Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
38/10.0TAFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA
Data do Acordão: 02/08/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA FIGUEIRA DA FOZ - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ART.º 472º, N.º2, DO C. PROC. PENAL
Sumário: Produzida toda a prova em audiência de julgamento, na fase de deliberação, deve o tribunal valorar os factos descritos na acusação/pronúncia, juntamente com os que constam da contestação oferecida pelo arguido e daqueles que resultaram da discussão da causa (art.º 368º, n.º 2, do C.P.P.).

E, por isso, a sentença, na sua fundamentação fáctica, deve conter a “enumeração dos factos provados e não provados”, os quais, em princípio, terão de compreender, a um ou outro título, todos os factos decorrentes daquela tríplice origem.

Enumerar os factos é especificá-los ou contá-los um a um, o que corresponde a dizer que o tribunal tem de especificar todos e cada um dos factos alegados pela acusação e pela defesa, bem como os que tiverem resultado da discussão da causa, relevantes para a decisão, como provados ou não provados, como, aliás, sempre decorreria do próprio dever de apreciar, descriminada e especificamente (art.º 368º, n.º 2, do C.P.P.), todos esses factos.

A enumeração dos factos é fundamental, pois é a partir deles e à luz do direito que nascerá a decisão, como imprescindível é a indicação expressa dos factos não provados, já que só assim existe a garantia de que o tribunal considerou especificamente toda a matéria de facto sujeita a apreciação.

Deste modo, fórmulas genéricas e imprecisas, tais como «não se provaram os restantes factos», são ineficazes, porque não dão a indispensável garantia de que todos os factos relevantes alegados, que não surgem descriminados na decisão sobre a matéria de facto, foram considerados nos termos legais.

Contudo, a razão de ser do art.º 374º, n.º 2, do C.P.P., tem de ser conexionada com o fim do processo penal, ou seja, só tem sentido a aplicação daquela norma enquanto estiverem em causa factos relevantes para a decisão de mérito.

Decisão Texto Integral: I. Relatório:

1. No 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção de tribunal singular, os arguidos “W..., .., Lda.”, com sede na …, Figueira da Foz, e A..., casado, residente na … ., Figueira da Foz, sob acusação da prática, o primeiro arguido, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 105.º, n.º 1 e 107.º, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, sendo a sociedade arguida responsável criminalmente em função do disposto no artigo 7.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.


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2. O Instituto da Segurança Social I.P. deduziu pedido de indemnização civil contra A..., impetrando a condenação do mesmo no pagamento à demandante de contribuições retidas a trabalhadores, “a membros de órgão estatutário da sociedade arguida” e de cotizações relativas a pensionistas por velhice e por invalidez, da quantia global de €132.402,46, acrescida de juros de mora, calculados até Novembro de 2010 sobre aquele montante, no valor de € €49.997,04, bem como juros, à taxa legal, desde aquela data até integral pagamento.

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3. Por sentença de 26 de Julho de 2011, foram os arguidos condenados nos seguintes termos:

- O arguido A..., pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 107.º e 105.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2001, de 05-06, alterada pelas Leis n.º 109-B/01, de 27-12, 32-B/2002, de 20-12, 107-B/03, de 31-12, 55-B/04, de 30-12, 39-A/05, de 29-07, 60-A/05, de 30-12, 53-A/06, de 29-12, 22-A/07, de 29-06, 67-A/07, de 31-12 e 64-A/08, de 31-12, e pelos Decretos-Lei n.ºs 229/02, de 31-10, e 307-A/07, de 31-08 e art. 79.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à razão diária de €6,00 (seis euros);

- A sociedade “W..., .., Lda.”, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 7.º, n.º 1, 105.º, n.º 1 e 107.º, da Lei n.º 15/2001, de 05-06, alterada pelas Leis n.º 109-B/01, de 27-12, 32-B/2002, de 20-12, 107-B/03, de 31-12, 55-B/04, de 30-12, 39-A/05, de 29-07, 60-A/05, de 30-12, 53-A/06, de 29-12, 22-A/07, de 29-06, 67-A/07, de 31-12 e 64-A/08, de 31-12, e pelos Decretos-Lei n.ºs 229/02, de 31-10, e 307-A/07, de 31-08 e art. 79.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de €7,00 (sete euros);

- O arguido/demandado A... a pagar ao Instituto da Segurança Social - IP, o montante de €132.402,46, acrescido dos respectivos juros de mora vencidos, calculados à taxa legal, computados em €49.997,04, tudo no valor global de €182.3999,50, e ainda dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento.


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4. Inconformado, o arguido/demandado A... interpôs recurso da sentença, tendo extraído da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 374.º, N.º 2, DO CPP

1.ª - Na douta sentença recorrida, o Tribunal a quo procedeu à sua fundamentação, elencando os factos provados e os não provados, e de seguida à sua motivação.

2.ª - Quanto a esta última, salvo melhor entendimento, não cumpre o disposto no artigo 374.º, n.º 2, do CPP, na medida em que omite o requisito da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

3.ª - Efectivamente, a motivação da sentença quanto ao 4.º facto provado é absolutamente omissa, em nenhum dos parágrafos da dita motivação é feita qualquer alusão ao processo de formação da convicção do Tribunal relativamente ao efectivo pagamento dos salários dos trabalhadores e dos membros dos órgãos estatutários, no período de Outubro de 2004 a Maio de 2009, e consequente retenção das contribuições devidas à Segurança Social.

4.ª - Neste particular, a versão trazida aos autos pelo arguido de que, à data da insolvência, os ordenados estavam em atraso desde Outubro 2007, não mereceu um único comentário do Tribunal a quo;

5.ª - Todavia, para além das declarações do arguido, incidiram, sobre a referida falta de pagamento dos salários de Outubro de 2007 em diante, os depoimentos de 11 testemunhas, todos registados no sistema de gravação audio do Citius, a saber:

- Das declarações do Arguido A...:

Acta Fls 814 a 820, data 03-06-2011, Gravação com início 10:14:30, Ref:E:\20110603101430_125243_64390.wma, do minuto 4:00 ao minuto 5:11 desta gravação;

Acta Fls 814 a 820 - Data 03-06-2011, com início pelas 10:27:10 - Ref: E:\20110603102709-125243_64390.wma, do minuto 11:38 ao 13:18 desta gravação.

- Da Testemunha B..., funcionária da Segurança Social:

Acta de fls 814 a 820 - Data 03-06-2011, Ref: E:\20110603105029_125243_64390.wma, com início pelas 10:50:30. do minuto 4:36 ao 5:01 desta gravação;

Acta de fls 814 a 820 - Data 03-06-2011, Ref: E:\20110603110548_125243_64390.wma, com início pelas 11:05:49 do minuto 00:48 ao minuto 1.16 e do minuto 16:44 ao 17.29.

- Da Testemunha C...:

Acta de Fls 814 a 820, Data 03-06-2011, Ref: E:\20110603121358_125243_64390.wma, gravação com início pelas 12:13:59, do minuto: 00:54 ao1:21, do minuto 1:44 ao 2:50, do minuto 3:20 ao 4:19 e do minuto 4:27 ao 5:40 da mesma gravação.

- Da Testemunha D...:

Acta de fls 814 a 820, Data 03-06-2011, Ref: E:\20110603122048_125243_64390.wma, com início pelas 12:20:49, do minuto 1:31 ao 1:36, do minuto 1:47 ao 1:57, do minuto 2:40 ao 3:09, do minuto 7:58 ao 8:14 e do minuto 8:43 ao 10:54.

- Da Testemunha E...:

Acta de fls 874 a 879, Data 20-06-2011, Ref: E:\20110620155525_125243_64390.wma, com início pelas 15:55:26. do minuto 00:07 ao 4:09, do minuto 6:22 ao 8:18;

Acta de fls 874 a 879, Data 20-06-2011, Ref: E:\20110620170117_125243_64390.wma, com início pelas 17:01:18, do início da gravação ao minuto 2:00 e do minuto 1:00 ao 3:39 desta gravação.

- Da Testemunha F...:

Acta de fls 874 a 879, Data 20-06-2011, Ref: E:\20110620172904_125243_64390.wma, com início pelas 17:29:05, do minuto 0:35 ao 1.43 e do minuto 3:03 ao 3:19.

- Da Testemunha G...:

Acta de fls 874 a 879, Data 20-06-2011, Ref: E:\20110620174009_125243_64390.wma, com início pelas 17:40:10. Do minuto 2:08 ao 2.37.

- Da Testemunha H...:

Acta de fls 874 a 879, Data 20-06-2011, Ref:E:\ 20110620174645_125243_64390.wma, com início pelas 17:46:46. Do minuto 1:30 ao 1:43, do minuto 2:25 ao 3:52, do minuto: 5:36 ao 6:18 e do minuto 7:51 ao 8:10   da mesma gravação.

- Da Testemunha I...:

Acta de fls 901 a 904, Data 22-06-2011, Ref: E:\20110622100703_125243_64390.wma, com início pelas 10:07:04. Do minuto 0:35 ao 1:02 e do minuto 1:28 ao 4:01.

- Da Testemunha J...:

Acta de fls 901 a 904, Data 22-06-2011, Ref:E:\ 20110622101956_125243_64390.wma, com início pelas 10:19:57. Do minuto 0:29 ao 00:51, do minuto: 1:24 ao 5:35 e do minuto 9:19 ao 9:58,

- Da Testemunha K...:

Acta de fls 901 a 904, Data 22-06-2011, Ref: E:\20110622103833_125243_64390.wma, com início pelas 10:38:34, do minuto 0:48 ao 3.39 e do minuto 6:15 ao 7:03.

- Da Testemunha L...:

Acta de fls 901 a 904, Data 22-06-2011, Ref: E:\20110622105557_125243_64390.wma, com início pelas 10:55:58. Do minuto 0:37 ao 0:54, do minuto 1:15 ao 3:34, do minuto 11:23 ao 11:54 e do minuto 11:59 ao 12:46.

- Da Testemunha M...:

Acta de fls 901 a 904, Data 22-06-2011, Ref: E:\20110622111234_125243_64390.wma, com início pelas 11:13:35. Do minuto 0:45 ao 1:03, do minuto 1:23 ao 2:29, do minuto 4:12 ao 5:19 e do minuto 5:29 ao 6:04.

6.ª - Todas as referidas testemunhas (ex-trabalhadores e o Técnico Oficial de Contas da sociedade arguida) foram unânimes em confirmar a existência de salários em atraso desde Outubro de 2007, só o ex-trabalhador C..., reconhecendo ser a excepção à regra, referiu ter pouco mais de 1.400,00€ de ordenados em atraso, à data da declaração da Insolvência da arguida, não precisando à quantos meses de ordenado correspondiam, e o ex-colaborador L… afirmou que seus ordenados em atraso reportavam-se a Janeiro de 2008 em diante.

7.ª - A motivação da sentença padece ainda do mesmo vício de falta de indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, quanto aos Factos Provados n.ºs 36 a 39 e quanto ao facto não provado A.

8.ª - Efectivamente, apesar das declarações do arguido e do depoimento da testemunha E… terem incidido sobre tal matéria, no sentido de nunca ter sido feita a reafectação das quantias pagas a mais nos processos duplicados e triplicados que correram na Secção de Processos da Segurança Social, daí resultando no mínimo e necessariamente um crédito superior a 50.000,00€, nos termos dos factos provados 25 a 34, da arguida sobre a Demandante Civil, a sentença recorrida nem uma palavra contempla relativamente aos mesmos.

As declarações do arguido neste particular encontram-se registadas no sistema de gravação audio do Citius, a saber:

Acta de Fls 814 a 820, Data: 03.06.2011, Ref: E:\20110603101430_125243_64390.wma, com início pelas 10:14:31. Do minuto 10:32 ao 11:49;

Acta de Fls 814 a 820, Data: 03.06.2011, Ref: E:\201106031027090_125243_64390.wma, com início pelas 10:27:10. Do minuto 14:17 ao 15:34 da mesma gravação;

- As da testemunha E… estão registadas:

Acta de fls 874 a 879, Data 20.06.2011, Ref:E:\20110620155525_125243_64390.wma, com início pelas 15:55:26. Do minuto 8:22 ao 14:34. Do minuto 19.41 ao 21:08 desta gravação. Do minuto 34:30 ao 34:53 desta gravação. Do minuto 39:06 ao 40:44 desta gravação;

Acta de fls 874 a 879, Data 20-06-2011, Ref: E:\120110620172404_125243_64390.wma, com início pelas 17:24:05. Do minuto: 00:16 ao 2:14

9.ª - Quanto aos documentos de fls 671 a 734, 787 a 797, 927 a 988, apesar de mui genericamente mencionados no nono parágrafo da motivação, não foi feita a sua apreciação critica à luz da experiência comum. A sentença não revela quais as conclusões que retirou de cada um deles e do seu confronto, qual a valorização de cada um deles e quais os factos provados ou não provados com base nos mesmos.

10.ª - Ora, deles fazendo uma análise individualizada para reconstrução cronológica da situação contributiva da arguida deparamo-nos com o seguinte:

a) No âmbito do processo Comum 548/03.5TAFIG, cujos termos correram pelo 3.º Juízo deste Tribunal, o arguido foi acusado da prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social respeitante às cotizações dos meses de Outubro 2000 a Março 2003. Fls 927 a 938.

b) Nesse Processo, verificou-se que as cotizações relativas aos meses participados (Outubro 2000 a Março 2003 ) estavam pagas. Fls 939 a 944.

c) As cotizações relativas aos meses de Março a Novembro de 2003, participadas na Secção de Processos (ver doc. junto ao requerimento da Segurança Social datado de 15.06.2011 - fls 849 a 867) foram pagas através dos docs. de fls 945 a 953 e dos docs. de fls 671 a 683 e 687 a 689.

d) O mês de Dezembro de 2003 não foi participado na Secção de Processos da Segurança Social porque foi pago atempadamente pela W... Lda. Não consta da listagem dos processos executivos de fls 849 a 867.

e) As cotizações relativas aos meses de Janeiro a Junho de 2004 foram pagas em duplicado e triplicado conforme documentado a fls 671 a 734.

f) As cotizações relativas aos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2004 foram pagas pela W... através dos Does de fls 954 a 957 e do Doe de fls 678 a 682.

g) A diferença entre os montantes das cotizações relativas aos meses de 10/2004 a 12/2006 participados na Secção de Processos da Segurança Social (fls 859, 860, 861) e os montantes constantes da acusação para esses meses, resulta de pagamentos realizados pela arguida, conforme docs. n.ºs 958 a 988 e 678 a 683 e doc. de fls 787 e 813, em planos de pagamentos prestacionais.

11.ª - Concluindo:

- as cotizações até Março de 2003 foram pagas; todas as cotizações posteriores até ao mês de Outubro de 2004 foram pagas;

- O período contributivo abrangido pela acusação inicia-se em Outubro de 2004;

- Conferindo, as diferenças entre os montantes das cotizações de Outubro de 2004 a Dezembro de 2006, devidas, participadas à execução e não pagas atempadamente pela arguida, constantes de fls 859 a 861, e os montantes constantes da acusação para o mesmo período, resultam do pagamento das prestações realizadas pela arguida em diversas datas, com periodicidade mensal, conforme documento da Segurança Social de fls 787 a 813 e comprovativos de pagamento de fls 958 a 988; nenhuma compensação seria efectuada ao longo de 7 prestações mensais (ver fls 789, 797, 801, 802 e 809)!

- Os montantes das contribuições dos meses de Janeiro de 2007 até Maio de 2009, constantes da acusação, correspondem na íntegra aos montantes participados à execução pela Segurança Social (fls 862 a 864), para o mesmo período, nestes também não houve qualquer dedução de valores ou reafectação de crédito.

12.ª - Pelo que, matemática e objectivamente, é impossível a aludida transferência das quantias pagas em duplicado e triplicado ter ocorrido. Todavia, o tribunal a quo, deu-a como provada, ignorando-se com base em quê.

Relativamente aos factos provados n.ºs 37, 38, 39 e ao facto não provado “A”, também não se vislumbra qual o processo racional e lógico da formação da convicção do tribunal, porque não consta da douta sentença recorrida. Simples alegações genéricas não bastam!

DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 379.º, N.º 1, al. c), DO CPP

13.ª - Invoca-se ainda a nulidade da sentença, por força do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, porquanto o arguido, na sua contestação de fls 639 a 655 - nomeadamente nos artigos 18 a 21, 23 a 33, 43 e 46 - alega ter desenvolvido todos os esforços para honrar os seus compromissos, nomeadamente junto da Segurança Social, tendo inclusive candidatado a arguida a um PEC junto do IAPMEI, que foi aprovado pela Demandante Civil. Todavia, a Fazenda Nacional penhorou todos os créditos da arguida, pelo que outra solução não restou ao arguido se não apresentar a sua representada à insolvência. Alega que as contribuições de Junho a Agosto, Novembro e Dezembro de 2007 e Fevereiro de 2009 não constam da acusação por terem sido pagas atempadamente. Alega que pagou 7 das 12 prestações dos acordos de pagamento prestacionais celebrados com a Demandante Civil, relativo às cotizações de Outubro de 2004 a Dezembro de 2006. Alega que deixou de exercer a gerência de facto e de direito da arguida a partir da data da declaração de insolvência da arguida. Alega que os salários dos trabalhadores estavam em débito desde Outubro de 2007 e que requereu, junto da Secção de Processos da Segurança Social, os comprovativos dos pagamentos realizados ao longo dos anos pela arguida junto da Segurança Social e que tal informação lhe foi negada.

14.ª - Tais factos são relevantes para a discussão da causa, porque são importantes para verificar do preenchimento do tipo de ilícito em apreciação, porque servem, certamente, para dosear a pena, em caso de se concluir pela condenação, como foi o caso (em caso de recurso sobre a dosimetria da pena tais factos omitidos podem ser importantes para o tribunal «ad quem», o qual só os poderá conhecer se eles constarem dos autos de forma oficial e expressa no local devido - no rol de factos provados ou não provados).

Ficou assim limitado o direito da defesa do arguido, na medida em fica restringido o âmbito do recurso, pois tais factos não constam da matéria de facto (provada ou não provada), tornando-se naquela parte insindicáveis.

DA VIOLAÇÃO DO N.º 3 DO ARTIGO 412.º DO CPP

15.ª - Nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, do CPP, impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto provada sob os n.ºs 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 36, 37, 38, 39 e sobre o facto não provado “A”.

16.ª - Quanto ao 4.º facto provado, merece-nos as seguintes considerações, restritivas ao período de Outubro de 2007 a Maio de 2009.

17.ª - Para além das declarações do arguido, incidiram, sobre a referida falta de pagamento dos salários de Outubro de 2007 em diante, os depoimentos de 11 testemunhas, especificados na 5.ª conclusão.

18.ª - Todas as referidas testemunhas (ex-trabalhadores e o Técnico Oficial de Contas da sociedade arguida ) foram unânimes em confirmar a existência de salários em atraso desde Outubro de 2007, excepto o ex-trabalhador C... que, reconhecendo ser a excepção à regra, referiu ter pouco mais de 1.400,00€ de ordenados em atraso, à data da declaração da Insolvência da arguida, não precisando à quantos meses de ordenado correspondiam, e o ex-colaborador L… que referiu que os seus ordenados em atraso se reportavam a Janeiro de 2008 em diante.

19.ª - A testemunha B…, funcionária da Segurança Social, desconhece se existiam ordenados em atraso, nomeadamente os relativos ao período de Outubro de 2007 a Maio de 2009 - registo no sistema de gravação audio do Citius, Acta de fls 814 a 820 - Data 03-06-2011, Ref: E:\20110603110548_125243_64390.wma, com início pelas 11:05:49, do minuto 00:48 ao minuto 1.16 desta gravação e do minuto 16:44 ao 17.29 desta gravação.

20.ª - Todas as restantes testemunhas, ex-funcionários da Ré W..., alguns deles indicados pela acusação, são unânimes, no sentido de terem reclamado o pagamento dos seus salários em atraso junto do Fundo de Garantia Salarial. Uns receberam desse Fundo, outros não, por não preencherem os requisitos para se candidatarem ao dito Fundo, a saber manterem o vínculo laboral até 6 meses antes da declaração de insolvência.

21.ª - A própria representante dos trabalhadores no Processo de Insolvência confirma que, à data da Insolvência, o pagamento dos salários estava atrasado, reportando-se essa falta de pagamento, para a grande maioria dos trabalhadores, a Outubro de 2007; ainda acrescenta que os trabalhadores reclamaram junto do Fundo de Garantia Salarial e deles receberam parte dos salários reclamados - registo no sistema de gravação audio do Citius; Acta de fls 874 a 879; Data 20-06-2011; Ref: E:\20110620155525_125243_64390.wma, com início pelas 15:55:26. Do minuto 6:22 ao 8:18.

22.ª - Nos autos, não consta nenhuma prova (documental ou testemunhal) apta a motivar a convicção do Tribunal a quo no sentido de dar como provado que, de Outubro 2007 a Maio de 2009, dos salários dos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, foram pagos e deduzidas as respectivas cotizações para a Segurança Social.

23.ª - Do confronto dos próprios factos provados sob os n.ºs 2 e 21, resulta que de 1 a 15 de Junho de 2009, período em que deviam ter sido entregues as declarações de remunerações de Maio 2009 e entregues as respectivas cotizações, o arguido já não exercia as funções de gerente, pelo que nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada relativamente ao pagamento das cotizações respeitantes aos salários de Maio de 2009.

24.ª - Sublinha-se que, mesmo durante o período contributivo de Outubro de 2004 a Setembro de 2007, as contribuições dos meses de Junho, Julho e Agosto não foram participadas, não constam da acusação, pelo que tais meses devem ser excluídos do período referido no 4.º facto provado.

25.ª - Sublinha-se ainda que, nos meses de Outubro de 2004 a Dezembro de 2006 e Setembro de 2007, as quantias constantes da acusação e não pagas à Segurança Social são manifestamente inferiores às contribuições declaradas nas correspondentes Declarações de Remunerações endereçadas à Segurança Social de fls 60 a 288 e 350 a 358 pela sociedade arguida, por força dos planos de pagamentos prestacionais celebrados com a Segurança Social e que a sociedade arguida cumpriu em grande parte. Documento de fls 787 a 813 e 958 a 988.

26.ª - Concluindo:

- O 4.º facto provado não o deveria ter sido relativamente ao período de Outubro 2007 a Maio de 2009;

- A sentença deveria salvaguardar que parte das contribuições retidas nos meses de Outubro de 2004 a Dezembro de 2006 e Setembro de 2007 e a totalidade das contribuições de Junho, Julho e Agosto de 2007 foram entregues à Segurança Social;

- Passando à redacção do 4.º facto provado para “O arguido procedeu ao pagamento dos salários dos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, pensões de velhice e invalidez, relativos aos meses de Outubro de 2004 a Setembro de 2007, quanto aos meses de Outubro de 2004 a Dezembro de 2006 e Setembro de 2007, reteve parte das contribuições devidas à Segurança Social, que foram efectivamente deduzidas daqueles salários, remunerações e pagamentos, e quanto aos meses de Janeiro a Maio de 2007, reteve a totalidade das ditas contribuições”;

- Consequentemente, deveria ter sido dado como provado o não pagamento dos salários dos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários de Outubro de 2007 a Maio de 2009, não tendo sido deduzidas as respectivas cotizações para a segurança Social;

- Assim, dever-se-á acrescentar um novo facto provado com a seguinte redacção: “No período compreendido entre Outubro de 2007 e Maio de 2009, o arguido não procedeu ao pagamento dos salários dos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, pensões de velhice e invalidez e, consequentemente, não reteve as contribuições devidas à Segurança Social”.

- Crê-se, também, que deveria constar dos factos provados, por ter importância para a boa decisão da causa, que “Entre Outubro de 2004 e Maio de 2009, a arguida pagou os salários respeitantes aos meses de Outubro de 2004 a Setembro de 2007, em prestações de valores variáveis, consoante a sua disponibilidade financeira”.

27.ª - Quanto aos factos provados sob os n.ºs 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. da fundamentação da sentença recorrida:

A correcção do 4.º facto provado nos termos expostos tem implicações directas nos factos subsequentes.

28.ª - Assim, quanto ao 5.º facto provado: A expressão “tais quantias” reportar-se-á à parte das contribuições retidas nos meses de Outubro de 2004 a Dezembro de 2006, parte das contribuições do mês de Setembro de 2007 e às contribuições dos meses de Janeiro a Maio de 2007.

29.ª - quanto ao 6.º facto provado, dele deverão ser retiradas as contribuições e respectivos valores para os diversos códigos dos meses de Outubro de 2007 em diante.

30.ª - quanto ao 7.º facto provado: a expressão “o período supra referido” dirá respeito apenas a Outubro de 2004 a Maio 2007 e ao mês de Setembro de 2007, deverão ser corrigidos os valores em conformidade com o respectivo período.

Assim, a redacção deste Facto Provado passará a ser a seguinte:

“Concluindo, durante o período supra referido o arguido deduziu e reteve do valor das remunerações que efectivamente pagou aos trabalhadores, regime geral dos trabalhadores e sub-regime dos órgãos estatutários, pensionistas, contribuições legais, no montante total de 59.978,33€, correspondendo:

- 58.897,05€, ao regime geral dos trabalhadores por conta de outrem, calculado de acordo com a aplicação da taxa de 11%, às remunerações base de incidência efectivamente pagas, nos meses de Outubro de 2004 a Dezembro de 2004, Maio de 2005 a Maio de 2007 e Setembro de 2007;

- 825,78€, correspondendo ao sub-regime de membros de órgãos estatutários das pessoas colectivas, calculado de acordo com a aplicação da taxa de 10%, às remunerações base de incidência e efectivamente pagas, nos meses de Outubro de 200 a Dezembro de 2004, Fevereiro a Abril de 2005, Janeiro a Maio de 2007;

- 27,10€, relativos ao sub-regime dos pensionistas por velhice, calculado de acordo com a aplicação da taxa de 7,80%, às remunerações base de incidência e efectivamente pagas, no mês de Maio de 2007 e

- 228,40€, relativos ao sub-regime dos pensionistas por invalidez, calculado de acordo com a aplicação da taxa de 8,30%, às remunerações base de incidência e efectivamente pagas, nos meses de Outubro de 2004 a Abril de 2005.

31.ª - quanto aos 8.º, 9.º, 10.º e 11.º factos provados: As expressões “estas quantias”, “tais quantias”, “tais montantes”, “daquelas prestações tributárias, as quais”, reportar-se-ão aos montantes constantes do 7.º facto corrigido.

32.ª - a) - quanto ao 12.º facto provado, atendendo à circunstância dos salários respeitantes a Outubro de 2004 a Outubro de 2007 terem sido pagos em prestações até Maio de 2009 (facto provado a aditar), a sua redacção passará a ser “Entre Outubro de 2004 e Maio de 2009, o arguido, ao efectuar o pagamento dos salários dos trabalhadores e dos membros dos órgãos estatutários relativos aos meses de Outubro de 2004 a Setembro de 2007, decidiu reter e deixar de entregar as contribuições devidas à Segurança Social, nos montantes referidos nos 6.º e 7.º factos provados (já corrigidos) fazendo-as reverter para o património social, aproveitando-se da circunstância da Segurança Social não accionar os mecanismos de cobrança de dívidas e meios legais ao seu alcance a fim de obter o pagamento da dívida, de cada vez que o arguido deixava de entregar as contribuições.

b) - Quanto ao 14.º facto provado: da convicção do arguido de que a Segurança Social não efectuou a reafectação dos créditos da sua representada, como lhe foi solicitado - 24.º facto provado - resulta que não teve consciência de que da sua conduta resultaria a prática do crime pelo foi acusado, julgado e condenado.

33.ª - Quanto aos factos provados constantes dos n.ºs 36, 37, 38 e 39:

Recorda-se que o Tribunal a quo considerou provados os factos consagrados sob os n.ºs 23 a 34, os quais encontram-se documentalmente provados através dos recibos e correspondentes DUCS de fls 671 a 734, pelo que por força da duplicação de pagamentos por parte da arguida, junto da Segurança Social, resultou um crédito da primeira sobre a segunda no montante de referido 89.473,04€.

34.ª - Questiona-se se a reafectação desse crédito, solicitada pelo arguido à Demandante Civil, ocorreu?

O Tribunal a quo entendeu que sim.

Mas, para além de não se saber como formou a sua convicção (por não constar da motivação da sentença), as declarações do arguido registadas no sistema de gravação audio do Citius (Acta de Fls 814 a 820, Data: 03.06.2011, Ref: E:\20110603101430_125243_64390.wma, com início pelas 10:14:31, do minuto 10:32 ao 11:49 e Acta de Fls 814 a 820, Data: 03.06.2011, Ref: E:\201106031027090_125243_64390.wma, com início pelas 10:27:10, do minuto 14:17 ao 15:34 da mesma gravação) e o depoimento da testemunha E…, registado no sistema de gravação audio do Citius (Acta de fls 874 a 879, Data 20.06.2011, Ref:E:\20110620155525_125243_64390.wma, com início pelas 15:55:26, do minuto 8:22 ao 14:34, do minuto 19.41 ao 21:08, do minuto 34:30 ao 34:53 e do minuto 39:06 ao 40:44 todos desta gravação; Acta de fls 874 a 879, Data 20-06-2011, Ref: E:\120110620172404_125243_64390.wma, com início pelas 17:24:05, do minuto: 00:16 ao 2:14), impõem decisão inversa, por revelarem um conhecimento profundo e directo dos factos, terem reunido autenticidade e firmeza. A testemunha E…, com responsabilidades contabilísticas na sociedade arguida, refere mesmo que, através da suas picagens nos processos executivos instaurados contra a arguida nunca detectou a reafectação dos pagamentos duplicados e triplicados, sendo que, no próprio processo do PEC, a arguida invocou o seu crédito.

35.ª - Por outro lado, os depoimentos das testemunhas B..., registado no sistema de gravação audio do Citius (Acta de fls 814 a 820 - Data 03.06.2011, Ref: E:\20110603110548_125243_64390.wma - gravação com início pelas 11:05:49; Ao minuto 1:27 com terminus ao minuto 3:06; ao minuto 3:07 até 16:38 e ao minuto 17:55 a 18:54 da mesma gravação) e N..., também registado no sistema de gravação audio do Citius (Acta de fls 814 a 820 - Data 03.06.2011, Ref:E:\ 20110603112558_125243_64390.wma, cuja gravação se inicia pelas 11:25:59, ao minuto 4:27, até 7:08 da gravação e ao minuto 8:36 até 11:29 desta gravação), ambas funcionárias da Demandante Civil, baseados na mera consulta do sistema informático desta, pelo que os seus depoimentos são indirectos, revelaram ter tido conhecimento da duplicação e triplicação de processos. A primeira começou por afirmar ter havido apenas duplicação de participações, confrontada com os documentos comprovativos da duplicação e triplicação de pagamentos, acabou por referir que estes não constavam do sistema informático, da conta corrente da arguida. Esta testemunha ainda confundiu os processos e pagamentos constantes de do documento de fls 787 a 813 por si elaborado com os processos e pagamentos duplicados relativos aos meses de Janeiro a Junho 2004, constantes de fls 671 a 734.

A segunda testemunha refere ter participado, em 2006, do processo de análise das participações, processos e pagamentos duplicados e triplicados, tendo a Secção de Processos ficado de efectuar a reafectação dos créditos da arguida em processos pendentes. Todavia, não acompanhou esta última fase, apenas consultou a base de dados informática da Demandante Civil, não efectuou nenhum estudo para saber da referida reafectação, até porque não sabia porque é que estava neste processo judicial.

36.ª - Os documentos de fls 671 a 734 e 826 a 844, conjugados entre si, também impõem decisão diversa do Tribunal a quo, nomeadamente, no sentido que os processos 0601200401008803 (referente às cotizações dos meses de Março 2003 a Junho 2004), 06012200401009028 (referente às cotizações dos meses de Março 2003 a Junho 2004), n.º 0601220040101617 (referente às cotizações dos meses de Março de 2003 a Setembro de 2004 - fls 857) participaram em duplicado e triplicado as cotizações respeitantes aos meses de Janeiro de 2004 a Junho de 2004, que todos eles foram pagos, e que à título de contribuições participadas, pagas em montantes diferentes dos declarados pela arguida e em duplicado, a arguida, nos termos do factos provados 31 a 34, também é detentora de um crédito sobre a Demandante Civil.

O conteúdo da fls 836 - processo 601200401015885, relativo às cotizações de Março de 2003 a Novembro de 2003, no montante de 39.244,05€ - está também repetido com o processo 601200401009028 a fls 833.

37.ª - A redacção do facto provado n.º 38, impõe e faz uma clara distinção entre processos extintos por anulação e processos efectivamente pagos.

38.ª - Do documento de fls 826 a 844, constam a zero as cotizações e contribuições pagas em duplicado, triplicado e em montantes diferentes dos declarados pela arguida, referidas nos factos provados n.ºs 25 a 34, pelo que a única conclusão a retirar do mesmo é que tais montantes e respectivos processos foram pagos e não anulados.

39.ª - Resulta dos factos provados n.ºs 25 a 30, com suporte documental de fls 671 a 734 que os processos 0601200401008803 (referente às cotizações dos meses de Março 2003 a Junho 2004), 06012200401009028 (referente às cotizações dos meses de Março 2003 a Junho 2004), n.º 0601220040101617 (referente às cotizações dos meses de Março de 2003 a Setembro de 2004 - fls 857 foram pagos integralmente. Consequentemente, como pode o facto provado n.º 38 considerar que os mesmos processos foram extintos por anulação?

Existe uma manifesta contradição que exploraremos infra!

40.ª - Porque a redacção dos factos provados 36 a 39 resulta da cópia dos artigos 7 a 10 do Requerimento da Demandante Civil de fls 822 a 844, permitimo-nos ter dúvidas quanto à identificação dos pagamentos, Processos e duplicação que o Tribunal a quo pretendeu identificar.

41.ª - Se a intenção foi dar como provados os factos alegados nos artigos 7, 8, 9 e 10 do identificado requerimento da Demandante Civil que se refere aos processos 601200501013670, 601200501019058, 601200601160168, 601200601185675 e 601200701013203, parece-nos impossível, salvo melhor leitura, a sequência lógica, a transição dos factos anteriores para os n.ºs 36 a 39.

42.ª - Sem conceder, dir-se-á que, sequencial e logicamente, os factos invocados nos artigos 7 e seguintes do dito requerimento remetem para o artigo 5 imediatamente anterior que se refere aos processos identificados no documento de fls 787 a 813, sejam os processos n.ºs 601200501013670, 601200501019058, 601200601160168, 601200601185675 e 601200701013203 (pagamento em prestações), no âmbito dos quais a arguida efectuou pagamentos em prestações, os constantes de fls 787 a 813 e 958 a 988 e cujos comprovativos estão documentados a fls 958 a 988.

43.ª - Consequentemente, como pode o tribunal a quo considerar provado que os pagamentos realizados no âmbito destes processos n.ºs 601200501013670, 601200501019058, 601200601160168, 601200601185675 e 601200701013203, foram reafectados para corrigir a duplicação verificada nos processos n.ºs 0601200401008803 (referente às cotizações dos meses de Março 2003 a Junho 2004 ), 06012200401009028 (referente às cotizações dos meses de Março 2003 a Junho 2004), n.º 0601220040101617 (referente às cotizações dos meses de Março de 2003 a Setembro de 2004 - fls 857), 601200101001795 e 601200301007211 (ambos de contribuições) e concluir pela extinção por anulação dos processos n.ºs 0601200401008803 e 06012200401009028, e pelo pagamento integral do processo 0601220040101617.

44.º - Se assim fosse, verificar-se-ia que: nos processos 601200501013670, 601200501019058, 601200601160168, 601200601185675 e 601200701013203, referentes às cotizações de Outubro 2004 a Dezembro 2006 (fls 787 e 788), nenhuma das prestações pagas através dos DUcs de fls 789 a 813 seria considerada como pagamento destes; consequentemente, os valores em débito na acusação, para cada um dos meses em causa seria a totalidade dos valores declarados pela arguida. Ora confrontando os extractos individuais de cada um destes processos a fls 787 a 813 e 958 a 988 com os montantes constantes da acusação para o mesmo período, verifica-se que não houve, como não podia ter havido, qualquer reafectação da divida paga nestes processos, porque os pagamentos realizados nestes processos mantêm-se.

45.ª - Se o raciocínio fosse o referido em XXXXI e XXXXII, também conduziria a que nos processos 0601200401008803 (referente às cotizações dos meses de Março 2003 a Junho 2004), 06012200401009028 (referente às cotizações dos meses de Março 2003 a Junho 2004), n.º 0601220040101617 (referente às cotizações dos meses de Março de 2003 a Setembro de 2004 - fls 857), 601200101001795 e 601200301007211 (ambos de contribuições) - todos constantes dos factos provados 25 a 35, em vez de destes retirar os montantes pagos a mais e transferi-los para outros, estar-se-ia a somar os montantes pagos nos processos 601200501013670, 601200501019058, 601200601160168, 601200601185675 e 601200701013203 - relativos aos meses de Outubro 2004 a Dezembro de 2006 -, o que, salvo o devido respeito, afigura-se um absurdo para concluir que a duplicação e o erro foram corrigidos, resultando na extinção por anulação dos processos 0601200401008803 e 06012200401009028, e pelo pagamento integral do processo 0601220040101617.

46.ª - Se a intenção do Tribunal no facto provado 36 foi referir-se aos identificados nos n.ºs 25 a 34 dos factos provados, então para além de questionar quais os pagamentos que sofreram reafectação, em que montantes e para que processos, referir-se-á que sobre o facto provado 36 não foi produzida nenhuma prova testemunhal, e fazendo uma cronologia dos pagamentos efectuados pela arguida junto da Segurança Social, através da prova documental constante dos autos, concluir-se-á pela manifesta impossibilidade matemática da reafectação da divida paga noutros processos.

47.ª - Afigura-se-nos novamente oportuna a análise cronológica referida em X e suas conclusões.

48.ª - Dos depoimentos das testemunhas da acusação e da Demandante Civil, B... e N..., ambos registados no sistema de gravação audio do Citius e referidos no XXXIV, conclui-se nos termos do XXXIV supra, seja são pautados pela incerteza e baseados na mera consulta da conta corrente da arguida no suporte informático da Demandante Civil, para além de nos termos expostos configurarem depoimentos indirectos.

49.ª - Da análise do documento de fls 849 a 867, mais precisamente a fls 849, conjugada com o 34.º facto provado de onde resulta (conforme supra referido) que a Arguida pagou 3.386,72€ a mais, porque o montante declarado pela arguida, para o código 000 no mês de Novembro de 2000, foi de 5871,36€ (fls 726) e o montante participado à execução pela Segurança Social para esse código foi de 9.258,00€ (fls (819), verifica-se que a Segurança Social, no Processo 601200101001795, mantendo o valor do mês de Novembro de 9.258,08€, como o fez no documento de fls 849, não efectuou a invocada reafectação da dívida paga.

50.ª - Da análise do mesmo documento de fls 849 a 867, mais precisamente a fls 850, no processo 601200301007211, constam como participadas 2 contribuições idênticas do mês de Outubro de 2000, no montante de 116,59€; tal configura claramente uma das situações de duplicação. Mais, apesar de paga a contribuição desse mês (facto Provado n.º 34 e doc. de fls 716 e 717) ainda consta como parcialmente não paga nessa listagem (fls 850).

Tal situação contraria em absoluto a tese defendida no facto provado n.º 36 de que houve reafectação da dívida paga de modo a corrigir a referida duplicação.

Não houve qualquer correcção das duplicações e não houve reafectação das dívidas!

51.ª - Sublinha-se que o documento de fls 849 a 867 contém as mais caricatas incongruências,

senão vejamos:

- a fls 866, constam os processos 601201100171913 e 6012011001171930, relativos aos meses de Dezembro de 2010 e Janeiro de 2011.

Como é possível? A arguida encerrou em Maio de 2009.

52.ª - A fls 850, tal documento, datado de 13.06.2011, apresenta o processo 601200301007211, nele mencionando os meses de contribuição participados, uma coluna com valores instaurados, outra com os montantes ainda em dívida e os juros correspondentes.

Assim, verifica-se que as contribuições do mês de Julho de 2000 foram participadas à execução, no montante de 66,72€, e que ainda estão em débito 58,95€.

Ora, a fls 716 encontra-se o recibo n.º 0006012005000215, com referência ao DUC 0519410601392133000130 de fls 717. Destes documentos resulta clara e inequivocamente que a contribuição  do  mês  de  Julho  de  2000,  no  montante  de  66,72€, foi   paga,  ao  abrigo  do  processo 601200301007211, por cheque, em 28.02.2005.

No entanto e incompreensivelmente, no referido doc. de fls 849 a 867 e seguintes, mais precisamente a fls 850, no Processo n.º 601200301007211, a dita contribuição de mês de Julho de 2000, participada à execução, no montante de 66,72€, ainda figura em débito no montante de 58,95€.

53.ª - O confronto de documentos ora feito poder-se-á repetir relativamente à todos os quantitativos mencionados a débito a fls 850. Efectivamente encontram-se todos liquidados através dos recibos e respectivos DUCs de fls 711 a 724.

54.ª - Uma análise e confronto cuidadosos dos documentos juntos aos autos revelaria um sem número de lapsos da conta corrente em nome da arguida na Segurança Social, sendo certo que é no sistema informático da Demandante Civil que as testemunhas B...e N…, funcionárias da dita Demandante, adquirem a informação transmitida ao tribunal através do seu testemunho.

55.ª - Sublinha-se ainda que é com base nos dados do sistema informático da Demandante Civil que a certidão de fls 592 a 596, junta ao pedido civil é elaborada. A mesma diz expressamente “... CERTIFICA que a firma W... - .. LDA, com sede na EN 109 COVA DA SERPE QUIAIOS, 3080-512 FIGUEIRA DA FOZ com o número de Segurança Social 20003979855 e número fiscal 504158473 com conta corrente existente neste Centro Distrital, ....”. Que credibilidade tem esta certidão passada numa conta corrente recheada de erros?

56.ª - QUANTO AO FACTO NÃO PROVADO DESIGNADO PELA LETRA A: “O solicitado pelo arguido indicado em 24. supra nunca aconteceu, pelo que a Segurança Social cobrou da arguida cotizações e contribuições indevidamente, nunca tendo feito a compensação requerida”.

- Diz o n.º 24 dos Factos Provados: “Assim em reunião com a Segurança Social, e posteriormente, por escrito, solicitou que as quantias pagas em duplicado e triplicado fossem transferidas para processos de cotizações em dívida”.

57.ª - De acordo com este facto não provado, da prova produzida em audiência de julgamento e da constante nos autos, não resultou que a transferência destas quantias pagas em duplicado e triplicado nunca aconteceu, pelo que a Segurança Social cobrou da arguida cotizações e contribuições indevidamente, nunca tendo feito a compensação requerida.

58.ª - Existe uma contradição intrínseca na redacção deste facto não provado.

Por um lado, considera que não ficou provado a transferência de quantias pagas em duplicado e triplicado nunca ter acontecido.

Por outro lado, conclui que, por força disso, a Segurança Social cobrou da arguida cotizações e contribuições indevidamente, nunca tendo feito a compensação requerida.

59.ª - Da prova produzida não podia ter resultado como não provado o “A” e, consequentemente, impunha-se dar como provado que “O solicitado pelo arguido indicado em 24. nunca aconteceu, pelo que a Segurança Social cobrou da arguida cotizações e contribuições indevidamente, nunca tendo feito a compensação requerida”.

60.ª - Remetendo-se:

- Para o depoimento firme e profundamente conhecedor da situação da testemunha E…, registado no sistema de gravação áudio do Citius, transcrito supra e especificado no n.º XXXIII, relatando que a transferência das quantias pagas em duplicado e triplicado para processos de cotizações não liquidados nunca aconteceu;

- Remete-se para os depoimentos das testemunhas B...  e N..., registados no sistema de gravação audio do Citius, transcrito supra e especificado no XXXIV anterior, e para as considerações tecidas neste particular, porquanto basearam-se na mera consulta do sistema informático da Demandante Civil, consequentemente, apresentam-se “contaminados” com os erros que este contém.

A primeira destas testemunhas revelou desconhecer a existência dos pagamentos duplicados e triplicados, documentalmente comprovados a fls 671 a 734, por não constarem do sistema informático da Demandante Civil, e a segunda testemunha confessou que não fez nenhum estudo para saber se a dita transferência aconteceu, que ignora inclusive porque é que estava neste processo, até porque não o acompanhou a partir do momento em que a Secção de Processos da Segurança Social ficou de fazer a transferência dos referidos pagamentos.

61.ª - Não se retire qualquer conclusão ao nível probatório do documento de fls 868, entre outros motivos porque apenas refere a transferência duma sequência de DUCs para outra sequência de DUCs, não identifica quais as contribuições abrangidas nuns e noutros, quais os seus montantes, datas, não refere o seu envio efectivo, muito menos o seu recebimento, a data de envio “18 de Abril de 2007” é anterior à data da reunião nele mencionada.

Para “tirar a prova dos 9”, far-se-á o seguinte raciocínio:

Os DUCcs 0419410601332143070008 e 04194106013321330700075 e respectivos recibos de fls 726 a 734, através dos quais a arguida liquidou as contribuições participadas no processo 0601200101001795, relativas a Novembro de 2000, as quais nos termos do facto provado n.º 34, foram indevidamente participadas e cobradas por um valor muito superior ao declarado pela arguida, não são referidos no dito documento de fls 868, consequentemente, não foram reafectadas.

Diga-se ainda que nenhuma testemunha depôs no sentido de ter qualquer conhecimento deste documento de fls 868, nem as funcionárias da Demandante Civil, B... Paulino e N....

Diga-se ainda que tal documento remete para outros cujos conteúdos não podem ser verificados e, a existirem, estão na posse da Demandante Civil.

Este documento, salvo melhor opinião, não tem qualquer valor probatório, muito menos no particular de ter havido compensação dos créditos da sociedade arguida sobre a Demandante Civil.

62.ª - Concluindo: o facto provado sob o n.º 4 carece de correcção nos termos supra expostos; consequentemente, os factos provados sob os n.ºs 5 a 12 carecem de ser corrigidos e interpretados de acordo com a nova redacção do n.º 4. Os factos provados sob os n.ºs 14 e 36 a 39, não deveriam tê-lo sido e o facto não provado “A” deveria ter sido dado como provado.

63.ª - Por conseguinte, tendo em conta as disposições conjugadas dos artigos 379.º, n.º 1, al. a) e 374.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, a sentença recorrida é nula, por falta de fundamentação, nos preditos termos, abrangendo, consequentemente, o pedido de indemnização civil que se correlaciona com o dito crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.

DA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO, NOS TERMOS DO DISPOSTO NO N°2 ai. b) ART° 410° do CPP

64.ª - Dá-se aqui por reproduzido o explanado supra em XXXXI a XXXXIV.

Mais, não é possível o tribunal a quo dar como provada a reafectação das dívidas pagas de modo a corrigir a duplicação (facto provado n.º 36 ), dar como provado que o erro foi corrigido, não resultando nenhuma duplicação nos pagamentos, nem qualquer crédito nos processos (facto provado n.º 39), e, simultaneamente, concluir que a Segurança Social cobrou da arguida cotizações e contribuições indevidamente, nunca tendo efectuado a compensação requerida (facto não provado “A”). Afigura-se absolutamente incompreensível o processo de raciocínio do Tribunal a quo, existindo aqui uma manifesta incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada, conduzindo à nulidade da sentença nos termos do art. 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP.

DO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA NOS TERMOS DO DISPOSTO NA al. c) do n.º 2 do ART. 410.º do CPP

65.ª - Afigura-se-nos ainda que o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, relativamente aos factos provados n.ºs 36 a 39, porquanto:

- o Tribunal a quo deu como provados os factos constantes dos n.ºs 36 a 39, resultando a sua redacção da cópia dos artigos 7 a 10 do Requerimento da demandante Civil de fls 822 a 825.

- por força do artigo 5.º deste requerimento e da sua remissão à carta do IPSS de fls 787 a 813, os artigos 7 e 8/factos provados 36 e 37, dizem respeito aos processos 601200501013670, 601200501019058, 601200601160168, 601200601185675 e 601200701013203, cuja liquidação em prestações efectuadas pela arguida encontra-se documentada a fls 958 a 988 e 787 a 813.

- os ditos artigos 9.º e 10.º/factos provados 38 e 39 reflectem conclusões das premissas dos dois artigos anteriores (7.º e 8.º)/factos provados 36 e 37;

66.ª - Em primeiro lugar, afigura-se ininteligível que, por força da reafectação de algumas prestações pagas nos processos 601200501013670, 601200501019058, 601200601160168, 601200601185675 e 601200701013203 (relativos aos meses de Outubro de 2004 a Dezembro de 2006, constante da acusação, pelos montantes ainda não saldados por incumprimento do acordo de pagamento em prestações ), tenham sido extintos os processos 0601200401008803 (referente aos meses de Março 2003 a Junho 2004 - fls 855) e 06012200401009028 (referente aos meses de Março 2003 a Junho 2004 - fls 856) e o processo n.º 0601220040101617 (referente a Março de 2003 a Setembro de 2004 - fls 857) tenha sido pago integralmente, sendo certo que estes 3 últimos processos estão duplicados e triplicados entre si, foram pagos integralmente, conforme resulta dos factos provados n.ºs 25 a 30.

67.ª - Das duas uma, ou as tais prestações pagas nos processos 601200501013670, 601200501019058, 601200601160168, 601200601185675 e 601200701013203 são contabilizadas para dedução das cotizações devidas nestes (como efectivamente consta da acusação, do doc. de fls 787 a 813 e 958 a 988) ou são afectadas ao pagamento de outros processos, mas nunca dos processos 0601200401008803 (referente aos meses de Março 2003 a Junho 2004 - fls 855) e 06012200401009028 (referente aos meses de Março 2003 a Junho 2004 - fls 856) e o processo n.º 0601220040101617 (referente a Março de 2003 a Setembro de 2004 - fls 857) que já estavam pagos em duplicado e triplicado, porque, se assim fosse, nestes últimos processos, verificar-se-ia uma quadriplicação de pagamentos.

68.ª - Em segundo lugar, a redacção do facto provado n.º 38 (desta forma é que alguns processos de execução foram extintos por anulação, nomeadamente os 0601200401008803 e 06012200401009028 e o processo n.º 0601220040101617 foi pago integralmente) impõe que se faça a distinção entre processos extintos por anulação, o que pressupõe o seu não pagamento,   e os processos pagos integralmente.

69.ª - Ora, resultou provado nos factos n.ºs 25 a 30 que os processos 0601200401008803 (referente aos meses de Março 2003 a Junho 2004 - fls 855) e 06012200401009028 (referente aos meses de Março 2003 a Junho 2004 - fls 856) e o 0601220040101617 (referente a Março de 2003 a Setembro de 2004 - fls 857) foram todos pagos integralmente;

- Consequentemente, não foram anulados, muito menos, sem pagamento!

70.ª - Face ao supra exposto, uma vez mais invoca-se a nulidade da sentença recorrida por violar o disposto no artigo 410, n.º 2, al. c), do CPP.

DO PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO REO”

71.ª - Perante os factos provados n.ºs 24 a 35 e o facto não provado “A”, perante a supra referida contradição insanável da fundamentação, o erro notório na apreciação da prova, a matéria de facto impugnada nos termos expostos, afigura-se-nos permanecer uma dúvida irredutível e insanável no tribunal a quo, relativamente à existência de um crédito da arguida sobre a Demandante Civil nos termos expostos, que legitima o apelo ao princípio in dubio pro reo.

Termos em que, deve ser revogada a sentença recorrida e, em provimento do presente recurso, ser proferida nova decisão em harmonia com as conclusões formuladas, como é de Lei.


*

5. O Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso, conclusivamente nos termos infra transcritos:

1. Quanto à fundamentação, a sentença recorrida não merece qualquer reparo, pois que da mesma é possível reconduzir racionalmente as razões probatórias que determinaram o tribunal a quo a formar a sua convicção.

2. O Meritíssimo Juiz a quo não se pronunciou quanto a considerar os pontos 30.º a 36.º da contestação do arguido como provados ou não provados, importando, pois, saber se o tribunal a quo apreciou ou não a matéria da contestação que poderia relevar para a decisão a proferir.

3. O recorrente terá razão ao invocar a nulidade da sentença, por violação do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

4. Assim sendo, deverá declarar-se nula a sentença proferida e ser substituída por outra que aprecie tal omissão, decidindo em conformidade.


*

6. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, louvando-se na resposta ao recurso do Ministério Público no tribunal da 1.ª instância, emitiu parecer no sentido de que o recurso poderá ser julgado procedente, desde logo com a declaração de nulidade da sentença, por omissão de pronúncia em relação aos factos da contestação do arguido.

*

7. Notificado, nos termos e para os efeitos consignados no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente não exerceu o seu direito de resposta.

*

8. Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

*

II. Fundamentação:

1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso

Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).

No caso sub judice, o objecto do recurso está circunscrito às seguintes questões:
A) Se a sentença recorrida padece das duas nulidades invocadas pelo recorrente, previstas nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal;
B) Alterabilidade da matéria de facto;
C) Se a sentença sob recurso padece dos vícios previstos nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP (contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova, respectivamente);
D) Se se mostra violado o princípio in dubio pro reo.


*

2. Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. A arguida W..., .., Lda. era contribuinte da Segurança Social com o n.º …, uma sociedade por quotas matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Figueira da Foz sob a matrícula n.º  …  e tinha por objecto a actividade de reparação, montagens e manutenção de sistemas electrónicos, pneumáticos, hidráulicos e equipamentos industriais;

2. O arguido foi gerente da sociedade arguida, agindo em seu nome e interesse, nomeadamente no período contributivo de Outubro de 2004 a Maio de 2009, exercendo a gerência de facto e tomando as decisões relativas à gestão da sociedade arguida;

3. No desempenho das suas funções, o arguido dirigiu os destinos da empresa e era quem efectuava, para além do mais, o pagamento dos salários aos seus trabalhadores e membros dos órgãos estatutários e relativos ao sub-regime de pensionistas por velhice e invalidez;

4. No período compreendido entre Outubro de 2004 e Maio de 2009, o arguido procedeu ao pagamento dos salários dos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, pensões de velhice e invalidez e, reteve as contribuições devidas à Segurança   Social,   que   foram   efectivamente   deduzidas   daqueles   salários, remunerações e pagamentos;

5. No entanto, apesar de ter retido tais quantias, o arguido não as entregou à Segurança Social, como devia ter feito, porque a tal estava obrigado nos termos do disposto no art. 5.º, n.º 2, do DL 103/80 de 09.05 e 24.º do DL 24/84, de 14.08;

6. Assim e quanto às contribuições devidas, relativamente aos salários de trabalhadores da sociedade arguida, membros dos órgãos estatutários, sub-regime de pensionistas de velhice e pensionistas de invalidez, o arguido reteve os seguintes valores, respeitantes aos períodos a seguir discriminados:

Mês Referência

Cotizações código 000 (11%)

Cotizações código 669 (10%)

Cotizações código 633 (7,8%)

Cotizações código 807 (8,3%)

Totais

Out-04

1630,70€

39,50€

0,00€

37,25€

1.707,45€

Nov-04

1.416,45€

39,50€

0,00€

18,13€

1.455,95€

Dez-04

1.541,98€

118,48€

0,00€

35,60€

1.660,466

Jan-05

0,00€

0,00€

0,00€

44,91€

0,00€

Fev-05

0,00€

16,43€

0,00€

39,89€

16,43€

Mar-05

0,00€

42,61€

0,00€

18,13€

42,61€

Abr-05

0,00€

35,51€

0,00€

34,49€

35,51€

Mai-05

1.655,91€

0,00€

0,00€

0,00€

1.655,91€

Jun-05

1.573,18€

0,00€

0,00€

0,00€

1.573, 18€

Jul-05

1.698,84€

0,00€

0,00€

0,00€

1.698,84€

Ago-05

1.701,23€

0,00€

0,00€

0,00€

1.701,23€

Set-05

1.605,01€

0,00€

0,00€

0,00€

1.605,01€

Mês Referência

Cotizações código 000(11%)

Cotizações código 669 (10%)

Cotizações código

633 (7,8%)

Cotizações código

807 (8,3%)

Totais

Out-05

1. 607,3 1€

0,00€

0,00€

0,00€

1. 607,3 1€

Nov-05

1.623, 13€

0,00€

0,00€

0,00€

1.623, 13€

Dez-05

1.771,71€

0,00€

0,00€

0,00€

1.771,71€

Jan-06

1.555,91€

0,00€

0,00€

0,00€

1.555,91€

Fev-06

1.410,35€

0,00€

0,00€

0,00€

1.410,35€

Mar-06

1.510,03€

0,00€

0,00€

0,00€

1.510,03€

Abr-06

1.584,55€

0,00€

0,00€

0,00€

1.584,55€

Mai-06

1.463,24€

0,00€

0,00€

0,00€

1.463,24€

Jun-06

1.416,84€

0,00€

0,00€

0,00€

1.416,84€

Jul-06

1.351,76€

0,00€

0,00€

0,00€

1.351,76€

Ago-06

1.509,18€

0,00€

0,00€

0,00€

1.509,18€

Set-06

1.729,63€

0,00€

0,00€

0,00€

1.729,63€

Out-06

2.482,26€

0,00€

0,00€

0,00€

2.482,26€

Nov-06

2.614,92€

0,00€

0,00€

0,00€

2.614,92€

Dez-06

2.577,40€

0,00€

0,00€

0,00€

2.577,40€

Jan-07

4.114,79€

106,756

0,00€

0,00€

4.221,54€

Fev-07

4.632,28€

106,75€

0,00€

0,00€

4.739,036€

Mar-07

3.738,66€

106,75€

0,00€

0,00€

3.845,41€

Abr-07

3.676,61€

106,75€

0,00€

0,00€

3.783,36€

Mai-07

3.606,13€

106,75€

27,10€

0,00€

3.739,98€

Set-07

97,06€

0,00€

0,00€

0,00€

97,06€

Mês Referência

Cotizações código 000 (11%)

Cotizações código 669 (10%)

Cotizações código

633 (7,8%)

Cotizações código

807 (8,3%)

Totais

Out-07

67,15€

0,00€

0,00€

0,00€

67,15€

Jan-08

3.873,10€

106,75€

0,00€

0,00€

3.979,85€

Fev-08

3.886,63€

106,75€

0,00€

0,00€

3.993,38€

Mar-08

4.215,87€

106,75€

0,00€

0,00€

4.322,62€

Abr-08

4.148,25€

106,75€

0,00€

0,00€

4.255,00€

Mai-08

3.903,42€

106,75€

0,00€

0,00€

4.010,17€

Jun-08

3.575,10€

67,61€

0,00€

0,00€

3.642,71€

Jul-08

3.690,24€

106,75€

0,00€

0,00€

3.796,99€

Ago-08

3.757,74€

106,75€

0,00€

0,00€

3.864,49€

Set-08

5.277,08€

106,75€

0,00€

0,00€

5.383,83€

Out-08

7.859,99€

106,75€

0,00€

0,00€

7.966,74€

Nov-08

5.344,47€

213,51€

0,00€

0,00€

5.557,98€

Dez-08

4.513,60€

213,51€

0,00€

0,00€

4.727,11€

Jan-09

5.209,49€

106,75€

0,00€

0,00€

5.316,24€

Mar-09

4.031,30€

106,75€

0,006

0,006

4.138,056€

Abr-09

3.585,79€

106,75€

0,00€

0,00€

3.692,54€

Mai-09

3.602,53€

106,75€

0,00€

0,00€

3.709,28€

Total

129.438,80€

2.708,166€

27,106€

228,406€

132.402,46€

7. Concluindo, durante o período supra referido o arguido deduziu e reteve do valor das remunerações que efectivamente pagou aos trabalhadores, regime geral dos trabalhadores e sub-regime dos órgãos estatutários, pensionistas por velhice e invalidez, as contribuições legais, no montante total de 132.402,46€, correspondendo:

- 129.438,80€, ao regime geral dos trabalhadores por conta de outrem, calculado de acordo com a aplicação da taxa de 11%, às remunerações base de incidência efectivamente pagas, nos meses de Outubro a Dezembro de 2004, Maio de 2005 a Maio de 2007, Outubro de 2007 e Janeiro de 2008 a Maio de 2009;

- 2.708,16€, correspondendo ao sub-regime de membros de órgãos estatutários das pessoas colectivas, calculado de acordo com a aplicação da taxa de 10%, às remunerações base de incidência e efectivamente pagas, nos meses de Outubro a Dezembro de 2004, Fevereiro a Abril de 2005, Janeiro a Maio de 2007, Janeiro de 2008 a Maio de 2009;

- 27,106, relativo ao sub-regime dos pensionistas por velhice, calculado de acordo com a aplicação da taxa de 7,80%, às remunerações base de incidência e efectivamente pagas, no mês de Maio de 2007, e

- 228,406, relativo ao sub-regime dos pensionistas por invalidez, calculado de acordo com a aplicação da taxa de 8,30%, às remunerações base de incidência e efectivamente pagas, nos meses de Outubro de 2004 a Abril de 2005;

8. No entanto, não entregou estas quantias à Segurança Social, como devia ter entregue;

9. Pelo contrário, tais quantias foram gastas em proveito da sociedade arguida, que dessa forma se apoderou ilegitimamente do montante global correspondente, diluindo-o no seu património, utilizando-o para o giro normal, assim enriquecendo o seu património e ficando a Segurança Social empobrecida em igual montante;

10. Com efeito, o arguido não entregou tais montantes no Centro Regional da Segurança Social até ao dia 15 de cada mês seguinte àquele a que as contribuições respeitavam, como devia, e não regularizou o respectivo pagamento nos 90 (noventa) dias subsequentes, nem posteriormente, fazendo ingressar as quantias retidas no património da empresa, diluindo-as nos meios financeiros desta;

11. O arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, e sabendo que, ao actuar da forma descrita se apropriava daquelas prestações tributárias, as quais estava legalmente obrigado a entregar à Segurança Social, visando dessa forma, obter vantagem patrimonial indevida, como efectivamente obteve;

12. O arguido decidiu, logo em Outubro de 2004 e até Maio de 2009, reter e deixar de entregar as contribuições devidas à Segurança Social, fazendo-as reverter para o património social, aproveitando-se da circunstância da Segurança Social não accionar os mecanismos de cobrança de dívidas e meios legais ao seu alcance a fim de obter o pagamento da dívida, de cada vez que o arguido deixava de entregar as contribuições;

13. Os arguidos foram notificados para os efeitos do disposto no art. 105.º, n.º 4 do RGIT, para procederem ao pagamento das quantias em dívida, supra mencionadas, nada tendo pago;

14. O arguido agiu livre e conscientemente e sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei;

15. O  arguido  A…  trabalha  como  encarregado  de electricidade, auferindo como remuneração base 1.250,00€ por mês;

16. Vive com a esposa, que está desempregada e sustenta três filhos com idades compreendidas entre os 6 e os 20 anos;

17. Paga de renda de casa 350,00€ por mês;

18. Encontra-se a amortizar um crédito bancário de aproximadamente 520,00€ por mês;

19. O arguido estudou até ao 12.º ano;

20. O arguido foi condenado por decisão datada de 30/05/2006, transitada em julgado, no âmbito do processo comum singular n.º 88/04.OIDCBR, do 1.º Juízo deste Tribunal, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, por factos praticados entre Julho de 2000 e Dezembro de 2003, na pena de 250 dias de multa à taxa diária de 5,00€, o que perfaz a quantia de 1.600,00€;

21. O arguido apresentou a referida sociedade à insolvência, tendo sido proferida sentença, no dia 18 de Maio de 2009, no âmbito do processo de insolvência n.º 1234/09.8TBFIG, que corre termos pelo 2.º Juízo deste Tribunal;

22. Ao longo dos últimos anos de exercício, a W... Lda. sofreu dificuldades inerentes à conjuntura económica que o país atravessava e ainda atravessa, fazendo-se sentir com particular incidência no seu sector de actividade;

23. O arguido, enquanto gerente da W... Lda., no ano de 2006, detectou que junto da Segurança Social, contra a sua representada, corriam diversos processos executivos, destes constando as cotizações e contribuições dos diversos regimes (geral dos trabalhadores, dos membros de órgãos estatutários, dos sub-regimes dos pensionistas por velhice e dos pensionistas por invalidez) duplicadas ou mesmo triplicadas e a participação de contribuições e cotizações em montantes diferentes das declaradas pela ora arguida;

24. Assim em reunião com a Segurança Social e, posteriormente, por escrito, solicitou que as quantias pagas em duplicado e triplicado fossem transferidas para os processos de cotizações em dívida;

25. No que diz respeito às cotizações, a título meramente exemplificativo, do mês de Janeiro de 2004, ascendiam a 3.492,72€+94,77€+78,21€ foram pagas ao abrigo do processo 0601200401009028, no montante de 3.492,72€, recibo 0006012005000762; ao abrigo do processo 0601200401008803, no montante de 3.492,72€, 94,77€ e 78,21€, recibo 0006012005001548; ao abrigo do processo 0601200401014617, no montante de 3.492,72€, 94,77€ e 78,21€, recibos 0006012006001123 e 0006012007000327;

26. Do mês de Fevereiro de 2004, as cotizações ascendiam a 3.786,29€+94,77€+89,35€ foram pagas, ao abrigo do processo 0601200401009028, no montante de 3.786,29€, recibo 0006012005000762; ao abrigo do processo 0601200401008803, no montante de 94,77€ e 89,35€, recibo 0006012005001548; ao abrigo do processo 06011200301007211, no montante de 772,45€, recibo 0006012005001778 e no montante de 3.013,84€, recibo 00060112005001548; ao abrigo do processo 0601200401014617, no montante de 3.013,846. 94,77€ e 89,35€, recibos 0006012006001123 e 0006012007000327;

27. Do mês de Março de 2004, as cotizações ascendiam a 3.926,15€+94,77€-87.44€ foram pagas, ao abrigo do processo 0601200401009028, no montante de 2.007,33€, recibo 0006012005000762 e 1.918,82€, recibo 0006012005000920; ao abrigo do processo 0601200401008803, no montante de 94.77€ e 87,44€, recibo 0006012005001548; ao abrigo do processo 0601200401014617, no montante de 94,77€ e 87,44€, recibo 006012006001123; ao abrigo do processo 0601200301007211, no montante de 3.926,15€, recibo 0006012005001778;

28. Do mês de Abril de 2004, as cotizações ascendiam a 4.116,80€+94,77€+89,35€ foram pagas ao abrigo do processo 0601200401009028, no montante de 1.035,62€, recibo 0006012005001309 e 3.081,18, recibo 0006012005000920; ao abrigo do processo 0601200401008803, no montante de 94,77€ e 89,35€, recibo 0006012005001548; ao abrigo do processo 0601200401014617, no montante de 94,77€ e 87,44€, recibo 0006012006001123; ao abrigo do processo 0601200301007211, no montante de 4.116,80€, recibo 0006012005001778;

29. Do mês de Maio de 2004, as cotizações ascendiam a 4.835,94€+94,77€+85,42€ foram pagas ao abrigo do processo 0601200401009028, no montante de 4.835,94€, recibo 0006012005001309; ao abrigo do processo 0601200401008803, no montante de 94,77€ e 85,42€, recibo 0006012005001548; ao abrigo do processo 0601200401014617, no montante de 94,77€ e 85,42€, recibo 0006012006001123; ao abrigo do processo 0601200301007211, no montante de 900,29€, recibo 0006012005001778 e 3.935,65€, recibo 0006012005002023;

30. Do mês de Junho de 2004, as cotizações ascendiam a 4.610,12€+94,77€+89,35€ foram pagas ao abrigo do processo 0601200401009028, no montante de 4.128,44€, recibo 0006012005001309; ao abrigo do processo 0601200401008803, no montante de 94,77€ e 89,35€, recibo 0006012005001548; ao abrigo do processo 0601200401014617, no montante de 94,77€ e 89,35€, recibo 0006012006001123; ao abrigo do processo 0601200301007211, no montante de 481,68€, recibo 0006012005001548 e 4.610,12€, recibo 0006012005002023;

31. Quanto às Contribuições de Fevereiro de 2000, o montante declarado pela W... foi de 4.805.60€; este mês está inserido no processo 7211 com o código 669 (116.596), está no processo 1795 com o código 000 (6.860.766); o processo 1795 foi liquidado através do recibo 00060120020000284 no montante de 3.750.00€ e através do recibo 0006012002000364 no montante de 3.110.76€; o processo 7211 foi liquidado em 31/01/2005 através do recibo n.º 0006012005000105 no montante de 116.59€; o montante global pago foi de 6.977.35€;

32. Quanto às Contribuições de Julho de 2000, este mês foi liquidado em 17/08/2000 através do Banco Totta & Açores com os códigos 000 (5.959,86€)/807(97.16€)/669(171.46€)/602(l17.97); está inserido no processo 7211 com os códigos 000(4.073.30€)/807(66.72€); foi novamente liquidado através do recibo 0006012004000351 de 30/06/2004 no montante de 4.073.30€ e do recibo n.º 0006012005000215 de 28/02/2005 no montante de 66.72€;

33. Quanto às Contribuições de Outubro de 2000, este mês está inserido no processo 7211 com os códigos 000 (7.314.82€)/669 (116.59€); no processo 7211 tem o valor de 7.431,41€; também está inserido no processo 1795 com o código 000, tem o valor de 6.892.806; foi liquidado o processo 1795 através do recibo n.º 0006012004000180 no montante de 6.892.80€; o processo 7211 foi liquidado com o recibo n.º 0006012004000351 no montante de 2.832.28€, com o recibo n.º 0006012004000527 no montante de 4.482.54€, com o recibo n.º 0006012005000105 no montante de 116.59€ e com o recibo n.º 0006012005000215 no montante de 116.59€; o código 669 (116.59€) foi duplamente liquidado no processo 7211, nas datas 31/01/2005 e 28/02/2005; o montante declarado pela W... para o Código 000 foi de 4.272.626;

34. Quanto às Contribuições de Novembro de 2000, este mês está inserido no processo 1795 com o código 000 (9.258.08€); foi liquidado em 31/03/2004 com o recibo n.º 0006012004000180 no montante de 2.312,64€ e em 30/04/2004 com o recibo n.º 0006012004000227 no montante de 6 945.44€; o montante global deste processo foi de 9.258.08€; está inserido no processo 7211 com os códigos 669 (116.59€)/807 (52.99€); foi liquidado em 31/01/2005 com o recibo n.º 0006012005000105 no montante de 116.59€ e em 28/02/2005 com o recibo n.º 0006012005000215 no montante de 52.99€; o montante global pago deste processo com os códigos 669/807 foi de 169.58€; foi declarado pela W... o código 000 com o montante de 5 871.36€;

35. O período de contribuições de 01/2004 a 06/2004 foi participado manualmente à execução mais do que uma vez, nomeadamente nos seguintes processos: certidão 1815/04 - processo 0601200401008803; certidão 3570/04 - processo 0601200401014617; certidão 1819/04 - processo 0601200401008803; certidão 3574/04 - processo 0601200401014617; certidão 1811/04 - processo 0601200401009028; certidão 3566/04 - processo 0601200401014617;

36. Alguns desses pagamentos sofreram reafectação das dívidas pagas de modo a corrigir a referida duplicação;

37. Naqueles processos supra mencionados foi debitado exactamente os valores pagos pelo arguido;

38. Desta forma é que alguns processos de execução foram extintos por anulação, nomeadamente os 0601200401008803 e 0601200401009028 e o processo n.º 0601200401014617 foi pago integralmente;

39. Foi assim corrigido o erro não resultando nenhuma duplicação nos processos.


*

3. Quanto aos factos não provados está exarado na sentença:

Com relevância para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos, designadamente que:

A) O solicitado pelo arguido indicado em 24. supra nunca aconteceu, pelo que a segurança Social cobrou da arguida cotizações e contribuições indevidamente, nunca tendo feito a compensação requerida.


*

4. Relativamente à motivação da decisão de facto, ficou consignado:

Os factos provados resultaram da prova produzida em audiência de julgamento analisada e conjugada criticamente, à luz das regras da experiência.

Assim, consideraram-se desde logo as declarações do arguido A...Amado que, no essencial, assumiu a actividade que lhe foi imputada, referindo que era o único que de facto geria a sociedade e que decidia sobre as opções e destinos da mesma.

O arguido relatou ainda as demais circunstâncias atinentes à vida financeira da sociedade, esclarecendo sobre as dificuldades que a mesma atravessou, sobre a falta de liquidez, derivada sobretudo da falta de pagamento atempado dos seus clientes e da crise económica que assola o país, sobre as opções tomadas - de pagamento privilegiado dos salários dos trabalhadores, fornecedores, despesas correntes e de manutenção e outros, em detrimento do pagamento das contribuições sociais.

As suas declarações foram ainda relevantes para a prova das suas condições sócio-económicas, já que neste particular também se afiguraram dignas de crédito.

Foi ainda considerado o depoimento das testemunhas B... e N..., assistente técnica administrativa e contabilista, respectivamente, ambas em exercício de funções no Centro Distrital de Coimbra da Segurança Social, e que confirmaram os valores em dívida e respectivos períodos a que respeitam e que os mesmos foram obtidos com base nas folhas de remuneração enviadas pela própria empresa. Com interesse, admitiram que efectivamente a certo passo houve duplicação de pagamentos por parte da arguida, devido a uma alteração do sistema informático, o que levou a que a Segurança Social tivesse posteriormente analisado todos os pagamentos até então efectuados, com vista a corrigir a situação e que tais pagamentos foram considerados como créditos a favor da arguida e devidamente imputados ou, se quisermos, reafectados ao pagamento de outras dívidas da arguida. Garantiram, através da análise actual da conta corrente da arguida, que o que se encontra efectivamente em dívida são os montantes e períodos referenciados na acusação, que foi feita a devida compensação dos créditos havidos por parte da arguida por força da dita duplicação de pagamentos e que neste momento não há qualquer crédito a haver por parte da arguida.

Ponderou-se igualmente o depoimento das testemunhas C…, D..., F..., G…, H…, I..., J..., K..., L...s e M..., funcionários da sociedade arguida ou que para esta prestaram serviços e/ou mantiveram relações comerciais e que, no geral, relataram sobre o modo de funcionamento da sociedade arguida e as dificuldades económicas e de tesouraria que a mesma enfrentou, explicitando as condições em que os salários eram processados (as mais das vezes com atraso), e que no respectivo recibo de vencimento constavam as retenções legais, designadamente para a Segurança Social.

A testemunha E…, irmã do arguido e que era responsável pelo departamento dos recursos humanos da sociedade arguida, confirmou que a determinada altura a sociedade arguida fez vários pagamentos em duplicado à Segurança Social, indicando, por estimativa, o montante global em causa, não tendo conhecimento de que tivesse havido qualquer compensação. Descreveu ainda as dificuldades económicas da empresa e as condições de vida do arguido.

Com aquelas declarações e estes depoimentos conjugaram-se ainda os documentos juntos aos autos concretamente fls. 35 a 44, fls. 49 a 59, fls. 62 a 519, fls. 579 a 554, fls. 592 a 596, fls. 656 a 733, fls. 787 a 813, fls. 849 a 873, fls. 927 a 988, fls. 1001 a 1008, no confronto dos quais foi possível constatar a existência de duplicação de pagamentos por parte da arguida à Segurança Social mas que, apesar disso, tais quantias foram devidamente sopesadas e tidas em consideração como crédito, tendo sido imputado o seu valor para abatimento de outras dívidas existentes na esfera da arguida.

Refira-se ainda que se verificou um mero lapso de cálculo no montante total indicado na acusação de 132.21l,31euros, tendo o mesmo sido corrigido para o valor de 132.402,46€, correspondente à soma das parcelas (períodos e regimes) indicadas na acusação e que se encontram vertidas no ponto 7. dos factos provados.

Para demonstração dos antecedentes criminais foi fundamental o certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 775 e 776.

Os factos considerados como não provados mereceram resposta negativa por sobre eles não ter incidido prova e prova suficiente nesse sentido, justamente em função do que acima ficou explanado quanto à demonstração da regularização, por parte da Segurança Social, da situação relativa à indevida duplicação de pagamentos efectuados pela arguida.


*

5. Mérito do recurso:

5.1. Das invocadas nulidades da sentença:

Neste contexto, invoca o recorrente:

Argui-se ainda a nulidade da sentença, por força do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, porquanto o arguido, na contestação de fls. 639 a 655 - nomeadamente nos artigos 18 a 21, 23 a 33, 43 e 46 - alega ter desenvolvido todos os esforços para honrar os seus compromissos, fundamentalmente junto da Segurança Social, tendo-se inclusive candidatado a um PEC junto do IAPMEI, que foi aprovado pela demandante civil. Todavia, a Fazenda Nacional penhorou todos os créditos da arguida, pelo que outra solução não restou ao arguido senão apresentar a sua representada à insolvência.

Mais alega que:

- As contribuições de Junho a Agosto, Novembro e Dezembro de 2007 e Fevereiro de 2009 não constam da acusação por terem sido pagas atempadamente;

- Pagou sete das doze prestações dos acordos de pagamento prestacionais celerado com a demandante civil, relativo às cotizações de Outubro de 2004 a Dezembro de 2006;

- Deixou de exercer a gerência de facto e de direito da arguida a partir da data da declaração de insolvência da arguida;

- Os salários dos trabalhadores estavam em débito desde Outubro de 2007 e requereu, junto da Secção de Processos da Segurança Social, os comprovativos dos pagamentos realizados ao longo dos anos pela arguida junto daquela Instituição e que tal informação lhe foi negada.

Segundo acrescenta, tais factos são relevantes para a discussão da causa, porque são importantes para, em caso de condenação, que se veio a verificar, determinar a medida concreta da pena.

Não tendo tais factos ficado consagrados na matéria de facto provada ou não provada, foi afectado o seu direito de defesa, na medida em que ficou restringido o âmbito do recurso.

Ora, analisada a sentença sob recurso, só podemos conceder razão ao recorrente, embora o caso em apreciação integre a previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º e não da alínea c) do mesmo número e artigo.

Eis as razões do nosso entendimento:

Dispõem deste modo os artigos 374.º e 379.º do CPP:

Artigo 374.º:

«1 - A sentença começa com um relatório, que contém:

(…).

2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

(…)».

Artigo 379:

«1 - É nula a sentença:

a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;

b) (…);

c) (…).

2 - (…)».

Produzida toda a prova em audiência de julgamento, na fase de deliberação, deve o tribunal valorar os factos descritos na acusação/pronúncia, juntamente com os que constam da contestação oferecida pelo arguido e daqueles que resultaram da discussão da causa (art. 368.º, n.º 2 do CPP).

E por isso a sentença, na sua fundamentação fáctica, deve conter a “enumeração dos factos provados e não provados”, os quais, em princípio, terão de compreender, a um ou outro título, todos os factos decorrentes daquela tríplice origem.

Enumerar os factos é especificá-los ou contá-los um a um, o que corresponde a dizer que o tribunal tem de especificar todos e cada um dos factos alegados pela acusação e pela defesa, bem como os que tiverem resultado da discussão da causa, relevantes para a decisão, como provados ou não provados, como, aliás, sempre decorreria do próprio dever de apreciar, descriminada e especificamente (art. 368.º, n.º 2, do CPP), todos esses factos.

A enumeração dos factos é fundamental, pois é a partir deles e à luz do direito que nascerá a decisão, como imprescindível é a indicação expressa dos factos não provados, já que só assim existe a garantia de que o tribunal considerou especificamente toda a matéria de facto sujeita a apreciação.

Deste modo, fórmulas genéricas e imprecisas, tais como «não se provaram os restantes factos», são ineficazes, porque não dão a indispensável garantia de que todos os factos relevantes alegados, que não surgem descriminados na decisão sobre a matéria de facto, foram considerados nos termos legais.

Contudo, a razão de ser do art. 374.º, n.º 2, na vertente que ora importa ter em conta, tem de ser conexionada com o fim do processo penal, ou seja, só tem sentido a aplicação daquela da norma enquanto estiverem em causa, como se disse, factos relevantes para a decisão de mérito[1].

Como reiteradamente vem acentuando o Supremo Tribunal de Justiça, o cumprimento do art. 374.º, n.º 2, do CPP, não impõe a enumeração dos factos provados e não provados que sejam irrelevantes para a caracterização do crime e/ou para a medida da pena[2], sendo certo que essa irrelevância deve ser vista com rigor, em função do factualismo inerente às posições da acusação e da defesa e bem assim aos contornos das diversas possibilidades de aplicação do direito ao caso concreto – seja quanto à imputabilidade, seja relativamente à qualificação jurídico-criminal dos factos, seja quanto às consequências jurídicas do crime, designadamente quanto à espécie e medida da pena –, tendo em conta os termos das referidas posições assumidas pela acusação e pela defesa e os poderes de cognição oficiosa que cabem ao tribunal.

Só pode por isso decidir-se no sentido dessa inocuidade ou irrelevância no caso de a sua verificação resultar suficientemente segura à luz destas considerações, essenciais à prossecução cuidada da justiça penal concreta.

Escreve, a propósito, o Sr. Conselheiro Sérgio Poças[3]:

«2.1. O tribunal, como resulta nomeadamente do disposto nos artigos 339.º, n.º 4, 368.º, n.º 2, e 374.º, n.º 2, do CPP, deve indagar e pronunciar-se sobre todos os factos que tenham sido alegados pela acusação, pela contestação ou que resultem da discussão da causa e se mostrem relevantes para a decisão. Ou seja, ainda que para a solução de direito que o tribunal tem como adequada para o caso, se afigure irrelevante a prova de determinado facto, o tribunal não pode deixar de se pronunciar sobre a sua verificação/ não verificação - o que pressupõe a sua indagação -, se tal facto se mostrar relevante num outro entendimento jurídico plausível.

É que em impugnação por via de recurso pode vir a ser considerado pelo tribunal ad quem que o facto sobre o qual o tribunal a quo especificadamente não se pronunciou por entender ser irrelevante, é afinal relevante para a decisão, o que determinará a necessidade de novo julgamento, ainda que parcial, com todas as maléficas consequências consabidas.

Sejamos claros: indagam-se os factos que são interessantes de acordo com o direito plausível aplicável ao caso; dão-se como provados ou não provados os factos conforme a prova produzida.

A pronúncia deve ser inequívoca: em caso algum pode ficar a dúvida sobre qual a posição real do tribunal sobre determinado facto.

Na verdade, se sobre determinado facto não há pronúncia expressa (o tribunal nada diz), pergunta-se: o tribunal não se pronunciou, por mero lapso?

Não se pronunciou porque não indagou o facto? Não se pronunciou porque considerou o facto irrelevante? Não se pronunciou porque o facto não se provou?

Face ao silêncio do tribunal todas as interrogações são legítimas.

Das duas, uma: ou o facto é inócuo para a decisão e o tribunal, com fundamentação sintética, di-lo expressamente e não tem que se pronunciar sobre a sua verificação/não verificação, ou, segundo um entendimento jurídico plausível, é relevante e nesse caso deve pronunciar-se de acordo com a prova produzida.

(…)

2.10. Relativamente à enumeração da matéria de facto não provada, cumpre ainda dizer:

(…).

Ou seja, e repetindo, no respeito da norma, não devem restar quaisquer dúvidas que o tribunal indagou e se pronunciou sobre todos os factos relevantes para a decisão, designadamente os alegados pela defesa.

Assim as expressões: «não resultaram não provados quaisquer factos» ou: «factos não provados: nenhuns», só dão cumprimento ao normativo se resultaram provados todos os factos constantes da acusação, da contestação e os que resultaram da discussão da causa, porque, se, v. g., alguns dos factos alegados na contestação - factos relevantes, como é óbvio - não constarem na enumeração dos factos provados, o tribunal, com aquelas formulações, não dá cumprimento à norma do n.º 2 do artigo 374.º do CPP.

(…).

Sejamos claros: uma coisa é dizer que «não se provaram quaisquer outros factos», outra é especificar os concretos factos que não se provaram. Quando o tribunal diz que não se provou o facto A, há a certeza que se debruçou especificamente sobre as provas produzidas sobre ele - há uma inequívoca reflexão/decisão sobre a questão - certeza que não é nítida, como se reconhecerá, numa mera declaração genérica.

A questão da exigência de enumeração dos factos provados e não provados não pode ser vista como uma mera formalidade. De facto, trata-se de uma garantia, designadamente para os sujeitos processuais, de que o tribunal, num processo equitativo, teve em atenção de igual modo, os factos, as provas e os argumentos da acusação e da defesa, e indagou e apreciou todos os factos - da acusação e da defesa - que podia e devia».


*
As contestações do arguido/recorrente, relativas à acusação e ao pedido cível, nos segmentos que importa ter em conta, estão factualmente formuladas nos seguintes termos:
A) Contestação  à acusação (fls. 639/651):
«(…).
4.º - A co-arguida, enquanto PME, ao longo dos anos, conseguiu criar uma carteira de clientes de grande renome no sector, tais como …………………….. etc...
5.º - Assim, na sua esmagadora maioria, esta desenvolveu a sua actividade como Subempreiteira dos seus clientes supra referidos, trabalhando em regime de série de preços.
6.º Acontece que, fruto da enorme concorrência existente no mercado nacional devido à proliferação de empresas semelhantes, nos últimos anos, tais preços foram “esmagados” e eram incompatíveis com os custos efectivos da laboração ( incluindo a mão de obra, deslocações, veículos, obrigações fiscais, obrigações junto da Segurança Social, seguros, etc...).
7.º - No concelho da Figueira da Foz e nos limítrofes, são e eram muito poucos os investimentos industriais existentes e compatíveis com o âmbito de actividade da Requerente, pelo que, há já muitos anos, que esta tinha descentralizado o seu mercado de intervenção, desenvolvendo a sua actividade de Norte a Sul do país.
8.º - Todavia, tal descentralização acarretava avultadas despesas de deslocação e alojamento dos seus funcionários, as quais, face aos valores unitários praticados no mercado, eram absolutamente incomportáveis.
9.º - Outro grande entrave para a viabilidade financeira da empresa arguida prendia-se com o processo de facturação do sector:
- efectivamente, desde a elaboração mensal de Auto de Medição dos trabalhos realizados em obra e previstos no caderno de encargos, o seu envio para aprovação pelo departamento técnico do Cliente, a sua discussão, aprovação, posterior emissão e envio de Nota de Encomenda e finalmente emissão da correspondente factura com vencimento à 60, 90 ou mesmo 120 dias ( conforme o acordado ), até ao seu pagamento mediavam muito frequentemente 8 a 12 meses.
- Quanto aos trabalhos realizados e não compreendidos no caderno de encargos inicial, no final da obra (decorridos vários meses após a realização destes trabalhos), era elaborado um Auto que seguia para aprovação do departamento técnico do Cliente e seguiam-se os trâmites supra enunciados.
10.º - Assim, muito frequentemente, entre a data de realização dos trabalhos e o seu recebimento mediava mais de um ano. Diga-se que aquando da apresentação à Insolvência, a W... Lda. tinha concluído, há largos meses e em alguns casos anos, as obras que lhe tinham sido encomendadas e aguardava os respectivos fechos de contas; são exemplo: as obras da Quimonda em Matosinhos ( também com processo de insolvência ), a Clínica Unimed em Coimbra.
11.º - Concluindo, o processo supra descrito que é o usual/normal no sector, conduz a que as PME's, tal como a co-arguida, suportassem os custos de mão de obra, materiais, ferramentas, veículos, etc... durante muitos e longos meses, criando situações insustentáveis de prejuízo e falta de liquidez.
Dir-se-á que, em última análise, a co-arguida e as restantes PME's financiavam as obras, muitas delas investimentos estatais, durante todo o tempo da sua execução e mais ainda.
12.º - Sublinha-se ainda que, no decorrer dos últimos tempos, a Requerente sofreu dificuldades económico-financeiras acrescidas, fruto de algumas obras que se revelaram absolutamente desastrosas, devido ao absoluto incumprimento do acordado por parte dos clientes, levando a Requerente a executar trabalhos substancialmente diferentes dos contratados inicialmente ou trabalhos extra de grande vulto (com custos muito acrescidos) , recusando o seu pagamento no final.
Neste particular, merecem particular destaque a obra de electrificação do  ………as quais acarretaram prejuízos superiores a 650.000,00€, cuja recuperação, apesar de todas as diligências realizadas afigurou-se de extrema dificuldade e não foi conseguida.
13.º - Desde Agosto de 2008 até à data da apresentação à insolvência, a Requerente aguardava o fecho da obra da Clínica Unimed em Coimbra, tendo elaborado e enviado o Auto para apuramento final dos trabalhos realizados extra orçamento, sendo certo que suportou todos os custos inerentes à mão de obra, materiais, deslocações, ferramentas etc...
Relativamente a todos os trabalhos extra desenvolvidos em Novembro e Dezembro de 2008 para a Induvolt no âmbito da iluminação de Natal nas cidades de Guimarães, Valença, Figueira da Foz, Lisboa, Loulé, Quarteira, Portimão, Albufeira, dos Retails Parques e Atlantic Parques de todo o pais, situação idêntica se verificou.
14.º - A … , empresa para a qual a Requerente realizou muitas obras no decorrer de 2007 e 2008, e sobre a qual a Requerente tinha várias facturas não saldadas, viu a sua insolvência ser decretada no dia 22 de Abril 2009 no âmbito do Processo 197/09.4TYVNG cujos termos correram pelo 1.º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia - doc. n.º 2.
15.º - Por fim, a Requerente (na qualidade de subempreiteira) encontrava-se, desde fim de Dezembro de 2008, a realizar os trabalhos de serralharia e electricidade na nova fábrica de pilhas em Montemor-o-Velho, tendo apenas conseguido junto da sua cliente (empreiteira) a aprovação de um Auto de Medição em Março de 2009, decorridos mais de 3 meses de trabalho.
Ora tal quantitativo não se compadecia com o custo de um único mês de trabalho em obra.
16.º - Mais uma semana antes de se apresentar à Insolvência, a W... Lda. foi surpreendida com o encerramento da obra por parte da empreiteira invocando a falta de pagamento da dona da obra. A ora co-arguida foi interditada de entrar em obra, mesmo para levantar as malas de ferramentas de seus trabalhadores, restantes ferramentas e materiais.
17.º - Por força de todas as adversidades supra referidas, a W..., Lda., encontrando-se em situação de ruptura económico-financeira, absolutamente impossibilitada de cumprir com as suas obrigações  vencidas, quer junto dos seus trabalhadores, fornecedores, quer junto das Finanças Públicas e Segurança Social, apresentou-se à insolvência.
18.º - O arguido A..., enquanto gerente da co-arguida W... - .., Lda., desenvolveu todos os esforços que lhe foram possíveis para honrar os seus compromissos, nomeadamente junto da Segurança Social.
19.º - Efectivamente, iniciou junto do IAPMEI, um PEC (processo extra-judicial de conciliação) com vista à celebração de um acordo com os seus credores mais significativos, nomeadamente a Segurança Social e a Fazenda Nacional, assim possibilitando a sua recuperação.
20.º - A Segurança Social aceitou o plano de pagamento proposto; todavia, este não chegou a ser formalizado porque, no início de Maio de 2009, a Fazenda Nacional penhorou todos os créditos da co-arguida junto de todos os seus clientes, assim impossibilitando-a de pagar a simples conta de telefone, água, luz.
21.º - Neste cenário, outra solução não restou que não fosse apresentar-se imediatamente à insolvência.
22.º - Sublinha-se que, da relação de cotizações não pagas à Segurança Social, não constam os meses de Junho, Julho, Agosto, Novembro e Dezembro de 2007 nem Fevereiro de 2009, porque sempre que a arguida tinha disponibilidade financeira o seu sócio-gerente, ora arguido, cumpria com os pagamentos à Segurança Social.
23.º - Sublinha-se ainda que os montantes das cotizações em débito referentes aos meses de Outubro 2004 a Dezembro de 2006 são muito inferiores aos montantes declarados nas folhas de remuneração, porque quanto aos mesmos meses, o arguido enquanto gerente da W... Lda. celebrou um plano de pagamento prestacional, do qual 7 prestações foram pagas.
24.º - Só não pagou as restantes 5 prestações por força das dificuldades externas e financeiras supra enunciadas.
25.º - Imediatamente após a notificação da referida sentença, o ora arguido contactou com o Sr. Administrador de Insolvência nomeado, Dr. … , tendo com este reunido no dia 26 de Maio 2009 - Doc. n.º 3
26.º - A partir desta data, o ora arguido A...foi incumbido de mui rapidamente diligenciar junto dos funcionários da empresa que se encontravam ao serviço nas diversas obras da arguida espalhadas pelo país para que reunisse todo o material, ferramentas, veículos nas instalações da W... Lda., sitas na … .
Foi também incumbido de elaborar os autos de medição relativos aos trabalhos efectuados nas obras em curso.
27.º - Por seu turno, as duas funcionárias administrativas da W... Lda. foram incumbidas pelo Sr. Administrador de Insolvência de processar a facturação em falta, reunir as folhas de ponto dos trabalhadores, processar os salários (calcular, emitir/imprimir os recibos de ordenados) etc... enfim, continuar a sua actividade normal mas com vista ao encerramento da empresa.
28.º - Neste contexto, o ora arguido A... deixou de exercer o cargo de gerente a partir da declaração de insolvência. Inclusive, todas as quantias recebidas pela W... dos seus clientes, a partir dessa data, passaram a ser entregues ao Sr. Administrador de Insolvência.
29.º - O arguido deixou de ter qualquer acesso às finanças da empresa e deixou de exercer o cargo de gerente, limitou-se a prestar a colaboração solicitada pelo Sr. Administrador de Insolvência para reunir todos os bens da W... Lda. nas suas instalações.
30.º - (…).
31.º - Independentemente destas circunstâncias, os salários relativos aos meses de Abril e Maio 2009 não foram pagos aos funcionários.
32.º - Mais, aquando da declaração de insolvência da W..., Lda., esta mantinha ordenados em atraso, relativos aos meses de Outubro de 2007 e seguintes.
33.º - (…).
(…)».
Ora o citado elenco factual não conta da sentença, ou seja, não foi dado como provado ou como não provado pela julgadora do tribunal de 1.ª instância.
No segmento alusivo ao acervo factológico não provado apenas é referido: «Com relevância para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos, designadamente que: A) O solicitado pelo arguido, indicado em 24. supra nunca aconteceu, pelo que a Segurança Social cobrou da arguida cotizações e contribuições indevidamente, nunca tendo feito a compensação respectiva».
Na senda do que já ficou dito, não satisfaz o dever de fundamentação a alusão genérica “não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a causa”, tornando-se imprescindível uma explicação, ainda que breve, das razões subjacentes à irrelevância considerada, o que, de todo, o tribunal a quo não fez.
Porém todos os factos supra descritos - e não também os factos n.ºs 30., 43. e 45., invocados, em recurso, pelo recorrente, por serem conclusivos, os dos n.ºs 30. e 45. e despiciendos, os do n.º 43. - são relevantes para a boa decisão da causa, não porque sejam necessários para verificar do preenchimento do tipo de ilícito imputado aos arguidos, mas porque se revestem de importância para a determinação concreta da pena, quer em caso de condenação em 1.ª instância quer em fase de recurso, não podendo, obviamente, o Tribunal Superior tê-los em conta se não constarem de forma explícita da sentença, no rol de factos provados ou não provados, sendo ainda claramente importantes para a fixação do valor da indemnização reclamada pelo demandante civil.
Curiosamente, o tribunal a quo levou aos factos provados a conclusão plasmada no artigo 3.º da contestação mas não emitiu posição expressa sobre os factos que a corporizam, elencados nos n.ºs 4.º a 21.º da mesma peça processual.
E omitiu em absoluto qualquer referência concreta sobre os factos relativos a cotizações ditas como pagas pelo recorrente (factos 23.º e 24.º da contestação); à invocada ausência de responsabilidade dos arguidos perante o pagamento de cotizações relativas aos meses de Abril e Maio de 2009 (factos n.ºs 25.º a 29.º); ao não pagamento dos salários a partir de Outubro de 2007 (factos n.ºs 31.º e 32.º), sendo sabido que apenas são relevantes criminalmente, no domínio do tipo de abuso de confiança fiscal, a não entrega à Segurança Social das contribuições deduzidas.
Em suma, nos termos expostos, a sentença recorrida padece da nulidade prevista nas disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, a qual, refira-se, quanto aos factos não mencionados pelo recorrente, foi conhecida ex officio, como é permitido/imposto pelo n.º 2 do segundo dos mencionados artigos.
*
Mas, dando de novo razão ao recorrente, a sentença é ainda nula, à luz dos mesmos normativos, por carecer de suficiente motivação da decisão de facto, como passaremos a demonstrar.

Neste conspecto, alegou aquele, na motivação do recurso, em alargada síntese:

«4 - (…) É evidente que o exame crítico da prova se encontra ausente da motivação que consta da sentença. Simplesmente não se retira da sentença qual o processo de raciocínio do Tribunal na formação da sua convicção. Há uma omissão total quanto a isso.

5 - A título meramente exemplificativo questiona-se como formou o Tribunal a quo a sua convicção relativamente ao 4.º facto provado (…).

A motivação da sentença recorrida, neste particular, é absolutamente omissa.

6 - Sublinha-se que a versão trazida aos autos pelo arguido, quanto ao facto de, à data da declaração de insolvência da arguida, os salários dos trabalhadores e as remunerações dos órgãos estatutários não se encontravam pagos desde Outubro de 2007, foi ignorada pelo Tribunal a quo.

(…).

7 - O arguido, nos artigos 31 a 33 (fls. 646 e 647) da sua contestação alega expressamente que:

- os salários relativos aos meses de Abril e Maio de 2009 não foram pagos aos funcionários - artigo 31.

- aquando da declaração de insolvência da W..., Lda., esta mantinha ordenados em atraso, relativos aos meses de Outubro de 2007 e seguintes - artigo 32;

- não tendo pago, por absoluta impossibilidade financeira, os ordenados dos seus funcionários desde Outubro de 2007, naturalmente deles não efectuou as correspondentes retenções ou cotizações - artigo 33».

Neste contexto, o recorrente sustenta a omissão, pelo tribunal, das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunhas B... (funcionária da Segurança Social), C…, D..., E..., F..., H..., I..., J..., K..., L... e M... que, em parte, reproduz.

Damos outra vez a palavra ao recorrente:

«Ainda no quadro da violação do dever de fundamentação da decisão, permitimo-nos questionar qual o motivo que levou o Tribunal a quo a desvalorizar, ignorar as declarações do arguido, o depoimento da testemunha E...e os documentos de fls. 667 a 734 (cartas endereçadas à Segurança Social requerendo a reafectação dos montantes pagos a mais, em duplicado e triplicados, comprovadas pelos documentos seguintes: recibos e DUCs), 927 a 988 (acusação e sentença no proc. comum singular 548/03.5TAFIG do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz que comprovam que as cotizações devidas pela sociedade arguida até Março de 2003 estavam pagas, DUCs e respectivos recibos) que corroboram a defesa do arguido no particular da falta de regularização por parte da Segurança Social dos pagamentos feitos em duplicado e triplicado pela arguida em processos executivos que corriam na 1.ª, o que conduz necessariamente à existência de um crédito de um crédito da arguida sobre a Segurança Social em montante igual aos pagamentos duplicados e triplicados».

De seguida, a recorrente extrata declarações do arguido e do depoimento da testemunha E...relativos ao aludido crédito da arguida sobre a Segurança Social e acrescenta:

«Sublinha-se aqui o profundo conhecimento dos factos evidenciado pela testemunha, todavia nenhum comentário mereceu do Tribunal a quo, quanto à sua autenticidade, credibilidade, razões de ciência para o conhecimento dos factos!

(…).

14 - Que dizer da falta de análise crítica dos documentos juntos a fls. 671 a 734, 787 a 797, 927 a 988?

Estes, fazendo uma análise cronológica, demonstram que:

a) No âmbito do processo comum n.º 548/03.5TAFIG, cujos termos correram pelo 3.º Juízo deste Tribunal, o arguido foi acusado da prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social respeitante a cotizações dos meses de Outubro 2000 a Março 2003 - fls. 927 a 938;

b) Nesse processo, verificou-se que as cotizações relativas aos meses participados (Outubro 2000 a Março 2003) estavam pagas - fls. 939 a 944;

c) As cotizações relativas aos meses de Março a Novembro de 2003, participadas na secção de processos (ver doc. junto ao requerimento da Segurança Social datado de 15.06.2011 - fls. 849 a 867) foram pagas através dos docs. de fls. 945 a 953 e dos docs. de fls. 671 a 682 e 687 a 689;

d) O mês de Dezembro de 2003 não foi participado na secção de processos da Segurança Social porque foi pago atempadamente pela W... Lda. Não consta da listagem dos processos executivos de fls. 849 a 867;

e) As cotizações relativas aos meses de Janeiro a Junho de 2004 foram pagas em duplicado e triplicado conforme documentado a fls. 671 a 734 e factos provados n.ºs 25 a 31;

f) As cotizações relativas aos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2004 foram pagas pela W... através dos docs. de fls. 954 a 957 e do doc. de fls. 678 a 682;

g) A diferença entre os montantes das cotizações relativas aos meses de 10/2004 a 12/2006 participados na secção de processos da Segurança Social (fls. 859, 860, 861) e os montantes constantes da acusação para esses meses, resulta de pagamentos realizados pela arguida, conforme docs. n.ºs 958 a 988 e 678 a 682 e doc. de fls. 787 e 813, em planos de pagamentos prestacionais.

15 - Concluindo:

- As cotizações até Março de 2003 foram pagas; todas as cotizações posteriores até ao mês de Outubro de 2004 também foram pagas;

- O período contributivo abrangido pela acusação inicia-se em Outubro de 2004;

- Conferindo as diferenças entre os montantes das cotizações participadas à Execução de Outubro de 2004 a Dezembro de 2006, devidas e não pagas atempadamente pela arguida, constantes de fls. 859 a 861, e os montantes constantes da acusação para o mesmo período, resultam do pagamento de prestações realizadas pela arguida, conforme documento da Segurança Social de fls. 787 a 813 e comprovativos de pagamento de fls. 958 a 988;

- Os montantes das contribuições dos meses de Janeiro de 2007 até Maio de 2009, constantes da acusação, correspondem na íntegra aos montantes declarados pela arguida junto da Segurança Social (fls. 60 a 519) e aos montantes constantes dos processos executivos movidos pela Segurança Social (fls. 862 a 864), para o mesmo período.

Pelo que, matemática e objectivamente, é impossível ter ocorrido a transferência/compensação das quantias pagas em duplicado e triplicado, conforme solicitado pelo arguido (doc. de fls. 667 a 670) e facto provado n.º 24.

16 - O Tribunal a quo refere apenas ter procedido ao confronto destes documentos, não especificando quais as informações e conclusões retiradas de cada um deles, qual o peso que cada um deles teve na ponderação e formação da sua convicção, pelo que não apresenta o raciocínio e processo lógico de análise para que o homem médio perceba a razão do convencimento e grau de certeza dos factos.

17 - No mesmo sentido da ausência de fundamentação da sentença, questiona-se:

- Como chegou o Tribunal a quo à conclusão de que alguns dos processos foram extintos por anulação, nomeadamente os 0601200401008803 e 06012200401009028 e que o processo n.º 0601220040101717 foi integralmente pago” (facto provado n.º 38)?

- Como chegou o Tribunal à conclusão que “Alguns desses pagamentos sofreram reafectação das dívidas pagas de modo a corrigir a referida duplicação” (facto provado n.º 36);

- Como chegou o Tribunal a quo à conclusão que “Naqueles processos supra mencionados foram debitados exactamente os valores pagos pelo arguido” (facto provado n.º 37)?

- Com chegou o Tribunal a quo à conclusão que “Foi assim corrigido o erro não resultando nenhuma duplicação nos pagamentos, nem qualquer crédito nos processos” (facto provado n.º 39)?

19 - É por demais  vaga a expressão genérica utilizada na fundamentação da matéria de facto de que “da conjugação de tais declarações com os referidos documentos, fica-nos a convicção da verificação dos factos dados como provados”.

Fórmulas genéricas são ineficazes por não darem a indispensável garantia de que a prova produzida foi apreciada criticamente.

(…)».


*
Como já acima ficou escrito, na al. a) do n.º 1 do art. 379.º do CPP comina-se de nula a sentença que não contiver as menções referidas no art. 374.º, n.ºs 2 e 3, al. b) do mesmo Código.
Esta disposição está intimamente ligada à do art. 127.º do CPP, nos termos do qual “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
O julgador é, assim, livre ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípio em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”.[4] 
No entanto, a livre convicção do juiz não se confunde com a sua convicção íntima, caprichosa e emotiva, dado que é o livre convencimento lógico, motivado, em obediência a critérios legais, passíveis de motivação e de controlo, na esteira de uma “liberdade de acordo com um dever”, que o processo penal moderno exige, dever esse que axiologicamente se impõe ao julgador por força do princípio do Estado de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana.

A livre convicção não pode ser vista em função de qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes deve perspectivar-se segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínio, de cariz intelectual e de consciência, que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento.

Isto é, na outorga, não de um poder arbitrário, mas antes de um dever de perseguir a chamada verdade material, verdade prático-jurídica, segundo critérios objectivos e susceptíveis de motivação racional.[5]

Vigorando na nossa lei adjectiva penal um sistema de persuasão racional e não de íntimo convencimento, instituiu o legislador mecanismos de motivação e controle da fundamentação da decisão de facto, dando corpo ao princípio da publicidade, em termos tais que o processo - e, portanto, a actividade probatória e demonstrativa -, deva ser conduzido de modo a permitir que qualquer pessoa siga o juízo, e presumivelmente se convença como o julgador[6].

A obrigação de fundamentação respeita à possibilidade de controle da decisão, de forma a impedir a avaliação probatória caprichosa ou arbitrária e deve ser conjugada com o sistema de livre apreciação da prova.

É, pois, na fundamentação da sentença, sua explicitação e exame crítico que se poderá avaliar a consistência, objectividade, rigor e legitimidade do processo lógico e subjectivo da formação da convicção do julgador. Não é suficiente a mera indicação das provas, sendo necessário revelar o processo racional que conduziu à expressão da convicção.
«Com efeito, só assim o decisor justifica, perante si próprio, a decisão (o momento da exposição do raciocínio permite ao próprio apresentar e conferir o processo lógico e racional pelo qual atingiu o resultado), e garante a respectiva comunicabilidade aos respectivos destinatários e terceiros (dando garantias acrescidas de que a prova juridicamente relevante foi não só correctamente recolhida e produzida, mas também apreciada de acordo com cânones claramente entendíveis por quem quer).

Assim que baste que apenas um dos referidos passos do juízo devido seja omitido, para que se esteja a prejudicar a tutela judicial efectiva que tem de ser garantida como patamar básico da convivência social, impossibilitando ou diminuindo a justificação e compreensibilidade do decidido»[7].

Só motivando nos moldes descritos a decisão sobre matéria de facto, mesmo vendo a questão do prisma do decisor, é possível aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da referida convicção, para que seja permitido sindicar se a prova não se apresenta ilógica, arbitrária, contraditória ou violadora das regras da experiência comum.

No entanto, a motivação conforme às exigências do processo equitativo garantido no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem não obriga a uma resposta minuciosa a todos os argumentos das partes, contentando-se com uma descrição clara dos motivos fundantes da decisão, sendo a extensão da motivação determinada em função das circunstâncias específicas, nomeadamente da natureza e da complexidade do caso concreto.

O princípio do processo equitativo é compatível com motivação sumária, sendo, porém, indispensável uma fundamentação adequada e proporcional à complexidade da hipótese inerente a cada caso concreto.

O exame crítico das provas deve indicar, no mínimo, e não necessariamente por foram exaustiva, os elementos de prova e as razões de ciência a partir deles que tenham, na perspectiva do tribunal, sido relevantes, dando a conhecer, deste modo, o processo de formação da convicção do tribunal.

Enunciados estes princípios e analisada a sentença recorrida, afigura-se-nos que a motivação relativa aos factos provados e não provados é inexistente, nuns casos, e escassa e insuficiente, noutros.

Vamos ainda mais longe do que o recorrente.

Assim, no contexto em causa:

- Quanto à prova do ponto de facto n.º 1. foi omitida toda e qualquer referência;

- No que concerne aos pontos provados 4., 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11, e 12, o mesmo se verifica, não obstante ter sido invocado pelo ora recorrente,  nos n.ºs 31.º, 32.º e 33.º da sua contestação, que os salários relativos aos meses de Outubro de 2007 e ss. não foram pagos;

- Ocorre ainda a mesma situação omissiva em relação aos factos provados dos n.ºs 23. a 35.;

- No que concerne aos pontos provados 36. a 39. e ao facto não provado, relembramos as singelas considerações expressas na sentença:

«Foi ainda considerado o depoimento das testemunhas B... e N... (…), e que confirmaram os valores em dívida e respectivos períodos a que respeitam e que os mesmos foram obtidos com base nas folhas de remuneração enviadas pela própria empresa. Com interesse admitiram que efectivamente a certo passo houve duplicação de pagamentos por parte da arguida, devido a uma alteração do sistema informático, o que levou a que a Segurança Social tivesse posteriormente analisado todos os pagamentos até então efectuados, com  vista a corrigir a situação e que tais pagamentos foram considerados como créditos a favor da arguida e devidamente imputados ou, se quisermos, reafectados ao pagamento de outras dívidas da arguida. Garantiram, através da análise actual da conta corrente da arguida, que o que se encontra efectivamente em dívida são os montantes e períodos referenciados na acusação, que foi feita a devida compensação dos créditos havidos por parte da arguida por força da dita duplicação de pagamentos e que neste momento não há qualquer crédito a haver por parte da arguida.

Ponderou-se igualmente o depoimento das testemunhas C..., D..., F…, G…, I..., J..., K..., L...s e M..., funcionários da sociedade arguida ou que para esta prestaram serviços e/ou mantiveram relações comerciais e que, no geral, relataram sobre o modo de funcionamento da sociedade arguida e as dificuldades económicas e de tesouraria que a mesma enfrentou, explicitando as condições em que os salários eram processados (as mais das vezes com atraso), e que no respectivo recibo de vencimento constavam as retenções legais, designadamente para a Segurança Social.

A testemunha E…, irmã do arguido e que era responsável pelo departamento dos recursos humanos da sociedade arguida, confirmou que a determinada altura a sociedade arguida fez vários pagamentos em duplicado à Segurança Social, indicando, por estimativa, o montante global em causa, não tendo conhecimento de que tivesse havido qualquer compensação. Descreveu ainda as dificuldades económicas da empresa e as condições de vida do arguido.

(…).

Com aquelas declarações e estes depoimentos conjugaram-se ainda os documentos juntos aos autos concretamente fls. 35 a 44, fls. 49 a 59, fls. 62 a 519, fls. 579 a 554, fls. 592 a 596, fls. 656 a 733, fls. 787 a 813, fls. 849 a 873, fls. 927 a 988, fls. 1001 a 1008, no confronto dos quais foi possível constatar a existência de duplicação de pagamentos por parte da arguida à Segurança Social mas que, apesar disso, tais quantias foram devidamente sopesadas e tidas em consideração como crédito, tendo sido imputado o seu valor para abatimento de outras dívidas existentes na esfera da arguida.

(…)

Os factos considerados como não provados mereceram resposta negativa por sobre eles não ter incidido prova e prova suficiente nesse sentido, justamente em função do que acima ficou explanado quanto à demonstração da regularização, por parte da Segurança Social, da situação relativa à indevida duplicação de pagamentos efectuados pela arguida».

Da reprodução deste texto, facilmente damos conta de que, em relação aos pontos de facto em causa, a sentença se limita a enunciar, em súmula, o conteúdo dos depoimentos das testemunhas individualizadas, omitindo, assim, qualquer juízo crítico sobre a valoração dos referidos depoimentos.

Em relação aos documentos, apenas vislumbramos uma referência genérica, a não deixar entender, como bem salienta o recorrente, quais deles determinaram, e em que medida, a consagração dos ditos factos como provados e não provados.

Entre outras questões que poderiam ser postas, trazemos à colação as interrogações do próprio recorrente:

Como chegou o tribunal à conclusão de que:

- Alguns dos pagamentos indicados no ponto provado n.º 36. “sofreram reafectação das dívidas pagas de modo a corrigir a referida duplicação”?

- “Naqueles processos foram debitados exactamente os valores pagos pelo arguido”?

- Alguns processos de execução foram extintos por anulação, nomeadamente os dois concretizados no ponto de facto provado 38., sendo que o processo 0601200401014617 foi pago integralmente?

- Foi assim corrigido o erro, não resultando nenhuma duplicação nos pagamentos, nem qualquer crédito nos processos?

 A final, tendo por base os mencionados meios de prova, qual foi o processo lógico e dedutivo que determinou a convicção do tribunal de dar como provados e não provados os factos em causa?

Não o sabemos, por não estar revelado.


*

Em síntese conclusiva: a sentença incumpriu o dever de enumeração, como provados ou não provados, dos factos elencados na contestação do arguido A... e, simultaneamente, omitiu o exigível exame crítico das provas, tendo violado o disposto no n.º 2 do artigo 374.º do CPP.

Estas deficiências congénitas acarretam a nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), daquele diploma legal, e determinam a prolação de nova decisão, expurgada deste vício.

Na formulação da nova sentença, colmatando as omissões detectadas, o tribunal a quo não poderá deixar de ter em conta, na estrutura global da nova motivação da decisão de facto, a nova factualidade, constante da contestação do arguido, que vier a ser dada como provada ou não provada, e bem assim as consequências jurídico-penais que se tiverem então por convenientes.


*

 5.2. Se assim é, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões elencadas nas conclusões da motivação do recurso (artigo 660.º do CPC, ex vi artigo 4.º do CPP).

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III. Dispositivo:

Posto o que precede, os Juízes que compõem a 5.ª Secção Criminal da Relação de Coimbra, concedendo provimento ao recurso, declaram a nulidade da sentença do tribunal de 1.ª instância e determinam que aí se proceda à elaboração de nova decisão final que observe o supra exposto quanto à fundamentação da decisão de facto. 

Sem tributação.


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Alberto Mira (Relator)

Elisa Sales


[1] Cfr., v. g., acórdão do STJ de 29-04-2008, publicado, em sumário, no Boletim Interno daquele Tribunal Superior.
[2] Por todos, cfr. o Ac. de 07-01-1999, Proc. n.º 1216/98, publicado no Boletim Interno, elaborado pelos Srs. Juízes Assessores, n.º 27.
[3] Revista Julgar, n.º 3, Da sentença penal - fundamentação de facto, Setembro-Dezembro de 2007, pág. 24 e ss.
[4] Prof. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, Vol. I, pág. 211.
[5] Cfr., Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Vol. I, pág. 202-206.
[6] Cfr. Prof. Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, pág. 302).
[7] Paulo Saragoça da Mata, A livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Organizadas pela Faculdade da Universidade de Lisboa e pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, com a colaboração do Goerthe Institut, Almedina, pág. 261-279.