Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1452/09.9TBACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: SALVADOS
INDEMNIZAÇÃO
SEGURADORA
Data do Acordão: 11/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA - 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: §2.º DO ARTIGO 439.º DO CÓDIGO COMERCIAL E ARTIGO 129.º DO DECRETO-LEI 72/2008 DE 16-4
Sumário: I - Os factos assentes e a base instrutória não são mais do que um instrumento processual de trabalho cujo conteúdo pode ser alterado no decorrer do processo, na medida em que se mostre necessário, não recaindo sobre essas peças qualquer efeito de caso julgado.

II - Na determinação da indemnização devida ao lesado, se houver salvados e se quanto a eles nada tiver sido convencionado, há que abater na indemnização devida o seu valor, pois nos termos do §2.º do artigo 439.º do Código Comercial "o segurado não tem direito de abandonar ao segurador os objectos salvos do sinistro, e o valor destes não será incluído na indemnização devida pelo segurador" e idêntica solução adoptou o artigo 129.º do Decreto-Lei 72/2008 de 16-4, ao dispor que "o objecto salvo do sinistro só pode ser abandonado a favor do segurador se o contrato assim o estabelecer."

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I

A... instaurou, na comarca de Alcobaça, a presente acção declarativa, com processo sumário contra Companhia de Seguros B... S.A., pedindo a condenação desta no pagamento de € 11 922,83.

Alega, em síntese, que a 28 de Maio de 2005, na EN n.º 8, na localidade de Feteira, em Alcobaça, quando conduzia o seu motociclo da marca Suzuki, modelo GSXR 1000, de matrícula ...SJ, a roda dianteira deslizou no asfalto, causando o seu descontrolo, o que provocou a sua queda, acabando o motociclo por cair e arrastar-se cerca de 10 metros, tendo parado somente quando embateu na valeta do outro lado da estrada.

Mais alega em consequência desse acidente teve danos patrimoniais e não patrimoniais que avalia em € 11 922,83 e que tinha celebrado com a ré um contrato de seguro relativo a esse motociclo.

A ré contestou dizendo, em suma, que os danos próprios invocados pelo autor não se encontram cobertos pela apólice de seguro e que, nos termos do contrato de seguro, optou pela atribuição de uma indemnização em dinheiro, correspondente ao valor venal do motociclo ...SJ à data do acidente, deduzido do valor do salvado e da franquia aplicável.

Proferiu-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e elaborou-se a base instrutória.

Realizou-se julgamento e proferiu-se sentença em que se decidiu:

"Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente por provada e condenar a Ré:

No pagamento ao A. de uma indemnização no valor global de 5.839,51€ (cinco mil, oitocentos e trinta e nove euros e cinquenta e um cêntimos), acrescida dos respectivos juros legais desde a data da citação até integral pagamento".

Inconformada com tal decisão, a ré dela interpôs recurso, que foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

1.º Deu-se como provado na alínea R) da rubrica “Factos Assentes” que o contrato de seguro celebrado entre o A. e a Ré incluía a Condição Especial “Complemento de Indemnização por Perda Total” a qual permitiria, no caso vertente, que ao montante a indemnizar correspondente ao valor do motociclo ...SJ - € 5,839,51 – deveria ser acrescido 20% desse mesmo valor, ou seja, € 1.167,00.

2.º Constata-se, porém, pelo Clausulado da Apólice (fls. 43 a 79) que o “Complemento de Indemnização por Perda Total” é uma cláusula autónoma e independente da do risco “Choque, colisão, capotamento e Quebra Isolada de Vidros” e que, como as “Condições Particulares do Contrato” revelam ao elencar os riscos garantidos não foi contratada (cfr. fls. 41 e 42).

3.º Logo ela é inaplicável.

4.º Ora, a natureza substancial da forma do contrato de seguro não permite que a apólice seja suprida por qualquer outro meio de prova.

5.º E, por outro lado, o teor da especificação e da base instrutória, por não constituir caso julgado formal, pode ser alterado até ao transito em julgado da decisão, sendo certo que, em hipótese de recurso, tem de se tomar em consideração o disposto no artigo 712.º do Cód. de Proc. Civil.

6.º No caso vertente, dada a natureza formal do contrato de seguro, verificam-se os pressupostos das alíneas a) e b) do n 1 do citado artigo 712.º do Cód. de Proc. Civil já que do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão, elementos esses que impõem decisão diversa.

7.º Consequentemente, deve esse Alto Tribunal, ao abrigo do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 508º-A e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 712.º do Cód. de Proc. Civil, proceder à eliminação da alínea R) dos Factos Assentes e da matéria constante dessa mesma alínea.

8.º E, sendo assim, como se crê que deve ser, deverá igualmente considerar inaplicável à hipótese dos autos tal clausula e, consequentemente, absolver a Ré do pagamento do montante de € 1.167,90 que da aplicação dela resultou.

9º De resto, o A. limita o seu pedido ao valor patrimonial do motociclo ...SJ à data do sinistro, valor esse que fixa em € 5.800,00, abstendo-se de peticionar qualquer valor suplementar e, designadamente, os referidos 20%.

10.º Assim a indicada condenação em € 1.167,90 traduz-se na nulidade prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 668.º do Cód. de Proc. Civil, nulidade essa que, portanto, expressamente argue e deverá proceder, sempre com a inerente absolvição da Recorrente em relação à referida quantia de € 1.167,90.

11.º Em resumo, e no que respeita à matéria que acima se deixa citada, constata-se ter havido violação do disposto quer o artigo 508º-A, quer da alínea e) do n.º 1 do artigo 668.º, ambos do Cód. de Proc. Civil.

12.º Por outro lado, a douta sentença recorrida não obstante ter reconhecido que o A. ficou na posse do salvado entendeu condenar a Ré no pagamento da quantia que considerou como sendo correspondente ao valor da viatura face ao pedido do A. apenas deduzido do valor da franquia.

13.º Sendo assim, se o A. cumular a indemnização pelo valor do motociclo ...SJ com a posse do salvado, haverá um enriquecimento do lesado com violação, portanto, do disposto no artigo 562.º do Código Civil.

14.º Deveria, pois, a douta decisão recorrida ter fixado, em equidade, um valor ao salvado já que a resposta ao quesito 18.º foi “Não Provado” e deduzir esse mesmo valor à indemnização a satisfazer ao A., ora Recorrido.

15.º Não o entendendo assim a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 562.º do Código Civil.

16.º Por todo o exposto deve, pois, conceder-se provimento ao recurso e, em consequência, proferir-se Acórdão em que, confirmando-se o mais decidido, se absolva a Recorrente da quantia de € 1.167,90, se fixe, em equidade, o valor do salvado e se reduza o valor da indemnização pela perda total do motociclo ...SJ à diferença entre o valor deste e o que resultar da soma do valor da franquia e do que for determinado para o salvado do, como é de Justiça.

Por sua vez o autor também não se conformou com a sentença e dela interpôs recurso, que foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

A) A indemnização devida pela privação do uso, advém da mora no cumprimento do contrato por parte da Recorrida, consubstanciada na omissão do pagamento do valor venal do veículo ou, em alternativa, da sua reparação natural, tal como consta do contrato de seguro celebrado entre as partes.

B) Andou mal a Meritíssima Juiz a quo ao considerar não ser devida a indemnização pela privação do uso, fundamentando a sua decisão no facto de não ter sido contratada no respectivo contrato de seguro, mormente nas suas condições particulares, a cobertura facultativa de privação do uso.

C) A R. Seguradora pretendia pagar ao A. apenas a quantia de € 1.167,70, montante em muito inferior ao valor venal do veículo, valor este que o A. não aceitou.

D) Tal recusa por parte do Recorrente é legítima, uma vez que a prestação que a Recorrida pretendia efectuar não coincidia com a que lhe era devida, subsistindo, portanto, a mora da Recorrida.

E) A privação do uso do veículo, em consequência da mora da Recorrida em reparar os danos do Recorrente, tal como contratado entre ambos, constitui um ilícito gerador da obrigação de indemnização, na medida em que impediu o Recorrente, proprietário do veículo, do exercício dos direitos inerentes à propriedade, nomeadamente o poder e o direito de utilizá-lo como entender, tendo, inclusive, a possibilidade de não o utilizar.

F) A privação do uso do veículo constitui um dano patrimonial indemnizável, tanto mais que provado ficou ter o A. ficado privado da sua utilização e da necessidade diária de utilizar o veículo quer para os afazeres profissionais quer pessoais, deslocando-se de casa para o local de trabalho.

G) A quantia peticionada pelo A. de € 5,00 (cinco euros) por cada dia de privação do uso do seu veículo, desde a data do acidente até à sua integral reparação natural ou em dinheiro, mostra-se justa e adequada, pelo que deverá ser esse o montante atribuído a título de indemnização pela privação do uso.

H) Violou, assim, a douta sentença recorrida, o disposto nos art.ºs 562.º, 563.º e 762.º do Código Civil.

O autor não contra-alegou no âmbito do recurso interposto pela ré e esta contra-alegou relativamente ao recurso interposto por aquele sustentando a improcedência do mesmo.

Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil[1], as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:

1 - no recurso interposto pela ré:

a) deve eliminar-se a alínea R) dos factos assentes;

b) ao abrigo da cláusula 2.º Limites de Indemnização, das Condições Especiais do contrato de seguro, é devida ao autor uma indemnização no montante de € 1 167,90;

c) e, se se responder afirmativamente à questão anterior, terá então que se averiguar se a condenação da ré no pagamento desses € 1 167,90 ultrapassa os limites do pedido do autor;

d) na a determinação do montante da indemnização relativa ao valor do motociclo ...SJ deve ser abatido o valor dos salvados e, a ser assim, não se tendo provado a quanto ascende este, se se deve recorrer à equidade.

2- no recurso interposto pelo autor:

e) é devida indemnização pela privação do uso do motociclo ...SJ.


II

1.º


A ré sustenta que se deve eliminar a alínea R) dos factos assentes, dizendo que a cláusula aí mencionada "não foi contratada. Inequivocamente o demonstra, crê-se, quer o Clausulado da Apólice, quer as designadas Condições Especiais da Apólice.

Do clausulado da Apólice de (fls. 43 a 79) extrai-se que a Cláusula “Complemento de Indemnização por Perda Total” (págs. 14 desse Clausulado) é uma cláusula autónoma não se confundindo com a de “Choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros”, como se não confunde com as de “Incêndio, Raio ou Explosão” ou de “Furto ou Roubo”.

Como cláusula autónoma que é, teria de ser expressamente contratada.

Não o foi porém.

Tal conclusão extrai-se das “Condições Particulares da Apólice “ onde, a págs. 1 e 2 (fls. 41 e 42) se indicam os riscos contratados: “assistência em viagem”, “choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros”, “furto ou roubo”, “incêndio, raio ou explosão” e “responsabilidade civil”.

Assim, a cláusula “Complemento de Indemnização por “Perda Total” não foi, manifestamente, contratada"[2].

Em R) dos facto provados consta que "no acordo indicado em I), sob a epígrafe «Complemento de Indemnização por Perda Total», sob a Cláusula 2ª – Limites de Indemnização, das «Condições Especiais», consta: “O valor do Complemento de Indemnização a pagar em caso de Perda Total do veículo seguro será determinado em função das seguintes regras: (…) b) Após o 37.º mês, inclusive, a contar da data da primeira matrícula do veículo seguro, ou sempre que a subscrição da presente cobertura ocorra após o 12.º mês a contar daquela mesma data, o Complemento de Indemnização a pagar corresponderá a 20% do valor venal do veículo seguro à data do sinistro” – cf. doc. de fls. 43-79, cujo teor se dá por integralmente reproduzido."

Examinado o contrato de seguro celebrado entre as partes, nomeadamente as condições particulares da apólice[3], dúvidas não restam de que, a esse nível, tal como afirma a ré, somente se contratou, “assistência em viagem”, “choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros”, “furto ou roubo”, “incêndio, raio ou explosão” e “responsabilidade civil”, o mesmo é dizer que a citada cláusula, efectivamente, não integra o contrato em análise.

Significa isso que esta alínea R) contém um facto que, face a tudo quanto se encontra no processo, não se pode ter como provado, o que, evidentemente, já acontecia quando se proferiu o despacho a que se refere o artigo 511.º, onde este facto foi então dado como assente[4].

Como é sabido, a colocação de certo facto nos factos assentes (ou na base instrutória) não constitui "uma decisão, mas a mera organização dum elenco de factos para boa disciplina das fases ulteriores do processo e, por isso, essa selecção não forma, pois, caso julgado formal"[5]. Com efeito, "dada a natureza puramente instrumental das peças onde o juiz fixa os factos que já considera provados (…), conclui-se que, haja ou não reclamação das partes relativamente à selecção, sempre o tribunal poderá introduzir as alterações que, correspondendo à verdade do processo, se justifiquem"[6]. Os factos assentes e a base instrutória não são mais do que um instrumento de trabalho cujo conteúdo pode ser alterado no decorrer do processo, na medida em que se mostre necessário, não recaindo sobre estas peças qualquer efeito de caso julgado[7].

Assim, elimina-se de entre os factos assentes o facto que aí está sob R), pelo que, em consequência, na sentença recorrida ele já não figurará em R) dos factos provados.


2.º

Estão provados os seguintes factos:

A) No dia 28 de Maio de 2005, cerca das 9.00 horas, na Estrada Nacional nº 8, na localidade de Feteira, em Alcobaça, na faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de trânsito Caldas da Rainha-Alcobaça, o Autor tripulava o motociclo da marca Suzuki, modelo GSXR 1000, de matrícula ...SJ (doravante, veículo SJ), à velocidade compreendida entre 30 e 40 km/h, porquanto o tempo estava húmido e a aderência das rodas do veículo era reduzida, em consequência da humidade e do orvalho existentes no pavimento.

B) Na sequência do descrito em A), a roda dianteira do veículo SJ deslizou no asfalto, causando o seu descontrolo, o que provocou a queda do Autor para o seu lado direito, atento o sentido de marcha indicado em A), acabando o referido motociclo por cair e arrastar-se cerca de 10 metros, tendo parado somente quando embateu na valeta do outro lado da estrada.

C) Em consequência da queda referida em B), o veículo SJ sofreu estragos nas peças indicadas no documento de fls. 14, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, cuja reparação se fixa no montante de 6.187,30 €.

D) Em consequência dos estragos mencionados em C), o Autor deixou de poder utilizar o veículo SJ na data indicada em A).

E) O veículo SJ não foi reparado nem foi concedido ao Autor qualquer veículo de substituição.

F) O autor participou o descrito em B) à Ré.

G) Na sequência dos estragos mencionados em C), a Ré concluiu que a reparação do veículo SJ não era técnica nem economicamente aconselhável.

H) Na data indicada em A), o valor venal do veículo SJ era de 5.839,51 €.

I) Em 1.07.2004, o Autor celebrou com a Ré um acordo de seguro, tendo por objecto o veículo SJ e através do qual esta assegurava a cobertura de choque, colisão e capotamento do mesmo, pelo capital de 6.488,35 € e com a franquia de 20% do capital da cobertura, nos termos constantes das «Condições Particulares» da apólice n.º 0000107562, conforme documento de fls. 40-42, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

J) No acordo indicado em I), nas «Condições Particulares» consta: “O valor do veículo indicado nas Condições Particulares corresponde ao do início do período de vigência do contrato e sofrerá até ao termo do mesmo período desvalorização mensal prevista na tabela” – cf. doc. de fls. 40-42, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

K) No acordo indicado em I), sob a Cláusula 39.ª – Coberturas Facultativas, das «Condições Gerais», consta: “Conforme estabelecido no ponto 3 da Cláusula Preliminar, o presente Contrato poderá garantir, nos termos estabelecidos nas Condições Especiais e relativamente àquelas que expressamente constem das Condições Particulares, o pagamento das indemnizações, para além do âmbito do seguro obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, devidas por: (…) b) Choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros; (…)

2. Quando tal for expressamente acordado e constar das Condições Particulares, as garantias conferidas pelas Condições Especiais a que se referem as alíneas b), c) d), g) e h) do número anterior somente darão cobertura ao risco de Perda Total do veículo seguro, não havendo consequentemente lugar a qualquer pagamento de indemnização quando se verificar uma perda parcial no referido veículo” – cf. doc. de fls. 43-79, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

L) No acordo indicado em I), sob a Cláusula 43.ª – Regras de Desvalorização, das «Condições Gerais», consta: “1. Após a determinação do valor seguro nos termos da cláusula anterior, e salvo se outro regime de desvalorização for acordado e expresso nas Condições Particulares, o valor do veículo seguro para efeitos de determinação do montante a indemnizar em caso de perda total, será, nos meses e anuidades seguintes aos da celebração do contrato, automática e sucessivamente alterado de acordo com a Tabela de Desvalorização aplicável” – cf. doc. De fls. 43-79, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

M) No acordo indicado em I), sob a Cláusula 44.ª – Ressarcimento dos Danos, das «Condições Gerais», consta: “1. Em caso de sinistro, o Segurador pode optar pela reparação do veículo, pela sua substituição, ou pela atribuição de uma indemnização em dinheiro, sem prejuízo da aplicação do disposto na cláusula seguinte” – cf. doc. de fls. 43-79, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

N) No acordo indicado em I), sob a Cláusula 46.ª – Franquias, das «Condições Gerais», consta: “1. As franquias aplicáveis em relação a cada uma das coberturas serão as estipuladas nas Condições Particulares. 2. O valor da franquia será sempre deduzido no momento do pagamento da indemnização, ainda que o Segurador o realize directamente à entidade reparadora ou qualquer outra” – cf. doc. de fls. 43-79, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

O) No acordo indicado em I), sob a epígrafe «Choque, Colisão, Capotamento e Quebra Isolada de Vidros», sob a Cláusula 1ª – Definições, das «Condições Especiais», consta: Para efeito da presente Condição Especial considera-se: (…) Capotamento: Danos no veículo seguro resultantes de situação em que este perca a sua posição normal e não resulte de Choque ou Colisão” – cf. doc. de fls. 43-79, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

P) No acordo indicado em I), sob a epígrafe «Choque, Colisão, Capotamento e Quebra Isolada de Vidros», sob a Cláusula 2ª – Âmbito da Cobertura, das «Condições Especiais», consta: “A presente Condição Especial garante ao Segurado o ressarcimento dos danos que resultem para o veículo seguro em virtude de choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros” – cf. doc. de fls. 43-79, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

Q) No acordo indicado em I), sob a epígrafe «Complemento de Indemnização por Perda Total», sob a Cláusula 1ª – Âmbito da Cobertura, das «Condições Especiais», consta: “2. Quando tenham sido contratadas as coberturas de Choque, Colisão e Capotamento (…), a presente Condição Especial garante igualmente o pagamento do Complemento de Indemnização em caso de Perda Total do veículo seguro quando a mesma for consequência de qualquer facto garantido ao abrigo das referidas coberturas” – cf. doc. de fls. 43-79, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

R) Eliminado nos termos do acima decidido.

S) No acordo indicado em I), sob a epígrafe «Danos em Fatos e Capacetes», sob a Cláusula 1ª – Definição, das «Condições Especiais», consta: “Para efeito da presente Condição Especial considera-se por: Fato: Blusão, calças, luvas e botas especialmente concebidos para a protecção dos motociclistas (…)” – cf. doc. de fls. 43-79, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

T) No acordo indicado em I), sob a epígrafe «Danos em Fatos e Capacetes», sob a Cláusula 2ª – Âmbito da Cobertura, das «Condições Especiais», consta: “A presente Condição Especial garante ao Segurado, até ao limite definido nas Condições Particulares, o pagamento das perdas e danos sofridos pelo Fato e Capacete do Segurado em consequência de um sinistro garantido ao abrigo da cobertura de choque, colisão e capotamento, desde que a referida cobertura tenha sido contratada” – cf. doc. de fls. 43-79, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

U) No acordo indicado em I), sob a epígrafe «Privação de USO – VIP», sob a Cláusula 2ª – Âmbito da Cobertura, das «Condições Especiais», consta: “A presente Condição Especial garante ao Segurado o pagamento do valor diário estabelecido nas Condições Particulares para ressarcimento dos danos decorrentes da privação forçada do uso da viatura, durante o período da reparação ou do desaparecimento, em consequência da verificação de qualquer situação prevista na cláusula 3.ª” – cf. doc. de fls. 43-79, cujo teor se dá por integralmente reproduzido

V) No acordo indicado em I), sob a epígrafe «Privação de USO – VIP», sob a Cláusula 3ª – Condições de Funcionamento da Cobertura, das «Condições Especiais», consta: “O valor diário a pagar durante o período da reparação ou do desaparecimento, terá em consideração os seguintes limites temporais: a) Em caso de Choque, Colisão ou Capotamento (…), e desde que a Condição Especial à qual o sinistro é imputado tenha sido contratada: Pagamento diário do valor estipulado nas Condições Particulares até ao máximo de trinta (30) dias por anuidade (…).

2. O início do pagamento do valor diário acordado será:

a) Caso exista imobilização: Desde o dia do pedido de marcação de peritagem ou início da reparação nos casos de avaria (…)” – cf. doc. De fls. 43-79, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

W) No acordo indicado em I), sob a epígrafe «Protecção Especial do Condutor», sob a Cláusula 1ª – Definições, das «Condições Especiais», consta: “Pessoa Segura: O Condutor efectivo do veículo seguro no momento do Acidente de Viação. (…) Acidente de Viação: Acidente ocorrido em consequência exclusiva da circulação rodoviária, quer o veículo se encontre ou não em movimento, durante a condução automóvel, a entrada ou saída do veículo ou ainda, durante a participação activa, no decurso de uma viagem, em trabalhos de pequena reparação ou desempanagem no veículo designado nas Condições Particulares” – cf. doc. de fls. 43-79, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

X) No acordo indicado em I), sob a epígrafe «Protecção Especial do Condutor», sob a Cláusula 2ª – Âmbito da Cobertura, das «Condições Especiais», consta: “A presente cobertura garante a indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais efectivamente sofridos pela Pessoa Segura, decorrentes de lesões corporais ou morte, em consequência de Acidente de Viação, independentemente da imputação da responsabilidade pela ocorrência deste” – cf. doc. de fls. 43-79, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

Y) No acordo indicado em I), sob a epígrafe «Protecção dos Ocupantes e Condutor», sob a Cláusula 1ª – Definições, das «Condições Especiais», consta: “Para efeito da presente Condição Especial, entende-se por: Pessoas Seguras: Pessoas cuja vida ou integridade física se segura e que para efeitos da presente Condição Especial serão as abaixo indicadas, consoante a modalidade referida nas Condições Particulares: Modalidade I – Tomador do Seguro, Condutor e Familiares a) O Tomador do Seguro e o condutor efectivo do veículo (…)” – cf. doc. de fls. 43-79, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

Z) No acordo indicado em I), sob a epígrafe «Protecção dos Ocupantes e Condutor», sob a Cláusula 2ª – Âmbito da Cobertura, das «Condições Especiais», consta: “1. Em caso de acidente de viação com o veículo seguro, a presente Condição Especial garante a indemnização definida nas Condições Particulares, quando resulte para as Pessoas Seguras: a) Morte ou Invalidez Permanente; b) Despesas de Tratamento, Repatriamento ou Funeral (…)” – cf. doc. de fls. 43-79, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

AA) Em consequência da queda indicada em B) resultaram para o A. ferimentos nas mãos e no joelho direito.

AB) Na data indicada em A) o A. vestia calças "Levi's Strauss".

AC) Em consequência da queda referida em B), as calças mencionadas em AB) ficaram totalmente rasgadas e sem possibilidade de conserto.

AD) Na data indicada em A) o A. vestia um blusão concebido para motociclistas.

AE) Na data indicada em A) o A. usava um relógio.

AF) Em consequência da queda referida em B), o relógio indicado em AE) ficou sem bracelete, com o mostrador rachado e a respectiva máquina deixou de funcionar.

AG) Na data indicada em A) o A. usava uma aliança.

AH) Na data indicada em A) o veículo SJ era o único meio de transporte através do qual o A. se deslocava para o seu local de trabalho, a 30km de sua casa.

AI) Em consequência dos estragos mencionados em C) o A. não utiliza o veiculo SJ desde a data indicada em A).

AJ) O A. convenceu-se de que, ao celebrar o acordo referida em I), que este abrangia todos os estragos, a reparação e a privação do uso do veículo SJ.

AK) O A. convenceu-se de que, ao celebrar o acordo referida em I), que este abrangia todas as lesões corporais e materiais sofridas pelo A. enquanto condutor do veículo SJ)


3.º

A ré censura a sentença recorrida na parte em que nesta se atribuiu ao autor uma indemnização no valor de € 1 167,90, correspondentes a 20% do valor venal do motociclo ...SJ. A Meritíssima Juíza a quo entendeu que esta indemnização era devida em virtude do disposto na cláusula 2.ª Limites de Indemnização, das Condições Especiais do contrato de seguro, cláusula essa que, segundo a matéria de facto se encontrava (inicialmente em R) dos factos assentes, e depois) em R) dos facto provados daquela decisão, integrava esse contrato.

Ora, como resulta do que acima se decidiu, o contrato de seguro celebrado entre o autor e a ré não inclui tal cláusula, pelo que é evidente que nenhuma indemnização pode aí radicar.

Portanto, o autor não tem direito a qualquer indemnização correspondente a 20% do valor venal do motociclo ...SJ, ou seja não lhe é devida a indemnização de € 1 167,90 que a esse título foi fixada pelo tribunal a quo.


4.º

Entende a ré que tendo sido condenada no pagamento do valor do motociclo (deduzido do valor da franquia) e tendo o autor ficado com os respectivos salvados, ao se "cumular a indemnização pelo valor do veículo com a posse do salvado, haverá um enriquecimento do lesado com violação, portanto, do disposto no artigo 562.º do Código Civil."[8] Por isso, a ré defende que tem que se deduzir ao valor da indemnização o dos salvados.

Nesta parte, na sentença recorrida deixou-se dito que:

"quanto ao pedido de pagamento da quantia de € 5.800,00 referente ao valor patrimonial do veículo à data do sinistro, da factualidade provada resulta que o valor venal de tal veículo era, à data do acidente, € 5.839,51.

Resulta igualmente provado que a reparação dos estragos do veiculo do A. foi fixada em € 6.187,30 e que a R. concluiu que a reparação do veículo não era técnica nem economicamente aconselhável.[9]

(…)

pelo que o pedido formulado pelo A. nesta sede se encontra previsto pelo contrato de seguro, correspondendo a indemnização devida ao valor peticionado de € 5.800,00.

(…)

Da factualidade provada, apesar de não decorrer expressamente ter o A. mantido a posse do veículo sinistrado, tal posse depreende-se do pedido de pagamento do valor devido pelo armazenamento de tal veículo.

No entanto, das cláusulas do contrato de seguro nenhuma estipulação decorre quanto à dedução do valor do salvado ao valor da indemnização a suportar pela R., em caso de perda total.

Assim, a factualidade provada não é apta a fazer concluir ter o A. concordado em ficar na posse do salvado, como modo de pagamento parcial, tanto mais que o A. peticiona a quase totalidade do valor venal do veículo à data do acidente.

Pelas razões expostas, ao valor da indemnização a suportar pela R. não deverá ser deduzido o valor do salvado".

O artigo 562.º do Código Civil estabelece o princípio de que "quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação", acrescentando o n.º 2 do artigo 566.º do mesmo diploma que "a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos".

Pode, portanto, dizer-se que "o fim do dever de indemnizar é pôr, portanto, a cargo do lesante a prática de certos actos, cuja finalidade comum é criar uma situação (uma nova situação) que se aproxime o mais possível daquela outra situação (hipotética, irreal, imaginária, situação em que o lesado efectivamente nunca esteve) em que o lesado provavelmente estaria, daquela situação que provavelmente seria a existente de acordo com a sucessão normal dos factos, no momento em que é julgada a acção de responsabilidade, se não tivesse tido lugar o facto que lhe deu causa" (…) "o juiz, ao decidir uma questão de responsabilidade, deve ponderar que o que está a cargo do lesante é criar uma situação que se aproxime o mais possível daquela que, no momento em que a acção é julgada, seria a existente, seria provavelmente a existente se não fosse o facto …"[10]. Nessa medida, "fala-se de indemnizar porque se procura tornar o lesado indemne dos prejuízos ou danos, reconstituindo a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento causador destes"[11]. E, para se atingir tal fim, "a indemnização pecuniária deve manifestamente medir-se por uma diferença (por id quod interest como diziam os glosadores) – pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido"[12].

À luz destes princípios, torna-se evidente, e parece que ninguém o questionará, que a indemnização devida pelo dano em apreço não pode consistir nos € 5 839,51, correspondentes ao valor venal do motociclo ...SJ à data do acidente, mais os seus salvados, sob pena de, como bem salienta a ré, então haver "um enriquecimento do lesado".

Na sequência do alegado no artigo 31.º da contestação da ré, formulou-se o quesito 18.º onde se perguntava se "o valor do salvado do veículo SJ era de 2.750 €". A esse quesito respondeu-se não provado[13]. Mas, apesar de ser desconhecido o valor dos salvados, face ao que se encontra provado sob C), D), G) e AI) dos factos provados, não há dúvidas de que eles existem. Aliás, o autor não nega que assim seja.

Nos termos do §2.º do artigo 439.º do Código Comercial, que vigorava à data do acidente em causa nos autos, "o segurado não tem direito de abandonar ao segurador os objectos salvos do sinistro, e o valor destes não será incluído na indemnização devida pelo segurador". E idêntica solução adoptou o artigo 129.º do Decreto-Lei 72/2008 de 16-4 (cuja vigência se iniciou em Janeiro de 2009), ao dispor que "o objecto salvo do sinistro só pode ser abandonado a favor do segurador se o contrato assim o estabelecer."[14]

Tem razão a Meritíssima Juíza a quo quando, como acima já se salientou, afirmou que "das cláusulas do contrato de seguro nenhuma estipulação decorre quanto à dedução do valor do salvado ao valor da indemnização". No entanto, face ao disposto no §2.º do artigo 439.º do Código Comercial (e o mesmo se passaria se se aplicasse o artigo 129.º do Decreto-Lei 72/2008), já não se acompanha a ilustre magistrada quando conclui que, por não se ter provado que o autor concordou "em ficar na posse do salvado, como modo de pagamento parcial", "ao valor da indemnização a suportar pela R. não deverá ser deduzido o valor do salvado".

O citado §2.º impõe, justamente, que o valor dos salvados "não será incluído na indemnização devida pelo segurador", o mesmo é dizer que ao valor venal do motociclo ...SJ, de € 5 839,51, tem que se abatido o valor dos salvados e o montante então apurado corresponderia, em princípio, à indemnização devida. Sucede que, em virtude do que se encontra convencionado nas condições particulares do contrato de seguro (para os casos de choque, colisão ou capotamento), àqueles € 5 839,51 tem ainda que se deduzir a franquia de 20%, ou seja retirar € 1 167,90. Portanto, a indemnização a suportar pela ré será de € 4 671,61, menos o valor dos salvados.

Desconhecendo-se o valor dos salvados, estamos, claramente, perante uma situação em que não há elementos que nos permitam, desde já, fixar o valor exacto da indemnização devida, pelo se terá que recorrer ao mecanismo de liquidação de sentença estabelecido no n.º 2 do artigo 661.º

Se, já no âmbito desse incidente de liquidação[15], a prova aí produzida pelas partes for "insuficiente para a fixação da quantia devida, deve o juiz completá-la oficiosamente, nos termos gerais do art. 265-3, ordenando designadamente a produção de prova pericial, nos termos do art. 579. Como último recurso, o juiz fixará equitativamente o montante da indemnização, nos termos do artigo 566-3 CC"[16] (sublinhado nosso).  

Assim, deverá determinar-se a liquidação do valor dos salvados, sendo, por agora, prematuro o recurso à equidade defendido pela ré.


5.º

No que toca à apelação do autor, importa averiguar se, tal como ele sustenta, lhe é devida uma indemnização pela privação do uso do motociclo ...SJ.

A essa questão o autor responde afirmativamente por entender que "a privação do uso do veículo, em consequência da mora da Recorrida em reparar os danos do Recorrente, tal como contratado entre ambos, constitui um ilícito gerador da obrigação de indemnização, na medida em que impediu o Recorrente, proprietário do veículo, do exercício dos direitos inerentes à propriedade, nomeadamente o poder e o direito de utilizá-lo"[17].

O que o autor defende, se bem se interpreta o seu pensamento, é que há mora da ré em o indemnizar pelo valor dos danos que sofreu no seu motociclo ...SJ e, tendo daí decorrido a impossibilidade de usar este, tal mora gerou a privação do uso desse bem, pelo que a respectiva indemnização não pode deixar de abranger essa privação.

Acerca desta matéria diz-se na sentença recorrida que:

"Quanto à privação do uso do veículo, que o A. computa em 5,00€ diários, resulta da factualidade provada que desde 28 de Maio de 2005 o A. não utiliza o veículo SJ, o qual era o seu único meio de transporte para o trabalho, que dista 30 km de sua casa, não tendo o mesmo sido reparado, nem lhe tendo sido concedido qualquer veículo.

Nos termos do acordado entre as partes, na cláusula 40ª, salvo convenção expressa em contrário, devidamente especificada nas Condições Particulares, não ficam garantidas as indemnizações por lucros cessantes ou perdas de benefícios ou resultados advindos ao Tomador do Seguro ou ao Segurado em virtude da privação de uso, gastos de substituição ou depreciação do veículo seguro ou provenientes de depreciação, desgaste ou consumo naturais.

Por seu turno, nas condições especiais pode ler-se, sob a epígrafe " Privação de Uso -VIP" na cláusula 2ª : "A presente Condição Especial garante ao Segurado o pagamento do valor diário estabelecido nas Condições Particulares para ressarcimento dos danos decorrentes da privação forçada do uso da viatura, durante o período da reparação ou do desaparecimento, em consequência da verificação de qualquer situação prevista na cláusula 3.ª”

E na cláusula 3ª: "O valor diário a pagar durante o período da reparação ou do desaparecimento, terá em consideração os seguintes limites temporais: a) Em caso de Choque, Colisão ou Capotamento (…), e desde que a Condição Especial à qual o sinistro é imputado tenha sido contratada: Pagamento diário do valor estipulado nas Condições Particulares até ao máximo de trinta (30) dias por anuidade (…).

Vertendo às condições particulares, constata-se não ter sido contratada esta cobertura facultativa do seguro, pelo que não é tal privação de uso indemnizável".

No caso dos autos, não é demais lembrar, movemo-nos no âmbito da responsabilidade contratual, estando em causa danos próprios do segurado, aqui autor. E, sendo esse o cenário em que nos encontramos, a Meritíssima Juíza a quo concluiu que as partes não contrataram a cláusula que obrigaria a seguradora a indemnizar o segurado pelo dano decorrente da privação do uso do motociclo ...SJ[18]. E o autor e a ré não a contrataram quando o podiam ter feito, isto é, ambos, por motivos que para agora não importa, entenderam por bem não incluir essa cláusula no contrato que celebraram. Em consequência dessa escolha, há um risco que não foi coberto pelo seguro e, não o tendo sido, o prémio a pagar pelo segurado é, obviamente, menor do que aquele que ele pagaria se esse risco estivesse abrangido.

Não se pode assim, por via indirecta, incluir no objecto do seguro o que expressamente não se quis lá colocar.

Se há mora da ré no pagamento da indemnização devida ao autor, o dano daí decorrente é indemnizado através dos juros que a esse título serão devidos, pois, como é sabido, "os juros moratórios têm uma natureza indemnizatória dos danos causados pela mora, visando recompensar o devedor pelos prejuízos em virtude do retardamento no cumprimento da obrigação pelo devedor"[19]. Na verdade, "encontrando-se o devedor em mora, a indemnização devida corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora"[20].

Portanto, em virtude das circunstâncias concretas do presente caso, o autor não tem direito à indemnização que pede pela privação do uso do motociclo ...SJ.


6.º

Uma última palavra para realçar que na decisão recorrida, pese embora não se tenha julgado procedente todo o pedido, na sua fundamentação disse-se claramente o que se considerava improcedente e aí expuseram-se os motivos dessa improcedência. Acontece que no decisório a Meritíssima Juíza a quo não absolveu a ré do restante pedido; limitou-se a especificar a parte do pedido em que condenou esta. Em nome da clareza, de modo a afastar qualquer dúvida, há que mencionar expressamente essa absolvição (parcial).

III

Com fundamento no atrás exposto:

1- na apelação interposta pela ré julga-se o recurso parcialmente procedente pelo que:

a) revoga-se a sentença recorrida no segmento em que condenou a ré no pagamento ao autor de uma indemnização no valor global de € 5 839,51;

b) condena-se a ré a pagar ao autor uma indemnização de € 4 671,61, abatendo-se a este montante o valor dos salvados do motociclo de matrícula ...SJ que se apurar em liquidação de sentença, sendo essa indemnização acrescida de juros de mora, contados desde a data da citação até integral pagamento;

c) absolve-se a ré do restante pedido.

2- na apelação interposta pelo autor julga-se o recurso improcedente.

As custas no recurso interposto pela ré ficam a cargo do autor e daquela, na proporção de metade para cada parte.

As custas no recurso interposto pelo autor ficam a cargo deste.

 António Beça Pereira (Relator)

Nunes Ribeiro

Hélder Almeida



[1] São do Código de Processo Civil, na sua versão posterior ao Decreto-Lei 303/2007 de 24 de Agosto, todos os artigos adiante citados sem qualquer outra menção.
[2] Cfr. folhas 180 e 181.
[3] Cfr. folhas 40 a 42.
[4] A matéria de facto que figura na alínea R) dos factos assentes foi aí colocada aquando da selecção a que se refere o artigo 511.º (cfr. folha 104), e depois foi transportada para a sentença, onde está sob R) dos factos provados. 
[5] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2.ª Edição, pág. 413.
[6] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4.ª Edição, pág. 152. Neste sentido pode também ver-se Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 8.ª Edição, pág. 270.
[7] Já assim era até antes da reforma introduzida pelos Decretos-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro e 180/96 de 25 de Setembro, como resulta do Assento 14/94 de 26 de Maio de 1994 (DR Série I-A de 4-10-1994).
[8] Cfr. conclusão 13.ª.
[9] Cfr. factos C) e H) dos facto provados.
[10] Pereira Coelho, O Nexo de Causalidade na Responsabilidade Civil, pág. 53 e 54
[11] Galvão Telles, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 1997, 7.ª edição, p. 208.
[12] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 5.ª Edição, pág. 865.
[13] Cfr. folha 144.
[14] O artigo 41.º n.º 3 do Decreto-Lei 291/2007 de 21-8 tem por subjacente este princípio.
[15] Cfr. artigos 378.º a 380.º-A.
[16] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª Edição, pág. 705.
[17] Cfr. conclusão E).
[18] Convém realçar que o autor não põe em causa que essa cláusula não foi contratada.
[19] Ac. do STJ de Uniformização de Jurisprudência 7/2009, de 25-3-09, DR I.ª Série de 5 de Maio de 2009.
[20] Ana Prata, Dicionário Jurídico, 5.ª Edição, Vol. I, pág. 836.