Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
306/10.0TBMIR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
PRÉDIO CONFINANTE
APENSAÇÃO DE PROCESSOS
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.39º. Nº 1 DO CE
Sumário: I – Em processo de expropriação, pertencendo 2 ou mais imóveis ao mesmo proprietário e não se verificando acordo sobre os montantes das indemnizações, a regra é a da apensação de processos, constituindo excepção a tramitação em separado e desde que o estado do processo ou qualquer outra razão especial a torne inconveniente;

II – A confinância de 2 prédios expropriados dá conveniência à apensação com vista a garantir a possível coerência de tratamento quanto à classificação dos solos e fixação do respectivo valor, para lá dos ganhos processuais e económicos (uma única peritagem, uma única audiência de julgamento, uma única sentença…) daí emergentes.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório

Nos autos de expropriação litigiosa a correr termos com o n.º 306/10.0TBMIR no TJ da comarca de Mira, em que é expropriante “Brisal, Auto-Estradas do Litoral, SA” e expropriados A... e B..., no requerimento de recurso da decisão arbitral requereram estes a apensação desses autos aos de expropriação litigiosa que entre as mesmas partes e com o n.º 307/10.9TBMIR pendem no mesmo tribunal, com fundamento no princípio da economia processual e de uma decisão consentânea em ambos os processos, para tanto se encontrando reunidos os pressupostos dos n.ºs 1 do art.º 275.º e 2 do art.º 30.º, do CPC e 39.º, n.º 2, do CE, sendo que as regras de direito a aplicar são as mesmas e os prédios expropriados eram pertença dos mesmos proprietários e confinantes entre si, ambos os processos se encontrando em fase similar, ainda sem nomeação dos peritos, permitindo a apensação que tal acto seja feito para ambos nos processos e efectuado um só relatório pericial.

Em resposta, a entidade expropriante insurgiu-se contra apensação dado que as parcelas expropriadas foram destacadas de prédios rústicos autónomos, por isso e nos termos do n.º 1 do art.º 39.º do CE tendo aberto um processo de expropriação para cada um dos imóveis, sendo inaplicável ao caso o disposto no art.º 275.º do CPC e porque com a apensação os processos manteriam a sua autonomia não haveria ganhos processuais dado que também autónomos seriam os relatórios periciais.

Entretanto e porque são em número de 6 os processos de expropriação pendentes no mesmo tribunal com os mesmos expropriados e entidade expropriante, foram aqueles notificados para esclarecerem as razões de só requererem a apensação de 2, o que em concreto não fizeram na resposta apresentada.

A entidade expropriante manteve a sua posição de indeferimento da apensação.

Foi, então, proferido despacho a indeferir o pedido de apensação, fundamentalmente porque, correndo, no mesmo tribunal, entre as partes outros 6 processos expropriativos, todos na mesma fase processual, a apensação de todos aumentaria a complexidade e dificultaria a sua tramitação, só se justificando a apensação de alguns caso fosse alegada e demonstrada alguma situação ou especificidade concreta que tornasse conveniente ou útil a sua apensação, o que os expropriados, adrede notificados, não fizeram, antes se remeteram aos critérios legais abstractos.

Inconformados com o assim decidido, recorreram os expropriados, apresentando alegações que remataram com as seguintes úteis conclusões:

a) – Nos termos do n.º 1 do art.º 275.º do CPC estão reunidos todos os pressupostos para que a requerida apensação tivesse tido lugar, ou seja, as partes são as mesmas e mesma é a situação jurídica de ambas as acções, a dependerem da interpretação e apreciação das mesmas regras de direito e estão, ainda, reunidas as condições do n.º 2 do art.º 30.º, ou seja, perante as situações em que a coligação é lícita e admissível;

b) - Os prédios são dos mesmos proprietários e são contíguos entre si;

c) – O processo ao qual foi requerida a apensação encontra-se numa fase similar, pois ainda não tinham sido nomeados os peritos para efectuar a peritagem, o que permitiria que tal acto fosse feito para ambos os processos e efectuado um só relatório com todas as consequências económicas que tal acto teria;

d) – A apensação não irá atrasar o andamento do processo ao qual o presente deverá ser apensado;

e) – Nos termos do art.º 39.º, n.º 2, do CE quando dois ou mais prédios pertençam ao mesmo proprietário é obrigatória a apensação dos processos em que não se verifique acordo sobre os montantes das indemnizações;

f) – O facto de existirem mais processos a decorrer no mesmo tribunal onde em outros também foi requerida a apensação, por se tratarem de prédios contíguos, o que em nada dificulta o trabalho dos peritos, não pode, uma vez reunidos todos os pressupostos referidos ser motivo de indeferimento da apensação;

g) – Sendo contíguos os prédios, uma única peritagem torna coerente a decisão dos peritos em relação à classificação a dar aos terrenos e ao valor da justa indemnização, não obrigando os expropriados a pagar 2 peritagens, o que é dispêndio de grandes valores;

h) – A apensação não vai obrigar a que os peritos, testemunhas e partes se desloquem por 2 vezes à audiência de julgamento, nem obriga o tribunal a ter 2 audiências de discussão e julgamento;

i) – Ao decidir pelo indeferimento da apensação a decisão recorrida violou os art.ºs 275.º, n.º 1, do CPC e 39.º do CE.

Na resposta apresentada a entidade expropriante pugnou perla manutenção do decidido, informando ainda que ambos os processos se encontram (agora) na fase de realização do relatório pericial, tendo sido nomeados os mesmos peritos para sua elaboração, sendo que nesta fase a não apensação simplifica todos os actos processuais, sendo que cada prédio tem características individuais próprias.

Dispensados os vistos, cumpre decidir, sendo questão única apreciar se há justificação, ou melhor, se não há inconveniente em que o presente processo seja apensado a um outro da mesma natureza que pende no mesmo tribunal entre as mesmas partes.


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            2. Fundamentos

            2.1. De facto

            A factualidade relevante para o julgamento do recurso é a que acaba de se narrar no antecedente relatório, para onde, brevitatis causa, se remete, sendo ainda pacífico que ambos os prédios expropriados são confinantes entre si.           


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            2.2. De direito

            Dispõe o n.º 1 do art.º 39.º do CE que “é aberto um processo de expropriação com referência a cada um dos imóveis abrangidos pela declaração de utilidade pública” e o n.º 2 que “ quando 2 ou mais imóveis tenham pertencido ao mesmo proprietário ou conjunto de proprietários é obrigatória a apensação dos processos em que não se verifique acordo sobre os montantes das indemnizações”.

            Antes de mais, ventilada pela entidade expropriante a extemporaneidade do pedido, que em seu entender deveria ter sido formulado na fase administrativa, assim não se nos afigura, pela simples razão de que só após recurso da decisão arbitral é possível dizer-se não haver acordo sobre os montantes das indemnizações, conforme o preceito acabado de indicar.

            A apensação em causa, na fase processual prevista, visa a apresentação de um só recurso, em princípio e uma única nomeação de peritos no caso de vários terem sido os prédios expropriados ao mesmo dono ou conjunto de donos.

            As vantagens daí decorrentes são óbvias: unidade de apreciação global das áreas contíguas, economia processual e de gastos, prevenção de contradição de julgados, etc.[1]

            Já Alberto dos Reis[2] indicava como benefícios da apensação em geral: 1.º - economia de actividade das causas que em vez de serem instruídas, discutidas e julgadas em separado são-no conjuntamente; 2.º - uniformidade de julgamento (as questões comuns são julgadas no mesmo sentido).

            Embora lei especial, a do Código das Expropriações, quer-nos parecer que aquele normativo, tem também a limitação da lei geral, ou seja, do n.º 1 do art.º 275.º do CPC, que permite a apensação, mormente no caso de coligação (n.º 2 do art.º 30.º do CPC) que aqui pode relevar “a não ser que o estado do processo ou outra razão especial torne inconveniente a apensação”.

            Quer dizer, verificados os respectivos pressupostos, ou seja, no processo expropriativo, a pluralidade de prédios e identidade de proprietários ou comproprietários e falta de acordo sobre a indemnização, a regra (“obrigatoriedade” na expressão do n.º 2 do art.º 39.º do CE) é a apensação dos processos e excepção a tramitação em separado, desde que haja inconveniente para a apensação, seja pelo estado do processo, seja por outra razão especial.

            Daí que a Ex.ma Juíza haja incorrectamente alterado a ordem das coisas quando notificou os expropriados para demonstrar a conveniência, havendo que demonstrar, sim, a inconveniência, a incumbir à parte contrária entidade expropriante.

            Mas, ainda assim, a confinância de ambos os prédios é motivo de conveniência de apreciação conjunta (coerência de tratamento), desde logo quanto à respectiva classificação dos solos e fixação do seu valor.

            São indiscutíveis as vantagens processuais com a apensação: pagamento, apenas, de uma peritagem, existência apenas de uma audiência de julgamento, com ganhos para peritos e testemunhas e para o próprio tribunal, que concentrará num só acto jurisdicional (sentença) a resolução de 2 processos, o mesmo acontecendo com possível tramitação de posteriores recursos.

            Tudo são circunstâncias cuja vantagem obnubila quaisquer outros actos, como a realização de duas contas finais ou a apresentação de duas “notas” a que respeita o art.º 71.º do CE.

            Perguntar-se-á porque não apensar, então, todos os 6 processos que pendem entre as partes no mesmo tribunal.

            Desde logo porque tal não foi requerido, nem se sabe o estado em que se encontram e se não há acordo sobre os montantes indemnizatórios.

            Por outro lado, o número de processos, pela complexidade que gera, pode constituir razão especial impeditiva (inconveniente) da apensação.

            Trata-se, de qualquer modo, de questão que não faz parte do objecto do recurso.


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            3. Resumindo e concluindo

            I – Em processo de expropriação, pertencendo 2 ou mais imóveis ao mesmo proprietário e não se verificando acordo sobre os montantes das indemnizações, a regra é a da apensação de processos, constituindo excepção a tramitação em separado e desde que o estado do processo ou qualquer outra razão especial a torne inconveniente;

            II – A confinância de 2 prédios expropriados dá conveniência à apensação com vista a garantir a possível coerência de tratamento quanto à classificação dos solos e fixação do respectivo valor, para lá dos ganhos processuais e económicos (uma única peritagem, uma única audiência de julgamento, uma única sentença…) daí emergentes.


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            4. Decisão

            Face ao exposto, acordam em julgar procedente a apelação e, revogando o despacho recorrido, ordenam a requerida apensação.

            Custas pela expropriante.


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Francisco M. Caetano (Relator)
António Magalhães
Ferreira Lopes

[1] Salvador da Costa, “Cód. Exp.”, 2010, pág. 269.
[2] “Cód. Proc. Civil, Anot.”, I, pág. 381.