Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
545/16.0T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: MANDATO
RENÚNCIA
NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 12/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - C.BRANCO - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.39, 47, 253 CPC
Sumário: 1. - O ofício notificatório dirigido a uma sociedade, na pessoa do seu legal representante, dando-lhe conhecimento da renúncia de mandato da mandatária por si constituída e fixando-lhe o prazo legal de vinte dias para constituição de novo mandatário, em processo em que é obrigatória a constituição de advogado, com as legais consequências, deve ser conjugado com o duplicado da renúncia de mandato apresentada, entregue no ato notificatório, de onde se conclui, com toda a clareza, que tal renúncia se reporta à sociedade mandante, e não a outrem.

2. - Apesar da tecnicidade da lei e das suas prescrições, a ignorância desta, ou a sua má interpretação, não aproveitam a ninguém, não isentando os destinatários das sanções nela estabelecidas (art.º 6.º do CCiv.), sejam ou não pessoas com formação jurídica cível.

3. - A notificação da renúncia de mandato (art.º 47.º do NCPCiv.), acompanhada da declaração de renúncia, não obriga à entrega ao notificando de cópia do despacho ordenador dessa notificação, posto que não está em questão a notificação de uma “decisão judicial”, de que importasse conhecer os respetivos fundamentos (para adequada compreensão do decidido e eventual impugnação, em caso de discordância relativamente ao sentido do ato decisório e sua motivação), mas a notificação, apenas, de uma declaração de renúncia de mandato judicial, com prazo e cominação legais.

Decisão Texto Integral:





Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


***

I – Relatório

A (…), Unipessoal, Ld.ª” e S (…), ambas com os sinais dos autos,

vieram deduzir ([1]) oposição/embargos à execução (esta última para pagamento de quantia certa, no valor de € 59.408,55, baseada em título de cambiário) que lhes foi movida – e a outro – por

N (…), S. A.”, também com os sinais dos autos,

apresentando argumentos e elencando razões para concluir pela extinção da execução e juntando procuração forense, contendo a assinatura de A (…)s”, à Sr.ª Dr.ª (…).

Admitidos liminarmente os embargos (a que as Embargantes atribuíram o valor da ação executiva), contestou o Exequente/Embargado, concluindo pela improcedência da oposição e prosseguimento da execução.

Observado o contraditório, dispensada a audiência prévia e saneados os autos, foram definidos o objeto do litígio e os temas da prova e foi designada data para a audiência final.

A sociedade opoente veio informar que o seu legal representante, A (…), se encontrava “preso no Estabelecimento Prisional de (...) ” (fls. 51 v.º).

Em 10/01/2017 (cfr. fls. 65 e v.º), veio a Sr.ª Dr.ª (…) “renunciar à procuração” conferida pela sociedade embargante, requerendo a notificação daquela para os efeitos do disposto no art.º 47.º do NCPCiv., na pessoa do seu aludido legal representante e no EP onde se encontra.

Em ata de audiência final (fls. e seg.), foi exarado despacho nos seguintes termos:

«Considerando que o Executado/Oponente A (…) não foi devidamente notificado da renúncia do mandato (não foi cumprida a advertência ínsita na al. c) do n.º 3 do art.º 47.º do CPC), não tendo quanto a ele se extinguido o mesmo; que no Apenso “B” o julgamento se encontra designado para o dia 15-02-2017, pelas 14:00 horas, sendo que em ambos os apensos se discute a mesma livrança, e, por fim, que em ambos as testemunhas são as mesmas, por razões de cautela e de utilidade de tempo e com o fito de evitar a pratica de actos inúteis, decide-se transferir este julgamento para a mesma data que o do Apenso B.

Notifique.».

Seguidamente, em 23/01/2017, foi expedido ofício ao Estabelecimento Prisional Central de (...) (Ref. 28581748) com o seguinte teor:

«Executado: A (…)Unipessoal, Lda e outro(s)...

Exequente: N (…)

Assunto: Renúncia do mandato

Solicito a V. Exª., se digne providenciar no sentido de se proceder à notificação do executado, abaixo indicado:

Da renúncia ao mandato referente ao

Dr(a). (…) Porto,

cujo duplicado se junta para lhe der entregue no acto da notificação, – art.º 39º, nº1 do Código do Processo Civil, e que produz efeitos a contar da notificação ao mandante.

Sendo obrigatória a constituição de mandatário, deverá, no prazo de VINTE DIAS, constituir novo mandatário, - art.º 39º, nº3 do Código de Processo Civil, sob pena de:

-Ser ordenada a suspensão da instância, se a falta for do autor ou do exequente;

-O processo prosseguir seus termos aproveitando-se os atos anteriormente praticados pelo advogado, se a falta for do réu, executado ou requerido;

-Extinção do procedimento ou do incidente inserido na tramitação da ação, se a falta for do requerente, opoente ou embargante.

Legal Representante: A (…), profissão: Técnico do Ambiente, estado civil: Casado, nascido(a) (…) (...) (antes estava no Estabelecimento Prisional de (...) , (...) )».

Por aquele EP Central de (...) foi elaborada, na sequência, certidão de notificação, datada de 27/01/2017, assinada pelo aludido A (…)de onde consta que a este foi feita a entrega “do(s) documento(s) correspondentes” e que o “notificado declarou ter ficado ciente”.

Em 23/02/2017, veio a sociedade embargante juntar nova procuração forense, constituindo novos mandatários judiciais (cfr. fls. 83 a 84 v.º).

Após o que, em 03/03/2017, foi proferida a seguinte decisão:

«A notificação ao mandante tem uma função extintiva do mandato enquanto acto exterior que aperfeiçoa o acto jurídico da renúncia, sendo que os efeitos da renúncia em face do mandante, bem como em face da parte contrária, produzem-se a partir da notificação (cfr. José Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1999, pág. 80).

Assim, considerando que a mandante embargante foi regularmente notificada na pessoa [d]o seu legal representante, A (…) (ofício de fls. 80 – notificação pessoal datada de 27-01-2017), a renúncia operou integralmente os seus efeitos, nos termos do art. 47.º, n.º 1 e 2 do C.P.C., e, por conseguinte, a relação de mandato em análise extinguiu-se, o que se determina (art.º 1179.º do Código Civil).

Por outro lado, devidamente notificada nos termos e com as legais cominações ínsitas no art.º 47.º do CPC da renúncia do mandato, a executada/ embargante, A (…) Unipessoal, veio constituir Advogado nos autos apenas em 23.02.2017, depois de expirado o prazo dos 20 dias para o efeito, sendo que a constituição é obrigatória (cfr. art.º 58.º/1 do CPC).

Donde, por não ter a embargante, no prazo fixado, constituído novo mandatário, determina-se a extinção dos presentes embargos quanto à dita executada (al. c) do n.º 3 do mencionado art.º 47.º do CPC).

Notifique e registe.» ([2]).

É desta decisão que, inconformada, recorre a sociedade embargante, apresentando alegação, culminada com as seguintes

Conclusões ([3])

(…)

Não foi junta contra-alegação recursória.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação recursória, ao conhecimento da matéria da apelação, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito recursório, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([4]) –, o thema decidendum consiste em saber se há falta ou irregularidade da notificação da sociedade embargante quanto à renúncia de mandato, sendo certo que a Apelante não invoca nulidade processual (quanto a esse ato notificatório).


***

III – Fundamentação fáctico-jurídica
A) Da base fáctica a considerar

O quadro fáctico a atender – já ponderado, sem controvérsia, na 1.ª instância – é o enunciado no antecedente relatório, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

B) Do direito aplicável

Da falta ou irregularidade da notificação

No despacho recorrido, tendo em conta o preceituado no art.º 47.º do NCPCiv., considerou-se extemporânea a constituição de novo mandatário judicial (por excedido o prazo de 20 dias legalmente fixado e reportado na notificação da renúncia de mandato) e decidiu-se, por isso, pela operância da cominação legal daquele art.º, o que determinou a decretada extinção dos embargos de executado quanto à sociedade embargante (n.º 3, al.ª c), daquele art.º 47.º), posto que os autos, pelo seu valor, são de constituição obrigatória de mandatário judicial.

Sem arguir qualquer nulidade processual (reportada ao ato notificatório que suscita o inconformismo da Recorrente), a sociedade apelante começa por afirmar, nas suas conclusões recursórias, que “não se acha notificada do prazo para constituição de novo mandatário”, por o seu legal representante se encontrar limitado, em cumprimento de pena privativa da liberdade, não lhe tendo sido prestada toda a informação solicitada, sendo a notificação muito técnica (pelo uso de terminologia jurídica) e de difícil compreensão para os não especialistas, impedindo a adequada contagem do prazo fixado, para além – acrescenta ainda – de não ser clara quanto ao destinatário, e ocorrendo, por fim, violação do disposto no art.º 253.º do NCPCiv., por falta de junção/entrega do despacho ordenador do ato notificatório.

Vejamos, então, sendo certo que a contraparte entendeu por bem não se pronunciar na sede recursória.

Ora, cabe dizer, que, como é evidente, a notificação da renúncia de mandato devia ser à mandante, a sociedade “A (…), e não ao mencionado A (…), a título pessoal deste, posto que este nem sequer é parte na presente instância de embargos.

Mas aquela notificação à sociedade mandante haveria de ser – como foi – efetuada na pessoa do seu legal representante, aquele A (…)que, por coincidência, se encontra privado da liberdade em estabelecimento prisional (EP Central de (...) ).

Por isso, se compreende que a notificação pessoal haja sido executada através daquele EP.

E, aqui chegados, deve reconhecer-se que o texto do ofício de notificação (fls. 79) não é, sem mais, totalmente claro. Reporta-se, com efeito, ao “executado, abaixo indicado”. E abaixo apenas se refere ao aludido A (…) embora como “Legal Representante”, mas sem se dizer como representante de quem, só o podendo ser, todavia, na economia/contexto dos autos, da sociedade executada/opoente (pois que não se vê quem mais aquele pudesse representar e começa por constar do texto notificatório a identificação dessa sociedade).

Acresce mencionar-se no ofício notificatório que foi junto o duplicado da renúncia de mandato (a de fls. 65 v.º, de onde se conclui, com toda a clareza, que tal renúncia se reporta à sociedade, e não a outrem), para ser entregue no ato da notificação. E da conjugação desse expediente notificatório (ofício) com a renúncia declarada e com a certidão de notificação respetiva (a de fls. 80) – desta resultando que foram entregues os documentos correspondentes –, conclui-se que era percetível que a notificação se reportava à renúncia de mandato da mandatária constituída pela sociedade, esta notificada na pessoa do seu legal representante, que declarou ter ficado ciente e assinou a notificação.

A Apelante não impugna que tenha sido entregue a cópia do requerimento/declaração de renúncia, com o seu conhecido texto (de si totalmente explícito quanto aos sujeitos), antes afirmando que a notificação é técnica, adotando terminologia jurídica de difícil compreensão para os não especialistas, mormente em termos de prazo para constituição de novo mandatário forense.

Porém, é bem sabido que a ignorância da lei, ou a sua má interpretação, não aproveitam a ninguém, não isentando as pessoas/destinatários das sanções nela estabelecidas (art.º 6.º do CCiv.), sejam ou não pessoas com formação jurídica.

Donde que a referência ao prazo – o legalmente fixado (de vinte dias) – seja a adequada, devendo ter-se por suficientemente elucidativa, tratando-se, como não pode deixar de concluir-se, de um prazo processual, como tal sujeito às regras de contagem previstas na lei adjetiva civil.

Quanto a elementos solicitados no apenso “B” (por outro executado/opoente), certo é que nada foi solicitado, no mesmo sentido, nos presentes autos (apenso “A”), sabido que se trata de instâncias diversas, com diversos executados/opoentes e processados separados, pelo que não pode pretender-se, sem atropelo às regras processuais, que um executado/opoente (a sociedade), sem requerimento, beneficie de efeitos processuais quanto ao requerido noutra instância de oposição por outro opoente – não pode confundir-se instâncias diversas, nem diversas personalidades jurídicas (a da sociedade, pessoa coletiva, e a do seu legal representante, este enquanto pessoa singular).

Quanto, por fim, ao art.º 253.º do NCPCiv. ([5]), também não colhe a argumentação da Apelante, posto que não se trata aqui (na situação destes autos) da notificação de uma “decisão judicial”, de que importasse conhecer os respetivos fundamentos (para adequada compreensão do decidido e eventual impugnação, em caso de discordância relativamente ao sentido do ato decisório e sua motivação), mas da notificação, apenas, de uma declaração de renúncia de mandato judicial (renúncia que é livre), no âmbito de patrocínio judiciário cível, nos moldes previstos no art.º 47.º do NCPCiv., que obriga à notificação (somente) da renúncia, com advertência, obviamente, para os legais prazo e efeitos (cominação/sanções).

Ora, tal notificação foi efetuada, de harmonia com o preceituado naquele art.º 47.º.

Donde que não possa, salvo o devido respeito, acolher-se a invocada argumentação no sentido de ocorrer falta ou irregularidade de notificação da sociedade executada/opoente, na pessoa de seu legal representante.

Improcede, pois, a apelação, não podendo censurar-se a decisão recorrida.

                                                 *

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - O ofício notificatório dirigido a uma sociedade, na pessoa do seu legal representante, dando-lhe conhecimento da renúncia de mandato da mandatária por si constituída e fixando-lhe o prazo legal de vinte dias para constituição de novo mandatário, em processo em que é obrigatória a constituição de advogado, com as legais consequências, deve ser conjugado com o duplicado da renúncia de mandato apresentada, entregue no ato notificatório, de onde se conclui, com toda a clareza, que tal renúncia se reporta à sociedade mandante, e não a outrem.

2. - Apesar da tecnicidade da lei e das suas prescrições, a ignorância desta, ou a sua má interpretação, não aproveitam a ninguém, não isentando os destinatários das sanções nela estabelecidas (art.º 6.º do CCiv.), sejam ou não pessoas com formação jurídica cível.

3. - A notificação da renúncia de mandato (art.º 47.º do NCPCiv.), acompanhada da declaração de renúncia, não obriga à entrega ao notificando de cópia do despacho ordenador dessa notificação, posto que não está em questão a notificação de uma “decisão judicial”, de que importasse conhecer os respetivos fundamentos (para adequada compreensão do decidido e eventual impugnação, em caso de discordância relativamente ao sentido do ato decisório e sua motivação), mas a notificação, apenas, de uma declaração de renúncia de mandato judicial, com prazo e cominação legais.

***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.

Custas da apelação pela Recorrente (sem prejuízo de eventual benefício do apoio judiciário).

***

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 19/12/2017

Vítor Amaral (relator)

         

Luís Cravo

                                      

Fernando Monteiro


([1]) Em 21/06/2016 (cfr. fls. 09 dos autos em suporte de papel), relativamente a execução também instaurada em 2016.
([2]) Sic, com negrito subtraído.
([3]) Que se transcrevem.
([4]) Com entrada em vigor em 01/09/2013 (cfr. art.ºs 1.º e 8.º, ambos daquela Lei n.º 41/2013).
([5]) Com a epígrafe “Notificação de decisões judiciais” e o seguinte teor: “Quando se notifiquem despachos, sentenças ou acórdãos, deve enviar-se, entregar-se ou disponibilizar-se ao notificado cópia ou fotocópia legível da decisão e dos fundamentos.”.