Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
356/10.7T2AND-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
SEGURADORA
SUB-ROGAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 11/22/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.304, 306, 307, 323, 498, 567, 590, 593 CC, 31 DA LEI Nº 100/97 DE 13/9, 294 CT ( LEI Nº 99/2003 DE 27/8 )
Sumário: 1. A expressão “direito de regresso”, contida no nº 4, do art. 31º, da Lei 100/97, de 13/09, deve ser interpretada como tratando-se de um verdadeiro direito de sub-rogação, com o regime jurídico previsto nos art. 592º e segs. do CC.

2. A sub-rogação pressupõe o cumprimento da obrigação por parte do respectivo titular, e a prescrição do respectivo direito só começa com esse cumprimento, como, de resto, decorre do art. 306º, nº 1, 1ª parte, do CC.

3. Fundando-se o direito do sub-rogado no acto de cumprimento (satisfação efectiva da prestação), só poderá o sub-rogado exigir do terceiro responsável pelo acidente o que houver pago, não podendo reclamar o que tenha de pagar no futuro – art. 593º, nº 1, CC, e Assento do STJ 2/78 (hoje Acórdão Uniformizador de Jurisprudência), proferido a 9.11.1977 (in D.R., I Série, de 22.3.1978).

4. Prestações periódicas são aquelas em que, em vez de uma única prestação a realizar por partes (prestação fraccionada), existam diversas prestações (isto é prestações repetidas) a satisfazer regularmente ou sem regularidade exacta, por exemplo a renda fixada como indemnização (art. 567º do CC):

5. Agindo a autora/seguradora como sub-rogada nos direitos dos familiares do sinistrado e tendo iniciado o pagamento das pensões em Junho de 2001, prestações periódicas, pelo menos nessa data tomou conhecimento do direito que lhe competia, podendo livremente exercê-lo, pelo que se impunha accionar a ré, no máximo, no prazo de cinco anos - art. 498º, nº 3 do CC - a contar desse momento, sob pena de prescrição do direito (unitário) à pensão, atento os termos do art. 307º do CC.

Decisão Texto Integral: I - Relatório

1. A (...) Seguros...., SA, com sede em Lisboa, intentou, em Julho de 2010, contra Companhia de Seguros B (...), SA, com sede em Lisboa, a presente acção declarativa, na forma sumária, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 14.489,97 €, acrescido de juros contados desde a citação.

Alegou a ocorrência de um acidente de viação, em 26.9.2000, no qual foram intervenientes (…), conduzindo o seu ciclomotor, e uma ambulância, propriedade do INEM, afecta aos Bombeiros de Anadia. Que o mesmo se deveu a culpa exclusiva do condutor da ambulância. Que na sequência do mesmo faleceu o referido (…). Que se tratou de um acidente de viação e de trabalho. Que o mesmo trabalhava para a sua segurada (…) SA. Ao abrigo da apólice de acidentes de trabalho, no âmbito do processo 72/2001, que correu no T. Trabalho de Águeda, em acção proposta pela mulher e filhos do falecido, foi proferida sentença que condenou a A. a pagar àqueles as respectivas pensões anuais. Desde 1.3.2007 a 24.5.2010, já pagou aos mesmos a quantia peticionada, tendo por isso direito de regresso, nos termos do art. 31º, nº 1 e 4, da Lei 100/97, de 13.9, contra a Ré, seguradora, para quem foi transferida a responsabilidade civil decorrente da circulação da referida ambulância. Que por notificação judicial avulsa requerida em 25.2.2010 e levada a efeito em 1.3.2010, foi a Ré notificada da sua intenção de exercer o seu direito de regresso, pelo que interrompeu o prazo respectivo de prescrição.

A Ré contestou, alegando, designadamente, que o acidente invocado pela A. ocorreu no referido dia 26.9.2000. Nessa mesma data, os lesados (…), mulher e filhos do falecido, tomaram conhecimento dos direitos que lhes competiam, em consequência do falecimento do (…). A A. está subrogada nos direitos dos mesmos, pois a expressão “direito de regresso”, contida no nº 4 do artigo 31º da Lei 100/97, está plasmada impropriamente, devendo interpretar-se correctivamente, como tratando-se de um verdadeiro direito de sub-rogação, com o regime jurídico previsto nos art. 590º e seguintes do Código Civil. Desde essa data (26.09.2000) até 1.3.2010, data em que foi efectuada a apontada notificação judicial avulsa decorreram mais de 3 anos, concretamente, decorreram 9 anos e 5 meses, sem que a Ré tenha, entretanto, sido citada ou notificada judicialmente de qualquer acto que exprimisse, directa ou indirectamente, a intenção da A. de exercer o seu direito. Dispõe o nº 1 do artigo 498º do Código Civil que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete. Em face do supra alegado, é inequívoco que o direito que a A. pretende fazer valer nos presentes autos prescreveu no dia 26.9.2003. À mesma conclusão se chega se, em vez daquele prazo de 3 anos, se considerar o prazo de prescrição previsto no nº 3 do citado preceito legal, cinco anos. Neste último caso, o direito da A. estaria prescrito desde 26.9.2005. Quando assim se não entenda, sempre se dirá que, através da presente acção, pretende a A. obter da Ré o reembolso das pensões anuais e vitalícias que tem vindo a liquidar aos (…) em virtude do falecimento do referido G (...) , em consequência do acidente dos autos, pensões essas que está obrigada a pagar àqueles, por força da sentença proferida no âmbito do referido processo que correu termos no T. de Trabalho, sentença que transitou em julgado no dia 4.6.2001. Ora, a A. iniciou e efectuou o pagamento de tais pensões periódicas, anuais e vitalícias aos indicados lesados, pelo menos, em Junho de 2001. É pacífico que, pelo menos, a partir do momento em que iniciou o pagamento das aludidas pensões periódicas (anuais e vitalícias) aos lesados referidos, em Junho de 2001, as mesmas tornaram-se exigíveis, na economia dos factos alegados na p.i., sendo certo que nessa mesma data a A. tomou conhecimento do direito que lhe competia, cabendo-lhe exercê-lo contra a Ré dentro do prazo prescricional que não podia deixar de conhecer. Desde essa data, Junho de 2001, até à data em que a A. efectuou a referida notificação judicial avulsa, decorreram mais de três e até cinco anos, mais concretamente passaram 8 anos e 8 meses, sem que a Ré tenha, entretanto, sido citada ou notificada judicialmente de qualquer acto que exprimisse, directa ou indirectamente, a intenção da autora de exercer o seu direito e, bem assim, sem que a Ré tenha efectuado o pagamento de qualquer uma das pensões. Nos termos do disposto no art. 307º do CC “Tratando-se de renda perpétua ou vitalícia, ou de outras prestações periódicas análogas, a prescrição do direito unitário do credor corre desde a exigibilidade da primeira prestação não paga.”. Não restam, pois, dúvidas de que, à data em que foi efectuada a notificação judicial avulsa, ou seja em 1.3.2010, já o direito unitário da A. ao eventual reembolso das pensões liquidadas, como subrogada nos direitos dos lesados (…), se encontrava irremediavelmente prescrito, na totalidade, relativamente à Ré.

A A. respondeu, pugnando pela improcedência da excepção, afirmando que na Lei 100/97, sucessora da regulação dos acidente de trabalho e doenças profissionais, em vigor à data dos factos, a vontade do legislador foi claramente ultrapassar a divergência de qualificações, objecto de querela doutrinária e jurisprudencial, e, expressamente, designar o direito de reembolso da entidade seguradora como direito de regresso. Sustentando-se uma ou outra posição, em bom rigor, e apesar de serem figuras juridicamente distintas, o resultado da sua aplicação, no presente caso, será semelhante, já que qualificando-se o direito de reembolso da A. como direito de regresso ou como sub-rogação, estará sempre o mesmo, subordinado ao elemento comum de prévio pagamento da prestação ou obrigação. De acordo com o assento do Supremo Tribunal de Justiça, proferido a 9.11.1977, disponível in www.dgsi.pt, “não existe sub-rogação sem satisfação efectiva da prestação […] o pagamento como pressuposto daquela, é condição e medida do subrogado.”. É de resto o que resulta do disposto no nº 1, do art. 593º, do CC “O subrogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam.”. Isto é, o direito do sub-rogado funda-se no acto do cumprimento, consistindo a medida dos seus poderes na condição da satisfação dada aos direitos do credor, ficando o terceiro, que paga pelo devedor, sub-rogado apenas e só com o pagamento e, por essa mesmíssima razão, enquanto não houver pago não se encontrará subrogado e, consequentemente, não será titular de um direito de crédito, exercível em substituição do lesado. Quanto ao direito de regresso, como decorre do art. 524º, do CC, é condição necessária a satisfação do crédito para que exista o direito de regresso do devedor cumpridor perante os demais co-devedores. Refira-se, ainda, o entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão proferido a 1.6.1999, disponível in www.dgsi.pt, que versa no sentido de “O direito de regresso e o de sub-rogação apresentam grandes afinidades, estando subordinados ao elemento comum do prévio pagamento da obrigação e destinando-se ao seu reembolso total ou parcial (…). Acresce que o direito em causa só pode ser exercido pela entidade que houver pago a indemnização o que significa que, por aplicação do principio geral consignado no art. 306.º, n.º1, do C.Civil, o prazo da respectiva prescrição apenas começa a correr depois de efectuado aquele pagamento”. Por conseguinte, sustentando-se o direito de reembolso da A. como direito de regresso ou como sub-rogação, ambos se fundamentam no pressuposto do pagamento, de acordo com o nº 1, do art. 306º, do CC, pelo que a prescrição dos direitos que se fundamentem no cumprimento, só começa a correr com essa verificação, ou seja, o prazo só começa a correr quando o direito possa ser exercido. Assim, por razões de elementar justiça e coerência do sistema, deve ser entendido que o prazo de prescrição, tanto no caso da sub-rogação como no caso do direito de regresso, deve seguir-se pelo disposto no art. 498º, nº 2, do CC, iniciando-se a sua contagem, apenas e só, após o cumprimento, ou seja, o pagamento, por parte da A., ao sinistrado. Tem sido este, o entendimento perfilhado pela maioria da jurisprudência, citando-se como exemplos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21.1.2003 (Relator. Garcia Marques), de 6.5.2003 (Relator Ferreira Girão), de 19.1.2004 (Relator Afonso Melo); da Relação de Lisboa, de 9.12.2008 (Relator José Eduardo Sapateiro) de 30.4.2009 (Relator Sousa Pinto); da Relação de Coimbra, de 26.10.1999 (Relator Monteiro Casimiro), de 31.10.2006 (Relator Jorge Arcanjo), de 3.7.2007 (Relator Garcia Calejo), todos disponíveis in www.dgsi.pt. Tendo a A. fundamentado o seu direito de reembolso, nos pagamentos por si realizados aos lesados em diversas datas, posteriores ao dia 1.3.2007, e tendo o prazo prescricional sido interrompido aquando da notificação judicial avulsa da Ré, isto é, no dia 1.3.2010, iniciando-se novo prazo prescricional, igual ao da prescrição primitiva, nos termos do disposto no art. 326º, do CC, não se encontrava, nessa medida – quer à data da notificação judicial avulsa da Ré, a 1.3.2010, quer à data da propositura da presente acção declarativa pela A., a 16.7.2010 – o direito de reembolso da A. ferido de prescrição.

*

A seguir, no despacho saneador, foi proferida decisão que julgou improcedente tal prescrição.

*

2. A Ré interpôs recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:

(…)

II - Factos Provados

Os factos a considerar são os decorrentes do relatório supra.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 685º-A, e 684º, nº 3, do CPC).

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Prescrição do direito da A.

2. Escreveu-se na decisão recorrida que:

“Em primeiro lugar, há que destrinçar qual o direito que assiste à A., se é configurado como um direito de regresso ou, antes, como sub-rogação, questão que vem sendo debatida na jurisprudência.

O art.º 31.º. n.º 1, da Lei 100/97, de 13/09 (Lei dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais), vigente à data do acidente, prescreve que “quando o acidente for causado por outros trabalhadores ou terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral”, dispondo o n.º 4 do mesmo art.º que “a entidade empregadora ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente tem o direito de regresso contra os responsáveis referidos no n.º 1, se o sinistrado não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente”.

Devemos concluir, como a generalidade da jurisprudência, que se trata de um direito de sub-rogação legal – cfr. art.º 592.º, n.º 1, do Cód. Civil – pois que é atribuído ao sub-rogado o mesmo direito do credor, radicado na circunstância de a seguradora ter procedido ao pagamento de indemnizações cuja satisfação incumbiria, à partida, ao responsável pelo acidente (não se tratando de um direito nascido na esfera jurídica de quem extinguiu a obrigação) (1)(Entre outros, os Acs. da RC de 31/10/2006 – Proc.º N.º 1208/05.8TBTMR.C1, e de 03/07/2007 – Proc.º N.º 33/04.8TBFVN.C1, www.dgsi.pt.).

Aliás, seguindo o preponderante entendimento jurisprudencial, o Cód. do Trabalho (aprovado pela Lei 99/2003, de 27/08), no seu art.º 294.º (norma equivalente ao citado art.º 31.º da Lei dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais), n.º 4, alude expressamente a sub-rogação (“O empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode sub-rogar-se no direito do lesado contra os responsáveis referidos no nº 1, se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente”).

Nos termos do art.º 592.º, n.º 1, do Cód. Civil, “fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito”.

Pelo efeito da sub-rogação, em conformidade com o preceito do n.º 1 do art.º 593.º do Cód. Civil, “o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam”.

Assente que se trata de sub-rogação, estará prescrito o direito da A.?

Em conformidade com o preceito do n.º 1 do art.º 298.º do Cód. Civil, “estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição”.

A prescrição “é um instituto endereçado fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade…”, mas “arranca, também, da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno da tutela do Direito, em harmonia com o velho aforismo «dormentibus non succurrit jus»” (2)(Carlos Alberto da Mota Pinto – Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pp. 375 e 376).

Assim, o decurso do prazo prescricional confere ao beneficiário a faculdade de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – cfr. n.º 1 do art.º 304.º do Cód. Civil – iniciando-se aquele prazo a partir do momento em que o direito puder ser exercido – cfr. art.º 306.º, n.º 1, do citado código.

Constitui a prescrição excepção peremptória, implicando a absolvição do réu do pedido (art.º 493.º, n.ºs 1 e 3, do Cód. de Processo Civil).

O art.º 498.º, n.º 1, do Cód. Civil, prescreve que “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”, dispondo o n.º 3 do mesmo art.º que “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”.

Importa, ainda, considerar eventuais fenómenos interruptivos da prescrição, os quais, em conformidade com o preceituado no art.º 326.º, n.º 1, do Cód. Civil, “inutilizam para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo…”.

Um dos factos interruptivos da prescrição é a citação do R. ou a notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção do exercício do direito: “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente” (art.º 323.º, n.º 1, do Cód. Civil), mas “se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”.

In casu, estão em causa factos integradores do crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo art.º 137.º, n.º 1, do Cód. Penal, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, pelo que o respectivo prazo prescricional é de 5 (cinco) anos, conforme o disposto no art.º 118.º, n.º 1, al. c), do Cód. Penal.

Será, pois, este o prazo prescricional a tomar em consideração.

Pese embora tratar-se o direito da demandante, como já deixámos expresso, de sub-rogação, não pode perder-se de vista que o crédito da A. sobre a R. apenas nasceu com o pagamento, pelo que será a partir deste momento que se contará o prazo prescricional.

Este caminho tem sido aquele trilhado pela generalidade da jurisprudência, aqui se deixando citado um excerto do Ac. da RC de 17/03/2009:

“O crédito por sub-rogação pressupõe o pagamento e só nasce com o pagamento – art. 593º, nº1 – [ [v] ], pelo que o prazo de prescrição deve contar-se a partir do cumprimento, ou seja, considerando a data em que a seguradora laboral ou a entidade patronal pagaram ao sinistrado os montantes devidos, a título de indemnização e/ou pensão – nos termos da Base referida a sub-rogação só ocorre relativamente àquele “que houver pago a indemnização”. Isto, aliás, à semelhança do que dispõe o art. 498º, nº2 e pela mesma ordem de razões, encontrando-se, nesse ponto particular, alguma similitude de regimes.[ [vi] ]

Antes do cumprimento, portanto, e na sequência do que se referiu, o direito não pode, sequer, ser exercido – salienta-se que, nos termos do art. 306º, nº1, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido” (3)(Ac. da RC de 17/03/2009, Proc.º N.º 3625/07.0TJCBR.C1, www.dgsi.pt.)

Também no Ac. do STJ de 09/03/2010 se escreve, nomeando outras referências jurisprudenciais: “Com efeito, o prazo da prescrição, na situação em apreço, conta-se apenas a partir do cumprimento, por aplicação analógica do art. 498, nº2, do C.C. (Ac. S.T.J. de 13-4-00, Bol. 496-246; Ac. S.T.J. de 17-11-05, disponível em www.dgsi.pt., entre outros).

Contrariamente ao defendido pela recorrente, a norma do nº3 não distingue se tem aplicação apenas à hipótese prevista no nº1 do referido artigo ou se se aplica às situações dos nºs 1 e 2 , sendo certo que, nada sendo dito, e encontrando-se este nº3 na parte final da norma, tem que se considerar que se aplica aos dois números anteriores, não existindo qualquer razão para se considerar que apenas se aplica ao número 1.

O único requisito para aplicação desse nº 3 é o que decorre do facto ilícito constituir crime, sujeito a prazo mais longo do que o dos arts 1 e 2 da mesma disposição, como é o caso, sendo irrelevante o facto de ter havido ou não procedimento criminal contra o causador do acidente (Ac. S.T.J. de 1-6-99, Bol. 434-625; Ac. S.T.J. de 24-10-02, Col. Ac. S.T.J., X, 3º, 104)” (4)(Ac. do STJ de 09/03/2010, Proc.º N.º 2270/04.6TBVNG.P1.S1, www.dgsi.pt; Em idêntico sentido, cfr., também, o Ac. da RP de 18/06/2007, Proc.º N.º 0732889, www.dgsi.pt.).

Firmados estes entendimentos, recapitulemos a cronologia dos eventos relevantes: o sinistro ocorreu em 26 de Setembro de 2000; por sentença homologatória proferida em 24 de Maio de 2001, transitada em julgado em 04 de Junho de 2001, foi a A. condenada no pagamento, à viúva do sinistrado, de quantia respeitante a transportes obrigatórios para o Tribunal, de pensão anual e vitalícia com início em 26 de Setembro de 2000, aos filhos do sinistrado, de pensão anual, até perfazerem 18, 22 ou 25 anos, e, ainda, das despesas do funeral e de subsídio por morte; os pagamentos iniciaram-se em Junho de 2001; A A. peticiona os pagamentos efectuados entre 01/03/2007 e 24/05/2010; No dia 01 de Março de 2010 ocorreu a notificação judicial avulsa da R.; A presente acção foi proposta em 16 de Julho de 2010; A citação da R. A citação da R. ocorreu em 21 de Julho de 2010.

Posto isto, temos que aquando da citação ainda não se mostrara decorrido o prazo prescricional de 5 anos iniciado em 01/30/2007 (sublinhando-se que apenas os pagamentos daqui em diante efectuados são peticionados à R. e não aqueloutros que os precederam), cujo, aliás, se interrompeu com a aludida notificação judicial avulsa.

Improcede, destarte, a excepção” – fim de transcrição.

Concorda-se na essencialidade com a argumentação jurídica exposta, mas discorda-se da decisão proferida.
A expressão “direito de regresso“, utilizada no nº 4, do art. 31º, da Lei 100/97, de 13.9, deve interpretar-se, correctivamente, como tratando-se de um verdadeiro direito de sub-rogação, com o regime jurídico previsto nos arts.592º e segs. do CC, conforme orientação doutrinária e jurisprudencial prevalecentes (vide, por ex., Antunes Varela, R.L.J. Ano 103, pág.30, Vaz Serra, R.L.J., Ano 111, pág. 67, e Ac. do STJ de 9.3.2010, citado na decisão recorrida, de 4.10.04, C.J., T. III, pág. 39, de 24.6.2004, C.J., T. II, pág. 112,  e desta Relação de Coimbra de 17.3.2009, de 3.7.2007 e de 31.10.2006, todos eles, igualmente, citados na decisão recorrida).

Apesar de constituírem realidades jurídicas distintas, tanto a sub-rogação como o direito de regresso pressupõem o cumprimento da obrigação por parte do respectivo titular, e a prescrição dos direitos só começa com esse cumprimento, como, de resto, decorre do art. 306º, nº 1, 1ª parte, do CC (vide, além dos acórdãos citados, adicionalmente o Ac. do STJ, de 21.1.2003, CJ, T. I, pág.39).

Isto é, considerando-se um instituto ou outro, ambos estão dependentes do pagamento prévio de uma obrigação.

Defende a recorrente, partindo do disposto no transcrito art. 307º do CC, que no caso dos autos nos deparamos com uma situação de prestações periódicas, importando distinguir a prescrição do direito unitário, a qual se inicia com o primeiro pagamento e a prescrição do direito singular a cada prestação periódica. Ou seja, diz a recorrente, a partir do momento em que começou a pagar as prestações periódicas aos lesados, em Junho de 2001, a recorrida tomou conhecimento do direito que lhe competia, e por isso estava já em posição de exercer o seu direito, podendo pedir a condenação da Ré no que já tinha pago.

O mesmo podendo fazer em relação às prestações futuras, acautelando esse seu direito dentro do prazo prescricional previsto na lei. Esta última afirmação, não é porém correcta, pois não é possível pedir-se prestações futuras, em resultado de uma sub-rogação.

Na verdade, a esta questão respondeu o Assento 2/78 (hoje Acórdão Uniformizador de Jurisprudência), proferido a 9.11.1977 (in D.R., I Série, de 22.3.1978), tirado exactamente num caso de sub-rogação legal da seguradora de trabalho, idêntico ao dos presentes autos, que a “sub-rogação não se verifica em relação a prestações futuras”.

Refere-se no Assento que “não há sub-rogação sem satisfação efectiva da prestação; o pagamento, como pressuposto daquela, é condição e medida do sub-rogado. Daí que em princípio se tenha por indiscutível que a entidade patronal ou a seguradora só possam exigir do terceiro responsável pelo acidente o que houverem pago e não o que tenham de pagar no futuro (…) Inviável, será, pois, por falta de efectiva satisfação da prestação, o exercício de um direito sub-rogatório relativamente a prestações futuras”.

Esta doutrina resulta aliás do disposto do acima transcrito art. 593º nº 1 do CC. Ou seja, o direito do sub-rogado funda-se no acto do cumprimento, aferindo-se esse direito, pelo direito do primitivo credor. O sub-rogado poderá exigir do devedor o cumprimento de uma obrigação idêntica ou equivalente àquela que tiver satisfeito o interesse do credor. Por outras palavras, os poderes do sub-rogado medem-se e têm por condição a satisfação dada aos direitos do credor.

Assim, à medida que o sub-rogado vai satisfazendo o direito do primitivo credor, com os respectivos pagamentos, vai, igualmente, iniciado temporalmente o seu direito a demandar o devedor responsável perante aquele primitivo credor. O início da contagem da prescrição do seu direito é por isso marcado pela data em que satisfaz o primitivo credor.

Como a A. peticiona tão-só os pagamentos efectuados entre 1.3.2007 e 24.5.2010, no dia 1 de Março de 2010 ocorreu a notificação judicial avulsa da apelante, que, aliás, interrompeu a prescrição, nos termos do transcrito art. 323º, nº 1, do CC, e a presente acção foi proposta em 16 de Julho de 2010, temos que aquando da citação (segundo decorre da decisão recorrida ocorreu em 21.7.2010) ainda não se mostrava decorrido o prazo prescricional de 5 anos iniciado naquele 1.3.2007 (nem eventual prazo de 3 anos), sendo de sublinhar, como dito, que apenas os pagamentos desta data em diante estão a ser peticionados à Ré, e não aqueloutros que os precederam.

O que quer dizer, que, em princípio, o direito da A/recorrida não estaria prescrito.

Todavia, o nó da questão reside na distinção, como a recorrente aponta, entre a prescrição do direito unitário e a prescrição do direito singular a cada prestação periódica.
As quantias pagas pela A. aos familiares do sinistrado, no âmbito do processo de acidente de trabalho, reportam-se à pensão que foi fixada nesse processo, a favor daqueles. Trata-se de pensão que é fixada em montante anual - art. 49º, nº 1, do Regulamento, aprovado pelo DL 143/99 de 30.4 –, e deve ser paga mensalmente - art. 51º, nº 1 do mesmo diploma.
Estamos, pois, perante uma prestação periódica ou reiterada [ensina A. Costa, D. Obrigações, 6ª Ed., pág. 593/594, que “Diz-se instantânea (…) a prestação a executar num só momento, extinguindo-se a correspondente obrigação com esse único acto isolado de satisfação do interesse do credor (ex: a entrega de determinada ou coisa …). (…) Em todos os restantes casos, quando não se circunscreva a uma actividade ou inactividade momentânea do devedor, antes se trate de um comportamento, positivo ou negativo, que se distenda no tempo, a prestação qualifica-se de duradoura. (…) Se o cumprimento se efectua por partes, em momentos temporais diferentes, a prestação diz-se dividida, fraccionada ou repartida (ex: o preço pago a prestações). (…) Considera-se continuativa, contínua ou de execução continuada a prestação que consiste numa actividade ou abstenção que se prolonga ininterruptamente – como conduta única, segundo os critérios da prática – durante um período mais ou menos longo (…) Quando todavia, em vez de uma única prestação a realizar por partes (prestação fraccionada), existam (…) diversas prestações (isto é prestações repetidas) a satisfazer regularmente (ex: a obrigação do inquilino de pagar a renda mensal ou anula) ou sem regularidade exacta (…), teremos as chamadas prestações reiteradas, repetidas, com trato sucessivo ou periódicas (…). A título exemplificativo, recordemos ainda os juros …, a renda fixada como indemnização (art. 567º), a renda perpétua …, a renda vitalícia. (…)
Tratando-se de prestações periódicas, pode prescrever uma delas pelo decurso do prazo de 5 anos e manter-se a obrigação geral, pois a prescrição do direito unitário do credor está sujeita aos prazos normais e corre desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga (art. 307º)], pelo que há que distinguir entre o direito unitário e o direito a cada uma das prestações, valendo o disposto no citado art. 307º. 
Considerando que, como supra se referiu, é característico da sub-rogação a colocação do sub-rogado ou solvens na posição do primitivo credor, agindo a A. como sub-rogada nos direitos dos lesados e tendo iniciado o pagamento das pensões em Junho de 2001, pelo menos nessa data tomou conhecimento do direito que lhe competia, podendo livremente exercê-lo, pois era a data em que era exigível a primeira prestação à ora Ré, pelo que se impunha accionar a mesma, no máximo, no prazo de cinco anos a contar desse momento, em Junho de 2006, o que não aconteceu.
Não restam, pois, dúvidas de que, à data em que foi efectuada a notificação judicial avulsa, ou seja em 1.3.2010, já o direito unitário da A. ao eventual reembolso dos montantes devidos, como sub-rogada nos direitos dos lesados (…), se encontrava irremediavelmente prescrito, na totalidade, relativamente à Ré (vide em idêntico sentido o citado Ac. Rel. Coimbra, de 17.3.2009).
Esta solução não tem, aliás, nada de surpreendente para a A., se pensarmos que, se a mesma, sub-rogada nos direitos dos lesados, tivesse obrigação de pagar a estes uma quantia por inteiro, numa única prestação, e o tivesse feito em Junho de 2001 (como fez em relação ao 1º pagamento da prestação periódica devida), o seu direito sob pena de prescrição também teria de ser exercido/peticionado até Junho de 2006.   

Obtempera, porém, a recorrida com o disposto na referida Lei 100/97, mais precisamente no âmbito do nº 2, do seu art. 32º, que refere:

2 - As prestações estabelecidas por decisão judicial, ou pelo Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais, prescrevem no prazo de cinco anos a partir da data do seu vencimento.

Isto porque, diz a apelada, as pensões a que a mesma ficou obrigada a liquidar aos familiares do sinistrado (…), por acordo homologado por sentença, no âmbito do referido processo judicial 72/2001, que correu termos pelo T. Trabalho de Águeda, possuindo carácter anual, se vencem unitária e sucessivamente a cada ano, só sendo consequentemente, devida a liquidação pela apelada de cada uma dessas prestações, apenas e só, após a respectiva data de vencimento. Tendo o legislador, inclusive, tido o cuidado de, expressamente, estabelecer como momento de inicio da contagem do prazo prescrional, o da data do vencimento daquelas.
Não cremos que tenha razão. Desde logo, porque, como resulta do mesmo art. 32º, seu nº 3, com a seguinte redacção “O prazo de prescrição não começa a correr enquanto os beneficiários não tiverem conhecimento pessoal da fixação das prestações”, aquele preceito relativo à prescrição quinquenal se dirige aos beneficiários das prestações estabelecidas na respectiva decisão judicial, neste caso os familiares do sinistrado (…) e não à apelante, que parte não foi nesse processo judicial que correu no T. Trabalho. Ou seja, tal prazo de 5 anos corre contra os familiares do sinistrado versus apelada, não dizendo respeito à apelante.
Por outro lado, tal preceito, atinente ao prazo prescricional das prestações periódicas singulares, nada bule ou interfere com a prescrição oponível à apelante em relação ao seu direito unitário ao reembolso dos montantes devidos
Improcede, pois, o argumento jurídico da apelada.
3. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):

i) A expressão “direito de regresso”, contida no nº 4, do art. 31º, da Lei 100/97, de 13/09, deve ser interpretada como tratando-se de um verdadeiro direito de sub-rogação, com o regime jurídico previsto nos art. 592º e segs. do CC;

ii) A sub-rogação pressupõe o cumprimento da obrigação por parte do respectivo titular, e a prescrição do respectivo direito só começa com esse cumprimento, como, de resto, decorre do art. 306º, nº 1, 1ª parte, do CC;

iii) Fundando-se o direito do sub-rogado no acto de cumprimento (satisfação efectiva da prestação), só poderá o sub-rogado exigir do terceiro responsável pelo acidente o que houver pago, não podendo exigir o que tenha de pagar no futuro – art. 593º, nº 1, CC, e Assento do STJ 2/78 (hoje Acórdão Uniformizador de Jurisprudência), proferido a 9.11.1977 (in D.R., I Série, de 22.3.1978);
iv) Prestações periódicas são aquelas em que, em vez de uma única prestação a realizar por partes (prestação fraccionada), existam diversas prestações (isto é prestações repetidas) a satisfazer regularmente ou sem regularidade exacta, por exemplo a renda fixada como indemnização (art. 567º do CC):
v) Agindo a autora/seguradora como sub-rogada nos direitos dos familiares do sinistrado e tendo iniciado o pagamento das pensões em Junho de 2001, prestações periódicas, pelo menos nessa data tomou conhecimento do direito que lhe competia, podendo livremente exercê-lo, pelo que se impunha accionar a ré, no máximo, no prazo de cinco anos - art. 498º, nº 3 do CC - a contar desse momento, sob pena de prescrição do direito (unitário) à pensão, atento os termos do art. 307º do CC.

IV – Decisão


Pelo exposto, julga-se o recurso procedente e consequentemente, revogando-se a decisão proferida aquando do saneamento do processo, julga-se procedente a excepção de prescrição invocada pela Ré e absolve-se a mesma do pedido contra si formulado.
*
Custas, em 1ª instância e nesta Relação, pela Ré/apelada.

*

João Moreira do Carmo ( Relator )

Carlos Marinho

Alberto Ruço