportamento adequado às normas.

69. Isso mesmo resulta do relatório psiquiátrico realizado ao arguido e constante dos presentes autos e ainda do douto acórdão recorrido, nomeadamente dos factos provados, ponto 35, bem como do relatório de perícia sobre a personalidade do arguido, elaborado pela Direcção Geral de Reinserção Social, Equipa Baixo Vouga – vide nomeadamente fls. 9/14 e fls, 12/14.

70. Ora, as necessidades de prevenção geral em crimes de violação são já por si bastante elevadas, atendendo ao aumento da prática de crimes desse género.

71. Contudo, no caso em apreço as necessidades de prevenção especial apresentam-se muito elevadas, demonstrando de facto nomeadamente os relatórios efectuados que o arguido apresenta propensão para a continuação de prática de crimes deste género, atendendo a que desvaloriza as situações e as emoções das vítimas, desculpabilizando-se.

72. Ora, também a culpa do arguido se apresenta no caso em apreço bastante elevada como resulta do exposto supra, apresentando o arguido um dolo directo e elevado.

73. Pelo que, considerando o exposto, nunca a pena a aplicar ao arguido se poderia situar, como aconteceu, tão próximo do mínimo legal.

74. Sendo que, considerando como referido supra as necessidades de prevenção especial, a culpa do arguido e demais circunstâncias que depõem contra o arguido, bem como a moldura penal de 4 anos a 13 anos e 4 meses, sempre a pena a aplicar em concreto se deveria fixar mais próximo do meio da moldura penal.

75. Pelo que, deverá o douto acórdão recorrido ser alterado, sendo em concreto aumentada a pena aplicada ao arguido pela prática do crime de violação agravada.

76. No que concerne ao pedido de indemnização cível, não concorda a recorrente com o montante de indemnização arbitrado à demandante a título de danos não patrimoniais, nem com a absolvição da demandada F... S.A. do pedido de indemnização formulado.

77. No que concerne ao montante de indemnização, veio o tribunal a quo a fixar a título de danos não patrimoniais apenas o montante de € 15.000,00.

78. Contudo, como exposto supra, entende a recorrente que deve ser alterada a matéria de facto no que concerne às alíneas e, f, h, i, e j dos factos provados, sendo tais factos acrescentados à matéria de facto dada como provada.

79. Sendo que, devendo tais factos ser dados também como provados, também os mesmos implicam por si só que seja atribuída indemnização a título de danos não patrimoniais superior, atendendo a que demonstram tais factos o profundo impacto dos factos pelo arguido praticados na vida da menor C..., no passado 8desde a data da prática do crime até agora), no presente e no futuro.

80. Pelo que, sendo certo que, não visa a indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais ressarcir a vítima de qualquer prejuízo, mas sim compensá-la pela sua dor e sofrimento, é também certo que se deve ter aqui em conta a gravidade dos factos praticados, bem como a tenra idade da menor e assim o peso e marcas que esta situação terá na sua vida futura, nomeadamente no seu normal relacionamento com terceiros.

81. Sendo que, como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 01/12/2012, proc. nº 6/06.6PTLRA.C1,referindo-se aos danos não patrimoniais, “o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica”.

82. Nestes termos e considerando o supra exposto, entende a recorrente que deve o douto acórdão recorrido ser alterado, sendo o montante de indemnização a título de danos não patrimoniais fixado na quantia de € 25.000,00.

83. No que concerne à absolvição do pedido de indemnização de F..., Lda., foi tal empresa demandada na qualidade de entidade que explorava o parque de campismo à data dos factos praticados contra a menor C....

84. Contudo, veio tal empresa a ser absolvida do pedido de indemnização com o fundamento de que não demonstrou a demandante que houve qualquer incumprimento por parte da empresa F... das suas obrigações legais de segurança e vigilância do parque.

85. Ora, com resulta do exposto quanto à matéria de facto, entende a recorrente que tal conclusão derivou do incorrecto julgamento pelo tribunal a quo da matéria de facto.

86. Sendo que, contrariamente ao que o tribunal considerou, entende a recorrente que resultou devidamente provado que a empresa que explorava o parque de campismo incumpriu com as suas obrigações de vigilância e segurança.

87. Pelo que, alterada a matéria de facto nos termos indicados e requeridos no ponto III, 3.1, 3,2, 3.4, 3.5, 3.6 e 3.7 do presente recurso, entende a recorrente que se encontram demonstrados os fundamentos que determinam a responsabilidade da F....

88. De facto, próprio arguido admitiu que entrou no parque de campismo de forma fácil através de um muro lateral, revelando-se assim fácil o acesso de intrusos ao interior do parque de campismo.

89. Por outro lado, foi referido por testemunhas que não existe qualquer equipamento de vigilância no parque, para além do existente na entrada e que apenas é habitual estarem dois funcionários de serviço, sendo que na noite dos factos apenas um se encontrava com toda a certeza ao serviço. Na portaria do parque de campismo.

90. Ora, considerando todos estes factos e as obrigações que sobre o parques de campismo impendiam nos termos do Dec.Lei 1320/2008 de 17 de Novembro, nomeadamente as resultantes dos artigos 8º e 23º de tal diploma legal, resulta de forma clara que não cumpriu a F... as obrigações que se lhe impunham.

91. O que permitiu a fácil entrada do arguido no parque de campismo e assim na prática dos factos melhor descritos nos autos sobre a ofendida C..., sendo assim a F... também responsável da ofendida dos danos sofridos.

92. Pelo que. Deverá o douto acórdão recorrido ser alterado, sendo a demandada condenada solidariamente com o arguido ao pagamento da indemnização devida a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

93. Impondo-se no demais a alteração do douto acórdão recorrido nos termos que vêm expostos.

94. Assim, e ao decidir de forma que o fez, foram pelo tribunal a quo violados os artº 40º, 71º, 177º nº3 todos do Código Penal, artigo 483º do Código Civil e artº 8º e 23º do Decreto-Lei 1320/2008 de 17 de Novembro.

*

Por seu turno, o arguido, formulou as seguintes

Conclusões

1. O recorrente considera incorrectamente valorados os meios de prova produzidos e carreados aos autos, que errou as dar como provados os factos 1 a12; 13 a 17e 23 do Acórdão.

2. Bem como a aplicação, ao caso concreto, da medida da pena de prisão efectiva, nomeadamente por erradamente ter condenado o arguido em dois crimes, quando o deveria ter absolvido do crime de coacção sexual contra o ofendida B... e não condenar o arguido pelo crime de violação agravada contra a ofendida C..., antes devendo neste caso condená-lo por coacção sexual.

3. Quanto aos crimes de que vem acusado, relativamente à menor B... o tribunal a quo valorou fortemente o reconhecimento de pessoa feito pela menor (fls. 25 a 27 do apenso 536/12.0GBILH, do dia 29/10/2012), mas de forma errada.

4. Porque este reconhecimento padece de grave vício que afecta e prejudica material e formalmente, de forma irreparável.

5. O colectivo não valorou convenientemente a prova testemunhal de O...., efectuado em sede de audiência de Julgamento, no dia 17/06/2013, pelas 15:31:20, a partir do minuto 8:03 até, final, que veio confirmar a existência de um “reconhecimento informal ao arguido” feito no dia 23 de Agosto de 2012, na GNR, que inquina o verdadeiro reconhecimento, no qual o tribunal a quo baseou a condenação do arguido quanto aos crimes de que vinha acusado em relação à menor B... (crime de coação sexual e crime de roubo).

6. Assim, este reconhecimento não poderá ser valorado, porque no dia seguinte aos alegados factos a menor foi levada a reconhecer informalmente o arguido, na GNR, o que viola definitivamente os pressupostos de legalidade do reconhecimento, nos termos do artigo 147º do CPP.

7. Mais ainda, o tribunal recorrido não valorou os depoimentos das testemunhas S..., T..., U... .

8. As três testemunhas referiram com firme certeza e convicção de que viram o arguido na manhã do dia 22 de Agosto de 2012, no pátio da casa de seus pais.

9. Referiram que o arguido se encontrou ali a dormir toda a manhã e de que não houve a mínima possibilidade de o mesmo se ter ausentado daquele espaço.

10. Logo, o arguido não podia estar em dois locais ao mesmo tempo e desta forma não poderia ter sido ele a praticar os factos que ocorreram no dia 22 de Agosto de 2012 no passadiço (...).

11. Mais ainda, mesmo que se provasse que foi o ora recorrente quem cometeu os factos sobre a menor B..., não parece que possa resultar dos autos que ele tivesse cometido o crime de coacção sexual.

12. Ora, o facto da menor ter sido tocada no peito enquanto o alegado agressor lhe tentava roubar a máquina fotográfica não parece suficiente para configurar o crime de coacção sexual previsto e punido pelo artigo 163º do CP.

13. Certo é que o agressor roubou uma máquina fotográfica, e que para tal derrubou a menor e a agarrou, altura em que lhe poderá ter tocado na zona do peito e feito baixar ligeiramente os calções, com a pressão das suas pernas, mas tudo para lhe retirar o objecto que pretendia roubar.

14. Relativamente aos crimes de que foi acusado e condenado quanto à menor C..., pensa a defesa que o arguido não deveria ter sido condenado pelo crime de violação (artigo 164º), por inexistirem provas convincentes de que introduziu os dedos na vagina da vítima C....

15. O Acórdão erra ao dar como provados os factos 13 a 17 e 23. Na verdade, as transcrições dos testemunhos do arguido e da ofendida C... teriam que afastar os factos provados 13 a 17, dado que se tem de considerar provado, ao invés, que o arguido se encontrava naquele local (casa de banho do parque de campismo) somente para consumir substâncias ilícitas, não sabendo que a menor se encontrava igualmente lá dentro. Ele foi surpreendido quando consumia drogas, o que o levou a actuar de forma errada e criminalmente condenável, mas não premeditou qualquer crime de cariz sexual contra a C..., muito menos violação.

16. E nunca o crime de violação (artº 164º do CP erradamente aplicado ao caso concreto) porque resulta dos relatórios médicos que há uma total ausência de lesões na vagina da menor C....

17. Havendo apenas uma eritremia na região externa da vulva.

18. Sem qualquer sinal de lesão traumática na vagina.

19. Prova inequívoca que resulta de exames médicos realizados por peritos isentos do Instituto de Medicina Legal, que constam do processo e que não foram todos, na devida conta pelo Tribunal A quo.

20.Nos termos plasmados no Acórdão do STJ de 03/05/2010 (Processo 544/08.6JACBR) deixou-se perfeitamente expresso que inexistindo introdução dos dedos no interior da vagina não estamos perante o crime de violação mas sim de coacção sexual.

21. Perante este pressuposto jurisprudencial, entende o arguido que não se encontram preenchidos os pressupostos legais previstos para o crime de violação previsto e punido no artigo 164º CP.

22. Refira-se ainda que, o acórdão agora recorrido parece ter considerado, erradamente, que nessa zona genital se encontrou perfil genético misturado compatível com o do arguido, o que não é verdade.

23. Tal somente foi encontrado nas manchas de sangue da roupa da menor, mas que em nada têm a ver com o crime de violação.

24. Nunca foi encontrado na zona vulvar, da menor C..., perfil genético masculino, somente se encontrou um perfil genético singular feminino (fls. 348 e ss).

25. Assim, nunca o arguido poderia ter sido condenado pelo crime de violação, mas apenas pelo crime de coacção sexual.

26. Esta valoração constitui assim um erro de apreciação desta prova pericial e documental por parte do colectivo que elaborou o acórdão ora recorrido. (ver folhas 89,93 o documento nº1 do pedido de indemnização cível da menor C..., folhas 348 e seg.). O facto 23 do Acórdão não poderia ter sido dado como provado.

27. Ou seja, as perícias médico-legais, nas suas conclusões, não deixam qualquer dúvida de que a zona vaginal não tem qualquer lesão, e não deixam qualquer dúvida de que inexiste na zona genital da menor C... qualquer perfil genético misturado compatível com o arguido. Assim, o Acórdão errou ao valorar estas provas no sentido da condenação do arguido.

28. Arguido que, diga-se, se encontra livre de qualquer dependência de substâncias ilícitas, tendo feito tratamentos, o que deverá ser igualmente valorado por Vxas.

29. Assim, o Acórdão recorrido padece de erros na apreciação da matéria de facto: Na prova testemunhal, fez-se as transcrições por escrito das passagens que foram erradamente valoradas ou interpretadas nas presentes alegações, assim como se concretizou qual a prova pericial e documental erradamente valorada, para além do erro na valoração do reconhecimento do arguido, feito pela menor B... (artigo 412º nº3 a e b do CPP)

30 – Do ponto de vista do recorrente, o Acórdão recorrido padece de erros na apreciação da Matéria de Direito (artigo 412º nº2 do CPP): O Acórdão violou os artigos 163º e 164º do CP, assim como o princípio in dubio pro reo. Não deveria ter sido aplicado o crime pp no artigo 163º do CP, no caso da menor B..., antes devendo ser aplicado ao caso concreto o crime de furto, mas nunc a devendo ser condenado o arguido, por existirem dúvidas fundadas de que foi ele quem cometeu tal crime, atenta a impossibilidade de aplicabilidade do artigo 147º do CPP. Quanto ao crime p.p. pelo artigo 164º, não deveria ter sido aplicado, antes devendo este ser substituído pelo crime p.p. no artigo 163º, no caso da ofendida C....

31. Todos estes fundamentos confluem para que o recorrente não possa deixar de alertar Vxas para os vícios na apreciação da matéria de facto e na errada aplicação dos artigos legais aos factos (1 a 12, 13 a 17 e 23) em que incorre o Acórdão recorrido, não podendo assim o recorrente concordar com a douta decisão recorrida, que por isso deverá ser alteada, nos termos dos artigos 399º, 401º, nº1b), 406º nº1, 410º nº2ª) e c), 411º nº4, 413º nº2, 412º nº2ª) b) e nº3 (e artº 364º nº2) do Código de Processo Penal.

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O recurso foi recebido.

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O Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao recurso do arguido, fls. 1126, defendendo que o recorrente não cumpriu os ónus que lhe são impostos pelo artº 412º nº3 do CPP, defendendo nesta parte a rejeição do mesmo.

Que invocou mal os vícios do artº 410º nº2 do CPP, confundindo-os com a apreciação da prova; que o reconhecimento foi feito com observância do formalismo legal, e que o depoimento da menor B... não deixa dúvidas quanto a ser o arguido o autor dos factos e por fim que face á fundamentação da sentença não há lugar para a aplicação do princípio in dubio pro reo, e quanto ao factos praticados contra a menor C... as provas valoradas não deixam qualquer dúvida que eles ocorreram como foram dados como assentes.

Quanto á pena defende que ela foi justa e equilibrada.

O mesmo Magistrado respondeu a fls. 1135 ao recurso da assistente C... representada por sua mãe D..., defendendo a improcedência do recurso quanto à matéria de facto.

E quanto à pena defende não existir fundamento para a sua agravação.

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A demandada F... respondeu ao recurso da assistente C... defendendo circunstanciadamente, o acerto do julgamento da matéria de facto, concluindo que cumpriu todas as normas de segurança a que estava obrigada e que, por isso deve ser absolvida do pedido contra ela formulado.

Já nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, louvando-se na resposta do Ministério Público em primeira instância, emitiu Parecer, no sentido do improvimento.

Defendendo, assim a improcedência de ambos os recursos.

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Corridos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir

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I – FUNDAMENTAÇÃO

Da audiência de discussão e julgamento resultaram os seguintes

Factos provados:

1- No dia 22.08.2012, cerca das 11 horas da manhã, B..., nascida em 27.08.1999, seguia, sozinha, pelo passadiço da zona dunar da Praia (...), na (...), no sentido (...)/ (...).

2- O arguido, encontrando-se nas imediações, ao ver que a B... seguia sozinha e que não se encontravam por ali outras pessoas que pudessem vê-los, começou por segui-la no seu percurso, acabando por se lhe dirigir numa altura em que a mesma atravessava a zona das dunas em direcção ao areal e ao mar, a pretexto de lhe perguntar onde ficava a praia (...) – assim se aproximando da mesma.

3 - Quando a B... lhe respondeu que tal praia era aquela onde se encontravam, o arguido agarrou-a por um braço, rasteirou-a e empurrou-a, fazendo-a cair ao chão.

4 - Com a B... caída de costas, o arguido sentou-se sobre as suas pernas, na zona das coxas, por forma a mantê-la imobilizada, com uma das mão tapou-lhe a boca, para a impedir de gritar por auxílio, ao mesmo tempo que lhe ordenava que se calasse.

5 - Com a outra mão, o arguido apalpou os seios da B..., após o que tentou despir-lhe os calções que a mesma trajava, puxando-os para baixo – o que a ofendida resistiu, contorcendo-se e apertando as pernas uma contra a outra.

6 - Nessa ocasião, a B... logrou rodar o rosto por forma a ficar com a boca destapada, gritando por socorro.

            7 - Vendo que um casal se aproximava e temendo ser surpreendido em tais comportamentos e detido, o arguido largou a B... e fugiu do local.

8 - Antes de fugir, o arguido pegou numa máquina fotográfica digital, de marca “Sony”, que a B... levava na mão.

9 - A B... tentou evitar que o arguido se apoderasse de tal máquina, agarrando-a com força, mas o arguido puxou-lha da mão e, dada a sua superior força física, logrou forçar aquela a abrir mão da mesma.

10 - Estando a B... amedrontada com o anterior comportamento do arguido, e temerosa de qual poderia ser a reacção do mesmo, não opôs qualquer outra resistência a que aquele se apoderasse de tal máquina – logrando assim o arguido levar tal objecto consigo e fazê-lo seu.

11- O arguido agiu do modo descrito, com intenção de praticar contra a B... acto de natureza sexual, bem sabendo que para tanto contra ela usava de violência física e a colocava em situação de não se poder defender e bem assim que a mesma tinha idade inferior a catorze anos.

12- Mais agiu o arguido com o propósito de se apoderar e fazer sua a referida máquina fotográfica, que tinha o valor patrimonial de pelo menos €200,00, bem sabendo que a mesma não lhe pertencia e que agia contra vontade da sua legítima dona, mais sabendo que se apoderava de tal objecto mediante uso de violência contra a B....

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13 - Durante a madrugada do dia seguinte, 23 de Agosto de 2012, cerca das 5 horas, o arguido introduziu-se no interior do espaço vedado do Parque de Campismo da (...), situado na (...), (...), dirigindo-se para junto de um dos blocos de sanitários aí existentes, permanecendo no exterior de tal bloco, junto à entrada para as instalações sanitárias destinadas a utentes do sexo feminino.

14 - Poucos minutos depois, C..., nascida em 30.08.1997, que ali se estava acampada a passar férias com o seu pai dirigiu-se para aquelas instalações sanitárias e aí entrou, o que o arguido presenciou, mais se apercebendo de que a mesma se encontrava sozinha no interior das referidas instalações e de que ninguém se encontrava nas imediações.

15 - Então, o arguido formulou o propósito de forçar a C... a sujeitar-se à prática de actos de cariz sexual.

16- Em função disso, o arguido entrou também nas mesmas instalações sanitárias, fechando a porta que dá acesso ao exterior e correndo o respectivo trinco, assim a deixando trancada, por forma a impedir que alguém ali entrasse e que a C... facilmente lograsse abri-la e fugir do local.

17- O arguido esperou que a C... saísse do compartimento sanitário de uso individual pela mesma utilizado, altura em que a abordou, falando para ela e oferecendo-lhe para fumar uma substância não concretamente apurada que consigo tinha.

18 - Tendo a C... recusado e fazendo menção de sair daquelas instalações, o arguido agarrou-a por um braço e continuou a falar para ela – não percebendo a mesma o que este dizia, porquanto não compreende português.

19 - A menor C... estava então com medo do que o arguido poderia fazer-lhe, mas tentou não demonstrar tal medo, por forma a não despoletar naquele uma reacção violenta.

20 - Porém, o arguido puxou-a pelo braço, denotando querer fazer com que a mesma se dirigisse para as cabines individuais de duche, razão pela qual a C... começou a desconfiar de que aquele pretenderia praticar contra si acto de natureza sexual e tentou libertar-se do mesmo.

21 - Nessa altura, o arguido começou a apalpar os seios da C... e, porque a mesma começou a gritar, empurrou-a contra uma parede, encostando-se à mesma por forma a mantê-la contra tal parede com a força do seu corpo, bem como lhe tapou a boca com uma das mãos e apertou-lhe o nariz com a outra, chegando mesmo a colocar grande parte da sua mão dentro da boca da ofendida.

22 - A menor C..., que se debatia para se libertar, acabou por cair para o chão, ficando deitada de costas e com a nuca encostada á parede, colocando-se o arguido sobre a mesma, com uma perna de cada lado do seu corpo e de joelhos no chão, agarrando-a pelo pescoço com uma das mãos.

23 - Então, o arguido colocou a outra mão no interior da roupa que C... trajava e introduziu alguns dos seus dedos na vagina daquela, permanecendo em tal atitude durante alguns segundos.

24 - Porque algumas das demais pessoas ali acampadas ouviram os gritos da ofendida, alertaram a segurança do referido parque de campismo, tendo dois dos respectivos funcionários e o campista L... acorrido àquelas instalações sanitárias e arrombado a respectiva porta.

25 - Nessa ocasião, o arguido largou a ofendida C... e, por uma clarabóia ali existente cujo vidro partiu, fugiu para o telhado das referidas instalações sanitárias, onde veio a ser detido.

26 - O campista L..., vendo o arguido a tentar sair pela clarabóia, agarrou-o para o impedir de fugir e o deter até à chegada da polícia.

27- Para se opor a tal acção de L..., o arguido agarrou num dos pedaços de vidro da clarabóia que partira, desferindo com o mesmo vários golpes na direcção daquele, atingindo-o nas mãos – o que fez com o intuito de levar aquele a largá-lo, para assim lograr fugir.

28 - Perante tal reacção do arguido, L... acabou por o largar, logrando aquele sair para o telhado do bloco sanitário.

29 - Em resultado dos factos praticados pelo arguido contra a menor C..., a mesma sofreu dores físicas, bem como: a nível da face, escoriação com esfoliação da superfície cutânea, na metade direita do dorso do nariz, escoriação na comissura labial esquerda, acentuada limitação da abertura bucal por dor na orofaringe; a nível da cavidade oral, esfoliações rodeadas de equimose na face mucosa do lábio superior e do lábio inferior, equimose na metade esquerda do palato; a nível da região genital, área de eritema da superfície mucosa da fossa navicular, no ponto compreendido entre as 6 e as 7 horas, medindo cerca de 10 mm por 5 mm – lesões estas que demandaram para a cura um período de pelo menos 10 dias.

30 - Em resultado dos factos praticados pelo arguido contra L..., este sofreu dores físicas, bem como feridas incisas no dorso da mão direita, no dorso do 4º dedo da mão direita e no dorso do 1º e 2º dedos da mão esquerda.

31 - O arguido agiu do modo descrito, com intenção de praticar contra a menor C... acto de natureza sexual, mais concretamente introduzir os seus dedos na vagina daquela, bem sabendo que para tanto usava contra ela violência física e a colocava em situação de não se poder defender, mais sabendo a mesma tinha idade inferior a dezasseis anos.

32 - O arguido sabia igualmente que, ao manter a menor C... trancada no interior daquelas instalações sanitárias e ao impedi-la de sair das mesmas, a privava da sua liberdade de movimentação, o que quis e fez com intenção de contra ela praticar actos atentatórios da sua liberdade sexual e da sua dignidade pessoal, de impedir a mesma de fugir e terceiros de a defenderem.

33 - O arguido sabia que ao agir do modo descrito contra L... lhe causava dores e lesões físicas, o que quis e fez.

34 - Mais sabia o arguido que L... o agarrara por o ter encontrado na prática dos descritos actos contra a menor C..., com o intuito de o deter – não se inibindo o arguido de atentar contra a integridade física do mesmo, apenas com o objectivo de fugir e assim tentar escapar impune.

35 - O arguido foi sujeito a exame pericial psiquiátrico que apresentou as seguintes conclusões:

“1) O arguido à data dos actos que lhe são imputados padecia de uma anomalia psíquica derivada dos consumos abusivos e dependentes de cocaína, sem o desenvolvimento de alterações mnésicas, psicóticas, delirium ou síndrome de abstinência, sendo classificado pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-lO) como Transtorno mental e comportamental devido ao uso da cocaína – síndrome de dependência (F14.2). Não apresenta nenhum transtorno da personalidade, mas há indicadores na sua história e no MMPI realizado para esta perícia que tem características do espectro anti-social, o que o torna uma pessoa mais distanciada das outras pessoas, com dificuldade em se vincular a elas e com menor capacidade de ser afectada pelo sofrimento alheio, orientando-se por ganhos secundários, normalmente materiais, pessoais.

2) (…) à data dos acontecimentos que lhe são imputados, (…) o transtorno mental do qual padecia o arguido não lhe afectava, nem atenuava, a sua capacidade de avaliar a ilicitude dos seus actos, tal como não afectava ou interferia, na sua capacidade de determinação - imputável ao relação aos factos aos quais está a ser acusado. (…)

3) O arguido apresenta alguma perigosidade de repetir crimes semelhantes aos que lhe são imputados, visto ter antecedentes de poli-consumos de drogas e múltiplas recaídas, indiciando que o arguido não consegue, em liberdade, manter-se abstinente, que é o principal factor de protecção, ou se quisermos olhar de forma inversa, despoletador da sua necessidade de praticar crimes”.

36- O arguido agiu sempre de forma consciente, livre e voluntária, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das suas condutas.

37- O arguido foi julgado nos seguintes processos:

37.1- Processo abreviado nº 862/11.6PEAVR, do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, da Comarca do Baixo Vouga, onde foi condenado, por sentença de 24.08.2011, transitada em julgado em 30.09.2011, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 27.04.2011, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano mediante regime de prova;

37.2- Processo comum singular nº 2141/11.0PBAVR, do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro, da Comarca do Baixo Vouga, onde foi condenado, por sentença de 20.06.2012, transitada em julgado em 11.07.2012, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 20.10.2011, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos mediante regime de prova e pagamento de indemnização no valor de € 3.138,48.

38- O arguido A... viveu o período de infância em Aveiro, juntamente com os progenitores e uma irmã mais velha, inserido num contexto familiar de classe média; ambos os progenitores eram enfermeiros no Hospital (...); a mãe encontrando-se actualmente reformada e o pai transitou para a Portugal Telecom, onde desempenha a mesma profissão; no período de infância e juventude viveu rodeado de boas condições económicas, num contexto familiar estruturado, embora, um pouco permissivo e desculpabilizante, mantendo no entanto uma orientação pró-social, com a frequência de actividade desportiva (tais como, natação, basquetebol e remo); formação musical no Conservatório de Música de Aveiro (em flauta transversal); integrou o Corpo Nacional dos Escuteiros; o Grupo de Jovens da Igreja do Carmo, como Voluntário e a Escola de Línguas (Internacional House).

38.1- A sua trajectória escolar foi positiva até ao 10º ano (área de desporto), altura em que o seu comportamento escolar e social sofreu alterações, inserindo-se num grupo de pares com práticas de risco nomeadamente, consumo de drogas (cocaína) e ausência de rotinas estruturadas; os resultados escolares decresceram, tendo concluído o 11º ano com 17 anos, abandonando de seguida a escola; posteriormente, com 20 anos, frequentou ainda o 12º ano mas não concluiu.

38.2- O arguido iniciou actividade laboral num bar da cidade onde nasceu, aos 14 anos, e durante as férias de verão, situação que ocorria de forma sazonal até aos 18 anos, para além de outros trabalhos pontuais na área da restauração; em março de 2012 integrou a empresa “R..., SA”, como operário, com contrato de trabalho que previa a renovação mensal, mas que veio a ser interrompido em Agosto do mesmo ano, em virtude na recidiva nos consumos.

38.3- A adopção do percurso desviante, surge a par com os consumos de substâncias estupefacientes, a partir dos 15 anos, com agravamento e maior regularidade depois dos 17 anos, associados à deterioração das relações familiares e abandono da casa paterna; depois de passar por 8 comunidades terapêuticas (públicas e privadas), em 2011 aderiu a um plano de tratamento da dependência, na Instituição “Happy Start”, em Vila Real, inicialmente em regime de internamento e depois em ambulatório, situação que concorreu para a melhoria das relações familiares e uma vivência social mais estável, mas não considerada como cura definitiva.

38.4- À data dos factos, o arguido encontrava-se de novo numa situação pessoal e familiar marcada por nova recaída nos consumos, conflito e afastamento da família de origem, dormindo na rua (ou, quando muito, no pátio da casa); usufruía, no interior da residência, apenas das refeições, pautando o seu quotidiano pela permanência no espaço de rua, a deambulação de Aveiro para o Porto, no intuito de garantir produtos estupefacientes para consumo próprio.

38,5- Os pais do arguido, com 66 e 64 anos de idade, com estado de saúde física e psicológica algo desgastada, vivem das suas reformas que contabilizam globalmente €3.100,00 mensais, pagando de empréstimo da habitação cerca de €1.300,00 mensais; vivem em casa própria, uma vivenda térrea, em estado novo, com jardim e anexos garagens, que dispõe de 4 quartos, sala, cozinha, bem como todos os equipamentos, mobiliário e infraestruturas necessárias a uma vivência saudável; trata-se de uma zona urbana, com fraca incidência de problemáticas sociais.

38.6- O arguido revela uma auto-estima forte no contacto interpessoal, para além de uma formação e compleição física que facilmente capta a empatia dos outros, nomeadamente, nos concursos para obtenção de emprego. No entanto, antes de ser preso, o arguido não exercia qualquer actividade laboral ou outra estruturada, denotando alguma dificuldade em definir um projecto de vida, numa área definida, tendo experiências laborais anteriores que vão da restauração, hotelaria, segurança, até ao operariado fabril; ao nível afectivo, desde os 30 anos, o arguido evidenciou maior instabilidade a este nível, fruto da problemática aditiva.

38.7- Após a entrada no EPR de Aveiro, efectuou mais um tratamento, encontrando-se em acompanhamento dos Serviços Clínicos em articulação com o CRI de Aveiro; de acordo com os testes ali realizados, periodicamente, o arguido não apresenta consumos de substâncias opiáceas, mantendo um comportamento isento de reparos em termos disciplinares. No estabelecimento prisional tem mantido uma postura positiva e comportamento adequado, encontrando-se na ala de segurança daquele EP para indivíduos desta tipologia de crimes; mantém visitas regulares dos pais, irmã, namorada e de alguns amigos.

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39- A menor C... foi assistida no serviço de urgências do Hospital Infante D. Pedro para onde foi transportada pelos bombeiros.

40- A menor C... foi sujeita a vários exames e análises clínicas, foi avaliada pelo departamento de psiquiatria infantil e sujeita a exame médico no INML; teve de sujeitar-se a novas análises clínicas nos dias 24.09.2012 e 24.11.2012.

41- A menor C... pagou: 5 euros de taxa moderadora; 21,13 euros em analgésicos e medicamentos; por conselho médico tomou uma vacina que custou € 123,44; em consequência das lesões sofridas na boca a menor teve que ser avaliada por um dentista pelo que pagou a quantia de € 23,00.

42- A menor e os pais ficaram apreensivos e receosos pelo risco de ter adquirido hepatite C.

43- A menor C... nunca tinha sofrido qualquer lesão semelhante às sofridas em consequência da actuação do arguido; ficou em estado de choque, na altura estava apenas de férias com o pai encontrando-se a mãe, com quem vive habitualmente, em França.

44- Em consequência das lesões sofridas, a menor C... durante cerca de 4 dias não conseguiu falar, nem comer devido às lesões que tinha na boca; a única coisa que ingeriu durante esse período foi um iogurte líquido.

45- Antes destes factos, a menor C... era uma menina alegre, segura, conversadora e brincalhona, tinha muita cumplicidade com o pai; agora apresenta desgosto e tristeza.

46- Em consequência dos factos praticados pelo arguido a menor C... tornou-se desconfiada, não consegue sair de casa sozinha quando o dia já começa a escurecer, acorda diversas vezes com sobressaltos.

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47- A menor B... era uma criança alegre, feliz, normal e sempre bem disposta gerindo a sua vida com a autonomia própria de uma criança da sua idade;

48- Após a ocorrência dos factos, durante um mês seguido mal conseguiu dormir, acordando muitas vezes sobressaltada com pesadelos sobre o sucedido; actualmente, ainda que com menor frequência, ainda repete esses pesadelos;

49- A menor B... não mais dorme descansada e alterando a sua vida por completo sempre com medo, não conseguindo deslocar-se sozinha, nem mesmo em sítios públicos onde circulem muitas pessoas como num centro comercial;

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Sob a epígrafe, factos não provados, fez-se constar:

Nenhuns outros factos com relevância para a decisão se provaram em audiência de julgamento, nomeadamente não ficou demonstrou que:

a - o arguido decidiu abordar B... com o intuito de a forçar a com ele manter relação sexual de cópula nem que actuou com tal intenção;

b – com os gritos, B..., logrou alertar um casal que passava por perto nem que este casal acorreu em seu auxílio.

c - este episódio deixou marcas na menor B... que permanecerão para toda a vida;

d - a menor C... continua a ser acompanhada psicologicamente por um profissional;

e - a menor C... ainda revela revolta;

f - a menor C... ainda hoje não deixa que ninguém lhe toque e nem permite que exista contacto físico com quem quer que seja;

g - o arguido é portador de hepatite C;

h - a menor C... durante toda a sua vida vai ter presente os factos ocorridos, os quais vão pesar em qualquer relacionamento que venha a ter;

i - os factos praticados pelo arguido causaram danos psicológicos irreversíveis na menor C...;

j - o arguido privou a menor C... da sua liberdade não apenas naquele dia mas durante toda a sua vida;

k - a vedação encontrava-se em reparação tendo uma zona que se encontrava danificada;

l - o parque de campismo tem apenas dois porteiros;

m - na data e hora da ocorrência dos factos encontrava-se no parque apenas um porteiro na recepção do mesmo, não existindo mais ninguém a patrulhar o parque;

n - as primeiras palavras que a menor C... disse após ter tido alta foram as declarações para memória futura;

o - desde a data dos factos a menor C... nunca mais teve uma noite de sono descansado.

*

O tribunal fundamentou a sua convicção acerca da matéria da facto nos seguintes termos:

A decisão do tribunal fundou-se na análise crítica e conjugada das declarações do arguido, dos depoimentos das testemunhas e dos demais documentos que se indicam infra.

O arguido diz que não abordou a B...: não a conhece, não viu, não fez nada, nem tirou a máquina fotográfica; nessa manhã estava em casa dos seus pais por causa da situação de recaída da droga; tinha estado um ano limpo; os seus pais aperceberam-se e puseram-no fora; na madrugada de dia 22 foi pernoitar no sítio habitual, junto à garagem dos seus pais; acordou com o barulho dos talheres.

Quanto aos factos do dia 23 diz que por volta das 11 e meia da noite foi até ao parque de campismo, para ver se roubava alguma coisa (comida, roupa) para vender aos ciganos e comprar droga; tentou entrar pela porta da frente; o porteiro não deixou; deu uma volta e viu uma moradia e entrou pelo jardim e viu que tinha um muro que dava acesso ao parque de campismo; tirou as sapatilhas, esteve lá algum tempo; esteve na piscina; depois entrou no parque de campismo, por volta da 1h; viu um senhor a passar e pensou que era o porteiro e procurou sítio seguro para fumar cocaína (última dose que tinha); estava a cerca de 20m quando deparou com o edifício da casa de banho; foi para lá para preparar a dose; ficou à espera que um senhor saísse da casa de banho; ouviu barulhos e depreendeu que ele ainda lá estava; na casa de banho feminino não havia barulhos e entrou lá para fumar; entrou e encostou a porta; não viu lá nenhuma rapariga; ouviu um trinco e viu a rapariga a vir no corredor; ficou assustado; apercebeu-se que ela era francesa porque lhe respondeu em francês; depois ela veio consigo até ao sítio onde tinha estado a fumar; estiveram ali um pouco a conversar; a sua preocupação era fazer-lhe ver que de facto estava ali indevidamente, mas que não era preciso ir chamar ninguém; entretanto bateram à porta; até essa altura ela não tinha dado sinais de estar assustada; acendeu um cigarro; como não ouviu mais barulho, pensou que a pessoa tinha ido embora; pôs a não dela no seu peito, para lhe demonstrar que estivesse calma; também pôs a sua mão no peito dela para lhe dizer para ter calma; ela reagiu mal, talvez por interpretar mal o seu gesto; ouviram vozes lá fora e ela começou a gritar; o arguido ficou em pânico e assustado, queria era sair dali, puxou-a para dentro para ela não ir abrir a porta enquanto saia pela janela; pôs-lhe a mão na boca e puxo-a pelo braço; tentou sair pela janela; ela fugiu e foi atrás dela; aí sim foi bruto; ela ia a tentar desembaraçar-se; ouviam-se barulhos de irem contra as portas; caíram os dois ao chão; não apalpou os seios; nunca teve intenção de fazer qualquer mal; tinha raparigas com quem pudesse fazer isso; quando a agarrou, não tem a noção onde lhe tocou; lutaram no chão, mas não lhe introduziu os dedos na vagina; não teve para com ela qualquer atitude de cariz sexual; pode-lhe ter tocado na vagina enquanto se estiveram a debater, a lutar no chão; quando estavam no chão ela mordeu-lhe na mão e viu sangue na boca dela; pensou que o sangue fosse dela e ficou assustado e em pânico; tentou dirigiu-se a uma casa de banho e partiu o vidro de uma clarabóia para fugir; cortou-se todo nos vidros; um senhor estava a puxá-lo para baixo pela mão esquerda (sua); tentou debater-se com a mão para ele o largar; já em cima do telhado, foi ameaçado; ficou cheio de medo e não saiu do telhado até vir o corpo de intervenção; juntaram-se ali muitas pessoas.

O arguido apresenta um discurso em que admite o óbvio e depois procura justificações desculpabilizantes mas sem nexo e desenquadradas das circunstâncias em que actua. No caso da menor B..., nega tudo e procura um álibi sem demonstração; além disso, o depoimento da menor não deixa dúvidas quanto ao reconhecimento que fez do arguido.

B..., ouvida em declarações para memória futura, diz que só viu o arguido uma vez, nunca o tinha visto antes; relatou que no dia 22.08.2012, às onze horas estava na praia; como o pai e o irmão estava a fazer surf, foi dar uma volta pelo passadiço, na praia (...), foi dar uma volta pela praia; ia sozinha, estava a andar e de repente viu um senhor a andar pelo passadiço atrás de si e desviou-se, ele veio pelo passadiço do lado das casas, pareceu-lhe que a seguia; nessa altura andava com receio por experiências de quando era pequena de rapazes que lhe batiam; ele chamou “Ó menina!”, a depoente estava de costas, a cerca de mais ou menos quatro metros, olhou e ele perguntou onde era a praia (...); a depoente apontou para a praia e disse “é esta”, quando olhou ele pôs um pé atrás e empurrou atirando-a para o chão; quando estava deitado em cima disse para estar com calma porque era só um amigo, tapou-lhe a boca com uma mão e apalpou com a outra mão no peito; a depoente levava camiseta tipo top que deixava barriga à mostra e biquíni; ele apalpou por cima da roupa; a depoente conseguiu tirar a mão da boca e gritou, ele tentou tirar-lhe os calções; começaram a aproximar-se pessoas, ele pegou na máquina digital que a depoente tinha na mão, tirou-a e fugiu; tentou segurar a máquina mas ele conseguiu tirar, tinha a máquina agarrada ao pulso com a fita; ele quando tirou a máquina já estava de pé; depois ele fugiu para o outro lado do passadiço; viu bem a cara dele, não tinha óculos, nem chapéu nem capuz; fez a descrição física da pessoa e da roupa; reafirma que ele lhe tocou no peito propositadamente: com uma mão apalpava e com a outra tapava a boca; quanto aos calções não sabe se foi sem querer ou propositado, sentiu os calções a serem puxados; esclarece como ele ficou quando se pôs em cima: ficou sentado em cima da cintura estando a depoente deitada de costas; quando sentado não aproximou a cara; reafirma que ele disse “acalma-te que sou um amigo”; para libertar a boca a depoente desviou a cara; as pessoas estavam no passadiço quando ouviram gritos vieram mais rápido; não sabe se ele viu as pessoas; não sabe porque é que ele parou e fugiu; essas pessoas já tinham passado quando a depoente se levantou; quando ele a atirou ao chão já estava nas dunas a ir para a praia; quando ele a chamou já não estava no passadiço já estava nas dunas; uma senhora que parou perguntou se a depoente queria ligar à mãe quando a viu a chorar e já a depoente tinha voltado ao passadiço; não sabe se a senhora ainda assistiu a ele a fugir; não se lembra como eram os calções; quando ele apalpou o peito sentiu dor porque ele apertou com força; enquanto ele apalpava estava a tentar levantar-se e libertar-se dele; apalpou só um peito; a depoente nunca namorou, sentiu-se mal sentiu que nunca devia ter respondido, acha que teve culpa, que não devia ter olhado para trás, às vezes sente vergonha, sentiu vergonha quando falou com os pais, com a psicóloga; na altura sentiu medo que ele a pudesse violar; ainda tem medo de andar sozinha, ainda tem medo de ir à praia (...); antes costumava andar sozinha, agora anda mas com medo e menos distâncias; ainda tem apoio psicológico uma vez por semana: andou um mês em que não conseguiu dormir, depois parou e recomeçou porque andava com medo e sem dormir; não a apalpou por cima dos calções; sentiu os calções a serem puxados: não sabe se foi de propósito ou se foi sem querer; não foi com as mãos, pode ter sido com as pernas; tem a certeza que não foi com as mãos; viu-o mais tarde no reconhecimento, não teve dúvidas nenhumas; o apoio psicológico é por causa do medo (outras crianças do 4º ano batiam-lhe) – o medo foi por isto e não por situações anteriores; no quinto ano um rapaz obrigou-a a namorar com ele, a ir para casa dele, levou-a para o quarto mas não conseguiu fazer nada, foi para casa dele porque teve medo, ele batia nas outras raparigas da turma; antes não era medo, tinha receio dos rapazes da escola mas fora não tinha medo; ele agora já não anda na escola; o apoio psicológico só começou depois disto não tem nada a ver com isto; antes disto já teve apoio psicológico da escola porque também tinha medo; agora já não está na mesma psicóloga que antes, agora está na psicóloga da escola, a directora de turma disse que era melhor ir à psicóloga para ver se lhe conseguia ajudar dos medos que tinha; tem medo que isto lhe volte a acontecer.

O depoimento da menor B... mostra-se sereno, calmo, firme, coerente e consistente de modo que se teve por credível por não apresentar falhas.

O tribunal ficou convicto que foi o arguido o autor dos factos relativamente à menor B... tendo em conta o reconhecimento efectuado por esta; a sedimentar, se necessário fosse, temos a proximidade de actuação e o modo de abordagem semelhante quanto à menor C... até pelas palavras dirigidas: uma abordagem quase amistosa, quase sedutora (como que convencido que levaria as vítimas a mudar de opinião acerca da sua actuação), o dizer para não terem medo que é amigo ou que não vai fazer mal, a própria actuação em si não reveste a grosseria e rudeza que em geral acompanha estes casos (o carácter de manipulação e sedutor referidos na perícia sobre a personalidade e também sinalizado pela percepção dos serviços de reinserção social).

O alegado “álibi” de que o arguido estaria a dormir no sítio habitual, junto à garagem dos seus pais, não só não mereceu crédito (como se explicará infra quanto a essas testemunhas) como tal não afastaria a possibilidade de o arguido se ter deslocado à praia, como aliás se desloca na noite seguinte ao parque de campismo.

Aliás, esse um aspecto em comum nas actuações do arguido: a primeira motivação será a necessidade de obter meios para adquirir droga e depois não se contem perante os instintos libidinosos.

O tribunal não teve dúvidas quanto à intenção do arguido, desde logo pelos actos concretos que a menor descreve; além disso, o arguido --- na actuação concreta-- apenas dirige a sua atenção para a máquina fotográfica quando sente que tem que fugir, até então a sua actuação é tapar a boca e apalpar a menor ora tal não se coaduna com a “simples” vontade de se apoderar da máquina fotográfica ou de objectos que pudesse levar. C..., ouvida em declarações para memória futura falando em francês e com tradução, diz que se levantou no camping para ir à casa de banho, quando se dirigiu para a casa de banho viu que havia uma pessoa por perto; na altura em que se preparava para sair viu que a porta estava fechada, ele tinha uma garrafa e estava a fumar; ele dirigiu-lhe palavras em português e em francês; reparou que a porta estava fechada, ele pegou-lhe no braço e levou-a para o corredor central; ele pegou em dois bancos, colocando-os um em frente do outro, continuou a fumar e a depoente mantinha sorriso para não mostrar medo, apercebeu-se que algo de grave se poderia passar; ele propôs-lhe um cigarro, a depoente negou; ele tocou-lhe no peito e a depoente gritou e tentou fugir; entretanto, de cada vez que a depoente tentava fugir ele apanhava-a, ela debatia-se dando-lhe pontapés; ele para evitar que ela fosse ouvida tapava-lhe o nariz e punha-lhe os dedos na boca; ela gritou com medo que ele a levasse para as cabines; ele encontrava-se no chão; introduziu-lhe dedos na vagina, ela deixou de gritar durante trinta segundos, ele parou, ela recomeçou a debater-se; entretanto, houve dois homens que entraram e ele mal se apercebeu fugiu imediatamente; durou cerca de vinte minutos; quando entrou na casa de banho o arguido estava em frente à porta da casa de banho das senhoras no exterior numa zona semi-coberta; depois, quando o viu ele encontrava-se numa zona perto da entrada principal ao lado da porta central; ele estava na zona dos espelhos, não estava em frente ao compartimento que a depoente usou para fazer as necessidades, tanto que inicialmente a depoente não reparou que alguém tinha entrado; quando se apercebeu que a porta estava fechada e viu o arguido, tentou falar com ele para se certificar do que lá fazia; presumiu que o ferrolho estava fechado porque o viu corrido; não a despiu, introduziu os dedos na vagina sem desnudar, apalpou o peito por cima do que trazia vestido; introduziu de facto os dedos; esclarece que ele perguntou, em francês, se queria um cigarro e depois disse para se calar porque poderia ser apanhado; o facto de tocar no peito fez-lhe crer que queria tocar; ele levou para a zona do corredor central, tirou dois bancos e colocou-os um em frente ao outro; depois de colocar a mão na boca não tentou levar para cabine de duche porque a depoente se debateu; a depoente reparou que havia medo na sua expressão de que alguém surgisse; ele não chegou a levar para a cabine porque a depoente se debateu; ele tentou levá-la para a cabine dizendo que era para abrir pequena janela que havia no quarto de banho, ela debateu-se e ele acabou por desistir; no momento em que os homens entraram ele já tinha parado de lhe tocar na vagina; ele partiu rapidamente e ela quando se apercebeu dos dois homens saiu pela porta e apenas estava cá fora uma senhora com uma criança pela mão; ouviu o ruído do vidro a partir e o arguido a subir para o telhado; a pessoa que estava no telhado era a mesma que esteve com a depoente na casa de banho; não presenciou a detenção porque entretanto seguiu na ambulância; a depoente tinha vestido uma t-shirt e calções, não tinha sutiã; quando a depoente saiu do compartimento ele estava a fumar e parecia muito concentrado no que estava a fazer mas a depoente pensou que “se ele entrou já teria alguma intenção quanto a ela”; não tem noção de quem começou a conversa; reafirma que inicialmente procurou ser gentil para não mostrar medo; depois de ter terminado o que estava a fazer com a garrafa é que lhe pegou no braço e a levou para o corredor central das casas de banho (de um lado são os duches e do outro os quartos de banho); num primeiro momento a depoente não se debateu e seguiu de forma voluntária; quando estavam sentados, estavam próximos sem estarem colados, frente a frente; quando iniciou a agarrar a depoente começou a gritar e levantou-se para ir em direcção à porta; não consegue calcular quanto tempo demorou a “agarrar”; quando introduziu os dedos na vagina ela estava no chão contra uma parede, teve logo consciência da introdução dos dedos, estava impedida de reagir porque ele a agarrava; a cabeça estava contra a parede, parte das costas apoiada, a cabeça um pouco levantada, parte da cabeça contra a parede e parte das costas apoiadas no chão; já não se recorda da posição do arguido; a depoente estava metade deitada e metade sentada, imóvel, não se recorda porque parte ele lhe pegava; depois de ter saído a primeira pessoa com quem falou foi com a senhora que estava no exterior com a criança; não lhe disse o que se passou, estava a chorar e a senhora tentou reconfortá-la; não contou ao pai, ao vê-la a chorar e o individuo em cima do telhado o pai percebeu o que se tinha passado; não se recordas, pensa que terá contado à polícia que ele lhe tinha tocado nos seios; à GNR, quando ele ainda estava no telhado, contou apenas a parte inicial e de forma global; no hospital é que contou pela primeira vez a totalidade do que se passou.

A menor C... apresenta um discurso seguro, encadeado, coerente e isento o que permite acreditar na sua descrição. Na parte dos factos que o arguido não admite (essencialmente a intenção ao aproveitamento sexual), a descrição da menor condizente com as demais circunstâncias e percepções das testemunhas que acorreram ao local não deixara quaisquer dúvidas acerca desse aspecto.

V..., guarda da GNR a prestar serviço no posto da (...), foi chamado ao parque de campismo; receberam chamada que aí tinha ocorrido uma tentativa de violação de uma menor; o arguido encontrava-se no telhado das casas de banho com o segurança e pessoas à volta com os ânimos exaltados; a menor estava numa tenda próxima apresentava ferimento na face e no pescoço, tinha a face inchada; tinha gelo na boca; no interior da casa de banho havia vestígios de tabaco; ele é que disse que estava a fumar; o arguido tinha ferimentos, nas mãos, nas pernas e nas costas; também um senhor que tentara agarrar o arguido tinha ferimentos nas mãos e nos braços; transportaram o arguido e a menor para o hospital.

X..., guarda da GNR a prestar serviço no posto da (...), também foi ao parque de campismo, quando lá chegaram ainda lá estavam os intervenientes; havia duas casas de banho com entradas separadas com uma parede, duas entradas distintas; a menor tinha ferimentos na mão, na cara e no pescoço; o arguido estava em cima do telhado e estava ferido na mão e com cortes nos braços; também estava um indivíduo com o arguido em cima do telhado; estavam cerca de 50 a 60 pessoas.

E..., vigilante da Prosegur; pai da B..., a filha contou-lhe os factos passados 10 minutos; o depoente estava com o filho na água, quando saiu da água, ela veio direita a si, a chorar e a contar-lhe o sucedido; ela tinha ido passear sozinha, como costuma; havia muita gente na praia; a filha identificou a pessoa no reconhecimento na PJ mas antes não conhecia a pessoa; a testemunha ligou logo para a capitania, para accionar os meios para localizar o suspeito; ela deu uma descrição do suspeito; no outro dia, à hora de almoço soube que tinha sido preso um sujeito no parque de campismo; foi à GNR; ela tinha lesões físicas no braço; também lhe roubou a máquina fotográfica digital no valor de 200 euros; não recuperou a máquina; até ao reconhecimento nunca viu o indivíduo.

L..., bombeiro, estava a acampar no parque de campismo, ouviu gritos quando estava a dormir, pensou que fosse uma criança; depois, passados 2 ou 3 minutos ouviu outros gritos e portas a bater, gritos abafados; levantou-se foi até às casas de banho; a porta estava fechada; foi chamar o segurança; arrombaram a porta; quando entraram estava um senhor de tronco nu, deitado, agarrado à miúda; ele estava com a mão a tapar a boca à miúda; disse-lhe “ó cabrão, o que estás a fazer à miúda?”; ele largou a miúda, que veio a fugir; ele estava ao fundo das casas de banho; ainda não estava a tentar fugiu; depois é que ele subiu para a sanita; foi atrás dele e agarrou-o por um braço e puxou para baixo; um vidro espetou-se do abdómen do arguido e ele ficou mais calmo; aí ele pegou num vidro para o agredir nas mãos; quando viu pessoas cá fora largou-o e ele subiu para o telhado juntou-se “o pessoal todo” e ficaram ali até chegar a GNR; ficou com ferimentos na mão; a menor aparentava ter 14/15 anos; não se apercebeu que ele estivesse lá a fumar; não viu qualquer vestígio; o depoente costuma ir acampar para ali, durante a noite tem dois ou três vigilantes, de hora a hora passa um vigilante, o muro do parque todo ele tem vedação de arame farpado; a entrada para a casa de banho: do lado direito é para os homens e do lado esquerdo para as mulheres; o guarda que fez a ronda era o mesmo que estava na portaria; ele tinha uma camisola presa nas calças; esteve sempre um tronco nu até à chegada da guarda; quando entrou ele estava de pé, em frente à miúda, a agarrá-la com uma mão pelas costas e a outra na boca dela, estavam encostados um ao outro frente a frente, ao fim das casas de banho entre as colunas que faziam a divisão, nenhum estava encostado a qualquer obstáculo; ouviu gritos durante cerca de 5 minutos; até durante o tempo em que foi chamar o segurança.

J..., porteiro no parque de campismo; não estava de serviço, mas estava lá na roulote; estava estacionada mesmo em frente às casas de banho; a cerca de 10 metros; a primeira percepção que teve foi o barulho; começou a ouvir uma espécie de gritos; acordou com um tipo de pancadas; vestiu-se para sair para ver o que se passava; quando saiu já o seu colega estava a abrir o fecho da sua roulote para o ir chamar; ainda chegou a ver a rapariga a fugir; quando entrou na casa de banho o arguido estava no postigo de cabeça para dentro com parte do corpo já lá fora ele e o Sr. L... estava a agarrar o arguido pelo braço; as entradas das duas casas de banho são separadas; não se apercebeu de qualquer vestígio; estava era uma garrafa de plástico, com uma substância qualquer, na casa de banho; estavam dois colegas de serviço; o parque de campismo é vedado com muro; conhecia a menor de outros anos, a rapariga aparentava ter 14/15 anos; rapariga pacata que só saia com o pai; reparou que a rapariga estava a sangrar da boca.

I..., trabalha no parque de campismo, diz que cerca das 5h, estava na portaria e foi lá um senhor ter consigo, a dizer que nas casas de banho ouvia portas a bater e alguém a gritar; foram lá os dois; a porta estava trancada; arrombaram e entraram na casa de banho e viu o arguido a agarrar a rapariga, com a mão na boca, ela tinha sangue na boca; ele tentou sair por uma janela e o depoente saiu, foi chamar o J... e voltou à portaria para chamar a GNR; a menina aparentava ter 14/15 anos; quando chego à porta ouvia som abafado e decidiu arrombar a porta para entrarem; estão sempre dois funcionários da recepção; de vez em quando um vai fazer uma ronda; foi pela 5 horas; nessa noite estava com o seu colega N...; entraram ambos à meia-noite.

H..., casado, técnico de instalações eléctricas, conhece a C..., de quem é primo afastado; estava em casa e às 8h o pai da C... telefonou-lhe a pedir para ir ter com ele ao hospital, pois estava com um problema; foi com a sua mulher, que esteve sempre com a menina; ela é uma miúda pacata; ficou traumatizada de todo; depois disto tornou-se agressiva, quando a mãe vai à casa de banho quer acompanhá-la; ela esteve um dia e meio no hospital e depois foram para o Algarve; já frequentou o parque de campismo bastantes vezes.

Z... , assistente operativa; casada com a testemunha anterior; acompanhou a C... durante o tempo em que esteve no hospital; anteriormente ela era muito brincalhona, simpática, extrovertida, depois ficou mais apreensiva e aborrecida e com o “psicológico” bastante mal; ainda foram para o Algarve; era muito próxima do pai, agora quando este lhe põe a mão a menor arrepia-se, tem medo “ao toque” do pai.

W...: gerente do parque de campismo (...); é funcionário da sociedade proprietário do parque; na altura dos factos não estava a trabalhar; normalmente àquela hora estão de serviço dois guardas (das 4 às 8 horas); fora dessas horas são quatro guardas; um deles fica sempre na portaria, a controlar quem entra; o outro está a fazer a ronda; há câmaras de vigilância; só há uma entrada; o parque é vedado a toda a volta (muro com 2 metros), com muro e em parte com uma rede, com mais meio metro; a vedação não estava danificada.

M...: solteiro, desempregado (era distribuidor de CTT Expresso); - é irmão do J..., que trabalha no parque; é cliente do parque de campismo, desde há cerca de quatro anos; frequência mensal; tem um portão lateral que nunca está aberto; está fechado e só o vê aberto para os funcionários tirarem o lixo; é todo vedado; há uma parte que é com rede por volta de 2 metros; pensa que os muros são todos da mesma altura; há guardas no parque; um na entrada, a pedir a identificação, e outro a fazer rondas; o parque tem sempre guardas; no verão passado, nos dias em que lá esteve, via sempre dois guardas no parque.

Os depoimentos destas testemunhas mostraram-se sérios, serenos, coerentes e consistentes pelo que mereceram credibilidade no âmbito do conhecimento decorrente do respectivo contacto com a situação em apreço.

Estes depoimentos foram sérios (porque sem alterações ou desconformidades de discurso e de postura corporal), serenos (mesmo quando confrontados com os pontos divergentes mantiveram a compostura sem alterações e com naturalidade), coerentes (porque a descrição feita é plausível e conforme às demais circunstâncias) e consistentes (porque sem falhas de raciocínio ou de enquadramento).

Além disso, em termos de postura corporal estas pessoas apresentaram calma, estabilidade de emoções sem alterações bruscas ou movimentos descoordenados.

G..., solteiro, vendedor de automóveis em França, pai da C...; nessa noite acordou às 5 horas porque ouviu a filha levantar-se para ir à casa de banho, passados 15-20 minutos acordou porque ouviu barulho lá fora, como a filha não estava na tenda foi ver, junto aos sanitários viu muita gente cá fora e um senhor em cima do telhado e viu o CC... a falar para “o gajo” que estava em cima do telhado; foi ver o sanitário e encontrou as sandálias da filha, esta tinha a cara inchada, vermelha e com sangue, lábios inchados, ela estava a tremer e tinha o olhar vazio; a tenda estava a uns 50 metros dos sanitários; ficou ao pé dela até à chegada dos guardas, a filha seguiu na ambulância e o depoente ficou a “preencher papéis”, antes de regressarem a França ainda foram para o Algarve; nos dias seguintes a filha não podia falar, não comeu nada, nem lhe podia fazer um carinho, ficou fechada; antes era rapariga com muita energia, sempre a rir, a brincar, sempre a “chatear o pessoal”; depois “dessa parte” ficou fechada, para ela foi um sonho mau; em França teve uma consulta com uma psicóloga; ela alterou muito o seu comportamento; acha que há poucos funcionários no parque de campismo; também há uma zona em que o muro é baixo.

Pai da menor mostrou-se emocionado e afectada pelo sofrimento da filha mas procurou ser isento e mostrou-se coerente e sério.

P... psicóloga no hospital de Aveiro, diz que se recorda do episódio na consulta externa, da C..., onde a assistiu no dia 24 de Agosto; apresentava-se com algumas escoriações; forneceu mail à C... para esta a contactar mas esta não contactou. Nada de especialmente relevante num depoimento seco e objectivo.

Q... , tia da B..., antes deste acontecimento ela era muito desprendida, andava à vontade, ias às compras; depois mudou muito; deixou de ser autónoma e passou a ser dependente; precisa sempre de ter alguém, piorou o aproveitamento escolar.

O..., professora do ensino básico, reformada, avó materna da B...; antes ela era sempre muito activa e autónoma; mudou completamente o comportamento; até para ir fora da vivenda só vai acompanhada; tem medo permanente; voltou a urinar na cama; ficou com medo de tudo; os primeiros dias foram muito difíceis: não saía, fez chichi na cama, não dormia, não queria falar com ninguém.

Testemunhas próximas da menor B... que descrevem, dentro dos padrões normais, o comportamento da menor, antes e depois da ocorrência em causa.

S..., enfermeira, mãe do arguido; o filho teve problemas com substâncias estupefacientes, fez vários tratamentos e teve várias recaídas, pôs o filho o filho fora de casa, ele tentou ir lá a casa mas não o deixou entrar dava-lhe as coisas pela janela; disse-lhe “não contes mais com a mãe”, nos primeiros dias ele tentou entrar mas nunca o deixou; via que ele ia lá dormir no jardim debaixo de umas árvores, via-o através da janela; naquele dia ele não saiu pelo menos até à uma hora da tarde; a depoente foi à (...) e quando regressou viu que tinham entrado em casa, faltava a TV e o computador, telefonou para a GNR; tem visitado o filho no EP; naquele dia não sabe o que se passou entre as 09.00 e as 13.00 horas, não sabe o que filho fez, às 13 horas quando saiu, ele já lá não estava, terá saído pelas 12.45 horas; naquela altura ele andava numa mota, pensa que terá levado os objectos numa mota.

Este depoimento mostra-se ensombrado pelos fantasmas de uma mãe que, preocupada e desesperada, vê o seu filho definhar à sua porta depois de tentar inúmeras recuperações com quedas sucessivas, chegando ao ponto de não lhe puder abrir a porta sob pena de ele lhe levar coisas para vender. A “estória” da manhã do dia 22 é pouco firme e não parece credível que, em tamanho desespero, ali ficasse a “controlar” o sono ou a ressaca do filho durante a manhã. As amigas “aparecem” em audiência de julgamento, a afirmar tal; porém, nada permite acreditar que tenha acontecido nem que tenha sido nesse dia; nota-se um “efeito de puzzle mal encaixado” quer nas referências entre si quer no próprio contexto descrito por cada uma. É, manifestamente, um esforço de forjar um “álibi” em desespero, não conseguiu convencer ou afastar a possibilidade de o arguido se ter deslocado, na mota, à praia (...), como foi, por volta das 11 horas.

T..., dedica-se à agricultura biológica, conhece o arguido desde os 16 anos, “é o meu outro filho”, a depoente tem um filho da mesma idade e passavam muito tempo juntos; diz que ele é o filho que qualquer mãe gosta de ter; diz que no dia 22 (“da rapariguinha das dunas”) viu o arguido a dormir à porta da garagem da mãe, quando ia para Lisboa, esteve lá em casa a tomar um café, ia para o comboio do meio-dia e tal. Depoimento, por si, muito ligeiro e influenciado pela vontade de defender este seu “outro filho”

U..., funcionária pública (hospital), aposentada, conhece o arguido desde que nasceu e vive a cerca de 500 metros; encontra-se com a mãe numa pastelaria próximo da casa; no dia 22 foi a casa dos pais o arguido e viu o arguido; eram cerca de 11 horas; ia para entrar na casa pelo lado da cozinha e viu o arguido deitado; bateu à janela e entrou; estava lá também uma amiga, “uma senhora que esteve aqui hoje” (testemunha T...); a mãe disse que já não o deixava entrar para ver se as coisas melhoravam; estiveram as três a conversar cerca de uma hora, saíram as duas mais ou menos ao mesmo tempo por volta do meio-dia e o arguido ainda lá ficou. Depoimento de “dor de alma” de quem procura acudir à amiga num desespero profundo; não consegue encaixar circunstâncias que permitam ligar firmemente a possibilidade de ter ocorrido o encontro e de o arguido efectivamente lá estar, e ter ficado o tempo todo; não é seguro; é demasiado plástico e frio sem ressonância descritiva.

K...., professora do ensino primário e secundário jubilada, foi professora do arguido por dois anos no ensino primário, quando ele saiu para o secundário deixou de ter contacto com ele; há cerca de 11 anos voltou a ter porque os pais foram ser vizinhos em (...); soube dos problemas e procurou fazer “alguma coisa”, ele queria sempre melhorar e recaía; deu-lhe explicações para ele entrar para Universidade no âmbito das “novas oportunidades”, foi visitá-lo ao EP.

Depoimento da senhora professora triste por um seu menino da primário ter enveredado por caminhos desviantes.

Y..., director terapêutico da clínica “RAM”, conhece o arguido há vários anos devido à sua profissão; ele tinha dependência de heroína e cocaína; ele teve várias recaídas; nos primeiros meses do ano passado (até Abril-Maio) ele esteve na clínica; saiu de lá por a equipa que avaliou o caso entender que ele estaria apto para a segunda fase.

AA..., assistente social – CRI de Aveiro, foi terapeuta do arguido no CRI, lida com ele desde 2004; ele nunca foi um utente regular no âmbito das consultas; ele é instável do ponto de vista de adesão ao tratamento teve sucessivas recaídas desde os 16 anos de idade; em 2012 já não o acompanhou; ele tem uma boa formação de base.

Dois depoimentos serenos, isentos e sérios correspondentes a conhecimentos obtido no âmbito do contacto profissional com a situação do arguido no esforço de tratamento.

BB... , colega de liceu do arguido, nos últimos 3 anos têm contactos de frequência semanal, é uma pessoa meiga, empática, simpática, espírito voluntarioso; tem visitado “o A...” todas as semanas no EP; remata o seu depoimento com a seguinte declaração de fé: “apesar de ser acusado de crimes que não cometeu” acredita naquilo que ele lhe diz. Compreensível depoimento de quem gosta de um amigo que vê na situação em que se encontra o arguido; mais que falar de factos, esta testemunha traz a fé e o coração…

Foram igualmente analisados os diversos documentos: nomeadamente de fls 9, 12 a 15 e 165/166, bem como as certidões de assento de nascimento.

Igualmente foram ponderados o exames perícias de fls 122 a 124, 146 a 149, 153 a 155, 228 a 230, 358 a 362 e 366 a 372 (exame pericial psiquiátrico – com as conclusões plasmadas na acusação e cujo teor ficou assente nos factos provados) e 391 a 394 (as análises toxicológicas realizadas no sangue do arguido revelam a presença de cocaína e seus metabolitos; as análises genéticas realizadas às zaragatoas subungeais colhidas no arguido e que revelam a presença de um perfil de mistura (XX e XY compatível com o perfil genético feminino (XX) obtido da menor C... e com o perfil genético daquele).

Igualmente foi ponderado o teor da perícia sobre a personalidade do arguido de fls 702 a 714 (com as seguintes conclusões: o arguido apresenta uma capacidade intelectual adequada de desempenho cognitivo adequado à sua faixa etária; apresenta competências pessoais e sociais adequadas à vida em sociedade, sendo capaz de compreender, planear e tomar decisões, que se traduzam em escolhas ajustadas; os resultados da avaliação apontam uma postura autocentrada e manipuladora, revelando fraca ressonância afectiva e capacidade crítica perante os acontecimentos; quando confrontado com a contrariedade, tende a adoptar um comportamento impulsivo e imediatista, externalizando as responsabilidades e evitando a culpa; as características de personalidade que apresenta associadas a uma conduta aditiva, adoptadas pelo arguido a partir da adolescência, condicionaram a sua progressão e autonomização pessoal, laboral e económica; na esfera das relações encontrámos elementos significativos no seu núcleo afectivo, embora a influência destas referências junto do arguido fique questionado devido à problemática toxicodependente; a baixa tolerância à frustração, a impulsividade e a fraca capacidade de persistência na prossecução dos seus objectivos surgem como factores de risco adicionais, verificando-se a fraca adesão à intervenção e o incumprimento na execução de medidas judiciais).

O auto de reconhecimento de pessoa de fls 25 a 27 do apenso 536/12.0GBILH, como já referido, foi determinante e conjugado nos moldes já explicados.

Quanto à idade das menores, o tribunal não teve dúvidas de que o arguido o sabia e representou tendo em conta que as mesmas apresentavam compleição física correspondente à idade real como consta dos relatórios perícias.

Antecedentes criminais: CRC.

A situação pessoal do arguido foi apurada a partir das suas próprias declarações, do relatório dos serviços de reinserção social, do relatório pericial e dos depoimentos das testemunhas que o conhecem.

Como resulta do exposto, no que respeita aos factos não provados os meios de prova produzidos em audiência de julgamento não permitem uma afirmação convicta sobre a sua ocorrência ou resultam de diferente perspectiva da realidade apurada.

*

Delimitação dos recursos

É jurisprudência constante e uniforme que são as conclusões extraídas pelo recorrente que delimitam os poderes de cognição do tribunal “ad quem” .

Assim, as questões postas à nossa consideração são as seguintes:

       1. Matéria de facto:

1.1. Ambos os recorrentes impugnam matéria de facto, a impugnação feita pelo arguido é susceptível de prejudicar aquela que é feita pela assistente, assim sendo conhecer-se-á, em primeiro lugar, o recurso interposto por este sujeito processual.

1.1.1 Assim, o arguido impugna os pontos 1 a 12; 13 a 17 e 23 da matéria de facto provada; conclusão 1ª;

1.1.2. Prova por reconhecimento relativamente aos crimes de que foi vítima a assistente B..., já que afirma que esta prova está viciada conclusões 2 a 6; invocação dos vícios do artº 410º nº2 al. a) e c), conclusão 31; e,

1.1.3. Violação do “principio in dubio pro reo” relativamente ao crime praticado na pessoa da assistente B..., conclusão 30; e,

1.14. Impugnação dos pontos 17a 23, dos factos provados, relativamente ao crime de que foi vítima a menor C....

1.2. A assistente D..., em representação da sua filha C...

       1.2.1. A matéria de facto dada como provada sob os nºs 13 e 24,

1.2.2. A que foi julgada não provada sob as alíneas e) a m) e o) – conclusão 1ª do respectivo recurso.

2.Matéria de direito.

2.1. A impugnação feita nesta sede pelo arguido radica essencialmente na modificação da matéria de facto:

2.1.1 Absolvição dos crimes em que é ofendida a menor B...; ou assim não se entendendo, a sua condenação pela prática de crime de furto;

2.1.2.E quanto à menor C..., não lhe pode ser imputado o crime de violação, mas, tão só, o de coacção sexual.

2.1.3 Medida da pena.

2.2. No que tange ao recurso da assistente a matéria de direito a decidir é a seguinte:

2.2.1. Condenação do arguido pela agravante do artº 177º nº3 do Cód. Penal (resultante da modificação proposta na impugnação da matéria de facto al. g) dos factos não provados passar para os factos provados);

2.2.2. Agravação da medida da pena aplicada ao arguido;

2.2.3. Quantum da indemnização arbitrada à ofendida;

2.2.4. Pedido cível contra a demandada Catarina & Associados, Lda.

*

Conhecimento dos recursos:

1. Matéria de facto:

Dispõe o artigo 428º do Código de Processo Penal (diploma a que se reportarão as demais disposições legais citadas sem menção de origem) que as relações conhecem de facto e de direito. E segundo decorre do artigo 431º podem modificar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pela via da “revista alargada” quando se verifiquem os vícios a que alude, as alíneas o nº 2 do artigo 410º e/ou através da impugnação ampla da matéria de facto de acordo com o disposto no artigo 412º nº 3, ou, ainda, se do processo constarem todos os meios de prova que lhe serviram de base.

Na primeira situação - âmbito da “revista alargada” - decorre do artigo 410.º n.º 2 que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal à matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento, designadamente depoimentos aí prestados (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.

(…)

Na segunda situação - âmbito da impugnação ampla - a apreciação da matéria de facto alarga-se à prova produzia em audiência (se documentada), mas com os limites assinalados pelo recorrente em face do ónus de especificação que lhe é imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º, nos quais é expressamente estabelecido:

“3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

São estes os passos a cumprir em caso de impugnação da decisão sobre matéria de facto. Na especificação dos factos o recorrente deverá indicar o concreto facto (ou factos ou segmentos dos factos) que consta(m) da sentença recorrida e que considere incorrectamente julgado(s). Quanto às provas, terá que especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (ex: quando o recorrente se socorra da prova documental tem que concretizar qual o concreto documento que demonstra o erro da decisão; quando se socorra de prova gravada tem que indicar o depoimento (ou depoimentos) em questão (por identificação da pessoa ou pessoas em causa), tem de mencionar a passagem ou passagens desse depoimento que demonstra erro em que incorreu a decisão e tem, conforme decorre no nº 4 atrás transcrito, que localizar esse excerto de depoimento no suporte que contém a gravação da prova, por referência ao tempo da gravação.

A exigência da lei ao estabelecer os requisitos da impugnação da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido deve-se à circunstância de o recurso sobre matéria de facto, apesar de incidir sobre a prova produzida e o seu reflexo na matéria assente, não configurar um novo julgamento. Se estivéssemos perante um novo julgamento as especificações/requisitos seriam, obviamente, destituídos de fundamento. Mas, sendo o recurso um remédio jurídico, o que se pretende é corrigir concretos erros de julgamento respeitantes à matéria de facto. Por isso a lei impõe que os erros que o recorrente entende existirem estejam especificados e que as provas que demonstrem tais erros estejam também elas concretizadas e localizadas, tanto assim que nos termos do o nº 6 do artigo 412º: “No caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”

Mas, de todo o modo, como se assinala o Ac. do STJ de 12/06/2008, (proc. nº 07P4375, Relatado pelo Juiz Conselheiro Raul Borges e acessível pelo site www.dgsi.pt) a apreciação da prova pelo tribunal “ad quem”“ sofre sempre limitações, e, citamos:

“- desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância, por parte do recorrente, de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso;

- já ao nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações e/ou, ainda, das transcrições;

- por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação;

- a juzante impor-se-á um último limite, que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão.”

Acrescenta-se, em consonância com o atrás descrito, que a reapreciação da prova na 2ª instância limita-se a controlar o processo de formação da convicção expressa da 1ª instância e da aplicação do princípio da livre apreciação da prova, tomando sempre como ponto de referência a motivação/fundamentação da decisão, sendo que no recurso de impugnação da matéria de facto o tribunal “ad quem” não vai à procura de nova convicção – a sua – mas procura inteirar-se sobre se a convicção expressa pelo tribunal recorrido, na fundamentação da matéria de facto, tem suporte adequado na prova produzida e constante da gravação da prova, por si só ou conjugada com as regras da experiência e demais prova existente nos autos (pericial, documental, etc). Neste enquadramento, podendo o controlo da matéria de facto ter por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados ou analisados em audiência de julgamento, importa ter sempre presente que não se pode, a qualquer preço, subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador da 1ª instância, construída, dialecticamente, na base da imediação e da oralidade, nunca esquecendo as palavras do Prof. Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, 1º Vol, Coimbra Editora, pags 233 e 234) que só os princípios da imediação e da oralidade “… permitem avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações feitas pelos participantes processuais”.

Isto posto, vejamos como aplicar estas considerações aos recursos interpostos:

1.1. Impugnação do arguido

O arguido no seu recurso apesar de e propor recorrer da matéria de facto, além de confundir os vícios intrínsecos da sentença, vícios do artº 410º nº2, com a impugnação restrita, não cumpre os ditames supra referidos no mencionado artigo 412º nºs 3 e 4, “conditio sine quo non” para que o tribunal “ad quem” pudesse sindicar a matéria de facto fixada na primeira instância.

Com efeito, na motivação de recurso o arguido depois de indicar não os factos concretos que se propunha impugnar, como lhe impunha o nº 3 do citado artº 412º, mas a ofendida a que se referia, limitou-se a transcrever partes dos depoimentos de quatro testemunhas, que foram ouvidas em audiência de julgamento, a dado passo da motivação de recurso (e nem sequer já nas conclusões do recurso, sendo que são estas que fixam e delimitam o recurso) o recorrente refere que (…) O Douto Acórdão, ao não valorar esta parte essencial da prova testemunhal, que na verdade veio colocar em crise decisiva o “reconhecimento de arguido” efectuado pela menor B..., incorreu no vício referido no artº 412º nº3 a) e b) do CPP, ou seja, esta concreta prova impunha decisão diversa, tendo sido incorrectamente julgados, os pontos de facto dados provados nº 1 a 12 do aresto agora recorrido”conf. fls, 1092 da motivação)

Sendo que os factos provados sob os nºs 1 a 12 são todos aqueles que se reportam aos crimes de que foi vítima a menor B..., e que entre eles se encontram factos provados por documento, como seja a idade da menor, e outros factos circunstanciais, como sejam o local onde a menor se encontrava e os pertences que consigo trazia, logo se coloca a dúvida: quais factos? Todos os factos de 1 a 12, inclusive? Apenas alguns? De alguns, quais os seus segmentos? Ou seja, o recorrente na motivação do recurso limita-se, genericamente, a dizer que estes factos provados deveriam ter sido dados como não provados.

Quanto a esta questão, diz Pinto de Albuquerque: “A especificação dos “concretos pontos de facto” só satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado. Por exemplo, é insuficiente a indicação de todos os factos ocorridos entre duas datas ou de todos os factos ocorridos em determinado espaço fechado ou certo aglomerado urbano” (cfr. citado autor, in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª Ed, Universidade Católica Editora, pag. 1144)

Ora, salvo o muito devido respeito por opinião contrária, uma generalização dos factos é totalmente o inverso da legalmente exigida concretização dos factos. Ou seja, constata-se que o recorrente, pese embora tenha elaborado a sua impugnação com apelo às declarações e depoimentos prestados em audiência, não satisfez o ónus de impugnação especificada, na medida em que não deu cumprimento ao disposto no artigo 412º nº 3 a) e b), a que acresce, também que, nas conclusões não indicou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem as concretas provas que relativamente a cada facto impõem decisão diversa, especificação essencial para que o tribunal de recurso conheça com exactidão o âmbito da impugnação da matéria de facto, visto as conclusões servirem, entre outras finalidades, a da delimitação do objecto de recurso, operando a vinculação temática do tribunal superior e definindo o âmbito do conhecimento que obrigatoriamente se impõe ao tribunal de recurso.

Com a impugnação da matéria de facto, o que o arguido quer é que o tribunal proceda a um novo julgamento no que se reporta à menor B... e que ignore a convicção extraída pelos juízes de 1ª instância, plasmada e objectivada na motivação.

Ora, como se refere no Ac. STJ de 17.04.2013,A garantia do duplo grau de Jurisdição “não significa que tenha de se proceder a um novo julgamento em toda a sua extensão tal como ocorrera em primeira instância” (disponível in www. dgsi.pt)

1.1.2. Apesar de o recorrente não ter cumprido de forma correcta os ónus a que se reporta o artº 412º nº 3 e 4, sempre se dirá que o auto de reconhecimento lavrado a fls. 25, observa todos os requisitos exigidos pelo artº 147º, que regula a matéria, e, por isso, não se vê que não possa servir como meio de prova. Além disso, ao contrário do que afirma o recorrente não foi este o único meio de prova que relevou para o tribunal colectivo imputar os crimes relatados ao arguido, foi decisivo o depoimento da menor que diz que aquando dos factos viu bem a cara dele, e quando o viu, mais tarde, no reconhecimento e não teve dúvidas nenhumas que era ele o autor dos factos.

Mesmo que a menor tivesse visto o arguido no posto da GNR, no dia a seguir aos factos de que foi vítima - o que é plausível, (o que é bem diferente de estar provado nos autos) visto que a queixa foi feita no dia 23.08.212, às 17:09 h e elaborada às 18:06 h, (conferir auto de queixa lavrada no processo apenso) depois de terem ocorrido os factos de que foi vítima a menor C..., em cujo auto de denúncia se faz referência à comparência no posto, da menor B... e do pai - mesmo assim, não se vê como se possa por em causa a certeza manifestada pela menor B... acerca da autoria do factos pelo arguido. Tenha-se em vista que eles não ocorreram de forma repentina, mas depois de se estabelecer uma conversa entre a menor e o arguido, sendo que enquanto os praticava o arguido continuou a falar com a menor, e a insinuar-se perante ela como um “amigo” pedindo para esta se acalmar quando reagiu contra a sua conduta, ficando de frente para a mesma o que revela que a ofendida teve oportunidade de fixar o arguido e não ter dúvidas de que foi ele a praticar os factos, quando, mais de dois meses depois, o reconheceu na diligência a que para o efeito se procedeu com todas as formalidades impostas pelo artº 147º. Perante este depoimento, é indiferente a hipótese de o ter visto no posto no dia em que foi formalizada a queixa, o que não passa de uma hipótese e não de uma prova.

Além disso, a testemunha O..., a avaliar pela parte transcrita pelo recorrente, não teve conhecimento directo do facto em causa, não o presenciou, e, assim sendo, nesta parte, o seu depoimento é indirecto, e, nessa medida, como resulta do disposto no artº 129 nº1, não pode valer como meio de prova.

1.1.3. Quanto à credibilidade, ou falta dela, das quatro testemunhas referidas pelo arguido, sua mãe e três amigas desta, que afirmam que o arguido teria dormido à porta da garagem dos seus pais, estes depoimentos foram escalpelizados e dissecados pelo tribunal a quo, que não lhes deu crédito, pelas razões apontadas na motivação, dando mais credibilidade às declarações da menor B..., que como já se disse não teve dúvidas em reconhecer o arguido como autor dos factos quando se procedeu ao auto de reconhecimento. A isto acresce o destaque que o tribunal recorrido deu à semelhança do modo de actuação do arguido relativamente às duas menores, que não pode deixar de relevar atenta a proximidade e a semelhança entre as situações relatadas.

Com efeito, apesar de o brocardo popular “cesteiro que faz um cesto, faz um cento”, ou a prova por verosimilhança, não se poder aplicar tout court à prova em processo penal, a verdade é que é muitos mais fácil a quem já fez cestos voltar a faze-los, e isto já é experiência comum…

Aos julgadores do tribunal de recurso a quem está vedada a imediação e a oralidade em toda a extensão -quando é posta em causa a matéria de facto - mesmo que se cumpram com rigor, todos os procedimentos do nº 3 e 4 do artº 412º do CPP, o que nem de longe nem de perto aconteceu no caso sub judice - só podem afastar-se do juízo feito pelo julgador da primeira instância naquilo que não se tiver operado em consonância com o princípios referidos.

É evidente que a valoração da prova por declarações depende, para além do conteúdo destas, do modo como as mesmas são assumidas pelo declarante e da forma como são transmitidas ao tribunal, circunstâncias que relevam, para além da postura e comportamento global do declarante, para efeitos de determinação da credibilidade deste meio de prova, por via da amostragem ou indiciação da personalidade, carácter e da probidade de quem depõe.

Daqui que o tribunal de recurso ao reapreciar a sentença baseada em prova por declarações deva, salvo em casos de excepção, adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Ou seja, como refere Paulo Saragoça Matta (Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina, 2004, pág. 253.), se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada.

Diga-se, ainda, que a prova no domínio do direito processual, ao invés do que ocorre com a demonstração matemática ou com a experimentação no campo da ciência, não visa a certeza lógica ou absoluta, mas apenas a convicção essencial às relações práticas da vida social (A. Varela in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora 2º ed. pág. 407.)

Ora, no caso dos autos as ilações tiradas pelos julgadores de 1ª instância preenchem todos os itens referidos, o juízo de culpabilidade do arguido reside num puro exercício de lógica, estão bem patentes na sentença recorrida as razões que levaram o tribunal recorrido a acreditar nuns testemunhos e afastar outros.

Não se vê onde tenha o julgador desrespeitado as regras supra descritas, nem o recorrente nos fornece qualquer elemento que permita pôr em causa este raciocínio lógico, ou sequer lançar qualquer dúvida que o inviabilize, certo sendo que aos julgadores não interessam hipóteses mas evidências.

De resto, a pretensão de uma prova linear, “bacteriologicamente pura” e sem discrepâncias é uma utopia, mas, nem por isso, o julgador está impedido de formar, como formou, a sua convicção, sendo que esta convicção ou análise da prova é a que vale, sendo irrelevante a que é feita pelos outros intervenientes processuais, designadamente pelos recorrentes.

Claro que, no campo das hipóteses, não há nada que não possa pôr-se em dúvida como se pode pôr em dúvida, mais ou menos metodicamente, tudo e mais alguma coisa, mas a dúvida razoável, única capaz de pôr em causa o juízo de culpabilidade, dúvida que tem de se basear em algum “quid” que aqui não se vislumbra, idónea para fazer funcionar o princípio “in dubio pro reo”, é manifesto que não se suscita ((Conf. Ac. TC de 24/03/2003, in DR.II, nº 129, de 02/06/2004 e Ac. STJ de 07/01/2004, proc. 03P3213, relatado pelo Sr. Cons. Henrique Gaspar, disponível in www.dgsi.pt.)

Este princípio é um corolário lógico do principio da presunção de inocência, e tem a sua aplicação no julgamento da matéria de facto, ou seja quando o julgador perante a prova produzida se lhe suscitarem dúvidas se determinado facto aconteceu, deve desfazer ou resolver essas dúvidas em benefício do arguido, é este o sentido do aresto do STJ referido pelo recorrente, que tem inteira aplicação no caso dos autos, não podendo ser interpretado no sentido que lhe foi dado pelo arguido.

Com a sua pretensão recursiva o arguido apenas veio expor as dúvidas que a sua conveniência, mais do que a sua apreciação da prova, lhe suscitam.

*

1.1.4 - O mesmo se diga relativamente ao crime de que foi vítima a menor C..., na parte em que o arguido entende que o tribunal devia ter conferido credibilidade às suas próprias declarações em vez de a conferir às que foram prestadas pela ofendida C..., já que a convicção explanada na motivação acerca da opção tomada é bem clara e não merece qualquer reparo.

Detenhamo-nos contudo nos exames periciais efectuados à menor, onde o arguido se apoia para afastar crime de violação.

Só para dizer que o relatório de perícia de natureza sexual de fls. 89, efectuado em 27.08.2012, além de referir que a menor tem um eritema na superfície mucosa de forma navicular entre a 6 -7 horas com 10 cm por 5 cm, conclui que a lesão é compatível com uma origem traumática em concordância com a informação prestada pela examinada (penetração vaginal) que a menor havia referido antes do exame, e que manteve nas suas declarações.

Perante esta conclusão, não é relevante que a menor não apresentasse lesões na vagina, tanto mais que, no mesmo exame se refere que a menor tem um hímen permeável ao dedo médio e indicador justapostos.

Não tem qualquer fundamento a impugnação com base no exame.

O mesmo se diga relativamente ao que se refere na conclusão 22 a 24, que contem um parecer, ou melhor uma opinião, do recorrente sem qualquer apoio no acordão recorrido.

1.2. Recurso da matéria de facto da assistente:

Começa por se dizer que, o contrário do arguido, a assistente cumpriu com rigor os ónus impostos para a impugnação da matéria de facto.

Analisemo-la de pronto:

1.2.1. Começa a assistente por impugnar a matéria constante do ponto 13 dos factos provados, no segmento a seguir sublinhado:

13 - Durante a madrugada do dia seguinte, 23 de Agosto de 2012, cerca das 5 horas, o arguido introduziu-se no interior do espaço vedado do Parque de Campismo da (…)

Ora, as partes dos depoimentos transcritos que usou para defender que a menção de espaço vedado do parque de campismo, não devia constar da matéria de facto provada, não permitem a conclusão que propugna.

Com efeito, todos os depoimentos confirmam que á volta do parque havia um muro em todo o seu perímetro. O que os depoimentos indicados vêm revelar é que esse muro, em alguns locais, era baixo e facilmente transponível. Mas, mesmo que assim fosse, o parque não deixava de ser vedado.

Segundo o “Dicionário da Língua Portuguesa (Porto Editora, 2011) “vedação é o acto ou efeito de vedar; construção de madeira, rede ou outro material, ou formação de arbustos; que serve para vedar o acesso a um local ou delimitar uma área; tapume sebe”

Resulta daqui que o conceito espaço vedado, não é a mesma coisa que inexpugnável ou intransponível, ou sequer dificilmente transponível, e, por isso não depende da altura dos dispositivos usados para vedar, mas tão só da existência destes.

Tal como para o escalamento, noção fornecida pelo artº 202º al. e) do CP, o que interessa é a existência de barreiras que delimitem o espaço - e a introdução por local que normalmente não é destinado à entrada - e não propriamente a altura delas, ou a maior ou menor facilidade com que são transpostas.

Mesmo que o parque de campismo não tenha cumprido as regras de segurança, no que concerne ao modo de vedação o parque não deixa de ser vedado, só porque o muro segundo alguns testemunhos é baixo e facilmente transponível.

O acrescento propugnado para este ponto dos factos provados, não resulta de todo da prova produzida. Não se fez qualquer prova de que o arguido tenha transposto o muro de vedação do parque naquele ponto ou pontos que as testemunhas afirmam que o muro era facilmente transponível.

Com efeito, é o próprio arguido quem afirma que se introduziu no jardim de uma moradia e foi a partir daqui que teve acesso ao muro que delimitava a moradia do parque, e que transpôs.

Improcede assim, a impugnação deste ponto dos factos provados.

No que concerne ao ponto 24 dos factos provados que tem o seguinte teor:

24 - Porque algumas das demais pessoas ali acampadas ouviram os gritos da ofendida, alertaram a segurança do referido parque de campismo, tendo dois dos respectivos funcionários e o campista L... acorrido àquelas instalações sanitárias e arrombado a respectiva porta.

De facto, embora, tal não se traduza em qualquer alteração de relevo, como mais à frente se verá, nem sequer não substancial para os efeitos do artº 358º, mas apenas meramente circunstancial, a verdade dos depoimentos designadamente da testemunha I... que estava de serviço de vigilância ao parque, na portaria, e a testemunha J...que trabalha no parque, mas que não estava de serviço, e o campista L..., são unânimes em afirmar que foi este campista que chamou o porteiro que por sua vez chamou o J..., sendo os dois primeiros quem procedeu ao arrombamento da porta.

No mais, as reservas que a recorrente faz à designação do funcionário que estava na portaria não ser considerado vigilante mas porteiro, é uma questão de semântica, visto que os funcionários ouvidos, afirmam que exerciam as suas funções indistintamente a fazer rondas e na portaria.

Assim compatibilizando o ponto 24, com a prova produzida, designadamente a indicada pela recorrente, este ponto passará a ter a seguinte redacção:

24 – Tendo o campista L... ouvido os gritos da ofendida, alertou o porteiro I..., tendo ambos acorrido àquelas instalações sanitárias e arrombado a respectiva porta, juntando-se-lhes, depois, outro funcionário do parque, J..., que não estava de serviço.

1.2.2. Quanto aos factos não provados são vários os que a recorrente entende que não devia integrar este acervo de factos.

São eles:

- Os das alíneas e, f, g, h, i, j, k; l, m, e o, que deviam passar para os factos provados; e,

- O facto não provado sob a alínea o) está em contradição com o facto provado no ponto 46;

- Quanto às sequelas que a actuação do arguido provocou na menor C..., pontos e) f) h) i) e j):

Os pontos h) i) e j), saber se “durante toda a vida” a menor vai ser vítima dos factos praticados pelo arguido, e estes lhe vão causar “danos irreversíveis”, traduzem-se, num mero exercício de futurologia, cuja verificação depende de múltiplos factores do carácter e da futura vivência da menor, sem qualquer apoio no depoimento do pai da menor, nos exames a que foi submetida, e muito menos na experiência comum. Como diz o povo “o futuro a Deus pertence”,

e) A menor ainda hoje revela revolta.

Já este facto, é compatível tanto com o depoimento do pai, como com as regras da experiência apoiadas designadamente nos exames a que a menor foi sujeita, sendo que este hoje se reporta à audiência em primeira instância, quando o pai prestou depoimento, passando para os factos provados sob o ponto

  46-A . A menor ainda hoje revela revolta.

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Já quanto ao ponto f) dos factos provados, o pai da menor limitou-se a dizer que ela se sente constrangida e se tornou esquiva às suas carícias, não se podendo a partir daqui generalizar como se pretende com a redacção desta alínea.

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No que tange à alínea g) “o arguido é portador de hepatite C”

Apesar de no exame a que a ofendida foi sujeita no Serviço Social do C.H. do Baixo Vouga, em 24 de Agosto de 2012, se ter feito constar: “Segundo informação da coordenadora do IML o agressor terá sido observado neste IML e o HIDP, sendo que as análises efectuadas positivaram hepatite C” e da informação que consta a fls. 604, emitido pelo CHBV, destinada a exames médicos á ofendida, se ler “Resultado confirmatório de anticorpo hepatite C - Positivo”; a verdade é que não existe nos autos qualquer exame ao arguido que indique que ele era efectivamente portador do vírus da hepatite C.

O exame de sangue fls. 228, efectuado em 05.09.2012, apenas revela a existência de cocaína e seus metabolitos, sendo que o resultado confirmatório de anticorpo da hepatite C, não é a mesma coisa que ser portador da doença.

Ora, sendo este facto daqueles sujeitos a prova vinculada, e não havendo nos autos exame que comprove que o arguido era portador, à data da prática dos factos, daquela patologia, embora isso tivesse sido admitido como provável pelas autoridades sanitárias, destas duas informações apenas se pode extrair o que foi dado como assente no ponto 42 dos factos provados, ou seja: “ A menor e os pais ficaram apreensivos e receosos pelo risco de ter adquirido hepatite C”.

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Alínea K, quanto à vedação dá-se aqui por reproduzido o que acima se referiu a propósito da vedação, sendo que o facto alegado é o que está dado como não provado, certo sendo que nenhuma prova dele se fez.

Quanto á alínea l), pensamos também que nada há a censurar acerca da sua inserção nos factos não provados.

Com efeito, resulta do depoimentos de I...e J..., funcionários do parque, e M..., irmão deste último, que habitualmente o parque tem dois funcionários de serviço, um na portaria, e outro que faz rondas de vigilância ao parque, o que é diferente de ter apenas dois porteiros, como estava em causa na alínea em referência.

Quanto á alínea m) apesar de os depoimentos indicados, designadamente I...que estava de serviço à portaria ter afirmado que existia outro funcionário de nome N... a fazer a ronda de vigilância ao parque a verdade é que por qualquer razão, ele não se encontrava no local de trabalho quando ocorreram os factos que vitimaram a menor C... e assim, esta alínea tem de transitar para os factos provados sob o ponto

46. B – Na data e hora da ocorrência dos factos encontrava-se de serviço ao parque apenas o porteiro na recepção.

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Por fim, quanto à alegação de que a alínea O dos factos não provados estar em contradição com o ponto 46 dos provados.

Para dizer que não há qualquer contradição entre a preposição “acorda diversas vezes com sobressaltos” provado, e aqueloutra onde se diz “nunca mais teve uma noite de sono descansado”, pois que esta última é muito mais abrangente do que aquela, o que se retirou da matéria fáctica, ao fim e ao cabo, foi o “nunca”, difícil de provar e bem mais difícil de acontecer estando em causa comportamentos humanas e reacções fisiológicas e psíquicas aos acontecimentos da vida.

É manifesta, também, a falta de razão da recorrente também nesta parte.

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Quanto à omissão de pronúncia, dir-se-á apenas que o facto que a recorrente quer ver acrescentado, “ O parque de campismo apenas tem câmaras de vigilância na entrada e não nas outras zonas do mesmo”, não foi por si alegado quando formulou o pedido de indemnização civil.

O que aí alegou a este propósito foi, no nº 87, “Não tendo além disso um sistema de vigilância permanente”, que traduz uma realidade diferente daquela, muito mais abrangente do que aquela, e que está compreendida naqueles factos que se não provaram e que o tribunal entendeu não terem interesse para a decisão a proferir.

Efectivamente, quando adiante se tratar do pedido de indemnização contra a sociedade exploradora do parque, ver-se-á que este facto não tem, efectivamente qualquer interesse para a decisão a proferir.

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2. Matéria de direito

2.1.Como supra se disse, a impugnação que o arguido faz nesta sede é uma consequência da modificação que intentou fazer à matéria de facto e á “convolação” daí decorrente para crimes menos graves.

Improcedendo, aquelas alegações e permanecendo a matéria de facto imodificada não se vê como operar também a sua subsunção ao direito que tem necessariamente de soçobrar, estão assim prejudicados os pontos 2.1.1. e 2.1.2, face à solução dada à matéria de facto.

2.1.3. No entanto, e para não sermos acusados de omissão de pronúncia, dir-se-á que não se vislumbra como condenar o arguido pela prática de um crime de furto da máquina fotográfica transportada pela B..., atendendo aos factos a estes respeito provados reveladores de que o arguido exerceu violência sobre a menor quando puxou a máquina que ela trazia na mão e que devido á força usada pelo arguido não conseguiu segurar (factos provados em 8 e 9). A violência usada na apropriação implica a subsunção da conduta ao artº 210º nº1 do Cód. Penal, como foi feito na sentença recorrida.

Porque a conclusão 28 tem reflexo na medida da pena aplicada, dir-se-á, a propósito, que a matéria aí referida está reflectida no ponto 38.7 dos factos provados.

Esta situação, apesar de louvável, tem fraco valor atenuativo, já que a abstinência de drogas, ou o seu tratamento quando delas são dependentes, é uma condição exigível a qualquer cidadão comum. Contudo, esta situação foi devidamente levada em conta pelo tribunal recorrido, cujas penas parcelares e única encontradas se nos afiguram ajustadas, não merecendo qualquer reparo.

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2.2. Recurso da assistente

           2.2.1. Este ponto, que se reporta ao pedido de condenação do arguido com a agravante do nº3 do artº 177º do Cód. Penal está prejudicado com a solução que se deu à impugnação da alínea g) dos factos não provados, que manteve nesta categoria, julgando não provado o facto de o arguido ser portador de hepatite C.

Sempre se dirá, no entanto, e de forma esquemática, que apesar de a ofendida ter a qualidade de assistente, e assim ser auxiliar do MºPº, artº 69º, parece-nos que não é esta fase, de recurso, a asado para obter a condenação do arguido por uma agravante modificativa, artº 177º nº3 do Cód.Penal, que não consta da acusação, e por isso representa um desvio ao princípio do acusatório e da vinculação temática.

Bem sabemos que por força da acusação deduzida pelo MºPº, esta agravante passa apenas a relevar como agravante geral, artº 177º nº7 do Cód. Penal, provocando apenas uma alteração não substancial de factos, al. 1º, f) (a contrario), mas, nem por isso a assistente podia agora invoca-la - visto que não deduziu acusação, como lhe permitia o artº 284º nº1, nem tampouco requereu a instrução como lhe permitia o artº 287º, nº1, al. b) - apenas invocou este facto como integrador da responsabilidade civil que na qualidade de demandada quis fazer valer nestes autos fls. 518, de onde decorre falta de interesse em agir para agora vir recorrer invocando este facto (conf. Ac. STJ de 22.11.2001, in col. Juris, ano IX, tomo II, pág.220, especialmente o voto de vencido onde esta questão está tratada com clareza)

A acrescer a tudo isto, dir-se-á, ainda, que além de não ter sido alegado nada acerca da transmissibilidade da doença em causa, elemento objectivo da agravante, as qualificações estabelecidas nos nºs 1,3, 5 e 6, funcionam nas perspectivas da vítima e do agente, e que embora a lei não faça referência ao conhecimento da doença por parte do agente, ela, como elemento integrador do maior desvalor do tipo, só releva se o agente tiver conhecimento do seu estado de saúde (Comentário Conimbricense ao Código Penal, tomo I, pág. 587 e jurisprudência aí citada) – elementos que a assistente devia ter alegado na acusação nos termos do artº 284 nº1, ou instrução, artº 287º nº1 b) já referidos.

Por todas estas razões a pretensão recursiva da assistente está “ab initio” votada ao insucesso por carecer de interesse em agir (matéria a que nos referiremos com mais detalhe infra) para obter o agravamento da pena com este fundamento, devendo o recurso nesta parte ser rejeitado (artº 401º nº1, al. b), 420º nº1 al., b) e 414º nº2 e 3 do CPP

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2.2.2 Agravação da medida da pena

Aqui chegados e sabido que a aplicação das penas se insere no exercício do “jus puniendi” do Estado e que é ao Ministério Público que cabe promover a aplicação deste poder, coloca-se aqui o problema de saber se a assistente tem, quanto à matéria da agravação da medida da pena, interesse em agir.

Face ao que se dispõe no artº 69º, o nosso sistema processual penal reconhece ao assistente a qualidade de sujeito processual, e nessa qualidade, confere-lhe direitos processuais específicos. No entanto, por ter a natureza de mero colaborador do Ministério Público, nº1 do citado preceito, (salvo nos casos de crimes particulares) a lei fá-lo um sujeito processual subordinado.

Assim, pese embora a al. c) do nº2 do artº 69 º alargue o âmbito da actuação do assistente permitindo-lhe recorrer das decisões que o afectem, mesmo que o Ministério Público não o tenha feito, essas decisões só podem ser aquelas que contra ele proferidas, al. b) do nº1 do artº 401º, ou seja quando tiver interesse em agir.

Como se refere no Ac. STJ de18.01.2012 (relatado pelo Cons. Henriques Gaspar, proc. 1740/10.1JAPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt) “O interesse em agir do assistente, como pressuposto de recurso, significa a necessidade que tenha de usar este meio para reagir contra uma decisão que comporte uma desvantagem para os interesses que defende, ou que frustre uma sua expectativa ou interesse legítimos, que significa que só pode recorrer de uma decisão que determine uma desvantagem; não poderá recorrer quem não tem qualquer interesse juridicamente protegido na correcção da decisão.

A definição do concreto interesse em agir supõe, pois, que se identifique qual o interesse que o assistente pretende realizar no processo, e especificamente em cada fase do processo”

E, continua, “O interesse em agir, que consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelar um direito ameaçado que necessite de tutela e só por essa via possa obtê-la; o interesse em agir radica na utilidade e imprescindibilidade do recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo: trata-se de uma posição objectiva perante o processo, que é ajuizada “a posteriori”.

Na sequência do que foi dito, será que no caso dos autos, a assistente tem interesse em agir?

Encadeando o raciocínio acabado de explanar com o que foi dito no ponto anterior, a resposta não poderá deixar de ser negativa.

As finalidades da punição, que justificam a espécie e a medida da pena, não visam dar satisfação ao ofendido pelo crime, mesmo tendo a qualidade de assistente a lei não lhe confere o direito à punição, como forma de reparação ou de satisfação moral, não lhe permitindo exigir determinada medida a pena para satisfação do seu interesse moral.

A punição do arguido está dominada por um interesse público, não competindo ao assistente ser interprete desse interesse colectivo os da comunidade, afastando-se a este respeito da posição assumida pelo MºPº, relativamente ao “jus puniendi” que no nosso caso não recorreu.

Foi a propósito de casos como o dos autos, e tentando pôr termo a divergências jurisprudências que a matéria gerou que o STJ firmou a doutrina inserta no Acórdão Uniformizador nº8/99 (de 30.10.97, publicado no DR, 1ª-A série de 10.08.99), nos seguintes termos:

“ O assistente não tem legitimidade para recorrer desacompanhado do Ministério Público, relativamente a espécie e medida da pena, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir”.

No vertente caso, a assistente não invoca qualquer interesse próprio e concreto em agir na alteração da medida concreta da pena, que o Ministério Público, ao não interpor recurso entendeu ajustada, tendo mesmo manifestado essa opinião na resposta ao recurso da recorrente.

Ora, não tendo invocado qualquer interesse específico ou vantagem na aplicação de uma pena mais elevada, distinto das finalidades públicas da aplicação da pena, não pode este tribunal dizer que a decisão foi proferida contra o assistente (encadeando-se aqui a questão com a decidida no ponto anterior), e se existe interesse em agir relevante que possa integrar o pressuposto de admissibilidade do recurso nesta parte.

Em face do que foi dito, e nos termos do artº 401º nº1, al b), 420º nº1, al. b) e 414º nº2 do CPP, e assento supra referido, rejeita-se também nesta parte o recurso por falta de interesse em agir da assistente/recorrendo.

Sendo que a circunstância de ter sido admitido no tribunal recorrido, não vincula este tribunal, nº3 do artº 414.

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2.2.3. Quantum da indemnização arbitrada à ofendida.

Ao contrário das duas alíneas anteriores é aqui manifesto o interesse em agir da assistente/demandante em representação da ofendida, sua filha menor para tentar obter deste tribunal um agravamento da indemnização arbitrada, já que o foi abaixo daquilo que peticionou.

A recorrente restringe o seu recurso aos danos não patrimoniais, que foram fixados em €15.000,00, tendo ela peticionada a este título € 25.000,00 (artº77º do seu pedido de indemnização fls. 531)

Como diz e bem no seu recurso, socorrendo-se de um aresto desta Relação, a indemnização por danos não patrimoniais, deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica”

Ora no nosso caso, temos uma jovem, na adolescência - fase consabidamente difícil do ser humano - que é violentada na sua integridade física, na sua liberdade e na sua intimidade, com uma gravidade assinalável que lhe provocou dores físicas e um sofrimento psíquico e moral de relevo, como é reflectido com pormenor nos factos provados (na versão resultante da decisão supra a este respeito).

É consabido que a indemnização por danos não patrimoniais mais do que ressarcir o lesado de um prejuízo, visam compensa-lo do sofrimento que o facto ilícito lhe causou, neste caso os três crimes de que a ofendida foi vítima – de modo que a quantia arbitrada, posto que não pague a dor, que não tem preço, lhe permita obter bens ou outro conforto que lhe dê algum prazer e lhe proporcione alguma alegria que compense a dor que lhe foi provocada.

Tendo este pensamento por base, e sem esquecer que a demandante não conseguiu provar todos os danos não patrimoniais a que se propôs, mesmo assim, pensamos que a indemnização arbitrada pelo tribunal recorrido fica aquém do que impõe a gravidade das lesões de que foi vítima a menor C..., e do sofrimento físico e principalmente psíquico, que os crimes perpetrados pelo arguido lhe causaram.

Destarte, entendemos que em vez do montante arbitrado os danos não patrimoniais devem ser compensados com a indemnização que se fixa em € 23.000,00 (vinte e três mil euros).

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2.2.4. Pedido cível contra a demandada F....

Começa por se dizer que este pedido não devia ter sido admitido.

O facto criminoso pode dar origem a duas reacções judiciais diversas; uma de natureza criminal com vista à aplicação de uma pena; e, outra de natureza civil que se consubstancia na reparação dos danos causados com o crime.

O artº 71º consagra o princípio da adesão ou interdependência obrigatória do pedido cível de acordo com o qual o direito à indemnização por perdas e danos sofridos com um ilícito criminal só pode, em princípio, ser exercido no processo penal, ou seja aquelas duas reacções contra o facto criminoso têm em princípio, de ser formuladas em conjunto no processo penal.

Por seu turno o artº 129º do Cód. Penal, ao dispor que a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil, parece consagrar a tese da natureza civil da reparação de perdas e danos (conf Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, I vol., pág. 379)

Decorre do que foi dito, que a causa de pedir da acção cível enxertada tem de ser sempre o ou os ilícitos criminais que deram origem ao processo penal.

Bem sabemos que o artº 73º nº1 permite a intervenção no processo penal de responsáveis meramente civis, mas não nos parece que a entidade que explora o parque de campismo onde a menor C... foi vítima dos crimes tenha essa qualidade.

Os responsáveis meramente civis a que se alude naquele preceito são aqueles que tem obrigação de indemnizar independentemente de culpa, caso da transferência de responsabilidade (por força do seguro obrigatório em acidentes estradais, em que só o responsável civil tem legitimidade para ser demandado se o pedido estiver contido nos limites do seguro (artº 64º do DL 291/2007, de 21.08 e também casos do art 62º do mesmo diploma em que o FGA é demandado com o responsável pelo crime decorrente do acidente) e outras transferências de responsabilidade por ex. seguros de responsabilidade civil por actos médicos) ou responsabilidade pelo risco, onde não estão contemplados, casos do jaez do dos presentes autos.

É certo que o pedido cível enxertado na acção penal tem autonomia relativamente á acção penal, mas essa autonomia respeita apenas à procedência da acção penal que não depende em absoluto, da procedência da acusação penal, como resulta do disposto no artº 377º porque a autonomia genética não existe, ou seja, a causa de pedir da acção civil tem sempre de assentar nos factos em que assenta a responsabilidade criminal.

Ora, com ressalta do pedido efectuado contra a sociedade exploradora do parque de campismo causa de pedir não é constituída pelos crimes de que foi vítima a menor C... enquanto aí estava acampada, mas a falta de condições de segurança e vigilância do parque.

Logo por esta via o pedido cível devia ter sido liminarmente rejeitado por falta de legitimidade passiva da Sociedade F..., Lda – artº 26º, 494º al. e) e 493 todos do Cód. Proc. Civil em vigor à data em que foi formulado o pedido.

Porém, e visto que a excepção dilatória de conhecimento oficioso, não foi conhecida em nenhuma das diferentes fases do processo, e que chegou até à fase de recurso, dir-se-á que para além daquele vício de forma, existe ainda um vício de fundo que não permite que se condene a referida sociedade, e sempre assim seria mesmo que se tivessem dado como provados todos os factos alegados pela demandante, e isto porque os crimes não podem ser considerados causa adequada da falta de cumprimento dos deveres de segurança e vigilância que são impostas à sociedade demandada pela portaria 1320/2008 de 17 Nov., máxime, artº 8º e 23º, o primeiro relativo à delimitação dos parques e o segundo ao serviço de vigilância.

 O artº 563º do Cód. Civil acolheu a teoria da causalidade adequada, de acordo com a qual um dano só pode ser tido como resultado de uma determinada causa se, em prospectiva, esse dano puder ser considerado um desdobramento natural da causa, considerada esta, em abstracto. Esta teoria introduz no conceito de nexo causal um juízo probabilístico, em síntese, à luz de um dano conhecido há que investigar se esse dano é um efeito normal, provável, de determinado evento, ou se ao invés, esse dano representa um facto extraordinário e imprevisível, só no primeiro caso o dano é causa adequada do evento, e pode ser pressuposto da obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade civil.

A causa juridicamente relevante de um dano é aquela que em abstracto, se mostra adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo as regras da experiência com os conhecimentos do agente. Há, por isso, que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontram para com o resultado numa relação mais estrita, isto é numa relação tal que seja razoável impor ao agente a responsabilidade por esse resultado. O agente responderá pelos danos para cuja produção a sua conduta era adequada, ainda que haja a conduta de terceiros a concorrer para esse resultado. (Conf. Ac. STJ de 8 de Maio de 2012, proc. 908/08.5TTBRG.P1.S1, e Ac. Rel Lisboa de 27.05.2004, proc. nº 3762/2004.6 in www.dgsi.pt)

Ora, a vigilância deficiente do parque de campismo não pode ser considerada causa adequada dos crimes cometidos. Não é pelo facto de o parque ter acesso mais ou menos facilitado que a violação aconteceu, embora facilite a entrada de intrusos, sendo todavia certo que a violação podia ter sido perpetrada por alguém que fosse utente do parque. Isto para dizer que do ponto de visto todas as circunstâncias que facilitam o evento/crime podem ser tidos com causa, mais próxima ou mais distante, mas a causa adequada do dano – aquela que sem ela o dano não existiria é só o crime, neste caso os crimes, e não o incumprimento dos regulamentos ou do contrato que a sociedade que administra o parque fez com o utente, neste caso o pai da vítima.

Em face do exposto, a sociedade demandada tem de ser absolvida do pedido, embora por diferentes razões das apontadas na sentença recorrida.

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III - DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se:

I. Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo do arguido.

II. Quanto ao recurso da assistente:

Matéria de facto:

Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela assistente e, assim:

A) Alterar o ponto 24º dos factos provados que passará a ter a seguinte redacção:

      24 – Tendo o campista L... ouvido os gritos da ofendida, alertou o porteiro I..., tendo ambos acorrido àquelas instalações sanitárias e arrombado a respectiva porta, juntando-se-lhes, depois, outro funcionário do parque, J..., que não estava de serviço na recepção..

B) Acrescentar aos factos provados os seguintes pontos:

   46.A - A menor ainda hoje revela revolta.

              46.B – Na data e hora da ocorrência dos factos encontrava-se de serviço ao parque apenas o porteiro

       Com a correspondente eliminação dos factos não provados das alíneas e) e m).

Quanto à matéria de direito:

Parte criminal:

Rejeitar o recurso da assistente na parte em que visa obter a condenação do arguido pela agravante do nº3 do artº 177º do Cód. Penal;

Rejeitar o mesmo recurso na parte em que visa obter uma agravação da pena aplicada ao arguido.

Parte civil:

Julgar parcialmente procedente o recurso relativo a pedido civil e condenar o arguido na quantia de € 23.000,00 (vinte e três mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Julgar improcedente o pedido formulado contra a demandada F..., Lda., e absolve-la do pedido.

Quanto ao mais, mantém-se a sentença recorrida

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Custas da parte criminal pelo arguido, artº 513º nº1, do CPP, com a taxa de justiça que se fixa em 5 Uc. A assistente pagará taxa de justiça, que se fixa em 7 Uc, artº 515º nº1 al. b) do CPP, que já engloba a quantia a que se reporta o artº 420º nº3 CPP (relativamente às partes rejeitadas)

Custas do pedido cível em que foi condenado o arguido, por arguido e assistente na proporção de vencido.

Custas do pedido formulado contra a demandada F... a cargo da Assistente

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Coimbra, 5 de Fevereiro de 2014

(Cacilda Sena - Relatora)

(Elisa Sales)