Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
449/08.0TATNV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: TESTEMUNHA
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
PROVAS
DEFICIÊNCIA DA GRAVAÇÃO
FALTA INJUSTIFICADA
ADIAMENTO INQUIRIÇÃO
Data do Acordão: 04/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 116º Nº 2, 331º Nº 1 E 401º, Nº1 D) CPP.
Sumário: 1.- O arguido não tem legitimidade para recorrer da decisão judicial que condenou uma testemunha em multa por ter faltado à audiência;

2.- A reação a esta condenação, pela via do recurso, apenas cabe à testemunha condenada;

3.- Tendo o Tribunal a quo verificado a deficiência da gravação do depoimento das testemunhas e decidindo-se pela repetição da produção dessa prova, se as referidas testemunhas não comparecerem nem justificarem a sua falta, recai sobre o Tribunal o poder/dever de as fazer comparecer, sob detenção.

4.- E isto, independentemente do disposto no artigo 331º do CPP quanto às regras dos adiamentos, dada a excecionalidade da situação, na medida em que se trata de repor uma gravação defeituosa em estado audível quanto a prova anteriormente já produzida.

Decisão Texto Integral: 1. Nos autos de processo comum nº 449/08.0TATNV do 1º Juízo do Tribunal Judicial de torres Novas, em que são arguidos

A..., casado, residente na … , Seixal; e

B..., casado, residente em …, Alvaiázere.

Estando os mesmos pronunciados pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal simples, p.p. pelos artigos 6º e 103º, nº 1, alínea c), do RGIT, introduzido pela Lei nº 15/2001, de 5-6.

Procedeu-se a julgamento e a final foi decidido:

          “ o Tribunal decide julgar a acusação procedente por provada e, consequentemente, CONDENAR:

          1- O arguido A..., pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal simples, p.p. pelos artigos 6º e 103º, nº 1, alíneas a) e c), do RGIT, na pena de 130 ( cento e trinta) dias de multa, à razão diária de 14 euros ( catorze euros), o que perfaz o total de 1.820 euros ( mil, oitocentos e vinte euros).

          2- O arguido B..., pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal simples, p.p. pelos artigos 6º e 103º, nº 1, alíneas a) e c), do RGIT, na pena de 130 ( cento e trinta) dias de multa, à razão diária de 9 euros ( nove euros), o que perfaz o total de 1.170 euros ( mil, cento e setenta euros).

                                                              *
            Advertem-se os arguidos que se não pagarem a pena de multa em que foram condenados na presente sentença, no prazo legal que lhes for indicado, a mesma poderá ser convertida em prisão subsidiária, nos termos do artigo 49º, nº1, do Código Penal. São ainda advertidos que poderão pedir a conversão desta pena de multa em trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 48º, do Código Penal.

2. Desta sentença recorrem ambos os arguidos apresentando os mesmos as seguintes conclusões:
A)       Do recurso interposto em Acta, do Despacho de não audição das testemunhas, no dia 18/11/2011:
1) Conforme resulta de fls., os arguidos vêm acusados pela prática, em autoria paralela, como co-autores materiais, na forma consumada, de um crime de fraude fiscal, previsto e punível pelos artigos 6º e 103º, nº 1, alínea c), do RGIT.
2) Procedeu-se à realização do julgamento, onde se produziu toda a prova, tendo sido proferida a respectiva Sentença no dia 14/07/2011;
3) Na Sentença supra mencionada, os Recorrentes foram condenados em 130 dias de multa, à razão diária de 14,00 € (A…) e 9,00 € (B...) respectivamente;
4) Foi detectado um problema técnico, não imputável aos Recorrentes, que impossibilitava a audição da prova gravada;
5) Os Recorrentes apresentaram o requerimento que acima se transcreveu para melhor análise deste Venerando Tribunal;
6) Nessa sequência, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” proferiu o Despacho, onde declarou a nulidade do depoimento das testemunhas, e ordenou a sua repetição;
7) No dia 26/10/2011, os Recorrentes enviaram, via correio electrónico e correio registado c/ Ar., um requerimento dirigido ao Tribunal “a quo”, a solicitar o adiamento da diligência, nos termos supra transcritos;
8) No início da audiência de julgamento, foi proferido Despacho, pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, no sentido de se ouvirem as testemunhas ali presentes, remetendo para o final a designação de uma data para continuação;
9) No final da inquirição das testemunhas presentes, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” designou a continuação para o dia 18/11/2011, pelas 14:00 horas;
10) No dia 03/11/2011 – ainda no mesmo dia do início da repetição do julgamento – os Recorrentes (através do seu Mandatário) enviaram via FAX o requerimento que acima se transcreveu;
11) No dia designado para continuação da inquirição, apenas se encontravam presentes no Tribunal “a quo”, o Sr.  … e o Sr. … ;
12) No início do julgamento, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” proferiu um Despacho onde considerou justificadas, as faltas de  … e … ;
13) Quanto à Testemunha … , o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” não considerou o lapso de escrita apresentado no requerimento de fls. acima transcrito, nem justificou a sua falta da testemunha;
14) Foi junto aos autos documento probatório para a sua justificação;
15) Pelo Meritíssimo Juiz “a quo” que, foi entendido que o lapso de deveu ao facto de esta testemunha ter sido condenada em multa;
16) Não será assim;
17) Quando os Recorrentes (através do seu Mandatário) enviaram o requerimento de fls., a informar da impossibilidade de comparência das testemunhas no dia 03/11/2011, queriam ter escrito o nome de … ;
18) Aquando da junção dos documentos justificativos das faltas, quanto às testemunhas faltosas, verificamos que todas elas estavam presentes na mesma audiência de julgamento, e à mesma hora;
19) O Sr.  … depôs como parte – legal representante da sociedade – e as restantes como testemunhas;
20) A correcção do lapso não se deveu à condenação da mesma em multa, mas sim, quando o erro foi detectado, ou seja, no momento da junção dos documentos;
21) Não tem qualquer razão o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, ao não justificar a falta à Testemunha;
22) A mesma apresentou um documento oficial e certificado, em como esteve presente num julgamento, impossibilitando-a de comparecer no julgamento dos presentes autos;
23) Deve assim revogar-se o Despacho que não admitiu a correcção do lapso de escrita, e justificar-se a falta da Sra. Testemunha, retirando-se a condenação desta na consequente multa;
24) O que aqui e desde já se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;
25) No final da inquirição das testemunhas presentes, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” proferiu um Despacho onde concluiu da forma que acima se transcreveu;
26) Salvo devido respeito, que é muito, não podemos concordar com tal decisão;
27) Como resulta dos autos, os Recorrentes, aquando da sua contestação, apresentaram as suas provas, entre elas, indicaram as testemunhas que deveriam ser ouvidas pelo Tribunal;
28) Os Recorrentes indicaram tais testemunhas, pois são pessoas que têm conhecimento directo dos factos, sendo imprescindíveis para a boa descoberta da verdade material;
29) No primeiro julgamento, foram ouvidas todas as testemunhas arroladas pelos Arguidos;
30) Por factos não imputáveis aos Arguidos, a gravação desse julgamento não foi bem feita, por forma a serem audíveis os depoimentos das testemunhas – quer da acusação, quer de defesa;
31) Por Despacho de fls., o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” admitiu a repetição da inquirição das testemunhas – quer de acusação, quer de defesa;
32) As testemunhas da acusação foram todas notificadas e, consequentemente, foram todas ouvidas;
33) As testemunhas de defesa, além de não terem sido todas notificadas da data da continuação da inquirição, também não foram todas ouvidas;
34) Por factos não imputáveis aos Arguidos;
35) O Meritíssimo Juiz “a quo”, para decidir como decidiu, segue a ideia de que, apesar de as cartas terem sido devolvidas ao remetente, estas consideram-se regularmente notificadas ao 3º útil posterior ao envio;
36) As regras da notificação de testemunhas, são bastante claras, e em lado nenhum, no nosso Código de Processo Penal, consta que o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” pode decidir como decidiu;
37) Nem as disposições legais apontadas no Despacho que se recorre, podem ser interpretadas, ou, têm aplicação, neste caso em concreto, da forma como o Meritíssimo Juiz do tribunal “ a quo” o fez;
38) Lendo o disposto no nº 3, do artigo 331º do CPP, verifica-se que a audiência não pode ser adiada por mais do que 1 vez, por falta de testemunhas;
39) Só há falta de alguém, após esta ter sido chamada, ou seja, só pode ser considerado que falta uma testemunha, após a sua notificação;
40) A notificação significa o chamamento de alguém, ou levar ao conhecimento de alguém, um facto, uma data, etc.;
41) Constata-se que as testemunhas arroladas, e que não compareceram naquela data, não tinham sido de todo, notificadas para ali estarem presentes;
42) Nem se pode falar em testemunhas faltosas, uma vez que estas nem sequer sabiam que tinham de ali estar;
43) Terá de ser revogado o Despacho do Meritíssimo Juiz do tribunal “a quo”, devendo notificar-se as testemunhas que não compareceram, porque não foram notificadas, e proceder-se à sua inquirição;
44) O que aqui se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;
45) Não obstante do que se vem alegando, o Despacho que se recorre, da forma como foi proferido e decidido, vai contra todos os preceitos penais e constitucionais legalmente protegidos;
46) Ao decidir-se como decidiu o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, cometeu-se uma ilegalidade, nomeadamente, passou-se por cima do princípio do contraditório;
47) Este princípio tem consagração máxima, no nº 5, do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa;
48) O julgamento rege-se pelo princípio do contraditório;
49) Com o Despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, os Recorrentes ficaram vedados de contradizer os factos apresentados pela acusação;
50) Motivo pelo qual, deve o Despacho ser revogado;
51) O que aqui se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;
52) Não prescindindo do que vem sendo alegado, os Recorrentes alegam ainda que, neste caso em concreto, estamos perante a repetição da prova que estava gravada;
53) A prova estava gravada, e, por factos não imputáveis aos Arguidos, não foi validada;
54) As testemunhas que foram consideradas faltosas pelo Meritíssimo Juiz “a quo”, já prestaram declarações em julgamento, sob juramento;
55) Para todos os efeitos legais, já existem depoimentos das testemunhas dos Arguidos, que, contudo não poderão ser levadas em consideração, uma vez que não se consegue ouvir a sua gravação;
56) Daí que se tenha repetido a produção da prova – quer da acusação, quer da defesa;
57) Apenas a acusação pôde fazê-lo;
58) Aos Arguidos foi vedado a possibilidade de se inquirirem as testemunhas com conhecimento directo dos factos, e importantes para a descoberta da verdade material;
59) Será sempre de concluir que, independentemente de se considerar se as testemunhas faltaram ou não, se se consideram notificadas ou não, o que importa é que estamos perante o regime da repetição da prova;
60) Caso se venha a demonstrar que as testemunhas dos Recorrentes estão regularmente notificadas, as mesmas têm de ser ouvidas;
61) Estamos no âmbito da repetição da prova já realizada em julgamento, e que, por motivos alheios aos Arguidos, teve de ser repetida;
62) Também por esse motivo deve o Despacho recorrido ser revogado;
63) O que aqui se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;
64) Lendo atentamente o Despacho recorrido, verifica-se que não se indica nele um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo da não designação de nova data, para continuação do julgamento;
65) O Despacho recorrido, viola o disposto nos artigos 13º, 27º, 28º, 29º, 32º, 202º, nº 2, 204º e 205º da C. R. P.;
66) O despacho recorrido não é de mero expediente, daí ter de ser suficientemente fundamentado;
67) O Meritíssimo Juiz “a quo” com o Despacho recorrido não assegurou a defesa dos direitos dos Recorrentes;
68) O Meritíssimo Juiz, limitou-se apenas e tão só, a emitir uma decisão “economicista”;
69) No Despacho recorrido, não se apreciou devidamente os factos da não comparência das testemunhas, sendo certo que os Recorrentes não têm culpa da não notificação das testemunhas;
70) O Meritíssimo Juiz violou o disposto nos artigos 307º e 308º do C.P.P.;
71) Terá assim de ser REVOGADO o Despacho recorrido;


B) Do Recurso interposto da Sentença de fls.:
72) Conforme resulta de fls., os arguidos vêm acusados pela prática, em autoria paralela, como co-autores materiais, na forma consumada, de um crime de fraude fiscal, previsto e punível pelos artigos 6º e 103º, nº 1, alínea c), do RGIT;
73) Não se conformando com a acusação de fls., os Recorrentes requereram a abertura de instrução, tendo alegado o que acima se transcreveu, para melhor análise deste Venerando Tribunal;
74) Realizada inquirição de testemunhas e debate instrutório, foi proferida decisão, pronunciando os arguidos pela prática do crime de que vêm acusados;
75) Notificados os arguidos do Despacho de Pronúncia, apresentaram contestação, onde, para todos os efeitos alegaram o que acima se transcreveu;
76) O Meritíssimo Juiz “a quo”, por Despacho de fls., decidiu das questões suscitadas na contestação, terminando da seguinte forma: “… condenam-se os arguidos A...e B... nas custas do incidente …”;
77) Os arguidos recorreram para este venerando Tribunal, da seguinte forma que se transcreveu a cima;
78) Tal recurso foi admitido, e subiu de imediato em separado, tendo sido proferida Decisão Sumária, rejeitando o recurso dos Arguidos;
79) Realizada a audiência, discussão e julgamento, bem como de algumas diligências probatórias requeridas, foi proferida sentença, onde, no seu final consta o que acima se transcreveu;
80) Salvo devido respeito, que é muito, não podemos concordar com tal decisão;
81) Entende o Meritíssimo Juiz “a quo”, que não se encontra prescrito o procedimento criminal, tendo, inclusive, citado alguns autores da nossa doutrina;
82) Apesar dos esforços hercúleos do Meritíssimo Juiz “a quo” em tentar demonstrar que o presente procedimento não se encontra prescrito, desde já se considera que não conseguiu;
83) A matéria da prescrição do crime de fraude fiscal, não é virgem na nossa jurisprudência;
84) Daí que nem se entenda a razão pela qual o Meritíssimo Juiz “a quo” não usou jurisprudência dos tribunais superiores;
85) Refere o Meritíssimo Juiz “a quo” que existe uma divergência doutrinária quanto à data em que é consumado o crime dos presentes autos;
86) Indicando apenas que uns defendem que a data da prática dos factos se reporta à data da entrega da declaração do imposto pelo contribuinte, e que outros defendem que a data da prática dos factos acorre com a liquidação do imposto;
87) Toma por referencia a tese que sustenta que a consumação do crime ocorre com a apresentação da declaração de IRC, e a partir daí faz todo o seu raciocínio com base nessa tese;
88) Chegando à conclusão de que o procedimento criminal não se encontra prescrito;
89) As suas decisões têm de ser todas fundamentadas;
90) No que toca a decisões “que não sejam de mero expediente” ou tomadas de posições, que interferem directamente na esfera jurídica dos arguidos, têm de ser “fundamentadas na forma prevista na lei”, conforme consta no nº 1, do artigo 205º da CRP;
91) A decisão tomada pelo Meritíssimo Juiz “a quo” não é de mero expediente;
92) Deveria ter fundamentado a sua “escolha”;
93) O que não aconteceu;
94) Aplicando-se o disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 379º do CPP, a sentença está ferida de nulidade;
95) Nulidade essa que aqui se requer a sua apreciação, e, ao mesmo tempo, a revogação da sentença, com todas as consequências legais daí resultantes;
96) Sem prescindir do que acima se alegou, e caso assim se não entenda, deverá ser apreciada a “escolha” da tese pelo Meritíssimo Juiz “a quo”;
97) Como é jurisprudência maioritária dos nossos tribunais, a consumação do crime ocorre quando a simulação é praticada;
98) Os arguidos vêm acusados pela prática do crime previsto na alínea c), do nº 1, do artigo 103º do RGIT;
99) Quer isto dizer que os Arguidos vêm acusados da prática de vários negócios que consubstanciam a “simulação”;
100) Acerca deste assunto, escrevem o Prof. Figueiredo Dias e o Dr. Manuel da Costa Andrade, em “Crime de Fraude Fiscal no Novo Direito Tributário Português”, publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 6, Fasc. 1º, Janeiro-Março de 1996, pags. 100-101, o que acima se transcreveu;
101) No Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27/04/2005, referindo-se à alínea b), do artigo 23º do RJIFNA, referente à actual redacção da alínea c), do nº 1, do artigo 103º do RGIT, se defende que “a consumação ocorre logo no momento da celebração do negócio simulado”;
102) A tese pela qual o Meritíssimo Juiz “a quo” deveria ter seguido, neste caso em concreto, seria sempre a da data das escrituras – data da celebração do (pretenso) negócio simulado;
103) Os negócios aqui em discussão datam de Janeiro, Fevereiro, Julho, e Novembro de 2004, facilmente se perceberá que o prazo prescricional do procedimento criminal começou a sua contagem nesses dias;
104) O prazo de prescrição já ocorreu, neste caso em concreto, visto que já foram ultrapassados todos os limites legais;
105) Deverá a sentença recorrida ser revogada, declarando-se a prescrição do procedimento criminal;
106) O que aqui se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;
107) Sem prescindir do que vem sendo alegado, temos a acrescentar que os Recorrentes foram absolvidos da Oposição nº 466/10.0BELRA, que correu termos na Unidade Orgânica, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, conforme Sentença que se juntou com doc nº 1;
108) Se atentarmos ao conteúdo da Sentença que acima se juntou, verificamos que termina da forma que acima se transcreveu;
109) Tendo em conta o que foi decidido pelo TAF de Leiria, deverá a Sentença da fls. que ora se recorre, ser revogada, absolvendo-se os Arguidos;
110) O que aqui se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;
111) Acresce que, nos termos do artigo 50º do Decreto-Lei nº 20-A/90 de 15 de Janeiro: “… Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição de executado, nos termos do (…) o processo penal suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças.”;
112) Por outro lado, dispõe o artigo 51º do mesmo Decreto-Lei, o que acima se transcreveu;
113) O nº 1, do artigo 47º, do Regime Geral das Infracções Tributárias dispõe o que acima se transcreveu;
114) Os Recorrentes, nos termos do artigo 286º, do Código do Processo Tributário, “ex vi”, artigos 102º e 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e ainda artigo 22º da Lei Geral Tributária, deduziram Oposição à execução/reversão instaurada pelo Exmo. Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Torres Novas, conforme resulta de fls.;
115) Tendo sido absolvidos do processo de Execução Fiscal, conforme Sentença que acima se juntou;
116) Da Sentença que se juntou, não houve qualquer recurso, pelo que a mesma já transitou em julgado;
117) Assim, deve dar-se cumprimento ao disposto no artigo 50º, do DL 20-A/90 de 15 de Janeiro, ou seja: “A sentença proferida em processo de impugnação judicial e a que tenha decidido da oposição de executado, (…) uma vez transitadas, constituem caso julgado para o processo penal fiscal…” e assim absolver-se os Recorrentes;
118) O que aqui se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;
119) Não obstante do que se vem alegando e requerendo, caso assim se não entenda, o que por hipótese meramente académica se admite, sem prescindir, existem outros aspectos da sentença, com os quais não podemos concordar, e que se prendem com a matéria de facto dada como provada;
120) Com os documentos juntos aos autos o Meritíssimo Juiz “a quo” deveria ter chegado a outras conclusões, e não ter dado como provados os factos de 1) a 20) da matéria de facto provada;
121) O Meritíssimo Juiz “a quo” decidiu, como o próprio refere, “tendo em conta todos os indícios referidos supra, ou seja, premissas menores”;
122) Encontramo-nos na fase de julgamento e na fase onde tem de haver certezas fundadas e clarividentes, parece pouco válida uma decisão tomada com base em “indícios” ou “premissas menores”;
123) A fase dos “indícios” foi a fase anterior – a da INSTRUÇÃO;
124) Deve a presente sentença ser revogada, em virtude de ser fundada em meros “indícios” e não em certezas, como aliás deve ser;
125) O que aqui se requer;
126) Acresce ainda a tudo o que acima se alegou, sem nada prescindir, há que referir que os arguidos vinham acusados pela prática de um crime de fraude fiscal, previsto na alínea c), nº 1, do artigo 103º do RGIT – vide acusação de fls.;
127) O Meritíssimo Juiz “a quo” julgou e condenou os arguidos pela prática de um crime bem diferente;
128) Na sentença que ora se recorre, pode ler-se que condenou os arguidos pela prática dos ilícitos previstos nas alíneas a) e c) do artigo 103º do RGIT;
129) Tal condenação é bem diferente àquela que foi pedida pelo Ministério Público na sua acusação;
130) Os arguidos não podem ser condenados da prática de crimes, diferentes daqueles que constam na acusação;
131) Também a sentença é nula nesta parte;
132) Deve a sentença ser revogada;
133) O que aqui se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;
134) Lendo atentamente a decisão recorrida verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo da condenação dos Arguidos;
135) A decisão recorrida, viola o disposto nos artigos 13º, 27º, 28º, 29º, 32º, 202º, nº 2, 204º, 205º da C. R. P.;
136) A decisão recorrida não é de mero expediente – trata-se de uma Sentença condenatória – daí ter de ser suficientemente fundamentada;
137) O Meritíssimo Juiz com a decisão recorrida não assegurou a defesa dos direitos dos Recorrentes;
138) O Meritíssimo Juiz, limitou-se apenas e tão só, a emitir uma decisão “economicista”;
139) Na decisão recorrida não se apreciou devidamente a prova produzida em inquérito e instrução conforme já vimos;
140) O Meritíssimo Juiz violou o disposto nos artigos 307º e 308º do C.P.P., ao ter condenado os Arguidos;
141) Terá assim de ser REVOGADA a decisão recorrida.
Termos em que, se requer a V. Exas. a REVOGAÇÃO da decisão recorrida, por ser de: LEI, DIREITO e JUSTIÇA

            3.A este recurso respondeu o Ministério Público, dizendo em síntese:

            3.1. Os arguidos não têm legitimidade para recorrer do despacho que condenou em multa a testemunha de defesa … , por não ter comunicado no prazo de cinco dias a sua impossibilidade de comparência de carácter previsível — cf. o artigo 410.°, n.° 1, ai. b) do Código de Processo Penal — tendo o despacho que condenou tal testemunha transitado em julgado.
            3.2. Resulta do processo que as testemunhas de defesa  … e  … foram regularmente notificadas para comparecerem à audiência de discussão e julgamento nas duas datas agendadas, não tendo comparecido a nenhuma delas.
            3.3. Os arguidos tiveram oportunidade de apresentar e produzir a sua prova, só não o tendo feito porque as suas testemunhas faltaram ao julgamento, por duas vezes consecutivas.
            3.4. Nenhuma violação houve do princípio do contraditório.
            3.5. A audiência reaberta contínua sujeita às regras do Código de Processo Penal, designadamente, ao disposto nos art. 113.° e 331.°, n.° 3.
            3.6. O despacho que não admitiu a designação de nova data para audição das testemunhas de defesa que faltaram às duas sessões de julgamento anteriormente designadas, encontra-se devidamente fundamentado, e tem fundamento legal no artigo 333.°, n.° 3 do C.P.P.
            3.7. As questões de prescrição do procedimento criminal e de suspensão da acção penal na pendência de processo instaurado pelos arguidos no T.A.F., já foram suscitadas pelos arguidos em sede de instrução e decididas por despacho transitado em julgado, pelo que, não é admissível aos arguidos pretender ver tais questões reapreciadas neste recurso.
            3.8. Sempre se dirá, que a sentença recorrida não padece de falta de fundamentação na parte em que decide pela não verificação da prescrição do procedimento criminal.

            3.9. Tal prescrição não ocorreu ainda, uma vez que, como se explanou supra,
ocorrerá em Novembro de 2012.
            3.10. A qualificação criminal dos factos não dependia da situação tributária em apreço nos autos n° 466/10.0 BELRA do T.A.F. de Leiria;
            3.11. Pelo que, não havia que suspender a decisão penal até à prolação de sentença naqueles autos;
            3.12. A decisão proferida no processo instaurado no TAF não constitui caso julgado para estes autos, por não se ter aí apreciado qualquer das questões que constituem objecto do presente processo — atento o preceituado no artigo 48.° do R.G.I.T.
            3.13. Carece de qualquer fundamento a alegação dos arguidos que a sentença recorrida deu como provada a matéria de facto com base em meros “indícios” — havendo quanto a tal questão uma confusão de conceitos por parte dos arguidos (já que a sentença apenas se refere à consideração de «prova indiciária» para dar como provados dois factos e não a «indícios» para provar qualquer facto).
            3.14. Os recorrentes não foram condenados por «crime diverso» daquele pelo qual tinham sido acusados e pronunciados.
            3.15. A sentença condenatória não é nula, nem padece de falta de fundamentação ou de qualquer outro vício.
            3.16. Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida e, em consequência, a condenação dos arguidos A...e B..., nos termos, fundamentos e extensão nos seus precisos termos.
            Assim decidindo V.Exas. farão JUSTIÇA!
           
4. Nesta instância, o Exmº Sr. PGA emitiu parecer no sentido de que devem improceder os recursos.

            5. Foram colhidos os vistos e realizou-se a conferência.


II

  Nos termos legalmente exigidos, passamos a apreciar, de imediato, o recurso interlocutório com as devidas consequências da sua apreciação na tramitação do processo e decisão final.    

            III

            Recurso interlocutório:

            Este subdivide-se em duas partes:

            - a da condenação da testemunha  … em multa pela não justificação da sua falta á audiência do dia 3 de Dezembro de 2011.

            - A da não audição desta mesma testemunha e da testemunha  … com o fundamento de que já não era legalmente admissível o adiamento da audiência, logo da audição daquelas.

            1ª Questão: a condenação em multa da testemunha … .

            Resulta inequívoco das alegações de recurso dos arguidos, quer os fundamentos da condenação em multa desta testemunha quer os fundamentos, no entender dos arguidos, por que esta mesma testemunha não deveria ter sido condenado na multa por ter faltado à audiência do dia 3 de Dezembro de 2011.

            Sem prejuízo da eventual bondade ou razão que possa estar subjacente na argumentação dos arguidos para considerar a falta da testemunha  … justificada e, logo, não passível de qualquer sanção pecuniária, uma questão prévia processual e formal se impõe que deve ser apreciada e que o Ministério Público na sua resposta prontamente e com pertinência colocou: a da legitimidade processual dos arguidos para interpor recurso desta condenação.

            O artigo 401º, nº1, do CPP é expresso e claro a definir a questão da legitimidade para interpor recurso.

            Diz-se neste preceito que têm legitimidade para recorrer:

           

            b) O arguido e o assistente de decisões contra eles proferidas.

            …

            d) Aqueles que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código ou tiverem a defender um direito afectado pela decisão.

            Pese embora tratar-se da condenação de uma testemunha arrolada pelos arguidos, a partir da sua indicação como tal,  esta testemunha passa a estar sujeita às notificações e obrigações legais quanto ao seu comparecimento  e justificações de eventuais faltas, apenas perante o tribunal e não  perante a parte.

            Do mesmo modo que a sua falta e condenação em multa (se aquela não for justificada) se reflecte no seu património e não no património dos arguidos. Pelo que, embora esta condenação da testemunha possa ser sentida[1], reflexamente, pelos arguidos, não os afecta directamente. Assim como a obrigação de comparecimento e justificação da falta cabe à testemunha, também a condenação da multa apenas a esta obriga. O que significa que a reacção a esta condenação, pela via do recurso, apenas cabe à testemunha condenada, nos termos da citada alínea d), do nº1, do artigo 401º, do CPP.

            De onde resulta uma inequívoca ilegitimidade (ou falta de legitimidade), em os arguidos recorrerem desta decisão.

            Termos em que, por falta de legitimidade em recorrerem, não se admite o recurso dos arguidos, nesta parte supra analisada.

            2ª Questão.

            1. Outro tanto não acontece com a falta da audição desta testemunha e da testemunha … , questão para a qual os arguidos já têm plena legitimidade em recorrer, na medida em que são os sujeitos processuais directamente afectados com tal decisão.

            E adianta-se que, neste aspecto, assiste razão aos recorrentes arguidos.

            Não porque as ditas testemunhas não tivessem sido notificadas mas por outros fundamentos, como se verá.

            Comecemos então pela notificação ou não das testemunhas.

            Neste particular agiu bem o tribunal a quo ao considerar que ambas as testemunhas se encontravam notificas para comparecer à diligência do dia 18 de Dezembro de 2011 para serem ouvidas.

            A s testemunhas foram notificadas por carta registada, modalidade de notificação legalmente admissível nos termos do artigo 113º, nº1, alínea b), do Código de Processo Penal.

            A notificação da testemunha  … não suscita dúvidas porque, como consta de fls. 1366, a carta registada foi entregue ao destinatário. Logo, a notificação presume-se feita no 3º dia útil posterior ao do envio – nº 2, do artigo 113º, do CPP. Esta presunção não foi ilidida.

            Já quanto à testemunha … , conforme conta de fls. 1365 – devolução da carta registada para notificação -, a carta não foi reclamada, apesar de ter sido deixado o respectivo aviso ao notificando – ora testemunha. O que significa que, apesar da não reclamação da carta, a testemunha deve ser considerada legalmente notificada – artigo 113º, nºs 5 e 6, alínea d), do CPP. Presunção que também não foi ilidida, nomeadamente com o eventual fundamento de mudança de residência da testemunha e, por tal facto, não ter tomado conhecimento do depósito do aviso para reclamar a carta registada[2].

            Mas, apesar de ambas as testemunhas se encontrarem legalmente notificadas para o acto, entende-se que o tribunal a quo deveria ter tido outro procedimento com vista à sua audição

             2. Como resulta dos autos e por várias vezes é referido pelos arguidos, no caso concreto,  estamos perante a repetição de prova que já estava gravada.

            A prova estava gravada, e, por factos não imputáveis aos Arguidos, não foi validada.

            As testemunhas consideradas faltosas já tinham prestado declarações em julgamento.

            Já existem depoimentos das testemunhas dos Arguidos que, contudo, não poderão ser levadas em consideração, uma vez que não se consegue ouvir a sua gravação.

            São factos incontornáveis nos autos e que o tribunal não valorou correctamente.

            Outrossim, aplicou as regras sobre o adiamento da audiência de julgamento como se se tratasse da audição destas e das restantes testemunhas – da produção da prova, em geral -, pela primeira vez.

            Não é o caso. Como alegam os recorrentes, as testemunhas já tinham sido ouvidas, o seu depoimento tinha sido gravado, o qual não pode, todavia ser usado em sua defesa por facto que lhes não é imputável, mas sim ao próprio Tribunal.

            Tendo o vício sido alegado atempadamente pelos recorrentes e tendo o Tribunal a quo verificado a deficiência da gravação da prova, decidiu e bem, pela repetição da produção da prova com vista a uma correcta gravação da mesma.

            É certo que, sendo as disposições processuais penais omissas quanto aos procedimentos posteriores a adoptar pelo tribunal com vista à recolha dos depoimentos, tratando-se de uma anulação do acto, a solução passa necessariamente pela convocação das testemunhas a ouvir e proceder à sua inquirição com a consequente gravação do depoimento. Assim fez o Tribunal a quo.

            Acontece que, tendo o tribunal a quo interpretado a não comparência e a sanção das testemunhas faltosas à audiência de repetição da prova, nos termos do artigo 331º, do CPP, incluindo no que se refere à possibilidade ou não de adiar a audiência pela falta de testemunhas (pois o nº3 deste preceito diz que por falta das pessoas mencionadas no nº1, onde se incluem as testemunhas, não pode haver mais que um adiamento), entende-se que o mesmo Tribunal deveria aplicar o disposto neste preceito, em toda a sua plenitude. Queremos com isto dizer que, tendo na audiência do dia 3 de Dezembro de 2011 faltado a testemunha … – bem como a testemunha  … - falta que foi considerada injustificada – uma vez que não justificou a falta no acto, pelo que foi logo condenada em multa -, ), o que foi reforçado na audiência do dia 18 de Dezembro de 2011, significa que poderia logo na altura o tribunal a quo tomar providências com vista à comparência da testemunha faltosa que não justificou a sua falta – nomeadamente fazendo-a comparecer sob detenção, como permite o disposto no nº2 do artigo 116º. Sendo uma opção do tribunal em ordenar ou não, a comparência sob detenção da pessoa que falta injustificadamente, aceita-se tal opção, ainda que o tribunal tenha a obrigação legal de fundamentar a sua posição, o que não aconteceu.

            Mas se esta posição do Tribunal a quo se compreende num primeiro momento em que a audiência teve que ser adiada pela falta de algumas testemunhas, como decorre da própria acta e não necessariamente pela falta da testemunha … , outro tanto não se poderá dizer quanto à falta do dia 18 de Dezembro de 2011. Perante a falta desta testemunha bem como da testemunha ... – que não justificaram a sua falta no acto, como é seu dever - e mantendo os arguidos o seu legítimo interesse em ouvir estas testemunhas, recai sobre o Tribunal o poder/dever de fazer comparecer as testemunhas, sob detenção, como é legalmente admissível e, no caso, plenamente justificado. Repare-se que, no acto da notificação, as testemunhas o foram exactamente com esta cominação, a qual o Tribunal não aplicou no momento certo. Este momento era certamente na audiência do dia 18 de Dezembro, em que tal falta ocorreu.  Não pode o Tribunal a quo refugiar-se no argumento literal de que a audiência só pode ser adiada uma vez por falta de testemunhas, sob pena de se violar, no caso concreto, o direito fundamental dos arguidos à sua defesa bem como ao exercício do princípio do contraditório, ambos consagrados no artigo 32º, nºs 1 e 5 da CRP.

            A situação de um único adiamento por falta de testemunhas tem que ser interpretado, in casu, cum grano salis. Desde logo, porque se está perante a falta injustificada das testemunhas, sendo certo que, relativamente à testemunha … , se trata de uma segunda falta injustificada. Pelo que, apesar daquele normativo do artigo 331º, nº3, do CPP – de não poder haver mais de um adiamento por falta das testemunhas -, também está o Juiz vinculado a fazer comparecer a testemunha faltosa para ser ouvida, ao abrigo do nº 1, deste mesmo preceito. Pelo que, numa situação como a dos autos, perante a falta injustificada da testemunha e a necessidade de a mesma ser ouvida, não se trata de um adiamento normal, ao abrigo daquele preceito. O adiamento será um adiamento forçado pela necessidade de ter que ouvir a testemunha que, segundo a tramitação normal, não foi possível ouvir. E falamos em adiamento se uma mera interrupção da audiência não satisfizer a pretensão de ouvir as ditas testemunhas faltosas, pois sendo a mesma possível, bastará a mera interrupção.  Mas, como dizíamos, a proibição legal de mais que um adiamento pressupõe uma tramitação normal quer quanto às notificações dos intervenientes quer quanto às faltas e respectivas justificações. Se a falta é injustificada, a tramitação passa a ser, em consequência desse facto, também diferente. Perante a justificação de uma falta de um interveniente processual obrigado a comparecer, não pode o Tribunal ordenar a sua detenção para comparência. Mas já o pode fazer – ordenar a comparência sob detenção – se o faltoso não justificar a falta - artigos 331º, nº 1 e 116º, nº2, ambos do CPP. Situação que ocorre exactamente nos presentes autos. O Tribunal para ouvir as testemunhas faltosas, poderá, se se justificar, adiar a audiência apenas para este efeito[3].

            E a audição destas duas testemunhas afigura-se necessária e obrigatória não só porque as mesmas faltaram injustificadamente como também é exigível que o Tribunal a quo tome as necessárias providências que estão ao seu alcance – e são várias -, para garantir aos arguidos, independentemente do que pelos mesmos for requerido, que tal depoimento será prestado e gravado. Ou seja, independentemente do disposto no artigo 331º, do CPP quanto às regras dos adiamentos, dada a excepcionalidade da situação, na medida em que se trata de repor uma gravação defeituosa em estado audível quanto a prova entretanto já produzida, justifica-se que porventura o Tribunal a quo tenha que proceder a diligências que, para este efeito, não respeitem necessariamente aquele limite de adiamentos. Este limite de adiamentos tem um efeito processual pretendido pelo legislador no sentido de uma maior celeridade e para obstar ao retardamento injustificado dos processos, proporcionando um julgamento atempado aos sujeitos processuais. Ora, a situação vivida com a repetição da prova testemunhal nos termos em que ocorre, nada tem a ver já com aquela primeira finalidade – que já tinha sido conseguida com a prestação dos primeiros depoimentos – mas sim com esta necessidade de o tribunal proporcionar aos arguidos a dita prova gravada em termos normais e audíveis, de modo a que estes possam fazer o uso legal da gravação. E esta necessidade de o Tribunal ter que proporcionar este direito aos arguidos, pode não ser completamente compatível com aquela regra limitada de adiamentos. E sopesando esta obrigação e aquele direito, entendemos que, garantidamente aquele tem que prevalecer. É também neste sentido que decidiu o STJ em acórdão de 24.3.1999, in CJ, Acs do STJ, VII, Tomo I, pg. 258, ao dizer que o Juiz pode determinar o adiamento da audiência, pela segunda vez, para fazer comparecer uma testemunha faltosa cujo depoimento se afigura essencial para a descoberta da verdade.  

            3. O que significa que, em obediência às regras e princípios enunciados, deveria o Sr. Juiz a quo ter adiado a audiência e tomado medidas ou providências, incluindo a detenção dos faltosos, para assegurar a sua presença em Tribunal a fim de prestarem (repetirem), o respectivo depoimento, seguindo a posterior tramitação processual legal.

            E sendo assim que deve ser feito, fica prejudicado o conhecimento de mérito das demais questões suscitadas a propósito da sentença final, que se anula.


V

Decisão

Por todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação, em:

a)- Rejeitar o recurso interposto pelos arguidos quanto à condenação da testemunha  … em multa por não lhe ter sido considerada justificada a falta do dia 3 de Dezembro de 2011, por lhes faltar legitimidade processual para recorrer.

            b) Conceder provimento ao recurso interposto pelos arguidos do despacho judicial proferido em acta, no dia 18 de Dezembro de 2011, que não procedeu ao adiamento da audiência de julgamento para audição das testemunhas faltosas, ... e ... e, consequentemente, revoga-se tal despacho que deve ser substituído por outro que adie a audiência e tome as medidas ou providências necessárias, incluindo a detenção dos faltosos, para assegurar a sua presença em Tribunal a fim de prestarem o respectivo depoimento, seguindo-se a posterior tramitação processual legal.

c)- Anular todos os actos subsequentes àquele despacho, incluindo a sentença.

d)- julgar prejudicado o conhecimento do recurso da sentença final condenatória.

Sem custas.

Luís Teixeira (Relator)

Calvário Antunes


[1] Na medida em que a testemunha foi por eles indicada com a finalidade de, pretensamente, daí retirar algum benefício face ao depoimento prestado e ainda face a eventual compromisso dos arguidos em requerer junto do tribunal a justificação da sua falta.
[2] Anota-se que, contrariamente ao arguido que prestou TIR, a testemunha não está. Por enquanto, vinculada a dar conhecimento ao tribunal, de qualquer mudança de residência, sob cominação de se considerar notificada na morada conhecida.
[3] Sendo certo que ao abrigo do artigo 328º, nº 3, alíneas a) a d), do CPP, tal adiamento é ainda possível para casos aí expressamente previstos, nomeadamente produção de prova suplementar e superveniente (que pode ser testemunhal) e elaboração de relatório social ao abrigo do artigo 370º, do mesmo diploma.