Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
360/17.4TBFIG-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA ALTERNADA
Data do Acordão: 12/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - F.FOZ - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1906 CC, 36 Nº5 CRP, LEI Nº 65/2020 DE 4/11
Sumário: Mesmo não existindo acordo dos pais, a residência alternada é uma solução adequada ao exercício conjunto das responsabilidades parentais – artigo 1906.º do CC –, salvo se o desacordo se fundamentar em razões factuais relevantes ou se mostrar que a medida não promove os interesses do filho.
Decisão Texto Integral:







Recorrente …………………S (…)

Recorrido……………………A (…)


*

I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto da decisão que julgou procedente o pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais relativamente aos filhos de recorrente e recorrido, L (…), nascida em 20/7/2010 e J (…), nascido em 20/8/2014.

Sucintamente, o pai dos menores veio alegar que os filhos deverão ter um regime de residência semanal alternada com ambos os pais, em lugar de terem residência fixa com a mãe e um regime de convívios alargado a cinco dias por semana com o pai, argumentando que os filhos necessitam igualmente da presença do pai e da mãe.

A mãe dos menores pronunciou-se no sentido da manutenção da situação em vigor, argumentando que o Requerente quer a guarda partilhada para se libertar da prestação e alimentos que entrega à requerida, porquanto o relatório social junto aos autos desaconselhou o regime de guarda partilhada, sendo certo que a permanente conflitualidade entre os progenitores, quando têm de manter contactos entre si, também desaconselha a alteração do regime conforme pretende o requerido, além de que, nos dias em que os menores estão com o pai, a mãe adaptou a sua vida profissional de forma a obter mais rendimento para o agregado familiar e poder facultar aos menores tudo quanto venha a ser necessário.

No final foi proferida esta decisão:

«Termos em que julgo provada e procedente a presente acção de alteração regulação do exercício das responsabilidades parentais relativa aos menores L (…), nascida em 20/7/2010 e J (…), nascido em 20/8/2014, proposta pelo pai, A (…), contra a mãe das crianças, S (…), fixando aos filhos de ambos o seguinte regime de residência alternada:

1.ª

As crianças terão o seu domicílio civil e fiscal com a mãe, para efeitos do art.º 85.º do Código Civil, que será a sua encarregada de educação escolar.

2.ª

As decisões de particular importância relativamente à vida dos menores devem ser tomadas por ambos os progenitores, designadamente as seguintes:

a) a escolha e inscrição da criança em estabelecimento de ensino privado ou público, mas já não qual o estabelecimento de ensino público, se localizado na área de residência habitual da criança;

b) as intervenções cirúrgicas que impliquem risco para a vida ou integridade física da criança (incluindo as estéticas);

c) o exercício de uma actividade laboral por parte da criança ou adolescente (incluindo as passagens de modelos, participação em espectáculos e actividades artísticas ou de publicidade);

d) a escolha da orientação religiosa até aos dezasseis anos (artigos 1886.º do Código Civil e 11.º da Lei da Liberdade Religiosa);

e) as saídas (de férias ou participando em actividades) para o estrangeiro desacompanhadas de algum dos pais;

f) a localização ou determinação do centro de vida (a alteração de residência que implique uma mudança geográfica para local distante dentro do próprio país ou para o estrangeiro, ou seja, a mudança de domicílio para o estrangeiro ou das Ilhas ou para as Ilhas);

g) a prática de actividades desportivas que impliquem risco para a vida, saúde ou integridade física;

h) a celebração de casamento aos dezasseis anos (artigos 1612.º do Código Civil e 149.º do Código de Registo Civil);

i) uso de contracepção ou a interrupção da gravidez até aos dezasseis anos pela Leonor (artigo 142.º do Código Penal);

j) a obtenção da licença de condução de ciclomotores e de carta de condução de motociclos de cilindrada não superior a 125 cm3;

k) o exercício do direito de queixa (artigos 1881.º do Código Civil e 113.º do Código Penal): tendencialmente deverá ser de ambos os progenitores que tenham a guarda conjunta;

l) as decisões de administração que envolvam onerações ou alienações de bens ou direitos da criança (artigo 1889.º do Código Civil);

m) as decisões que envolvam questões de disciplina grave relativas à criança ou adolescente, nomeadamente aquelas que possam implicar a aplicação de medida educativa disciplinar sancionatória;

n) a escolha da naturalidade (artigo 101.º, n.º 2 do Código de Registo Civil);

o) a escolha de ensino universitário ou profissional;

p) receber indemnização a pagar a qualquer dos menores;

q) requisição de passaporte; e

r) orientação profissional do filho ou filha.

3.ª

O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente dos menores cabe ao progenitor com quem eles residam na ocasião.

4.ª

Os menores L (…) e J (…) passarão uma semana alternada com o pai e com a mãe, a começar no dia 20 de Setembro de 2020 com o pai, devendo a troca processar-se ao domingo, após o jantar.

5.ª

Na semana em que um dos progenitores não tenha os menores consigo, poderá jantar com os mesmos à quarta-feira, ou noutro dos dias da semana em que ambos acordem.

6.ª

Os menores passarão com o pai o período compreendido entre o 1.º dia após o termo do primeiro período escolar de 2020 e as 11h30 do dia 25 de Dezembro do mesmo ano, ficando o restante período com a mãe, alternando nos anos subsequentes.

7.ª

As crianças passarão a primeira semana das férias escolares de Páscoa de 2021 com o pai e a segunda semana com a mãe, alternando-se a ordem nos anos seguintes.

8.ª

Nas férias escolares de Verão:

a) Os menores passarão o período de férias pessoais de cada progenitor com o mesmo, devendo os períodos de férias ser comunicados pelos pais, um ao outro, até 30 de Abril de cada ano.

b) Em caso de coincidência daqueles períodos, dever-se-á proceder à sua repartição em períodos iguais de gozo de férias dos menores com os pais.

c) O restante período das férias escolares de Verão será passado no regime normal, de alternância semanal.

9.ª

Os menores passarão o dia do aniversário de cada um dos pais na sua companhia, sem prejuízo dos horários escolares e das suas actividades.

10.ª

As crianças passarão os seus aniversários na companhia de ambos os pais, sem prejuízo dos horários escolares e das suas actividades, mas quando tal não seja possível, farão uma refeição com a mãe e outra com o pai.

11.ª

Qualquer dos pais pode viajar nas férias escolares com os filhos dentro da União  Europeia e para países terceiros, neste caso, desde que para lugar seguro, devendo comunicar ao outro progenitor o local de destino e manter-se telefonicamente contactável.

12.ª

As despesas com a educação (material escolar, livros, actividades extracurriculares e explicações, neste último caso a acordar entre os progenitores), médicas, consultas incluídas, e medicamentosas, todas na parte não comparticipada, serão suportadas na proporção de metade por cada progenitor e comunicadas ao progenitor devedor no prazo máximo e obrigatório de 30 (trinta) dias, sob pena de não serem exigíveis, acompanhadas de apresentação de cópias das facturas/recibos, a emitir em nome dos menores, devendo ser pagas no prazo de 30 (trinta) dias, por transferência bancária.

13.ª

O subsídio familiar a crianças e jovens será processado à progenitora, devendo esta depositar mensalmente o respectivo valor em conta bancária aberta a favor dos menores.

Custas pela progenitora, S (…), por ter decaído na acção (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.), sem prejuízo do disposto no R.C.P., dado que o processo foi impulsionado pelo progenitor, A (…), mas teve alegações de ambos os progenitores, tendo-se ainda em conta o apoio judiciário concedido à mãe.

Valor da acção: €30.000,01 (art.º 303.º, n.º 1, do C.P.C.).

Comunique à competente Conservatória do Registo Civil, nos termos dos arts. 69.º, n.º 1, e) e 78.º do C.R.C. e dos arts. 1920.º-B, a) e 1920.º-C, do Código Civil»

b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte da mãe dos menores cujas conclusões são as seguintes:

«1. Entende a requerida que a douta sentença – que ora se coloca em causa – na sua fundamentação de direito e na fundamentação probatória desconsiderou, com particular relevância para o caso, o Relatório de Avaliação Psicológica realizado a 26.02.2020, solicitado por promoção do Exmº Procurador do Ministério Público de fls… e ainda o Relatório Social realizado a 18.06.2018.

2. Para fundamentar a sua decisão dando como provada determinada matéria de facto considerou o referido Relatório de Avaliação, mas relativamente a outra matéria que consideramos mais importante, olvidou por completo, o que nele está expressamente espelhado.

3. No relatório social de 18/6/2018, elaborado a pedido do M.P. em processo administrativo, devido à discórdia dos progenitores quanto a uma alteração do regime, foi formulado um parecer final onde se refere que um regime de residência junto de um dos pais, com tempos de convívio mais alargados e revisão de uma eventual prestação de alimentos poderia contribuir para pacificar a situação de litígio entre os pais e mostrar-se mais benéfico para as crianças”.

4. Quanto a este ponto concreto da matéria de facto dado como provada o Mª Juiz a quo não deixou também como provado um facto da maior importância e que o mesmo relatório expressamente afirma:

“Em nosso entendimento, face ao grau de conflito existente ente os pais, não estão reunidas as condições para prosseguir com regime de residência alternada, não nos parecendo também adequado o anterior regime reclamado pela mãe”.

5. O Mª juiz, desconsiderou que a pretensão do pai em ter a residência alternada dos menores tinha sido inicialmente desaconselhada naquele relatório.

6. O pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais feito pelo pai (e que deu entrada apenas 8 meses depois de se ter obtido por acordo o referido regime de visitas alargado conforme aquele relatório de 18.06.2018 sugeria ser o mais adequado) não assenta em nenhum facto ou factos que demonstrassem haver necessidade para a alteração do regime em vigor.

7. O Pai no seu requerimento para alteração do regime vigente não alegou um facto sequer que naqueles 8 meses de vigência tivessem ocorrido situações ou surgido circunstâncias que impusessem/ aconselhassem uma alteração, conforme peticiona.

8. Não logrou demostrar haver motivo e/ou justificação para alteração do regime e muito menos provou a sua pretensão.

9. Não logrou demonstrar que o regime em vigor, era desaconselhável e/ou prejudicava os superiores interesses dos menores.

10. A pretensão do pai mais não passa duma vontade pessoal de “alargar” um regime já por si bem favorável e satisfatório para a salvaguarda dos interesses dos menores, apenas para satisfação de interesses pessoais (não pagamento da pensão de alimentos)

11. A pretensão do pai baseou-se numa pretensão estritamente pessoal, não baseada ou sustentada em factos que demonstrasse existir numa necessidade que se impusesse ao caso.

12. A pretensão do pai está alicerçada, conforme alega, apenas num direito que lhe assiste e não em circunstâncias que impusessem uma alteração do regime em vigor.

13. Em suma, o que o requerido disse (sempre) é que a sua pretensão assentava num direito que lhe assiste, não em necessidades prementes dos menores ou em estrito benefício dos menores.

14. O pai não sustentou, por qualquer forma, que a sua pretensão salvaguardasse, ou acautelasse de uma forma melhor, ou mais completa os interesses dos menores ou sequer que o regime vigente prejudicava os superiores interesses das crianças, nem há, por conseguinte, prova alguma nos autos que sustente, assim, a pretensão do pai.

15. Assim, a presente ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais deveria ter sido, ab initio, indeferida por manifesta falta de fundamentação factual acerca das circunstâncias que tornasse necessária uma alteração, conforme impõe o artigo 42º do RGPTC.

16. Ainda que não vigore o princípio do ónus da alegação e prova, conhecendo o Tribunal de todos os factos que apure, mesmo dos que não tenham sido alegados pelas Partes, o certo é que o Tribunal a quo não deu como provados factos (ainda que não alegados pelo pai) que justificassem a necessidade da alteração do regime.

17. O Mº Juiz a quo na sua motivação decisória desvalorizou, em nosso modesto entendimento, a conclusão espelhada no Relatório de Avaliação Psicológica que afirma que “…quer a L (…) quer o J (…) manifestam satisfação com o regime em vigor e não desejam alterá-lo”.

18. Esta manifestação de vontade dos menores deveria ser o elemento mais importante e decisivo para a motivação da decisão judicial, o que não se verificou – apesar de contar da al. f) do ponto 7 da matéria de facto provada.

19. Estamos, evidentemente, perante um relatório pericial segundo o qual foi elaborado um parecer que visou responder ao solicitado pelo respeitoso Tribunal, mais concretamente, perceber o sentir das crianças quanto à pretensão do pai de guarda compartilhada.

20. Se o tribunal entendeu que as crianças eram validamente capazes de exteriorizar o seu sentimento sobre a pretensão do pai não pode depois na sua motivação o Mº Juiz a quo dizer que os menores “têm falta de maturidade e experiência de vida para compreender o alcance da residência alternada, embora tenham exprimido as suas opiniões na perícia”.

21. Sabendo ou não o alcance da residência alternada, os menores deixaram expresso estar adaptados ao regime de visitas vigente àquela data, deixaram expresso que satisfazia plenamente as suas necessidades/interesses e manifestaram intenção de não o alterar.

22. Se manifestaram essa intenção é porque sentiram que mais do que isso não seria necessário, (seja a nível educativo, cívico, lúdico ou outro), e não queriam mais dias com o pai.

23. O argumento apresentado pelo Mº Juiz a quo no sentido de que com a alteração do regime “atribuindo o mesmo tempo de convívio com as crianças a pai e mãe, estaremos a contribuir para que os menores cresçam mais felizes…” apresenta-se desprovido de qualquer base legal ou científica e também de qualquer base probatória, e apresenta-se como um argumento de “futurologia”, opinativo, num mero intuicionismo, mas a Lei impõe como critério e base essencial da fundamentação da decisão em matéria de facto, o «exame crítico das provas».

24. Sendo a vontade das crianças não uma decisão mas um facto relevante, entendemos que o Mº Juiz a quo não a valorou convenientemente, ou seja, de forma a encontrar, como lhe compete a melhor solução no caso concreto e que acautele devidamente os superior interesse das crianças.

25. Pois que, nesse seguimento, refere ainda o Mº Juiz a quo na sua motivação que “...quanto à decisão final do juiz, que na qualidade de peritus peritorum, pode decidir desatendendo às conclusões periciais. Todavia, nem é esse o caso, pois o relatório pericial dá nota de não emergir qualquer indicador de desconforto face a uma eventual alteração ao regime…” mas o relatório diz muito mais que isso, diz algo bem diferente e mais importante – diz que “Apesar de não emergir qualquer indicador de desconforto face a uma eventual alteração ao regime de tempos parentais, quer a L (…) quero o J (…)manifestam satisfação com o regime em vigor (e não desejam alterá-lo)”

26. Ainda que se aceite que o Juiz seja o perito dos peritos, a sua decisão não pode deixar de estar vinculada aos princípios e critérios impostos pela Lei e não podia o Mº Juiz a quo apenas atender a uma parte do Relatório de Avaliação e desconsiderar a outra parte que menciona expressamente que os menores não desejam alteração do regime pois se sentem adaptados e satisfeitos ao que vigorava.

27. As decisões proferidas em processo tutelar cível aplica-se o princípio geral decorrente do artigo 154º, nº1, do Código Processo Civil, pelo qual se impõe um dever geral de fundamentação de todas as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido, acrescentando-se no nº 2 que a justificação não pode consistir na mera adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, sob pena de nulidade.

28. O Mº Juiz ao referir que “a residência alternada das crianças com cada um dos pais já existe nos períodos de férias escolares, nos termos do regime em vigor, não tendo havido constrangimentos no cumprimento do clausulado para essas férias”, não só por isso e sem qualquer fundamentação jurídica e crítica a alteração do regime, não só porque não foram alegados factos que nesse sentido impusesse a referida alteração, como ainda porque essa circunstância se cinge apenas ao período das férias de verão (2 meses ano) e numa altura em que as crianças estão libertas das rotinas escolares, mais descontraídas.

29. O que as crianças dizem no Relatório de Avaliação serve para justificar uns factos (concretamente, que a residência alternada que funciona bem no verão) mas já não serve para justificar outros factos (que o regime em vigor, em regime de visitas alargado em que nas férias do verão se pratica a residência alternada, também funciona na perfeição durante o resto do ano sendo o adequado e as crianças manifestaram a vontade de não o alterar).

30. A opinião das crianças, por um lado, tem valor relevante e decisivo e, por outro não tem valor algum e representa falta de maturidade.

31. A decisão que ora se impugna está repleta de contradições que o Mº Juiz a quo faz entre os factos provados e a sua motivação de Direito, onde pretende justificar o injustificável, sem que o faça com a razoabilidade e credibilidade que lhe é exigida.

32. O Mº Juiz a quo não fez uma ponderada análise crítica das provas/documentos constantes dos autos, desvalorizando em concreto a parte mais importante do Relatório de Avaliação feita aos menores, maxime¸ quando aqueles manifestaram o desejo de não ver alterado o regime de visitas vigente para um regime de acordo com a pretensão do pai.

33. Não há mais prova bastante nos autos que permitisse ao Mº Juiz a quo fundamentar a decisão que ora se coloca em causa isto porque, o cerne da questão está inequivocamente ligado à falta de alegação de factos que consubstanciasse uma necessidade de alteração do regime em vigor.

34. O Tribunal a quo trilhou por um caminho que era, desde o início, intransitável, ou seja, para justificar e fundamentar a sua decisão, além de entrar em constantes contradições, emite um juízo final daquilo que entende ser a melhor solução para o caso, um juízo puro e de mera intuição e convencimento, ao invés de sustentar a sua motivação com uma análise crítica e segura de elementos de prova legal e com matéria importante e relevante, como é o caso do relatório de avaliação psicológica.

35. Dizer-se como se diz na douta Decisão que ora se impugna que: “Portanto, atribuindo o mesmo tempo de convívio com as crianças a pai e mãe, estaremos a contribuir para que os menores cresçam mais felizes, com melhor educação, não só cívica, como também para as questões quotidianas, recebendo os impulsos de orientação vindos dos dois lados da família alargada, tendo as crianças progenitores competentes e carinhosos”, é pura manifestação de mera intuição e convicção, desprovida de qualquer prova legal, desprovido, por isso, de qualquer exame crítico de prova que não existe.

36. O Mº Juiz a quo acabou por proferir uma decisão sobre uma pretensão desprovida de factos que impusesse uma alteração ou que justificassem existir uma necessidade para essa mesma alteração e como tal, acabou por decidir emitindo apenas uma mera opinião/intuição de que a solução proferida (e que vai ao encontro da pretensão do pai), melhor acautela o interesse das crianças sem haver nos autos qualquer prova nesse sentido e decidiu sem qualquer fundamentação fática e jurídica o que acarreta, por si, também, a nulidade da sentença.

37. Considerando os factos dados como provados e a decisão final proferida verificamos existir também uma oposição entre si porquanto a fundamentação de facto ou de direito se mostra inequivocamente insuficiente e em termos tais que não permitem ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito que levaram a essa decisão judicial.

Nestes termos e melhores de Direito que V. Exªs suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, consequentemente, ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo substituindo-se por outra na qual se decida declarar nula a decisão proferida por falta de fundamentação fática e jurídica e/ou decidir pela improcedência do pedido de alteração porquanto nenhum facto ou circunstância foi alegado e está provado que impusesse ser necessário essa alteração bem como ainda porque consta dos autos prova pericial, prova legal plena que foi desconsiderada sem fundamento para isso e que, a não sê-lo, imporia uma decisão em conformidade e diferente da que foi proferida, concretamente, uma decisão que indeferisse a pretensão do requerente.

Fazendo, assim e dessa mais elevada forma, a mais elementar e sã justiça!»

c) O pai dos menores contra-alegou nos seguintes termos:

«I. A douta sentença recorrida fez correcta apreciação dos elementos probatórios juntos aos autos, pelo que a decisão proferida sobre a matéria de facto não merece censura, seja quanto aos factos considerados provados ou não provados, seja por omissão de qualquer facto que fosse necessário à boa decisão da causa.

II. O relatório social de 18/06/2018, para além de se encontrar ultrapassado pelo relatório efectuado em 26/02/2020, este necessariamente mais actual, já aconselhava, por considerar benéficos, tempos de convívio mais alargados com o recorrido.

III. Do relatório de avaliação psicológica de 26/02/2020 resulta estarem verificadas a condições que permitem concluir pelo estabelecimento do regime de residência alternada, como desde logo resulta de ali se referir que não emerge qualquer indicador de desconforto face a uma eventual alteração do regime de tempos parentais.

IV. Tal relatório foi devidamente analisado e equacionado na sentença recorrida, nada obstando ao estabelecimento da residência alternada e este regime, por proporcionar igualdade de convívio com os dois progenitores, é o que melhor salvaguarda o crescimento e educação dos menores bem como o direito de ambos os pais a conviverem com os filhos em condições de igualdade.

V. A recorrente não apresenta qualquer justificação cabal que obste à aplicação da decidida residência alternada.

VI. Para além do demais, ao contrário do que alega a recorrente, estão correctamente julgados os pontos 3 e 8 da matéria de facto.

VII. Conforme impõe o n.º 7 do art. 1906.º do C.C., o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.

VIII. O regime da residência alternada é aquele que jurisprudencialmente tem vindo a ser defendido quando, como é o caso, nenhuma circunstância exista que justifique a sua não aplicação.

IX. A douta decisão recorrida, ao decretar a residência alternada e ao estabelecer o respectivo regime, fez correcta apreciação dos factos e correcta aplicação do direito, pelo que, não pode merecer qualquer reparo.

Termos em que, Deve ser negado provimento ao recurso interposto.

Assim se fazendo JUSTIÇA».

d) O Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:

«1. Do requerimento de interposição de recurso

Estatui o artigo 639.º (Ónus de alegar e formular conclusões) do Código de Processo Civil que:

1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:

a) As normas jurídicas violadas;

b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;

c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada…”

Compulsado o recurso interposto, verifica-se que apesar das 37 (trinta e sete!) conclusões nele insertas, em lado nenhum das mesmas se fez constar qualquer norma jurídica violada. Ou seja, o recurso interposto não pretende discutir o direito, mas apenas questões de facto, tal como foram dadas como provadas e depois valoradas.

Todavia, dispõe o artigo 640.º (Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto) do mesmo diploma legal que:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas…”

Os requisitos formais de admissibilidade da impugnação da decisão de facto, mormente os constantes do artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPC, têm em vista, no essencial, garantir uma adequada inteligibilidade do objeto e alcance teleológico da pretensão recursória, de forma a proporcionar o contraditório esclarecido da contraparte e a circunscrever o perímetro do exercício do poder de cognição pelo tribunal de recurso.

Seria de esperar que no requerimento de recurso se tivessem apresentado sintéticas conclusões, em vez das 37 (trinta e sete!) que nele constam, que nada acrescentam de útil ao que no recurso se diz, sendo certo que se confunde no requerimento de interposição de recurso o que é tramitação processual com a sentença que se quer impugnar.

Por outro lado, só um exercício generoso nos permite perceber o que realmente se invoca, que é o que vamos tentar fazer de seguida, mas sem deixar de invocar aqui o incumprimento pela recorrente do ónus a seu cargo.

II. Do recurso

Quanto ao Ponto 3 dos factos provados, onde se refere o seguinte: “3. No relatório social de 18/6/2018 (que se dá aqui por reproduzido), elaborado a pedido do M.P. em processo administrativo, devido à discórdia dos progenitores quanto a uma alteração do regime, foi formulado um parecer final onde se refere que um regime de residência junto de um dos pais, com tempos de convívio mais alargados e revisão de uma eventual prestação de alimentos poderia contribuir para pacificar a situação de litígio entre os pais e mostrar-se mais benéfico para as crianças.”

Para a recorrente, não referiu a sentença que consta do relatório social de 18/6/2018 o seguinte: “Em nosso entendimento, face ao grau de conflito existente ente os pais, não estão reunidas as condições para prosseguir com regime de residência alternada, não nos parecendo também adequado o anterior regime reclamado pela mãe.”

Ora, não se trata aqui se impugnar o ponto 3 dos factos provados, mas apenas de alegar que no relatório também se disse algo mais.

Acontece, todavia, que, como se refere no ponto seguinte, dos factos provados (ponto 4), “No apenso A de incumprimento da prestação de alimentos pelo pai, foi acordado pelos pais alterar o regime mencionado, passando os menores a passar um fim de semana alargado com o pai, quinzenalmente, recolhendo-os este na escola à quinta-feira e entregando-os aí na segunda-feira seguinte, além de os recolher na escola à quarta-feira, entregando-os na escola no dia seguinte, nas semanas em que não passasse o fim-de-semana com os filhos, aos quais passou a pagar globalmente o valor de €220 por mês a título de alimentos, acordo que foi homologado por sentença de 5/9/2018, transitada em julgado.”

Ou seja, a questão invocada não tem interesse, pois sendo verdade o que se diz no relatório, o certo é que foi alcançado um acordo homologado por sentença que data de 5 de setembro de 2018, ou seja, atendendo ao tempo das crianças, de há muito tempo atrás!

Não se vê que utilidade tenha neste momento aquele preciosismo impugnatório, quando a sentença se limitou a indicar sinteticamente o que determinou um acordo e uma sentença homologatória, não impugnada.

Insurge-se depois o recurso contra o Ponto 5 dos factos provados, onde consta o seguinte:

“5. No presente apenso C, o pai pretende alargar mais o regime de convívios com os filhos, vista a relação afetiva que mantém com eles, passando as crianças a ter, semanalmente, residência alternada entre pai e mãe, ao que a mãe se opõe, pretendo a manutenção do regime alterado em vigor, entendendo que a mudança seria um fator de desestabilização do quotidiano das crianças.”

Refere a recorrente que o Tribunal a quo não deu como provados factos (ainda que não alegados pelo pai) que justificassem a necessidade da alteração do regime e que o cerne da questão está inequivocamente ligado à falta de alegação de factos que consubstanciasse uma necessidade de alteração do regime em vigor, pois para a recorrente a pretensão do pai mais não passa duma vontade pessoal de “alargar” um regime já por si bem favorável e satisfatório para a salvaguarda dos interesses dos menores, apenas para satisfação de interesses pessoais (não pagamento da pensão de alimentos).

Para a recorrente “Impor” mais dias poderá criar nas crianças um sentimento de revolta e mal-estar, pois manifestaram não ser essa a sua vontade. Refere ainda que ter-se decidido como se decidiu é não zelar pelo superior interesse das crianças, mas sim proporcionar-lhes, certamente, uma infelicidade que não a tinham até então.

Acontece, todavia, que o Ponto 5 dos factos provados está corretamente julgado. Impugná-lo com tais argumentos não corresponde a uma impugnação desse ponto 5, mas a uma discordância com a sentença no seu todo, na solução que implementa, o que não se traduz numa impugnação

do ponto 5 dos factos provados.

Vejamos o que se provou por segmentos:

- “No presente apenso C, o pai pretende alargar mais o regime de convívios com os filhos…”;

- “…vista a relação afetiva que mantém com eles…”;

- “…passando as crianças a ter, semanalmente, residência alternada entre pai e mãe…”;

- “…ao que a mãe se opõe…”;

- “…pretendo a manutenção do regime alterado em vigor…”;

- “…entendendo que a mudança seria um fator de desestabilização

do quotidiano das crianças…”.

Verifica-se, pois, que o Ponto 5 é meramente descritivo das pretensões processuais, não tendo qualquer incorreção.

Nesse Ponto 5 a sentença não valida nenhuma pretensão ou opinião dos pais, apenas as descrevendo.

Passa depois o recurso para a afirmação de que “…o Tribunal a quo não deu como provados factos (ainda que não alegados pelo pai) que justificassem a necessidade da alteração do regime”.

Ou seja, alega-se insuficiência dos factos provados ou não especificação dos factos que foram decisivos para a decisão, porque não refere factos (ainda que não alegados pelo pai) que justificassem a necessidade da alteração do regime.

Não demonstra, contudo, minimamente o que alega, a violação do dever geral de fundamentação.

O ónus de demonstrar a falta de fundamentação incumbe à recorrente.

A sentença fixou os factos provados e indica de forma precisa a fundamentação probatória, que tinha de ser atacada ponto por ponto para se poder querer decisão diferente. Tal não é realizado no recurso!

A recorrente, todavia, entende que a douta sentença desconsiderou, com particular relevância para o caso, o relatório de avaliação psicológica realizado a 26.02.2020.

Encontra-se aqui a verdadeira sustentação recursiva.

Para a recorrente, a sentença a quo na sua motivação decisória desvalorizou a conclusão espelhada no Relatório de Avaliação Psicológica que afirma que “…quer a L (…), quer o J(…), manifestam satisfação com o regime em vigor e não desejam alterá-lo”.

Para a recorrente, esta manifestação de vontade dos menores deveria ser o elemento mais importante e decisivo para a motivação da decisão judicial, o que não se verificou – apesar de constar da al. f) do ponto 7 da matéria de facto provada.

Sendo a vontade das crianças não uma decisão mas um facto relevante, entende a recorrente que a sentença a quo não a valorou convenientemente, ou seja, de forma a encontrar, como lhe competia, a melhor solução no caso concreto e que acautele devidamente os superior interesse das crianças.

O relatório pericial, segundo a recorrente, dá nota de não emergir nas crianças qualquer indicador de desconforto face a uma eventual alteração ao regime, mas o relatório diz muito mais que isso, diz algo bem diferente e mais importante – diz que “Apesar de não emergir qualquer indicador de desconforto face a uma eventual alteração ao regime de tempos parentais, quer a L (…) quero o J (…)manifestam satisfação com o regime em vigor (e não desejam alterá-lo).”

A recorrente não põe em causa que na sentença se afirme que a residência alternada das crianças com cada um dos pais já existe nos períodos de férias escolares, nos termos do regime em vigor, de verdadeira guarda compartilhada, não tendo havido constrangimentos no cumprimento do clausulado para essas férias, todavia, essa circunstância cinge-se apenas ao período das férias de verão (2 meses ano) e numa altura em que as crianças estão libertas das rotinas escolares, mais descontraídas.

Se o tribunal entendeu que as crianças eram validamente capazes de exteriorizar o seu sentimento sobre a pretensão do pai não pode depois na sua motivação o Mº Juiz a quo dizer que os menores “têm falta de maturidade e experiência de vida para compreender o alcance da residência alternada, embora tenham exprimido as suas opiniões na perícia”.

Que dizer desta parte do recurso? Desde logo que não existe qualquer impugnação de matéria de facto, mas apenas discordância em face da solução adotada e da sua fundamentação, por se entender que a sentença não deu o valor devido: por um lado, à opinião das crianças; por outro

lado, ao facto de o relatório referir que elas, à data da perícia, preferiam ficar no regime em que estavam.

Ora, trata-se de uma visão muito limitada da sentença, que omite, por exemplo, que o relatório de avaliação psicológica das crianças de 26/2/2020 conclui também que:

a) Ambas as crianças apresentam um funcionamento afetivo e emocionalmente ajustado, de acordo com o esperado, atendendo à sua idade.

b) Os meios paterno e materno promovem o desenvolvimento psicoafectivo das crianças sem qualquer indicador de risco.

c) Os pais correspondem às necessidades dos filhos, colocando o seu bem-estar como interesse superior.

d) Os progenitores mantêm uma relação saudável e ajustada que promove uma proximidade equitativamente significativa de cada um dos filhos com os pais.

e) Não emerge qualquer indicador de desconforto face a uma eventual alteração ao regime de tempos parentais.

f) Quer a L (…) quer o J (…) manifestam satisfação com o regime em vigor e não desejam alterá-lo.

g) Este regime permite-lhes passar largos períodos com os pais e ter rotinas distintas, mas enriquecedoras de cada um.

i) A postura das crianças denota tranquilidade na forma como estão a viver a reestruturação familiar.

A recorrente não deixa também de admitir que a residência alternada das crianças com cada um dos pais já existe nos períodos de férias escolares, nos termos do regime em vigor, não tendo havido constrangimentos no cumprimento do clausulado para essas férias.

No recurso também se omite que da informação final da audição técnica especializada, de 17/10/2019, do SATT da Segurança Social de (...), se extrai o seguinte:

a) No decurso da sessão de A.T.E. existiu por parte dos progenitores pouca permeabilidade para flexibilizar posturas e encontrar pontos de convergência, mormente do lado da progenitora, que vincou firmemente a pretensão de dar continuidade ao regime residencial e convivencial em vigor.

b) Existe entre ambos uma intercomunicabilidade razoável no âmbito da parentalidade, telefonando um ao outro para resolver qualquer problema do quotidiano das crianças.

c) A discórdia instalada entre os pais quanto ao regime residencial das crianças não se sobrepõe ao estabelecimento de uma parentalidade na base da cooperação, na estabilidade vivencial das crianças e da mútua confiança parental em matéria de competências.

d) Devido aos seus horários laborais, ambos os progenitores têm dificuldade de ir buscar os filhos às respetivas escolas às terças e quintas-feiras, sendo a mãe ajudada pela sua irmã (…), que recolhe e cuida dos sobrinhos até à sua chegada do local de trabalho, enquanto o pai tem o apoio dos avós paternos para recolher os netos.

e) Ambos os pais reconhecem o papel que os avós paternos têm tido até à atualidade, sendo figuras de particular referência afetiva e logística no universo sociorelacional e efetivo das crianças, que funcionam como suporte de retaguarda na prestação de cuidados aos netos, nas ausências ou impedimentos dos progenitores.

Ora, tudo isto consta dos factos apurados e vertidos na sentença.

Mais, não se provou e não fui impugnado de forma eficaz que o verdadeiro objetivo do pai é deixar de ter ao seu encargo a prestação de alimentos para com os filhos.

Note-se que o Tribunal estribou a sua convicção nas declarações dos pais referidas nas atas do processo de 24/9/2019 e de 9/9/2020, designadamente quanto aos pontos n.ºs 5, 8, 9, 10 e 11, dados como provados.

A sentença refere ainda que a mãe referiu ter notado instabilidade nas crianças nas semanas de residência alternada durante o Verão, pois, de repente, as crianças passaram a ter uma semana com cada progenitor.

Todavia, também refere que não foi isso que resultou do relatório de avaliação psicológica dos filhos, de 26/2/2020, os quais manifestaram satisfação com o regime em vigor, que lhes permite passar largos períodos com os pais e ter rotinas distintas, mas enriquecedoras de cada um.

O Tribunal atendeu ao facto de o progenitor ter dito que tudo correu bem com os filhos nas férias consigo, de Natal Páscoa e Verão, revelando ter perdido rendimentos de atividades adicionais, em resultado da pandemia que continuamos a sofrer, sendo essa a razão de ter pago para ambos os filhos apenas €100 por mês de alimentos, tendo depois ficado desempregado e deixado de pagar qualquer valor nos últimos dois meses, o que motivou se ordenasse a abertura de um apenso de incumprimento.

Na sentença refere-se ainda que o pai tem uma grande ligação afetiva às crianças, que se sobrepõe à questão monetária, tendo desde sempre, tal como a progenitora, o apoio dos avós paternos para tomar conta das crianças nas ausências ou impedimentos de qualquer dos progenitores.

Segundo a sentença ainda:

- o ponto n.º 1 resulta dos documentos juntos com o requerimento inicial do processo principal;

- o ponto n.º 2 resulta do acordo no processo principal e da sentença de 21/3/2017 que o homologou;

- a ata de 5/9/2018 faz prova do ponto n.º 4.

A sentença teve ainda em consideração o relatório social de 18/6/2018 – ponto n.º 3; informação final de 17/10/2019 da audição técnica especializada – ponto n.º 6; relatório de avaliação psicológica das crianças de 26/2/2020 – ponto n.º 7.

Concluindo, a interpretação do relatório pericial feita pela mãe das crianças não pode ser admitida com o relevo que ela pretende. Desde logo, porque não são as crianças as decisoras, sob pena de instrumentalização. Depois, porque outros elementos de prova existem que conjugadamente com o relatório em causa permitem e impõe solução diversa daquela que a mãe pretende, elementos de prova que a mãe não abalou nem impugnou.

Na verdade, estando nós perante dois progenitores competentes, com família alargada de suporte, com vinculação segura aos filhos e vice-versa, filhos que os veem como protetores e porto seguro, e tendo em consideração que o alargamento dos tempos de estadia das crianças com o pai tem sido feito de modo gradual, sempre com bons resultados, sendo os pais capazes de dialogar sobre o quotidiano dos filhos e tendo apoio de familiares de ambos os lados da família das crianças, não se vislumbram obstáculos à residência compartilhada.

A guarda compartilhada garante o direito do filho menor de manter uma relação equilibrada e continuada com cada um dos progenitores, de receber o sustento, educação e instrução de ambos e de conservar um relacionamento significativo com os ascendentes e com os parentes de cada ramo da família.

A vontade declarada pelas crianças não é uma decisão, mas um facto relevante, em que o Tribunal deve refletir.

É evidente que a L (…), com dez anos e o irmão J (…), com seis anos de idade, têm falta de maturidade e experiência de vida para compreender o alcance da residência alternada, embora tenham exprimido as suas opiniões na perícia. E o certo é que o relatório pericial dá nota de não emergir qualquer indicador de desconforto nas crianças face a uma eventual alteração ao regime de tempos parentais.

Como se refere na sentença, “…atribuindo o mesmo tempo de convívio com as crianças a pai e mãe, estaremos a contribuir para que os menores cresçam mais felizes, com melhor educação, não só cívica, como também para as questões quotidianas, recebendo os impulsos de orientação vindos dos dois lados da família alargada, tendo as crianças progenitores competentes e carinhosos”.

É verdade que a guarda compartilhada não pode ser uma medida para satisfazer os interesses dos pais, mas sim uma medida que providencie pelo melhor desenvolvimento e educação da criança, que deve crescer com uma ideia clara do que é um lar fixo e estável, que tem direito a construir um círculo específico de amigos e um ambiente estável. Mas não

é qualquer influência que desagrade a um dos progenitores que constitui fundamento para medidas limitativas. Estas medidas apenas serão aplicadas se o comportamento do progenitor em causa puser em perigo a continuidade da educação da criança.

A divergência de valores e de estilos de vida pode até constituir um fator positivo para a formação da criança, pois esta tem interesse em conhecer e conviver com ambos os progenitores, enriquecendo-a a diferença entre estes.

Os convívios devem ocorrer numa situação de conjunção de responsabilidade/afetividade/liberdade.

O Direito de Família e das Crianças tem vindo a substituir os grandes princípios filosóficos por juízos morais assentes no conhecimento científico sobre a Psicologia e o desenvolvimento da criança. A desinstitucionalização da família e recentramento na criança levanta desafios à legitimação das práticas jurídicas em função das aspirações dos cidadãos. Na sociedade onde a informação se encontra acessível de forma mais ou menos democrática através da internet, assistimos à proliferação de pseudociência, que frequentemente é confundida com evidência científica. Assim, assistimos nesta área à circulação de dogmas que pouco devem à atual evidência científica de outras Ciências Sociais, colocando em causa o superior interesse de qualquer criança a conviver com ambos os progenitores ou pais.

Se a lógica doutrinal para a aceitação da residência única observa comportamentos semelhantes por parte dos progenitores com a criança em residência alternada, então as condições impostas “a priori” para permitir a guarda compartilhada não passam de uma construção abstrata e ideologicamente determinada. Mas o certo é que neste caso concreto que nos ocupa, essas condições até existem!

A ideia, com várias décadas, de que a residência única era o único modelo que defendia a criança da violência do conflito parental, é uma ideia contraditada pela própria realidade, especialmente nos últimos 20 anos em Portugal, com o aumento exponencial de divórcios e consequentemente do número alarmante de incumprimentos, até aos dias de hoje. Assim, não podemos continuar com o paradigma baseado na avaliação do conflito parental para definir regimes de residência para as crianças. O conflito parental é negativo para as crianças em qualquer dos regimes. Mas porque é que devemos relativizar de alguma maneira o conflito? Geralmente um ou ambos os progenitores tendem a exagerar no conflito aquando da separação/divórcio para impedir a residência alternada e/ou os contactos da criança com o outro. Conflito presente não significa conflito no futuro.

Aliás, os estudos demonstram que o conflito tende a diminuir passados 12 a 24 meses, o que nos leva à seguinte questão: teremos que condicionar toda uma vida de uma criança em função de um momento transitório de conflito parental por parte dos seus progenitores?

Nesse sentido, não podemos associar a menor ou maior qualidade parental à existência de conflito, mas antes ter em conta que os tempos de convívio e a qualidade do mesmo têm mais impacto na criança do que o conflito parental. Se estes dados nos apontam para que a residência alternada se apresente, à partida, como a melhor opção para a criança, a verdade é que exigem também uma alteração do paradigma de intervenção junto da família da criança. Ou seja, o superior interesse da criança passa não só por amplos convívios com ambos os progenitores, mas igualmente pela redução ou eliminação do conflito parental, através de uma intervenção que se quer mais terapêutica e menos institucional.

A esmagadora maioria dos investigadores na área da vinculação e do desenvolvimento infantil dizem-nos que não existe uma única figura de referência, mas antes que a criança estabelece vinculações com ambos os progenitores e quase ao mesmo tempo. Qualquer preferência inicial por parte da criança acaba por desaparecer por volta dos 18 meses, quando os convívios com ambos os progenitores se mantêm regulares e pouco espaçados.

Com isto não se pretende dizer que a residência alternada seja adequada para todas as crianças, mas que, atualmente, a evidência científica nos chama à atenção para a necessidade de mudança de paradigma sobre o que é o superior interesse da criança. É preciso estar atento, informado e não recusar as evidências científicas da Psicologia, Sociologia e sobre o desenvolvimento da criança.

Retomando o recurso, não se vê que a sentença não tenha a fundamentação necessária e que a mesma não seja correta, muito pelo contrário, respeita o princípio da igualdade parental, estando assentem num julgamento de facto correto e que não foi posto em causa.

Termos em que a sentença recorrida deve ser mantida, assim se fazendo a tão costumada Justiça!».

II. Objeto do recurso.

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 – A primeira questão suscitada pelo recurso vem colocada pelo Ministério Público e consiste em saber se deve conhecer-se da impugnação da matéria de facto, porquanto não terão sido cumpridos os ónus da impugnação prescritos no artigo 639.º e 640.º do Código de Processo Civil.

2 – Em segundo lugar, coloca-se a questão de saber se a sentença padece de nulidade «… por falta de fundamentação fática e jurídica».

3 – Por fim, cumpre ponderar se deve ser revogada a decisão que acolheu o pedido de alteração solicitado pelo pai dos menores, quer porque não é o adequado ao caso quer porque «… nenhum facto ou circunstância foi alegado e está provado que impusesse ser necessário essa alteração bem como ainda porque consta dos autos prova pericial, prova legal plena que foi desconsiderada sem fundamento para isso e que, a não sê-lo, imporia uma decisão em conformidade e diferente da que foi proferida, concretamente, uma decisão que indeferisse a pretensão do requerente».

III. Fundamentação

a) Recurso relativo à impugnação da matéria de facto

O Exmo. magistrado do Ministério Público coloca a questão do não conhecimento da impugnação da matéria de facto por não se encontrarem cumpridos os ónus da impugnação prescritos no artigo 639.º e 640.º do Código de Processo Civil.

Afigura-se que previamente a esta problemática se coloca a questão de saber se processualmente existe impugnação da matéria de facto, porquanto o âmbito objetivo do recurso é balizado pelas conclusões apresentadas, como resulta do disposto nos artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo, claro está, das questões de conhecimento oficioso.

Sucede que nas conclusões a recorrente não formula qualquer pedido de alteração da matéria de facto, pelo que, por essa razão não há lugar à apreciação de qualquer impugnação.

Por conseguinte, não se apreciará qualquer impugnação da matéria de facto.

b) Nulidade de sentença

Em segundo lugar, coloca-se a questão de saber se a sentença padece de nulidade «… por falta de fundamentação fática e jurídica».

Não ocorre tal nulidade, porquanto é manifesto que a sentença contém fundamentação, aliás extensa, quer factual, quer jurídica, pelo que a arguição da nulidade terá sido mais de ordem retórica que efetivamente recursiva.

Improcede a nulidade invocada.

d) 1. Matéria de facto – Factos provados

1. L (…), nascida em 20 de julho de 2010 e J (…), nascido em 20 de agosto de 2014, são filhos de A (…) e S  (…)..

2. Os pais separam-se, tendo celebrado o acordo de regulação do exercício das responsabilidades, quanto às referidas crianças, que consta do processo principal, homologado por sentença de 21 de março de 2017, transitada em julgado, mediante o qual ficaram a residir com a mãe, ficando estabelecido um regime de convívios com o pai, que ficaria com os menores, além do mais estabelecido, em fins-de-semana alternados com a mãe, pagando o pai a verba global de €350 de alimentos por mês como contributo para o sustento das crianças, além de metade das despesas de educação, médicas e medicamentosas dos filhos.

3. No relatório social de 18 de junho de 2018 (que se dá aqui por reproduzido), elaborado a pedido do M.P. em processo administrativo, devido à discórdia dos progenitores quanto a uma alteração do regime, foi formulado um parecer final onde se refere que um regime de residência junto de um dos pais, com tempos de convívio mais alargados e revisão de uma eventual prestação de alimentos poderia contribuir para pacificar a situação de litígio entre os pais e mostrar-se mais benéfico para as crianças.

4. No apenso A de incumprimento da prestação de alimentos pelo pai, foi acordado pelos pais alterar o regime mencionado, passando os menores a passar um fim-de-semana alargado com o pai, quinzenalmente, recolhendo-os este na escola à quinta-feira e entregando os aí na segunda-feira seguinte, além de os recolher na escola à quarta-feira, entregando-os na escola no dia seguinte, nas semanas em que não passasse o fim-de-semana com os filhos, aos quais passou a pagar globalmente o valor de €220 por mês a título de alimentos, acordo que foi homologado por sentença de 5/9/2018, transitada em julgado.

5. No presente apenso C, o pai pretende alargar mais o regime de convívios com os filhos, vista a relação afetiva que mantém com eles, passando as crianças a ter, semanalmente, residência alternada entre pai e mãe, ao que a mãe se opõe, pretendo a manutenção do regime alterado em vigor, entendendo que a mudança seria um fator de desestabilização do quotidiano das crianças.

6. Da informação final da audição técnica especializada, de 17 de outubro de 2019, (que se dá aqui por reproduzida) do SATT da Segurança Social de Coimbra, extrai-se o seguinte:

a) No decurso da sessão de A.T.E. existiu por parte dos progenitores pouca permeabilidade para flexibilizar posturas e encontrar pontos de convergência, mormente do lado da progenitora, que vincou firmemente a pretensão de dar continuidade ao regime residencial e convivencial em vigor.

b) Existe entre ambos uma intercomunicabilidade razoável no âmbito da parentalidade, telefonando um ao outro para resolver qualquer problema do quotidiano das crianças.

c) A discórdia instalada entre os pais quanto ao regime residencial das crianças não se sobrepõe ao estabelecimento de uma parentalidade na base da cooperação, na estabilidade vivencial das crianças e da mútua confiança parental em matéria de competências.

d) Devido aos seus horários laborais, ambos os progenitores têm dificuldade de ir buscar os filhos às respetivas escolas às terças e quintas-feiras, sendo a mãe ajudada pela sua irmã (…) que recolhe e cuida dos sobrinhos até à sua chegada do local de trabalho, enquanto o pai tem o apoio dos avós paternos para recolher os netos.

e) Ambos os pais reconhecem o papel que os avós paternos têm tido até à atualidade, sendo figuras de particular referência afetiva e logística no universo sócio-relacional e efetivo das crianças, que funcionam como suporte de retaguarda na prestação de cuidados aos netos, nas ausências ou impedimentos dos progenitores.

7. O relatório de avaliação psicológica das crianças de 26 de fevereiro de 2020 (que se dá aqui por reproduzido) conclui que:

a) Ambas as crianças apresentam um funcionamento afetivo e emocionalmente ajustado, de acordo com o esperado, atendendo à sua idade.

b) Os meios paterno e materno promovem o desenvolvimento psico-afectivo das crianças sem qualquer indicador de risco.

c) Os pais correspondem às necessidades dos filhos, colocando o seu bem-estar como interesse superior.

d) Os progenitores mantêm uma relação saudável e ajustada que promove uma proximidade equitativamente significativa de cada um dos filhos com os pais.

e) Não emerge qualquer indicador de desconforto face a uma eventual alteração ao regime de tempos parentais.

f) Quer a L (…), quer o J (…), manifestam satisfação com o regime em vigor e não desejam alterá-lo.

g) Este regime permite-lhes passar largos períodos com os pais e ter rotinas distintas, mas enriquecedoras de cada um.

i) A postura das crianças denota tranquilidade na forma como estão a viver a reestruturação familiar.

8. A residência alternada das crianças com cada um dos pais já existe nos períodos de férias escolares, nos termos do regime em vigor, não tendo havido constrangimentos no cumprimento do clausulado para essas férias.

9. O pai perdeu a retribuição de atividades extraordinárias, que cessaram no decurso da pandemia de COVID-19.

10. Pagou de alimentos aos filhos o valor único de €100,00 euros por mês, de Abril a Julho, tendo ainda em dívida as prestações globais de Agosto e Setembro.

11. Os progenitores encontram-se agora desempregados.

2. Matéria de facto – Factos não provados

Que o verdadeiro objetivo do pai é deixar de ter ao seu encargo a prestação de alimentos para com os filhos.

Que nos dias em que os menores estão com o pai, a mãe adaptou a sua vida profissional de forma a obter mais rendimento para o agregado familiar e poder facultar aos menores tudo quanto venha a ser necessário.

d) Apreciação da restante questão objeto do recurso

1 – Vejamos então se deve ser revogada a decisão que acolheu o pedido de alteração solicitado pelo pai dos menores, porquanto não existirá nos autos qualquer facto ou circunstância que imponha a necessidade dessa alteração.

A recorrente (mãe) argumenta com o disposto no n.º 4 do artigo 42.º da Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro (Regime Geral do Processo Tutelar Cível), onde se determina que «Junta a alegação ou findo o prazo para a sua apresentação, o juiz, se considerar o pedido infundado, ou desnecessária a alteração, manda arquivar o processo, condenando em custas o requerente».

Não se afigura procedente esta argumentação no presente caso.

Embora seja espectável, em regra, que um acordo alcançado entre pais não tenha um período de duração breve, salvo alterações factuais relevantes, também é certo que no caso dos autos o acordo foi homologado em setembro de 2018 e, como qualquer outro acordo, refletiu nessa altura o consenso possível entre os pais.

Ora, tal consenso possível pode coincidir, ou não, com a situação que cada um dos progenitores entende como sendo a mais adequada ao caso.

Sendo por isso, por vezes, inerente ao acordo alcançado um ambiente de precaridade o qual não pode impedir que, passado algum tempo, o progenitor insatisfeito procure obter novo regime, desta vez, mesmo sem acordo do outro.

Afigura-se que o caso dos autos é um destes casos, porquanto o pai dos menores sempre tem procurado obter um regime que lhe permita estar o maior período de tempo possível com os filhos.

Por outro lado, desde o momento em que se formula um pedido em tribunal até ao momento em que ele é decidido, sendo certo que quando é decidido se têm em conta as circunstâncias factuais mais próximas da decisão, podem decorrer largos meses ou mesmo mais de um ano e esta circunstância também tem de ser ponderada no âmbito desta problemática.

Verifica-se que desde a data do último acordo, em 5 de setembro de 2018, até à instauração do presente pedido, em 16 de maio de 2019, decorreram, é certo, apenas 8 meses, mas a decisão recorrida só foi proferida em 15 de setembro de 2020, ou seja, passados mais de dois anos sobre o acordo.

Esta circunstância (decurso do tempo) também releva no sentido de não ser desproporcionado que ao fim de dois anos um regime de regulação das responsabilidades parentais obtido por acordo possa ser alterado.

Conclui-se, por conseguinte, pela improcedência deste argumento recursivo.

2 – A sentença estabeleceu o regime de residência alternada semanal.

Vejamos se o novo regime pretendido pelo pai e acolhido na sentença é o adequado ao caso.

A recorrente entende que não, mas não lhe assiste razão.

(a) No que respeita em geral aos benefícios deste regime, pode argumentar-se que esta solução pode, em alguns casos, ser a solução que melhor serve os interesses dos menores, mormente quando é do desejo destes viver alternadamente com ambos os pais e esse desejo se funda em razões válidas ou, pelo menos, não existam razões que o contraindiquem.

Quanto ao desacordo entre os pais sobre a aplicação deste regime, cumpre observar que o desacordo dos pais pode ter intensidade muito diversa e os fundamentos do desacordo podem ser os mais variados, sendo uns aceitáveis, válidos, outros não.

Um progenitor pode opor-se porque, por exemplo, estando já o menor a viver consigo, não lhe convém que o filho tenha residências alternadas porque isso implica perder o montante de alimentos que o outro lhe paga; ou entende que o outro progenitor não tem capacidade para cuidar do filho nesse período; ou tem receio que o novo cônjuge do outro progenitor cative afetivamente o menor e este passe a gostar tanto dele como gosta de si; ou porque receia que o menor partilhando a residência do outro progenitor passe a preferir passar mais tempo com ele do que consigo, etc., etc.

Por conseguinte, podendo o leque dos motivos de desacordo ser tão amplo, mostra-se desajustada uma regra que abranja todos os casos em que os cônjuges não estão de acordo quanto à residência alternada do menor com cada um dos pais.

Ao invés, o desacordo de um dos progenitores só será pertinente para inviabilizar a residência alternada do menor com cada um dos pais, quando se fundamente em motivos factuais relevantes, como, por exemplo, entre outros:

Incapacidade do outro cônjuge, traduzida em factos, para cuidar do menor; existência de elevada conflitualidade entre os progenitores especialmente visível quando têm que se encontrar ou falar um com o outro; diversidade acentuada no que respeita aos horários em que o menor começa a dormir e se levanta ou toma as refeições, com repercussões nos hábitos alimentares, rotinas de sono e rendimento escolar, etc.

Ou ainda, distância considerável entre a residência do outro progenitor e a escola que o menor frequenta (ou mudança de infantário se o menor ainda não frequentar o ensino); desleixo do outro progenitor em questões de acompanhamento no estudo ou faltas frequentes às atividades extracurriculares, etc.

De salientar, porém, que estes casos, em que o cônjuge discorda da residência alternada, tendem a coincidir com os casos em que o tribunal não a decretará, por ser prejudicial aos interesses do menor.

Cumpre ainda referir que esta problemática relativa ao acordo dos pais foi afrontada recentemente pela Lei n.º 65/2020, de 4 de novembro, a qual veio estabelecer as condições em que o tribunal pode decretar a residência alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento dos progenitores, tendo dado nova redação ao n.º 6 do artigo 1906.º do Código Civil, nestes termos:

«Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos» (a Lei 65/2020 entrará em vigor no dia 1 de dezembro de 2020).

Verifica-se, por conseguinte, que a residência alternada pode ser instituída mesmo sem acordo mútuo.

No caso concreto, o desacordo da mãe dos menores não assenta em fundamentos relevantes que possam inviabilizar a residência alternada.

A alegada conflitualidade que alega existir entre si e o pai dos menores é uma conflitualidade aparentemente normal, no sentido de comum a muitas outras situações semelhantes, própria de um casal que viveu em comunhão e se separou e, por isso, deixou de existir espaço para tolerar as faltas, os incumprimentos, como ocorria anteriormente.

Verifica-se, no entanto, que a conflitualidade que existe permanece confinada às relações entre ambos os pais e não se estende às relações com os filhos e famílias.

Sendo assim, esta conflitualidade não inviabiliza a aplicação do regime da residência alternada.

(b) Benefícios e contraindicações da residência alternada.

Em teoria, em certos casos, a residência alternada pode ser mais benéfica para um menor que a residência exclusiva ou preponderante com um dos progenitores.

Afirma-se isto porque a residência alternada poderá ser a situação que mais se próxima daquela que existia quando os pais viviam juntos na mesma casa.

E será esta a situação que colhe preferência face ao preceituado no n.º 7 do artigo 1906.º do Código Civil onde se estabelece que «O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles».

De facto, na residência alternada o menor continuará a estar com ambos os pais por períodos prolongados e equivalentes e poderá continuar a estabelecer com eles relações de salutar intimidade, pois quanto mais elevada for a frequência dos contactos, melhor conhecimento recíproco existirá.

O próprio menor sentirá que pertence aos dois lares em igualdade de circunstâncias e não se sentirá em caso algum uma «visita» quando está com o outro progenitor e restantes pessoas do seu novo agregado familiar, agregado que é «forçado» a ter um «espaço» perene, reservado, para o menor em cada uma das casas e não um espaço sentido como «provisório» pelo menor ou tido como tal pelos outros elementos do agregado.

Acresce, como salienta Jorge Duarte Pinheiro, que «O modelo legal actual de exercício das responsabilidades parentais nos casos de progenitores que nunca viveram juntos, que se divorciaram ou se separaram, implica uma situação nitidamente desigualitária: em regra, é atribuída a maior parcela temporal do poder de decisão em actos da vida corrente do filho a um dos progenitores (o chamado “progenitor residente”) e, como se não bastasse, o outro (progenitor não residente), quando esteja temporariamente com o filho, está impedido de “contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente”.

A preferência devia ter recaído sobre o modelo de exercício unilateral alternado, com repartição paritária do tempo de exercício entre cada um dos progenitores. Deste modo seria assegurado o princípio da igualdade entre os progenitores (art. 36.º, n.º 5, da CRP); seria dado um contributo para criar uma cultura autêntica de partilha de responsabilidades entre eles (já que o modelo de exercício conjunto mitigado “onera” especialmente um dos progenitores); e seria feita uma tentativa para dar à criança dois pais, em vez de um só ou de um e meio (o modelo de exercício conjunto mitigado diminui, ou até anula, a posição de um dos pais)» - Direito de Família Contemporâneo, 5.ª Edição. Almedina, 2016, pág. 249.

Como já se disse, este modelo recebeu recentemente maior aval através da já mencionada Lei n.º 65/2020, de 4 de novembro.

(c) Dir-se-á ainda que se afigura ser esta a tendência que se verificará no futuro, por ser aquela que será a preferida dos menores e dos progenitores quando as circunstância factuais o permitirem, como ocorre quando ambos os progenitores moram na mesma cidade ou a distâncias que possam ser percorridas sem alterar as rotinas escolares e sociais dos menores e quando os pais mostram capacidade sincera disponibilidade para superarem divergências entre si [A este propósito Katharina Boele-Woelki refere que «Normalmente, a residência habitual da criança é com um dos progenitores, mas os progenitores, num número cada vez maior de casos, acordam em fixar um modelo de residência alternada para o filho numa base de, por exemplo, 50:50 ou 60:40» - A harmonização do direito da família na Europa: uma comparação entre a nova lei portuguesa do divórcio com os princípios da CEFL sobre direito da família europeu. In: Nova Lei do divórcio (Grupo parlamentar do Partido Socialista), 2008, pág. 41]

Contra esta medida argumenta-se, essencialmente, que ela destrói as rotinas das crianças, pode ser causa de cansaço e desgaste para elas, que gera focos de tensão entre os pais devido à diversidade de diretrizes que podem dar aos filhos em questões de educação e outras quando estão com cada um dos progenitores.
[Como refere Maria Clara Sottomayor, os pontos positivos e negativos giram à volta destas questões: «A guarda conjunta física, implicando uma divisão da responsabilidade quotidiana pelos dois pais, evita a fadiga psicológica e emotiva geralmente sentida pela mãe, quando é a única a cuidar da criança e a exercer o poder paternal.
Diz-se ainda que a igualização dos direitos e responsabilidades dos pais diminui a conflitualidade e encoraja a cooperação entre estes, pois, deixa de haver um perdedor e um vencedor, o que reduz a tentativa de denegrir a imagem um do outro através de acusações mútuas. Por outro lado, mesmo que num período inicial subsista alguma conflitualidade entre os pais estes tendem, com a passagem do tempo, a ultrapassarem os seus conflitos, adaptando-se à nova situação e relacionando-se de uma forma pragmática.
Diferentemente, os opositores da guarda conjunta afirmam que esta, quando envolve alternância de residências, provoca à criança uma grande instabilidade, sensações de ansiedade e de insegurança. O contacto com ambos os pais é susceptível de gerar conflitos de lealdade na criança, tentativas de manipulação dos pais, problemas de disciplina, devido à exposição destes a diferentes modelos de educação e de estilos de vida. Alguns autores salientam ainda que a guarda conjunta física faz a criança viver uma fantasia de reconciliação dos pais, dificultando a sua adaptação ao divórcio daqueles» - Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 6.ª edição. Almedina, 2014, págs. 253-254].

Sem dúvida que isto pode acontecer e quando se revelar nocivo para os interesses dos filhos não deve implementar-se a alternância de residências.

Mas só nestes casos é que existirão razões para não enveredar pela alternância de residências.

Concluindo, dir-se-á que a alternância de residências é uma solução adequada ao exercício conjunto das responsabilidades parentais desde que tal situação sirva os interesses dos filhos e possa ser implementada, mesmo que não exista acordo dos pais, salvo se o desacordo se fundamentar em razões factuais relevantes.

(d) Uma vez que se concluiu que a residência alternada pode ser decretada mesmo com a discordância de um dos progenitores, vejamos se no caso dos autos há fundamento para a decretar.

A resposta é afirmativa, pelas seguintes razões:

Em primeiro lugar, cumpre referir, no que respeita às rotinas dos menores, que os pais residem ambos na Figueira da Foz e que quer a mãe, que o pai beneficiam de apoio de familiares quando se torna necessário transportar, recolher alimentar ou guardar os menores.

Por isso, os menores demorarão pouco tempo a percorrer a distância que separa as habitações de ambos os progenitores ou entre estas e a escola que frequentam, pelo que as horas para deitar e levantar serão essencialmente as mesmas.

No que respeita aos pais, não há factos que mostrem que quer um quer outro não tenham a capacidade para terem consigo os filhos, seja nos aspetos de assistência material, educacional ou afetiva.

Pelo contrário, o processo mostra que quer um quer outro cumprem o seu papel de pais e reconhecem um ao outro essa capacidade.

Também não há notícia de episódios de conflitualidade grave entre os pais, como são, por exemplo, aqueles que tenham implicado a intervenção e terceiros ou das autoridades policiais.

Os conflitos aparentemente estarão relacionados com as despesas relativas aos filhos.

Nestas condições, os pais dos menores poderão cooperar no exercício das responsabilidades parentais sem dificuldades de maior.

Relativamente aos menores não há nos autos factos que mostrem, da parte deles, qualquer oposição a viverem com ambos os pais alternadamente por períodos iguais.

Resulta dos factos provados que os menores gostam de estar com ambos os pais e respetivas famílias, como é normal ocorrer quando as relações são saudáveis, como é o caso dos autos.

Consta do Relatório de Avaliação Psicológica elaborado em 26 de fevereiro de 2020, que a menor L (…) ao ser questionada sobre se alteraria o atual regime, respondeu que estava «…satisfeita com os tempos parentais estipulados» (fls. 6 do relatório) e que o menor J (…) respondeu à mesma questão com estar bem «assim» (fls. 9).

Ou seja, muito embora para os menores o atual sistema seja adequado, tal não significa que a igualização do tempo que os menores estão com cada um dos progenitores seja visto por eles como negativo e indesejável.

Afigura-se ser esta a posição tomada no Relatório de Avaliação Psicológica de 26 de fevereiro de 2020 (fls. 21 do relatório), ao concluir que «Apesar de não emergir qualquer indicador de desconforto face a uma eventual alteração ao regime de tempos parentais, quer a L (…) quer o J (…) manifestam satisfação com o regime em vigor (e não desejam alterá-lo), que este lhes permite passar largos períodos de tempo com ambos os pais e ter rotinas distintas mas enriquecedoras com cada um. A postura das crianças denota tranquilidade na forma como estão a viver a reestruturação familiar».

Verifica-se, por conseguinte, que no presente caso a residência alternada é a que melhor serve os interesses dos menores porque o mesmo passa a ter muito maior contato com ambos os progenitores e a alteração não mostra, neste momento, ter reflexos negativos no seu dia-a-dia.

(e) Cumpre, no entanto, anotar aqui um aspeto que poderá causar perturbações e que é referenciado por ambos os progenitores.

Trata-se da realização das despesas com os filhos e respetivo reembolso.

A recorrente alegou nos autos e também referiu isso quando participou das diligências relativas à elaboração do Relatório de Avaliação Psicológica de 2020, que o pedido de residência alternada foi motivado pelo desejo do pai dos menores se libertar da prestação de alimentos.

Não se provou que este interesse do pai dos menores tenha estado na origem do pedido.

E também consta do mesmo Relatório que o pai dos menores deu a entender a existência de problemas nesta vertente relacional: «À medida que as crianças cresceram, as despesas com os filhos também foram aumentando, o que levou à existência de conflitos no par parental» (fls. 15).

Existindo esta fonte de conflitualidade, não é previsível que a mesma se extinga, podendo até ser potenciada pela fixação da residência alternada sem fixação de prestação de alimentos (a nova lei permite que possa existir a fixação de prestação de alimentos).

Diz-se isto porque, em regra, além da diversidade de valoração que cada pai tem quanto às reais necessidades dos filhos, um dos progenitores poderá estar mais atento às necessidades dos filhos ou terá mais iniciativa que o outro na aquisição de bens e serviços em prol dos filhos e isso desagradará ao outro quando lhe forem apresentadas as despesas, com as quais não concordará e não quererá pagá-las no todo ou em parte.

Os litígios relativos a questões monetárias poderão também tornar-se mais frequentes e a frequência poderá conduzir uma alteração qualitativa e negativa das relações entre ambos os pais.

Porém, também é certo que isto mesmo pode ocorrer nos casos em que é fixada uma quantia mensal que não é paga ou não é paga pontualmente.

  No entanto, isto não tem de ser assim e não será assim se ambos os progenitores dialogarem e dividirem com clareza as tarefas que cada um deles desempenhará nesta área (vestuário e calçado, material escolar, despesas médicas, etc.), procurando naturalmente consensos e cumprindo pontualmente os seus deveres.

Resta acrescentar que esta medida só não produzirá bons resultados se os pais não forem compreensivos e colaborantes um com o outro e se não colocarem o interesse dos filhos à frente dos seus interesses particulares.

Conclui-se, por conseguinte, no sentido de que o regime fixado é o adequado ao caso porque é aquele que mais se aproxima da situação em que os menores se encontravam antes da separação dos pais, pelo que se manterá a decisão do tribunal de 1.ª instância, improcedendo, por isso, o recurso.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a sentença recorrida. Custas pelo Recorrente.


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Coimbra, 14 de dezembro de 2020


Alberto Ruço ( Relator)

Vítor Amaral

Luís Cravo