Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
327/11.6TBTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ARRENDAMENTO
DESPEJO
RESOLUÇÃO
USO DO LOCADO
Data do Acordão: 02/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TOMAR 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1022, 1072, 1083 Nº1 E 2 D) CC
Sumário: 1.- O não uso do locado, justificativo da resolução do contrato de arrendamento – artº 1083º nº2 al. d) do CC - é um conceito a preencher não (apenas) por critérios meramente naturalísticos mas antes, e determinantemente, por critérios teleológico/normativos, em função das circunstâncias do caso.

2. Preenche a ratio e teleologia legal o uso do locado, ao longo de trinta anos, apenas para armazém, se, não obstante o arrendamento ter sido para «oficina e armazém de peças», se conclui que o locado foi entregue, primacial e determinantemente, para oficina, revelando-se o armazenamento acessório e dependente daquele uso, o qual, naquele largo lapso de tempo, deixou de verificar-se.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

MJ (…), MM (…), RM (…) e ME (…)  instauraram contra JF (…) ação declarativa, de condenação, com processo sumário e pedido de despejo.

Pediram:

 Seja decretada  a resolução do contrato de arrendamento relativamente ao locado que identificam e  seja o réu condenado a entrega-lo livre e desocupado.

Alegaram:

- o réu a partir de dezembro de 2007 não mais utilizou o locado como oficina ou armazém de peças e não exerce qualquer atividade comercial ou outra nesse, tendo a porta de entrada permanentemente encerrada.

Contestou, o réu.

Disse:

- há mais de 30 anos que o locado é usado por si como armazém de peças, utilização esta que se mantém até ao presente, designadamente, para liquidação da mercadoria aí existente.

- igualmente aí presta apoio técnico o veículos do SMAS – Câmara Municipal de Tomar.

- é pública a sua presença no locado e o seu contacto com as pessoas em geral e amigos.

2.

Prosseguiram os autos a sua tramitação tendo, a final, sido proferida sentença na qual se decidiu:

1. Declarar resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre o proprietário anterior aos AA. e o Réu respeitante ao prédio urbano composto de loja ao nível do rés do chão, sito na (...) , concelho de Tomar, com o número de polícia 1, 3 e 5, inscrito na matriz sob o artigo (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar com o nº (...) , com fundamento no disposto nos artigos 1072.º, 1 e 1083.º, n.º 2, als. c) e d) ambos do CC;

2. Condenar o R. a entregar aos AA., livre e devoluto de pessoas e bens o locado, composto de loja ao nível do rés do chão, sito na (...) , concelho de Tomar, com o número de polícia 1, 3 e 5, inscrito na matriz sob o artigo (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar com o nº (...) ;

3.

Inconformado recorreu o réu.

Rematando as suas alegações com as seguintes (prolixas e aqui algo sintetizadas) conclusões:

1.(meramente descritiva)

2- No entender do apelante o douto tribunal não dispõem dos imprescindíveis requisitos fácticos que o autorizem a declarar o contrato de arrendamento resolvido com os fundamentos eleitos (artigos 1083 nº 2 als. c) e d) do CC).

3- O Tribunal violou a lei, sendo claro e manifesto a deficiência de factualidade provada face à decisão proferida, bem como o tribunal condenou em objecto diverso do que foi pedido e discutido na presente acção, violando assim o disposto no artigo 659º nº 2 e 661º do CPC.

4- Pois que, somente ficou provado que:

a) Por acordo verbal celebrado há cerca de 60 anos, o proprietário anterior aos AA. cedeu ao R. o uso da loja (rés do chão) com destino a oficina e armazém de peças, mediante o pagamento de uma renda.

b) Há cerca de 30 anos, o Réu passou a exercer a actividade de oficina no Caminho da Água das Maias nºs 24, 26 e 28 em Tomar.

c) A partir dessa data, começou a utilizar a loja apenas como armazém de peças.

d) O réu continuou a pagar a renda, que presentemente se cifra em 5,00 € (cinco euros) mensais;

e) Desde o referido em 4) que o réu deixou de utilizar a loja referida em 1) como oficina.

f) A porta de entrada do armazém referido em 1) está encerrado quando o réu aí não se encontra.

g) Não são vistos a sair e entrar na loja/armazém quaisquer clientes.

h) Em data indeterminada, nos finais de Dezembro de 2007 e inícios de 2008 que o R. colocou na loja referida em 1), um escrito com a menção “trespassa-se”.

5- Tendo ficado NÃO PROVADO :

i) Que a partir de Dezembro de 2007, o Réu deixou de utilizar a loja referida em A) como armazém de peças.

ii) Que a porta de entrada esteja permanentemente encerrada;

iii) Sem que o Réu seja visto a sair e a entrar na loja.

6) Fundamentando o tribunal “a quo” sobre a sua decisão de matéria de facto, afirmando que:

I) “… O R. tem a porta aberta do armazém…. O R. tem naquele muito material, designadamente peças de motos e acessórios, que está muito bem arranjado, com prateleiras.”

II) “… se produziu prova inequívoca de que o R. mantém no armazém stock de peças e prateleiras que eram usados por aquele na sua actividade, como já foi afirmado com conhecimento directo pelas testemunhas. Assim outro não poderia ser o entendimento do Tribunal que não o de dar como não provado que o R. deixou de utilizar a loja referida …., pois efectivamente e atualmente a mesma ainda está ocupada com diverso material e prateleiras, cfr. valoração feita às fotografias juntas de fls. 37 e 38 dos autos.

III) “o Réu ainda utiliza como armazém de peças que afectava à sua actividade de oficina. Não permitindo entendimento diferente a análise dos documentos a fls. 86 a 88 dos autos, nem as faturas da EDP a fls. 41 a 52, face ao já explanado supra”.

IV) O facto do R. ter colocado um anúncio a dizer “trespassa-se” sem indicação de qualquer contacto do anunciante, “permite concluir que o mesmo tenha de se encontrar por perto da loja ou na loja (diga-se armazém) por forma a permitir ser contactado para esse fim.

V) Sobre o facto de não serem vistos clientes a entrar “se deve ao facto de que aquele armazém jamais foi uma loja aberta ao público, trata-se de um armazém onde o R. possui as peças armazenadas e em stock, que actualmente pretende “é o trespasse do recheio e do stock de peças e não a sua venda a clientes, como se de uma loja se tratasse”.

7) Face à factualidade acima, o tribunal não podia ter concluído e decidido pela cessação do arrendamento em virtude de lhe estar a ser dado um destino diferente, incorrendo assim num erro de julgamento e na violação do disposto no artigo 1083º nº 2 do CC.

8) A presente decisão padece de factualidade provada, que nem sequer foi alegada e que qualifique este arrendamento como utilizado “para um fim não querido pelas partes”, “socialmente inútil” e “que prejudica o mercado de arrendamento em geral”;

9) Os AA. intentaram a presente acção invocando, claramente, que há mais de 30 anos que a oficina que existia no locado foi encerrada, passando aí a funcionar um armazém de peças, o que ficou provado, pelo que não existe qualquer finalidade diversa que o R. faz do locado e não acordada pelas partes;

10) Mais, alegaram os AA. que, em virtude do R. ter cessado a sua oficina de reparação de motos (num outro local), o R. não mais utilizou o armazém e este facto foi DADO COMO NÃO PROVADO, pelo que não pode proceder quaisquer das alíneas d) ou e) do artigo 1083º do CC.

11) Jamais foi alegado pelos AA. ou ficou provado, factos que demonstrem que a celebração do contrato de arrendamento para armazém de peças estava condicionada à actividade comercial de reparação de motos (que funcionava num outro local);

12) Se assim fosse, então teríamos de considerar que há muito que havia caducado o direito dos AA. pedirem o despejo daquele locado, pois que esta actividade cessou em Dezembro de 2007 (fls. autos) – v.g. artigo 1085º nº 2 do CC -.

13) Por outro lado, o tribunal “ a quo” ao aferir- do não uso do locado – 1083º nº 2 al. d) do CC - , terá que ser por mais de um ano, que igualmente ficou não provado.

14) Nos presentes autos, é aplicável o NRAU e, sobre esta questão preceitua artigo 1072º do CC que o arrendatário deve usar efectivamente a coisa para o fim contratado, não deixando de a utilizar por mais de um ano, só sendo licito o não uso nos casos previstos no nº 2.

15) No que concerne à resolução do contrato de arrendamento, ao contrário do regime anterior, estipula-se no artigo 1083º do CC, “um conceito genérico e indeterminado de incumprimento como fundamento da resolução do contrato tanto pelo arrendatário como pelo senhorio, fazendo a enumeração exemplificativa, nos nº 2 e 3, dos fundamentos de resolução pelo senhorio e a indicação, também a título exemplificativo no nº 4 , de uma específica situação fundamento de resolução pelo arrendatário”.;

16) As situações enunciadas no nº 2 do artigo 1083º do CC não constituem fundamento de resolução, mas meras presunções ilidíveis, sempre sujeitas ao juízo valorativo da cláusula geral de inexigibilidade constante do seu proémio (6) ;

17) “O não uso do locado por mais de um ano”, à luz da norma correspondente do regime anterior, aponta como razão de ser da cessação do contrato o interesse do senhorio em não ter o prédio degradado e desvalorizado com o seu encerramento e a protecção do interesse geral no aproveitamento de todos os locais utilizáveis(7).

18) A substituição da expressão “encerramento” ou “manter encerrado” pela de “não uso” tem a vantagem de apontar com mais precisão o âmago da violação contratual em causa, de que o “encerramento” é mero índice ostensivo(8).

19) De todo o modo, o preenchimento da previsão da mencionada alínea d) (bem como de qualquer uma das restantes alíneas do nº 2 do artigo 1083º), não determina automaticamente a resolução do contrato de arrendamento. Conforme resulta do nº 2 do artigo 1083º, é necessário que a situação em concreto, “pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”(9)

20) E, o conceito de não uso, previsto na al. d) do nº 2 do artigo 1083º, trata um conceito normativo e não meramente naturalístico, pelo que apurar o seu alcance importa ter em conta as diversas circunstâncias do caso concreto, sendo a cessação da actividade, um mero índice ostensivo ou facto revelador de que, no fundo o espaço arrendado é não usado, facto que torna inexigível a manutenção do arrendamento por parte do senhorio e justifica a ruptura contratual, pois a não utilização sujeita o prédio a desgaste e deterioração que causa dano digno de tutela do direito de propriedade

21) No caso sub Júdice, é nosso entender que não se encontra provada qualquer factualidade que possa caracterizar a resolução deste contrato nos termos do nº 2 do artigo 1083º, designadamente os factos que, pela sua gravidade ou consequências, traduzam a inexigibilidade à outra parte na  manutenção do arrendamento, bem como não ficou provado o não uso do armazém, bem pelo contrário.

22) Efectivamente, os AA. não conseguiram provar que o R. deixou de usar o armazém de peças, que há mais de 30 anos tem aquela função, bem como os AA. não demonstraram que esse não uso é de tal forma incomportável e grave que não suportam mais a manutenção do arrendado.

23) Cabia aos AA. demonstrarem que o comportamento do R. assumiu gravidade ou comportou consequências que lhe tornaram inexigíveis a manutenção do arrendamento, pelo que o Tribunal errou na aplicação dos artigos 1083º nº 2 al.s. c) e d) e 1072 do CC, por não se encontrarem verificados no caso dos autos.

24) Razões pelas quais o presente recurso deverá ser recibo e julgado procedente, revogando-se a sentença ora proferida, por ilegal, substituindo-se por uma outra que julgue a presente acção improcedente, por não provada e com todas as consequências legais.

Contra-alegaram os autores pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes, nucleares, argumento:

1 – Na petição inicial pediu-se ao tribunal que fosse decretada a cessação por resolução do contrato de arrendamento comercial em causa, e em consequência que o locado fosse entregue livre e desocupado, e foi precisamente isto que o tribunal decretou, e nada mais.

2 - Cabe ao tribunal aplicar aos factos o direito.

3 - Se dos factos resultar uma determinada orientação jurídica, o tribunal deverá segui-la, não estando preso aos argumentos de direito alegados pelas partes.

4 – É inequívoco que a douta sentença recorrida concluiu que o estabelecimento está encerrado há mais de um ano, pelo que, não assiste qualquer razão ao recorrente quando alega que a sentença recorrida violou os artigos 659, nº2 e 661, ambos do CPC, e que existiu um erro de julgamento.

5 - O facto que sustenta o pedido, ou seja, o não uso há mais de um ano, é um facto duradouro, e não instantâneo, assim, o prazo de caducidade do direito de resolução só se inicia a partir da data da cessação do facto, o que não aconteceu ainda no caso em apreço.

6 – Além disso, tratando-se a caducidade de uma questão nova situada em matéria de direitos disponíveis, que não foi invocada na contestação, e por isso, não sendo apreciada na decisão impugnada, também não o pode ser agora porque não é do conhecimento oficioso do tribunal – artigo 333 do Código Civil.

7 – Relativamente ao artigo 1083, nº2 do Código Civil, o legislador considerou que quanto aos motivos que taxativamente enunciou na norma, esses são suficientemente graves, só por si, para que seja inexigível ao senhorio manter o arrendamento.

8 - Mas ainda que assim não fosse, sempre se tratariam de presunções ilidíveis, cabendo ao recorrente ter invocado e provado factos que a ele aproveitassem, atinentes a ilidir tais presunções, o que não fez, e esse ónus era seu.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685º-A do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão  essencial decidenda é a seguinte:

Improcedencia da ação.

5.

Os factos dados como provados foram os seguintes:

1.- O prédio urbano composto de loja ao nível do rés do chão, sito na (...) , concelho de Tomar, com o número de polícia 1, 3 e 5, encontra-se inscrito na matriz sob o artigo (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar com o nº (...) , e tem registada a respetiva aquisição por compra a favor de (…) e (…)

2.- Os Autores foram habilitados como herdeiros de (…).

3.- Por acordo verbal celebrado há cerca de 60 anos, o proprietário anterior aos Autores cedeu ao Réu o uso da loja identificada em A) com destino a oficina e armazém de peças mediante o pagamento de uma renda.

4.- Há cerca de 30 anos, o Réu passou a exercer a atividade de oficina no Caminho Água das Maias, números 24, 26 e 28, em Tomar.

5.- A partir dessa data começou a utilizar a loja apenas como armazém de peças.

6.- O Réu continua a pagar a renda, que presentemente se cifra em 5,00€ mensais.

7.- Desde o referido em 4), o réu deixou de utilizar a loja referida em 1) como oficina.

8.- A porta de entrada da loja referida em 1) está encerrada quando o réu aí se não encontra.

9.- Não são vistos a sair e entrar na loja quaisquer clientes.

10.- Em data indeterminada, nos finais de dezembro de 2007 e inícios do ano de 2008, o réu colocou na loja referida em 1), um escrito com a menção de “trespassa-se”.

6.

Apreciando.

6.1.

Liminarmente.

Importa referir que, não obstante o recorrente se referir à violação dos artºs 659º nº 2 e 661º do CPC, tal asserção não corresponde aos fundamentos por ele invocados.

Na verdade e bem vistas as coisas, o que ele essencialmente defende e importa apreciar e dilucidar, é se os factos provados  são, ou não, suficientes para decretar o despejo ao abrigo do artº 1083 nº2 al. d) do CC.

Igualmente a referencia, á vôl doiseaux, à caducidade, não releva, pois que, tal como expendem os recorridos, tal questão não foi apreciada na sentença, porque não foi alegada, e não o pode ser oficiosamente pois que estamos em sede de direitos disponíveis – artº 333º nº2 do CC.

Posto isto apreciemos.

6.2.

O contrato de arrendamento pode ser resolvido nos termos gerais de direito – artº 1083º nº1 do CC.

Para além de tal genérica possibilidade o artigo prevê no seu nº2 causas específicas  da resolução deste negócio jurídico.

Assim e no que para o caso interessa, estatui o artº 1083º nº2 al. d) do CC: «é fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio: o não uso do locado por mais de uma ano, salvo nos casos previstos no nº2 do artº 1072º».

Não está em causa esta exceção.

Importa, pois, apreciar se os factos têm força e dignidade bastantes para preencher a regra da previsão legal.

6.3.

Como bem defende o recorrente o preenchimento da previsão da mencionada alínea d) (bem como de qualquer uma das restantes alíneas do nº 2 do artigo 1083º), não determina automaticamente a resolução do contrato de arrendamento pois que, conforme dimana do corpo do nº 2 do artigo 1083º, é necessário que a situação em concreto seja de tal modo grave ou acarrete consequências tais que clame a conclusão ser inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento.

E é evidente que tal conclusão tem de dimanar, desde logo, da objetividade dos factos apurados.

 E se os mesmos não forem inequívocos em qualquer sentido,  deve derivar da melhor interpretação que deles deve ser feita, na consideração dos elementos da hermenêutica jurídica e de uma perspetivação justa e equilibrada dos interesses em jogo e da teleologia legal.

Não se podendo olvidar, no que a este último conspeto tange, e tal como outrossim  é admitido pelo recorrente, que a ratio do segmento normativo ora em apreciação, se prende com o interesse do senhorio em não ter o prédio degradado e desvalorizado com o seu encerramento e a proteção do interesse geral social  no aproveitamento  económico de todos os prédios/imóveis utilizáveis enquanto fatores de produção.

Por isso a imposição legal do uso efetivo do locado, não deixando de o usar por mais de um ano – artºs 1022º e 1072º nº1 do CC.

6.4.

Ademais os conceitos de “uso” e “não uso” que a lei acolhe não têm cariz estritamente naturalístico, de correspondência empírica a qualquer afetação, encerramento ou cessação, mas antes índole normativa.

Assim para apurar o seu exato alcance sempre importa ter em conta as circunstâncias que cada caso concreto revele, vg.: o fim do próprio arrendamento, a natureza do espaço arrendado, o grau de redução da atividade, a respetiva origem e inerente justificação, o seu carácter previsivelmente temporário ou, antes, definitivo, ou ainda qualquer outra condição específica envolvente e capaz de condicionar a situação que se mostre em presença.

  Destarte, urge ter presente que não preterem ou descaraterizam o conceito legal  “não uso” as simples intervenções ou utilizações intercalares e esporádicas, que entretanto o arrendatário escolha fazer ao longo e no decurso de uma desafetação continuada, pois que, mesmo assim, o estado de  desocupação do espaço arrendado é essencialmente mantido – cfr. Fernando de Gravato Morais, “Novo Regime de Arrendamento Comercial”, 2006, p. 116; Acórdão da RP de 8.09. 2009, p. nº 239/07.8TBVLC.P1; da RC de 17.11.2009, p. nº 1737/06.6TBMGR.C1 e da RL de 27.05.2010, p. nº 707/08.4YXLSB.L1-6, todos em dgsi.pt.

6.5.

No caso vertente o Sr. Juiz entendeu verificado o não uso, com o seguinte, nuclear, discurso argumentativo:

«é líquido que a loja arrendada servia de apoio à oficina onde o réu exercia a sua atividade de reparação de motas. Cessou esta, e mantém ainda na loja arrendada o material que afetava àquela atividade. É claro que a mesma ainda serve de armazém a esse material, mas deixou de realizar o fim que foi acordado entre as partes e que sempre foi aceite que era o de inicialmente a loja ser para oficina e armazém de peças, e após, tão só, como armazém de peças, mas de suporte ao exercício dessa atividade de reparação. O réu deixou de exercer a sua atividade, pelo que, não pode entender-se que deve manter-se o contrato de arrendamento apenas porque o mesmo pretende vender o respetivo recheio. O locado, atualmente não serve o fim que foi aceite pelas partes e que face ao descrito em 3) a 5), tem de se concluir que servia de apoio à atividade de reparação de motas exercida pelo réu.

É certo que o réu se encontra no locado, mas não exerce aí qualquer atividade e nem sequer aquele espaço lhe serve se apoio a qualquer atividade, pois que já não exerce nenhuma. De facto, a utilização que o réu de momento faz do locado, equivale a um encerramento de qualquer atividade no mesmo, pois que servia de armazém de uma oficina, a qual fechou. Assim, entende-se que o réu tem o locado encerrado face ao fim que o locado tinha, e que foi aceite por ambas as partes, que era servir como armazém de peças mas de uma atividade de oficina que o réu exercia. Se o mesmo a já não exerce, não se justifica que possa manter o arrendado para aí continuar a ter armazenadas as mercadorias e acessórios que afetava à sua atividade».

E de facto assim é, mostrando-se esta interpretação e entendimento adequados, sensatos e conformes à justa e equilibrada perspetivação dos interesses em presença.

 O cerne da questão passa pela interpretação acerca da finalidade atribuída pelas partes ao contrato, ou seja, qual foi a sua intenção ao adstringiram o locado a oficina e armazém de peças.

Pretenderam elas permitir o uso a duas finalidades autónomas e cumulativas, ou o uso como armazém está, indelével e necessariamente, conexionado com o uso como oficina, de tal sorte que, inexistente esta utilização queda prejudicada e inadmissível aquela?

Estamos em crer que é esta a resposta adequada.

A finalidade primeira/principal/essencial/determinante, foi a de oficina.

E o armazenamento revela-se como finalidade secundária/acessória/complementar/dependente daquela.

Consequentemente, é legítima a conclusão de que, se cessado o uso como oficina, as partes perspetivaram o fim do contrato e a entrega do locado.

E assim sendo, não pode deixar  de ter-se  como relevante o facto de há cerca de trinta anos o locado estar apenas adstrito a armazém, o que, naturalmente, frustra, em grande medida, a fruição da sua utilidade económica, pelo menos na perspetiva gizada pelas partes aquando da celebração do contrato.

Decorrentemente, conclui-se que efetivamente o não uso como oficina viola o anuído pelas partes, preenchendo  a previsão legal  do segmento normativo em causa (al.d) e assume um jaez consubstanciador de gravidade e consequências  tais – vg. económico financeiras para o património dos autores que estão a receber uma renda de valor reduzido e muito possivelmente intoleravelmente incompatível com o valor do locado e para a comunidade em geral que assim assiste ao sub-aproveitamento de um fator de produção-  que cumpre a exigência do corpo do nº2 do artº 1083º.

Improcede, sem necessidade de adicionais/morosas explanações, o recurso.

7.

Sumariando:

I – O não uso do locado,  justificativo da resolução do contrato de arrendamento – artº 1083º nº2 al. d) do CC - é um conceito a preencher não (apenas) por critérios meramente naturalísticos mas antes, e determinantemente,  por critérios teleológico/normativos, em função das circunstancias do caso.

II – Preenche a ratio e teleologia legal o uso do locado, ao longo de trinta anos, apenas para armazém, se, não obstante o arrendamento ter sido para «oficina e armazém de peças»,  se conclui que o locado foi entregue, primacial e determinantemente, para oficina, revelando-se o armazenamento acessório e dependente daquele uso, o qual, naquele largo lapso de tempo, deixou de verificar-se.

8.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelo recorrente.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Alberto Ruço