Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
270/12.1T2OBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EDUARDO MARTINS
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
CONTRA-ORDENAÇÃO MUITO GRAVE
Data do Acordão: 12/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL DE OLIVEIRA DO BAIRRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 141º, DO C. DA ESTRADA
Sumário: O disposto no art.º 141º, n.º 1, do C. da Estrada, não admite a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir, no caso de uma contra-ordenação muito grave, não se reconhecendo tratar-se de qualquer omissão ou lacuna legislativa, neste dispositivo legal, no que a tal respeita.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:
No âmbito do processo de contra-ordenação n.º 270/12.1T2OBR, da Comarca do Baixo Vouga, Oliveira do Bairro – Juízo de Instância Criminal, o arguido A... foi condenado, por decisão de 26/4/2012, nos mesmos termos em que o havia sido por decisão de entidade administrativa, pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 21.º, n.º 1, do Regulamento de Sinalização de Trânsito, aprovado pelo Decreto-Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro, apenas com a alteração consistente na suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir aplicada, por um período de um ano.
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O Ministério Público, não se conformando com tal decisão, veio interpor recurso, em 7/5/2012, defendendo a sua revogação e substituição por outra que mantenha, na íntegra, a decisão da autoridade administrativa, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos, vinha o arguido A... acusado pela prática de uma contra-ordenação muito grave, sancionada com coima e com sanção acessória de proibição de conduzir, nos termos dos artigos 136.º, 138.º e 146.º, al. n), do Código da Estrada.
2. Na douta sentença proferida em sede destes autos, jugou-se provado, designadamente, que: o arguido A... “no dia 01.05.2010, pelas 15h40, conduzia um tractor agrícola, com a matrícula … , na Rua … .
No dia e hora referidos, o arguido não respeitou a indicação dada pelo sinal de cedência de passagem B2 – paragem obrigatória na intersecção (sinal de STOP).
O arguido, ao actuar da forma descrita, fê-lo sem proceder ao cuidado a que estava obrigado.
O arguido efectuou o pagamento voluntário da coima (…)”.
3. O Tribunal qualificou os factos descritos como integrando a prática de uma contra-ordenação grave, p. e p. pelo artigo 145.º, al. f), do Código da Estrada, pelo que decidiu suspender a execução da sanção de inibição de conduzir pelo período de 1 ano, nos termos do artigo 141.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
4. É com a qualificação jurídica da contra-ordenação dos factos julgados como provados que o Ministério Público discorda e dela vem recorrer, nos seguintes termos:
5. Conforme consta do auto de notícia e nos factos julgados como provados, o arguido não obedeceu à ordem dada pelo sinal de cedência de passagem B2.
6. O artigo 21.º do Regulamento da sinalização de trânsito define o sinal B2 como aquele que determina a “paragem obrigatória no cruzamento ou entroncamento: indicação de que o condutor é obrigado a parar antes de entrar no cruzamento ou entroncamento junto do qual o sinal se encontra colocado e ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar”.
7. Ora, com todo o respeito que o Tribunal nos merece, parece-nos que os factos julgados como provados, e uma vez que o arguido desrespeitou o sinal B2, de paragem obrigatória, qualificam-se como sendo uma contra-ordenação muito grave, prevista no artigo 146.º, al. n), do Código da Estrada.
8. É que o sinal de cedência de passagem encontra-se previsto no artigo 21.º do Regulamento da sinalização de trânsito como B1: “cedência de passagem: indicação que o condutor deve ceder passagem a todos os veículos que transitem na via que se aproxima”, e o desrespeito à ordem dada a este sinal constitui a contra-ordenação p. e p. pelo artigo 145.º, al. f), do Código da Estrada; mas não é este o caso, atenta a factualidade julgada como provada.
9. Conforme resulta dos factos julgados provados, o arguido não desrespeitou a ordem dada pelo sinal B1 (que obriga à cedência de passagem) mas o sinal B2 (que determina a paragem obrigatória). O desrespeito ao sinal de paragem obrigatória constitui, então, uma contra-ordenação muito grave, nos termos do artigo 146.º, al. n), do Código da Estrada.
10. Tratando-se, pois, de uma contra-ordenação muito grave, a mesma não admite suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir, nos termos do artigo 141.º, n.º 1, do Código da Estrada.a contrario.
11. Ao decidir da forma descrita, violou assim a sentença recorrida o disposto nos artigos 146.º, al. n) e 141.º, n.º 1, do Código da Estrada.
12. Pelo que, revogando a decisão recorrida e mantendo a decisão da autoridade administrativa que, no que ora releva, condenou o arguido na sanção acessória de inibição de conduzir por 30 dias, nos termos dos artigos 133.º, 138.º, n.º 1, 139.º, 140.º e 147.º, nºs 1 e 2, do Código da Estrada, V.ªs Ex.ªs farão Justiça.
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O arguido respondeu ao recurso, em 12/6/2012, defendendo a sua improcedência e apresentando as seguintes conclusões:
1. Ficou provado que o arguido não tem averbado no registo individual de condutor qualquer contra-ordenação grave ou muito grave, que é condutor respeitador das regras estradais, prudente e atento.
2. Ficou igualmente provado que necessita de carta de condução para a sua vida profissional, porque vive exclusivamente da sua profissão de manobrador de máquinas agrícolas.
3. O arguido efectuou o pagamento voluntário da coima pelo mínimo legal.
4. A contra-ordenação imputada ao arguido é considerada grave (e não muito grave, conforme incorre em lapso a decisão administrativa), nos termos conjugados dos artigos 137.º, n.º 1 e 146.º, al. f), do Código da Estrada, pois,
5. Na verdade, a medida da sanção determina-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, e da situação económica do infractor, tendo ainda em conta os seus antecedentes relativamente ao cumprimento das leis e regulamentos sobre o trânsito – artigo 140.º, do Código da Estrada, e
6. O Tribunal a quo, face às condições de vida do arguido e ao facto de necessitar da carta de condução para a sua actividade profissional, sendo habitualmente um condutor prudente e cuidadoso e não ter resultado qualquer consequência negativa do seu comportamento, bem decidiu suspender a sanção da inibição de conduzir, pelo período de um ano.
7. A Ex.ma Juíza a quo fez a melhor interpretação e aplicação da lei aos factos apurados e a Decisão
Proferida mostrou-se proporcional e adequada aos factos dados como provados.
8. A suspensão da execução da inibição de conduzir é suficiente para demover o arguido da prática de qualquer outra infracção grave ou muito grave, pois a simples ameaça da inibição de conduzir é suficiente para garantir as exigências da prevenção geral e da prevenção especial.
9. Verificaram-se todos os requisitos previstos no artigo 141.º, n.º 3 do C. E. para o Tribunal suspender a sanção de inibição de conduzir, pelo que a Sentença ora recorrida não violou o disposto nos artigos 146.º e 141.º, n.º 1 do C. E., não merecendo a mesma qualquer reparo.
Mais acresce que
10. O Código da Estrada sanciona a prática de qualquer contra-ordenação com coima, artigo 137.º, e, nos termos do disposto pelo artigo 138.º, sancionando as contra-ordenações graves e muito graves com sanção acessória de inibição de conduzir,
11. Dispondo expressamente o artigo 141.º do C. E. que pode ser suspensa a execução da sanção acessória de inibição de conduzir relativamente às contra-ordenações graves.
12. Nada diz acerca da possibilidade de suspender a execução da sanção acessória relativamente às contra-ordenações muito graves.
13. Analisada a sistemática do C. E., o facto deste não fazer qualquer referência quanto à possibilidade de suspensão da inibição de conduzir aplicada pela prática das contra-ordenações muito graves, entende o ora respondente que tal constitui uma omissão do legislador, suprível apenas com recurso ao direito subsidiário, neste particular, o Código Penal, nos termos do disposto pelo artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 433/82.
14. Atendendo a que nos termos expressos pelo Código Penal, aqui aplicável subsidiariamente, são passíveis de ser suspensas as penas de prisão não superiores a três anos, da mesma forma que não existe naquele normativo legal qualquer impedimento à suspensão da inibição de conduzir, aplicável nos temos do disposto pelo artigo 69.º, do Código Penal, como sanção acessória de inibição de conduzir, relativa às contra-ordenações muito graves, determinaria uma clara violação dos princípios da adequação e proporcionalidade consagrados nos termos do disposto pelo artigo 18.º da CRP.
15. A ser correcto o entendimento perfilhado pela Digna Magistrada do Ministério Público, facilmente estaríamos perante situações em que, na prática, estaria afastada a possibilidade de recurso aos Tribunais Judiciais como instância de recurso das decisões proferidas pelas entidades administrativas.
16. Situação que configuraria o afastamento de uma instância de recurso para os Tribunais Judiciais, através de uma norma do C. E., com violação dos princípios consagrados no artigo 18.º, da CRP.
17. Não faz qualquer sentido que o legislador tenha querido criar uma norma cega, de aplicação automática e, face ao anteriormente exposto, sem recurso, punindo de igual forma situações diferentes.
18. A Sentença em apreço valorou correctamente os factos provados e os não provados e decidiu em conformidade com a lei, pelo que deverá ser mantida nos seus precisos termos.
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O recurso foi, em 19/6/2012, admitido.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, em 26/10/2012, no sentido da procedência do recurso, acompanhando a argumentação exposta no recurso.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, teve lugar a conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II. Decisão Recorrida:
“I – RELATÓRIO:
1. Nos presentes autos de Recurso de contra-ordenação, o recorrente A..., operador de máquinas agrícolas, e residente na Rua … , encontra-se acusado, por no dia 01.05.2010, pelas 15h40m, na Rua … , conduzindo o tractor agrícola, com a matrícula … , não cumpriu a indicação dada pelo sinal de cedência de passagem B2 – paragem obrigatório na intersecção (STOP), cometendo a contra-ordenação prevista no artigo 21º, nº 1 do Regulamento de Sinalização de Trânsito, aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 01.10.
Tal contra-ordenação é imputada ao arguido a título de negligência.
2. Foi aplicada ao arguido a coima no montante de € 99,76 (cfr. fls. 5 e 7) e sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias.
3. O arguido interpôs o presente recurso, alegando, em síntese, que é verdade não ter cumprido a indicação dada pelo sinal de paragem obrigatória, mas fê-lo porque tinha visibilidade e verificou que não vinham veículos automóveis na estrada em que ia entrar; limitou-se a reduzir a velocidade; o arguido nunca pôs em causa a sua segurança, nem a dos demais utentes da estrada, pois é um condutor respeitador das regras estradais, muito prudente e atento, conduzindo com grande civismo; pagou voluntariamente a coima; carece do uso diário do veículo, sem o qual se vê impossibilitado de exercer a sua profissão; a privação da sua licença de condução, por tão prolongado período de tempo, vai ter uma enorme repercussão no seu trabalho, e irá causar-lhe transtorno, perturbação e prejuízos; o arguido é pessoa de modesta condição económica, vivendo exclusivamente da profissão de manobrador de máquinas agrícolas; requer a suspensão da sanção de inibição de conduzir mediante prestação de uma caução de boa conduta.
4. O processo foi remetido a este Tribunal, para os efeitos do disposto nos artigos 62º e 63º do Decreto-lei nº 433/82, de 27-10.
5. O recurso foi recebido, e designado dia para audiência de julgamento.
6. Após o despacho que designou data para julgamento não ocorreu qualquer nulidade.
7. Procedeu-se a julgamento com estrito cumprimento do formalismo legal.
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II - Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a discussão da causa:
1. O arguido, no dia 01.05.2010, pelas 15h40m, conduzia um tractor agrícola, com a matrícula … , na Rua … .
2. No dia e hora referidos o arguido não respeitou a indicação de passagem dada pelo sinal de passagem B2 – paragem obrigatória na intersecção (sinal de STOP).
3. O arguido ao actuar da forma descrita, fê-lo sem proceder ao cuidado a que estava obrigado.
4. O arguido efectuou o pagamento voluntário da coima.
5. O arguido é um condutor respeitador das regras estradais, prudente e atento, que necessita da carta de condução para a sua vida profissional.
6. O arguido é pessoa de modesta condição económica, vivendo exclusivamente da sua profissão de manobrador de máquinas agrícolas.
7. O arguido não tem averbado no registo individual de condutor qualquer contra-ordenação grave ou muito grave.
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IV – Factos não provados
Resultaram não provados todos os restantes factos invocados pelo arguido.
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V – Motivação da decisão de facto
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica da prova produzida em sede de audiência, e nomeadamente:
- no depoimento das testemunhas ……. , ambos militares da GNR, a prestar serviço, à data dos factos, no Posto da GNR de Bustos, que depuseram de forma clara e convincente, esclarecendo os factos que constam do auto de notícia;
- no depoimento das testemunhas … , conhecido do arguido, há mais de 15 anos; depôs de forma convincente, esclarecendo que o arguido lhe faz alguns trabalhos agrícolas, como cortar mato, drenar terrenos, vivendo com grandes dificuldades económicas; considera-o um condutor prudente, cauteloso, cuidadoso.
Ajudou ainda a formar convicção do Tribunal todos os documentos juntos aos autos.
Quanto aos factos não provados, pela total ausência de prova em relação aos mesmos.
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VI – Enquadramento jurídico
O arguido encontra-se acusado da prática da contraordenação prevista no artigo 21º do Regulamento de Sinalização de Trânsito, que dispõe que os sinais de cedência de passagem, representados no quadro XXIII, em anexo, são os seguintes:
- B2 – paragem obrigatória no cruzamento ou entroncamento: indicação de que o condutor é obrigado a parar antes de entrar no cruzamento ou entroncamento junto do qual o sinal se encontra colocado e ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar”.
Tal coima é sancionada, nos termos do artigo 23º do referido Regulamento, com coima de €99,76 a €498,80, no caso de desrespeito do sinal B2.
Resultou provado que o arguido, no dia 01.05.2010, pelas 15h40m, conduzia um tractor agrícola, com a matrícula …, na Rua … .
No dia e hora referidos o arguido não respeitou a indicação de passagem dada pelo sinal de passagem B2 – paragem obrigatória na intersecção (sinal de STOP).
O arguido ao actuar da forma descrita, fê-lo sem proceder ao cuidado a que estava obrigado.
Pelo exposto, o arguido praticou a contra-ordenação de que se encontra acusado.
A contra-ordenação imputada ao arguido é considerada grave (e não muito grave, conforme incorre em lapso a decisão administrativa), nos termos conjugados dos artigos 137º, nº 1 e 146º, al. f), ambos do Código da Estrada, pelo que é sancionada também com sanção acessória de inibição de conduzir – artigo 139º do mesmo Código.
Face aos factos provados, dúvidas não existem sobre a sua prática, até porque efectuou o pagamento voluntário da coima.
O arguido requer a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir mediante caução de boa conduta ou outra forma que o Tribunal melhor entender.
Passemos a analisar tal questão.
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VII – Da medida concreta da sanção
A determinação da medida da coima far-se-á em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa e da situação económica do agente e, sempre que possível, a coima deverá exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação – artigo 18º do Decretolei nº 433/82, de 27.10.
Por outro lado, a medida da sanção determina-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa e da situação económica do infractor, tendo ainda em conta os seus antecedentes relativamente ao cumprimento das leis e regulamentos sobre o trânsito – artigo 140º do Código da Estrada.
Esta contra-ordenação é qualificada de grave, nos termos do artigo 145º, alínea f), do Código da Estrada, pelo que, de harmonia com o artigo 138º, nº 1, do mesmo diploma, é sancionada também com sanção de inibição de conduzir veículos motorizados, tendo a duração mínima de um mês e máxima de um ano – artigo 147º, nº 2 do Código da Estrada.
Conforme dispõe o artigo 141º, nº 1 do Código da Estrada, pode ser suspensa a execução da sanção de inibição de conduzir aplicada a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes, ou seja, se o infractor não tiver sido condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de qualquer outra contra-ordenação grave ou muito grave.
Admite ainda o nº 3 do artigo 141º do Código da Estrada que a suspensão possa ser ainda determinada, pelo período de um a dois anos, se o infractor, nos últimos cinco anos, tiver praticado apenas uma contra-ordenação grave, devendo, nesse caso, ser condicionada, singular ou cumulativamente, à prestação de caução de boa conduta e/ou ao cumprimento do dever de frequência de acções de formação, quando se trate de sanção acessória de inibição de conduzir, e ao cumprimento de deveres específicos previstos noutros diplomas legais.
Ora, o arguido procedeu ao pagamento voluntário da coima.
Não tem averbado no registo individual de condutor qualquer contra-ordenação grave ou muito grave.
Por outro lado, e face às condições de vida do arguido e ao facto de necessitar da carta de condução para a sua actividade profissional, sendo habitualmente um condutor prudente e cuidadoso, e não ter resultado qualquer consequência negativa do seu comportamento, decide-se suspender a sanção de inibição de conduzir, pelo período de 1
(um) ano.
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VIII – Decisão
Pelo exposto, julgo procedente o recurso interposto pelo arguido A..., e, em consequência, mantendo a decisão administrativa recorrida na medida em que condenou o arguido pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 21º, nº1 do Regulamento de Sinalização de Trânsito, na sanção de inibição de conduzir por um período de 30 (trinta) dias, apenas a alterando na medida em que suspendo a execução da sanção de inibição de conduzir aplicada por um período de 1 (um) ano.
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Sem custas.
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Notifique, sendo o arguido através de carta registada com aviso de recepção.
Comunique à ANSR – artigo 70º nº 4 do mesmo Decreto- Lei.”

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III. Apreciando:
Nos termos do artigo 75.º do Decreto-Lei 433/82, de 27.12, nos processos de contra-ordenação, a segunda instância conhece apenas, por regra, da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões. Isto é, este Tribunal, no caso, funcionará, como tribunal de revista.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigos 403.º, n.º 1 e 412º, nº 1 do Código de Processo Penal), a questão que vem colocada pelo recorrente é a seguinte:
- Saber se é possível suspender a execução da sanção acessória de inibição de conduzir.
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Está provado nos autos que o arguido, nas circunstâncias descritas, não respeitou a indicação dada pelo sinal de cedência de passagem B2 – paragem obrigatória na intersecção (sinal de STOP).
Contrariamente ao que a autoridade administrativa havia entendido, embora tenha referido que o arguido praticou a contra-ordenação de que foi acusado, o Tribunal a quo qualificou os factos descritos como integrando a prática de uma contra-ordenação grave, p. e p. pelo artigo 145.º, al. f), do Código da Estrada, pelo que decidiu suspender a execução da sanção de inibição de conduzir pelo período de 1 ano, nos termos do artigo 141.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
Pois bem, o artigo 21.º do Regulamento da Sinalização de Trânsito define o sinal B2 como aquele que determina aparagem obrigatória no cruzamento ou entroncamento: indicação de que o condutor é obrigado a parar antes de entrar no cruzamento ou entroncamento junto do qual o sinal se encontra colocado e ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar”.
É certo que, também, o sinal de cedência de passagem se encontra previsto no artigo 21.º do Regulamento da sinalização de trânsito como B1: “cedência de passagem: indicação que o condutor deve ceder passagem a todos os veículos que transitem na via que se aproxima”, e o desrespeito à ordem dada a este sinal constitui a contra-ordenação p. e p. pelo artigo 145.º, al. f), do Código da Estrada (“o desrespeito das regras e sinais relativos a distância entre veículos, cedência de passagem, ultrapassagem, mudança de direcção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha, posição de marcha, marcha atrás e atravessamento de passagem de nível”).
Ora, como bem refere o recorrente, o arguido não desrespeitou a ordem dada pelo sinal B1 (que obriga à cedência de passagem) mas o sinal B2 (que determina a paragem obrigatória).
Assim sendo, os factos julgados como provados, e uma vez que o arguido desrespeitou o sinal B2, de paragem obrigatória, qualificam-se como sendo uma contra-ordenação muito grave, prevista no artigo 146.º, al. n), do Código da Estrada (“o desrespeito pelo sinal de paragem obrigatória nos cruzamentos, entroncamentos e rotundas”)
Nenhuma dúvida quanto a isso pode existir.
Uma vez que estamos perante uma contra-ordenação muito grave, a mesma não admite suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir, nos termos do artigo 141.º, n.º 1, do Código da Estrada.
Sobre esta matéria, pode ser lido no Acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra, de 27/11/2007, Processo n.º 3974/06.4TBVIS-C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Alberto Mira, www.dgsi.pt:
“(…) Como expressamente foi consignado pelo legislador no preâmbulo do citado DL n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro - no uso da autorização legislativa conferida pela Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro [concedida com o sentido privilegiado de “… proporcionar elevados índices de segurança rodoviária para os utentes” (cfr., maxime, respectivo art. 2.º)] –, a segurança rodoviária e a prevenção dos acidentes constituem, na actualidade, prioridades essenciais, no contexto nacional e europeu –, mobilizadoras de toda a sociedade (como aí também se diz) –, para cuja realização foi considerada necessária – a par de várias outras medidas em diversos planos (como a educação do utente e a criação de um ambiente rodoviário seguro) – a adopção e consagração de um mais rigoroso e eficaz quadro legal, com aptidão sensibilizadora dos utentes viários à responsável modificação comportamental, designadamente pelo cumprimento da legislação adequada.
Nesta conformidade, apresenta-se como axiomática a vontade e opção legislativa de geral agravamento sancionatório dos comportamentos contra-ordenacionais rodoviários de risco, particularmente os qualificados de graves e muito graves (normativamente tipificados sob os arts. 145.º e 146.º, do Código da Estrada), e, naturalmente, de expressa alteração do regime anterior de suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir, até então aplicável aos operadores de infracções contra-ordenacionais graves e/ou muito graves (vide art. 142.º do Código da Estrada aprovado pelo DL n.º 114/94, de 03/05, republicado pelos Decretos-Lei n.ºs 2/98, de 03/01, e 265-A/2001, de 28/09, e alterado pela Lei n.º 20/2002, de 21/08), restringindo-o apenas aos agentes de infracção rodoviárias graves, e desde que seja voluntariamente paga a referente coima e se verifiquem os demais pressupostos legais (cfr. o citado art. 141.º, n.ºs 1,2 e 3, do actual CE).
Destarte, não se reconhece no dispositivo do art. 141.º, n.º 1, do vigente Código da Estrada, qualquer omissão ou lacuna legislativa quanto à suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir cominada a agente de infracção contra-ordenacional rodoviária muito grave.”
No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19/9/2007, Processo 0742214, relatado pelo Exmo. Desembargador António Gama, www.dgsi.pt, onde é referido:
Quanto à inconstitucionalidade do artigo 141º do Código da Estrada ao excluir a suspensão nas contra-ordenações muito graves, o que na óptica do acoimado violaria o princípio da proporcionalidade, artigo 18° da Constituição, diremos que, também neste particular, o recorrente não tem razão.
É clara a solução legal: o actual Código da Estrada não prevê a suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir aplicada a contra-ordenações muito graves. Essa restrição não é inconstitucional, como o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de dizer no Acórdão n.º 603/2006.
Mesmo sob o ângulo da proporcionalidade a solução legislativa não merece reparo. O princípio da proporcionalidade, também chamado princípio da proibição do excesso, desdobra-se em três subprincípios:
a) princípio da adequação, também designado por princípio da idoneidade, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei;
b) princípio da exigibilidade, ou seja as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias, porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos liberdades e garantias;
c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos.
A sanção acessória está legalmente consagrada e foi aplicada, com a finalidade de contribuir, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.
Esta sanção acessória destina-se a dar «uma lição exemplar» ao arguido pela sua conduta gravemente imprudente e reiterada. Sendo um imperativo pôr termo a comportamentos deste jaez, em face dos elevados índices de sinistralidade rodoviária com que se defronta o nosso país, a inibição de conduzir é meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei. A segurança rodoviária, a vida e a integridade física dos demais utentes das vias públicas não pode ficar à mercê de comportamentos «criminosos», resistentes a sucessivas campanhas profiláticas.
Assim, a sanção acessória de inibição é necessárias, porque os fins visados pela lei não podem ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos liberdades e garantias.
Ao impor no caso em apreço a sanção de inibição de conduzir o direito assume a sua inestimável função de preventiva, de modo a contribuir, em medida significativa, para a emenda cívica dos condutores recalcitrantes e imprudentes.”
Ainda a este propósito, achamos por bem fazer alusão ao Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 9/9/2008, Processo n.º 1713/08-1, relatado pelo Exmo. Desembargador Ribeiro Cardoso, no qual pode ser lido:
“No domínio do Decreto-Lei n.º 265-A/2001 - diploma que alterou os Decretos-Lei nºs 114/94, de 3 de Maio, e 2/98, de 3 de Janeiro, e revogou os Decretos-Lei nºs 162/2001, de 22 de Maio e 178-A/2001, de 12 de Junho -, sob a epígrafe “dispensa e atenuação especial da inibição de conduzir” estatuía o art. 141.º:
“1 – A sanção de inibição de conduzir cominada para as contra-ordenações graves pode não ser aplicada, tendo em conta as circunstâncias da infracção, se o condutor não tiver praticado qualquer contra-ordenação grave ou muito grave nos últimos cinco anos.
2 – Os limites mínimo e máximo da sanção de inibição de conduzir cominada para as contra-ordenações muito graves podem ser reduzidos para metade, nas condições previstas no número anterior.”
Por sua vez, sob a epígrafe “suspensão da execução da sanção, caução de boa conduta e deveres”, estatuía o artigo 142.º:
«1- Pode ser suspensa a execução da sanção de inibição de conduzir no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas» (o número citado corresponde, com alterações de mínimo pormenor à redacção originária do Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio).
2 - A suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir pode ser condicionada, singular ou cumulativamente, ao cumprimento dos seguintes deveres:
a) Prestação de caução de boa conduta;
b) Frequência de acções de formação;
c) Cooperação em campanhas de prevenção rodoviária.
3. O período de suspensão é fixado entre seis meses e dois anos. (...)».
É evidente que com a alteração legislativa foi eliminada do Código da Estrada a possibilidade de decretamento da dispensa da sanção acessória de inibição de conduzir, que estava prevista para as contra-ordenações graves (mantendo-se a atenuação especial da sanção acessória no art. 140.º), tendo sido erradicada também a possibilidade legal de suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir aplicada a contra-ordenações muito graves.
Com a autorização legislativa da Lei n.º 63/93, de 21 de Agosto, ficou o Governo habilitado a contemplar, inter alia, «a consagração da faculdade de suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir, entre seis meses e dois anos, verificando-se os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas criminais» [artigo 2.º, alínea j)].
Por sua vez, a Assembleia da República concedeu ao Governo, pela Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, autorização para «proceder à revisão do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.ºs 2/98, de 3 de Setembro, e pela Lei n.º 20/2002, de 21 de Agosto (...)», «para permitir a criação de um regime jurídico em matéria rodoviária em conformidade com os objectivos definidos no Plano Nacional de Prevenção Rodoviária, com as normas constantes de instrumentos internacionais a que Portugal se encontra vinculado e com as recomendações das organizações internacionais especializadas com vista a proporcionar índices elevados de segurança rodoviária para os utentes» (artigos 1.º e 2.º).
Concretamente, e no segmento que importa ter em conta, dispôs o artigo 3.º, da predita Lei n.º 53/2004:
«A autorização referida no artigo 1.º contempla:
g) A qualificação como contra-ordenações de todas as infracções rodoviárias e a aplicação do regime contra-ordenacional previsto no Código da Estrada a todas elas;
j) A determinação da medida e regime de execução das sanções tendo em conta os antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou seus regulamentos;
m) A previsão de atenuação especial e de suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir condicionadas ao prévio pagamento da coima e ao facto de o infractor não ter praticado outras infracções no período fixado;
n) A consagração do princípio de que a suspensão da execução da sanção acessória possa ser condicionada, além da prestação de caução de boa conduta, à frequência de acções de formação ou ao cumprimento de deveres específicos previstos em legislação própria;
o) A alteração dos limites mínimo e máximo da caução de boa conduta para, respectivamente, € 500 e € 5000».
Cotejados os diplomas e as específicas normas destes que se evidenciam relevantes para o conhecimento do objecto do recurso, urge, antes de mais, determinar se a norma questionada (art. 141.º do Código da Estrada, na redacção do Decreto-lei 44/2005, de 23 de Fevereiro) se enquadra no âmbito da competência legislativa reservada à Assembleia da República.
Neste sentido se manifesta a recorrente.
O artigo. 165.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, da Constituição, dispõe como segue:
«1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização do Governo:
d) Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo.
2. As leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada».
Nestes termos, é da competência reservada da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, a elaboração de legislação sobre o regime geral (o comum) de punição dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo.
Gomes Canotilho e Vital Moreira acentuam que, quanto aos direitos sancionatórios diversos do direito penal, a reserva legislativa relativa da Assembleia da República só abrange o regime geral: «cabe assim à AR definir a natureza do ilícito e os tipos de sanções, bem como os seus limites, além das regras gerais do respectivo processo, mas não a definição de cada infracção concreta e a cominação da respectiva pena» [2]
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem caminhado no mesmo sentido. Foi referido no Acórdão n.º 309/95, de 17 de Outubro de 2000, acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt, o seguinte:
«Ao Governo compete, concorrentemente com a Assembleia da República, definir, alterar e eliminar contra-ordenações e, bem assim, modificar a sua punição, enquanto constitui matéria reservada do Parlamento, integrando o regime geral do ilícito de mera ordenação, a definição da natureza do ilícito contra-ordenacional, a definição do tipo de sanções aplicáveis às contra-ordenações e a fixação dos respectivos limites e das linhas gerais da tramitação do processo a seguir para a aplicação concreta de tais sanções» .
Também no Acórdão do TC n.º 447/91, de 28 de Novembro de 1991, acessível no mesmo site, foi referido o seguinte: [3]
«Em matéria de ilícito de mera ordenação social é, assim, da competência reservada da Assembleia, salvo autorização do Governo, a elaboração de legislação sobre a definição da natureza do ilícito, a definição do tipo de sanções aplicáveis às contra-ordenações e a fixação dos respectivos limites a as linhas gerais do processo por que se há-de reger a aplicação de tais sanções.
Ao Governo caberá a elaboração da legislação pela qual se proceda à desgraduação de contravenções não puníveis com pena privativa de liberdade em contra-ordenações e a definição, punição e modificação de concretas infracções contra-ordenacionais, devendo, porém, o Governo, nestes aspectos, respeitar os limites que estiverem definidos pelo regime geral regulador desse tipo de ilícito».
O regime geral do ilícito de mera ordenação social constante do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14-09 e pela Lei n.º 109/2001, de 24-12), não contém qualquer referência sobre a suspensão da execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações e, por outro lado, afigura-se-nos de todo em todo descabida a aplicação subsidiária às contra-ordenações do regime de suspensão da execução da pena constante do Código Penal, por força do estatuído pelo art. 32.º do diploma indicado em primeiro lugar.
Como anotam os Srs. Conselheiros Simas Santos e Lopes de Sousa, in Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 3.ª edição, 2006, pág. 278/279, «a aplicação subsidiária, (...) só se justifica perante a existência de um caso omisso, pelo que só se deverá recorrer a ela quando se possa concluir que, para além de se tratar de um ponto não regulado no R.G.C.O. nem em lei especial, se está perante um caso que, em coerência, deveria ser regulamentado».
Considerada a estrutura normativa global que o legislador ordinário conferiu ao regime geral do ilícito de mera ordenação social, donde sobressai a regulação de um plano ordenador do sistema jurídico contra-ordenacional tendencialmente aplicável a todas as contra-ordenações especialmente previstas, é apodíctico que a inexistência de regulamentação na área em causa foi determinada por razões político-jurídicas e correspondem a uma opção do legislador, a uma inexistência planeada.
Além do mais, o Código Penal apenas prevê a suspensão da execução da pena quando em causa estão penas de prisão aplicadas em medida não superior a cinco anos (cf. art. 50.º, n.º 1).
Assim, temos como certo que, no domínio do regime geral das contra-ordenações, não está previsto, mesmo que subsidiariamente, a possibilidade de suspensão da execução das penas acessórias de inibição de conduzir.
Dito de outro modo: a suspensão da execução das penas acessórias não integra o regime geral contra-ordenacional.
Sendo assim, tendo em conta o campo de previsão da al. d) do art. 165.º da Constituição, tal como ele é considerado na doutrina e jurisprudência, cabe «na competência concorrente da Assembleia da República e do Governo a previsão de existência de sanções acessórias, de entre as dos tipos previstos no n.º 1 do artigo 21.º do regime geral das contra-ordenações, bem como a possibilidade de suspensão da sua execução. E se assim for quanto à opção legislativa do estabelecimento da possibilidade de aplicação de sanções acessórias e da suspensão da sua execução, não poderia deixar de ser diferente quando a opção legislativa seja de eliminação, modificação ou estabelecimento de condições de execução, desde que se quedassem dentro do regime geral.
Teríamos, portanto, de concluir que o legislador do Decreto-Lei n.º 44/2005, ao excluir, através da alteração introduzida ao artigo 141.º, n.º 1, do CE, da possibilidade de suspensão da execução as sanções acessórias de inibição de conduzir aplicadas pela prática de infracções muito graves, não estaria a invadir a reserva de competência da Assembleia da República, mas no exercício de uma competência concorrente» [4]
Com fundamentos, no essencial, convergentes, foi dito no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 604/2006, de 14 de Novembro de 2006, publicado no DR, 2.ª série, n.º 249, de 29 de Dezembro de 2006, «estabelecida que estava relativamente ao específico regime especial das contra-ordenações estradais - quer pela Lei n.º 6/93 que pela Lei n.º 53/2004 - um “desvio” relativamente ao regime geral das contra-ordenações no que se prende com a consagração da possibilidade de suspensão da execução da sanção acessória, podia o Governo definir, alterar, eliminar ou modificar a punição e as condições de execução das infracções contra-ordenacionais estradais. É que, de um lado, aquelas definição, eliminação, modificação e estabelecimento de condições de execução, desde que não ofensivas de um regime geral, cabem na competência legislativa concorrente do Governo, como, sem discrepâncias, tem sido realçado por este Tribunal (cf., a título meramente exemplificativo, os Acórdãos n.ºs 56/84, in Diário da República, 1.ª série, de 9 de Agosto de 1984, 79/95, idem, 2.ª série, de 12 de Junho de 1995, 69/90, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 15.º vol. pp. 253 a 265, 436/2000, in Diário da República, 2.ª série, de 17 de Novembro de 2000, 461/2000, idem, idem, de 29 de Novembro de 2000, e 236/2003, idem, de 24 de Junho de 2003)».
Outras razões existem, contudo, que levam à rejeição da tese defendida pela recorrente.
Continuando a seguir as esclarecedoras passagens contidas no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 629/2006, neste se diz a dado passo:
«Não desconhecia o legislador parlamentar, ao definir, pelo modo descrito, o sentido e a extensão da autorização legislativa, que a inibição de conduzir estava prevista no regime então vigente do novo CE saído da alteração feita pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, à versão originária (...), como sanção acessória de que eram passíveis as contra-ordenações graves e muito graves (artigo 139.º), e que esse mesmo regime previa a possibilidade de «ser suspensa a execução da sanção de inibição de conduzir (...). Não obstante isso, o legislador parlamentar autorizou o Governo a proceder à revisão do CE, nos termos amplos acima transcritos, sem o subordinar, na definição do âmbito da extensão da autorização, concernente à matéria em causa, à observância de outros limites que não sejam os, nele, expressamente contemplados.
Dispondo o legislador parlamentar que a autorização concedida, (...), contempla, máxime, «a determinação da medida e regime de execução das sanções tendo em conta os antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou seus regulamentos» (al. j) do art. 3.º da Lei 53/2004), «sem recortar quaisquer limitações pelo estabelecido anteriormente, há que concluir que a autorização possibilita a determinação, como se fora originariamente, das sanções principais e acessórias e do regime da sua execução, neste se tendo de incluir a possibilidade de suspensão ou de não suspensão da inibição de conduzir prevista como sanção acessória para as contra-ordenações graves e muito graves (artigo 138.º do CE), tanto mais que a opção legislativa tomada, pelo legislador autorizado, se afigura adequada» ao sentido de autorização definido no art. art. 2.º, parte final, da Lei 53/2004, ou seja, o de proporcionar índices elevados de segurança rodoviária para os utentes.
«Na verdade, independentemente de a suspensão de execução de uma pena poder ser vista, não como uma forma funcionalizada à sua execução, mas antes como uma pena de substituição em sentido próprio (...), o efeito jurídico-prático que a suspensão da inibição de conduzir importa é a possibilidade de não cumprimento da sanção aplicada e isso tem que ver com a definição do «regime da sua execução.
Ora, o legislador da norma questionada estava autorizado a definir esse regime sem respeito ou subordinação pelas regras vindas do passado».
Deste modo, e pela dupla ordem de razões apontadas - radicando a primeira na competência concorrente do Governo e da Assembleia para a edição da norma em causa e, a outra, na constatação de que, em qualquer caso, o Governo legislou a coberto de autorização legislativa concedida na Lei n.º 53/2004 -, não padece o art. 141.º do Código da Estrada, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, do vício de inconstitucionalidade orgânica que o recorrente lhe aponta, pelo que também não padece desse vício o art. 1.º desse DL n.º 44/2005, por ter alterado os artigos 141.º e 142.º do CE. [5]
(…) A técnica utilizada pelo legislador assenta na não previsão da possibilidade de suspensão da execução de sanções acessórias no RGCO, relegando essa possibilidade para regimes específicos – como o estradal – e para situações muito específicas, quer por apelo à gravidade relativa do ilícito, quer pela esperança de não reincidência, com exclusão total em casos de gravidade do ilícito, designadamente pelo acréscimo de risco inerente à conduta.
Não se reconhece no dispositivo do art. 141.º, n.º 1, do vigente Código da Estrada, qualquer omissão ou lacuna legislativa quanto à suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir cominada a agente de infracção contra-ordenacional rodoviária muito grave.”
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IV. Decisão:
Nesta conformidade, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso, mantendo-se, assim, a decisão da autoridade administrativa, sendo revogada, portanto, a sentença do Tribunal a quo, na parte em que suspendeu a execução da sanção de inibição de conduzir por um período de um ano.
Sem custas.
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Coimbra, 12 de Dezembro de 2012
(Texto processado e integralmente revisto pelo signatário – artigo 94.º,n.º 2, do CPP.)
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(José Eduardo Martins)
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(Maria José Nogueira)