Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1452/09.9PCCBR,C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RIBEIRO MARTINS
Descritores: PENA DE PRISÃO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 03/10/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 40º,50º,58º,71º,203º,204º DO CP
Sumário: 1. O fundamento legitimador da pena é a prevenção na sua dupla dimensão geral e especial. A culpa do infractor desempenha o duplo papel de pressuposto (não há pena sem culpa) e de limite máximo da pena a aplicar.
2. O fim do direito penal é o da protecção dos bens jurídico/penais e a pena é o meio de realização dessa tutela, havendo de estabelecer-se uma correlação entre a medida da pena e a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, nesta entrando as considerações de prevenção geral e especial.
3.Pela prevenção geral (positiva) faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e pelo outro no restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal dos bens tutelados; pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa).
4. No caso, tendo o arguido sido já condenado por diversas vezes em penas de prisão pela prática de crimes contra o património, são elevadas as exigências de prevenção especial positiva, as quais, aliadas ao facto de o arguido ter estado em liberdade tão só um ano até à prática do crime dos autos, não permitem formular um prognóstico favorável acerca do comportamento do arguido no futuro, caso lhe seja aplicada uma pena não privativa da liberdade.; por outro lado, do ponto de vista da comunidade e das elevadas exigências de exteriorização física da reprovação, solução distinta da aplicação duma pena de prisão efectiva seria sentida como uma injustificada indulgência.
Decisão Texto Integral: 11

I-
1- No processo abreviado com o n.º…/09.9PCCBR, F foi condenado na pena de 20 meses de prisão pela prática, na forma continuada, do crime de furto qualificado p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 30º, 79º, 203º e 204º/1 alínea b) do Código Penal.
O arguido recorre, concluindo –
1) O recorrente praticou o crime de furto qualificado, na forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 30, 203 e 204/1 al. b) do C. Penal.
2) O recorrente confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado, reconhecendo e demonstrando total arrependimento.
3) O recorrente confessou que praticou os factos sob o efeito de metadona e serenais e com o intuito de angariar dinheiro para alimentar o seu vício de toxicodependência.
4) Essa última circunstância, dada como provada na sentença, faz com que se entenda que o elemento subjectivo do tipo de crime de furto qualificado não esteja preenchido no caso.
5) Pelo que deveria o recorrente ser absolvido.
6) A pena aplicada é excessiva perante as circunstâncias particulares relatadas.
7) E não [se] respeitou o critério geral segundo o qual o julgador sempre deverá dar preferência a uma pena não privativa da liberdade sempre que a mesma se demonstre adequada e suficiente a realizar as finalidades da punição.
8) Há uma valoração diferente e desigual entre as circunstâncias atenuantes e as agravantes no caso concreto, pesando estas muito mais do que aquelas; em particular por o arguido já ter condenações anteriores.
9) O recorrente já pagou à sociedade o que tinha a pagar pelos crimes que cometeu anteriormente, tendo cumprido as penas.
10) A pena privativa da liberdade irá impedir a sua ressocialização, actualmente abstinente dos consumos, com um tratamento de desintoxicação feito há pouco tempo e no caminho para a completa recuperação e integração social.
11) As circunstâncias atenuantes são em maior número e devem ser consideradas com particular acuidade no caso; até porque não existe uma particular perigosidade do arguido; mas antes a sua situação de dependência de estupefacientes que o condicionou aquando dos factos ilícitos e ocasionou o seu desequilíbrio cognitivo.
12) A sentença sobrevaloriza o passado criminal do arguido, circunstância que veio a condicionar a fixação da medida da pena.
13) Por todas essas circunstâncias esta não deveria ter sido superior a um ano de prisão.
14) Existem penas de substituição da prisão que não são de aplicação discricionária; antes obrigatória desde que se verifiquem no caso os respectivos pressupostos.
15) A execução da pena aplicada deverá ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade nos termos do art.° 58° do Código Penal.
16) Caso se opte pela não redução da pena ele prisão para 1 ano, a execução nos termos do disposto no art° 58, em particular no n° 3 desse normativo, não poderá alcançar o máximo de 480 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.
17) Se se optar pela redução da pena de prisão para um ano ou menos, a mesma poderá ser executada em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos.
18) A pena ele prisão reduzida a um ano ou menos, executada em regime de permanência na habitação ou, em alternativa, substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, realiza as finalidades da punição quer de prevenção geral quer de prevenção especial.
19) O arguido quer numa quer noutra situação sempre sentirá o efeito dissuasor da lei, reabilitando-se para a sociedade.
20) Deve a sentença ser substituída por outra que absolva o arguido por falta de preenchimento do elemento subjectivo do tipo de crime; se assim não se entender deve a pena de 20 meses de prisão ser reduzida a menos de um ano e executada em regime de permanência na habitação ou, caso a mesma não seja reduzida, ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
21) A sentença viola os art.ºs 203, 204, 40, 43,44, 52, 58, 70 e 71 ° do Código Penal
3- Respondeu o Ministério Público pelo infundado do recurso, no mesmo sentido se pronunciado o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto.
4- Colheram-se os vistos. Cumpre apreciar e decidir!
II-
1- Decisão de facto -
A) Factos provados -
1) No dia 26 --- de 2009, pouco antes das 01.15 horas, na Rua Almeida Garrett, nesta cidade, o arguido dirigiu-se ao veículo de matrícula ---LB, pertencente a A. e ali estacionado, partiu o vidro triangular da porta lateral traseira do lado esquerdo, abriu o veículo e do seu interior retirou e levou consigo uma carteira com documentos pessoais e da viatura, dois pares de óculos de sol de marca “Ray Ban” com o respectivo estojo, um telemóvel Nokia 5300 e três chaves de casa, tudo avaliado em 200 €.
2) Mais à frente, quando se afastou do local, o arguido deitou fora a carteira com os documentos.
3) Depois, na Avenida Sá da Bandeira, o arguido dirigiu-se ao veículo de matrícula HX---, pertencente a J. e ali estacionado, partiu o vidro triangular da porta lateral da frente do lado esquerdo, abriu o veículo e do seu interior retirou e levou consigo uma bolsa com a documentação do veículo, um GPS de marca ‘Garmin, Forerunner 201”, um casaco de marca “H&M” e uma lanterna, tudo avaliado em 162 €.
4) Na mesma avenida, o arguido dirigiu-se, ainda, ao veículo de matrícula --VT, pertencente a F. e logrou abri-lo sem causar danos; depois, do seu interior retirou e levou consigo uma carteira com documentos pessoais, um telemóvel Nokia 3650, um carregador de telemóvel de marca “Nokia” e um auricular da mesma marca, tudo avaliado em 125€.
5) Finalmente, o arguido dirigiu-se ao veículo de matrícula ---MX, pertencente a I e ali estacionado, partiu o vidro triangular da porta lateral traseira do lado esquerdo, abriu o veículo e do seu interior retirou e levou consigo uma bolsa com a documentação do veículo, um GPS de marca “TOM TOM”, com o respectivo carregador, um estojo de marca “Hafmann” com 30 CD de música, um comando à distância de marca “Sony” próprio para auto-rádio, uma mochila de marca “Tiptop” e outra de marca “Nike, Air”, ambas com diversas peças de roupa, tudo no valor de 500 €.
6) O arguido agiu livre e conscientemente, com intenção de partir os vidros dos veículo para assim aceder ao interior dos mesmos e fazer seus os objectos e valores que ali se encontravam, apesar de saber que nem as viaturas, nem os objectos e valores lhe pertenciam e que estava a actuar sem e contra a vontade dos seus donos; sabia, ainda, que toda a sua conduta era proibida e punida por lei.
7) Foram recuperados o GPS, a lanterna, a carteira para documentação e o casaco do ofendido J., o telemóvel Nokia, o auricular e o carregador de isqueiro e a carteira de documentos do ofendido F. e duas mochilas, o GPS Tom Tom com carregador de isqueiro, um elecomando de auto-rádio e o porta CD do ofendido I. e os óculos de sol, a carteira e o telemóvel do ofendido A.
8) O arguido encontrava-se sob efeito de metadona e serenais e pretendia vender o objecto dos furtos para adquirir estupefacientes.
9) O arguido está reformado por invalidez e recebe uma pensão de reforma de €:243,00 por mês. Consome heroína, cocaína e haxixe há cerca de 15 a 20 anos.
Actualmente está abstinente dos consumos e está a ser acompanhado pela Associação Sol Nascente. Vive com a mãe em casa desta.
10) O arguido já foi condenado -
a)- Por sentença datada de 16/…/86 e transitada em julgado pela prática de um crime de furto, na pena de 3 anos de prisão, pena esta extinta pelo cumprimento.
b)- Por sentença datada de 24/…/87 e transitada em julgado pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de multa de 26.000$00
c)- Por sentença datada de 29/…/87 e transitada em julgado pela prática de um crime de furto e de um crime de burla, em cúmulo com o processo referido em a) na pena 3 anos de prisão e de multa de 36.000$00.
d)- Por sentença datada de 23/…/87 e transitada em julgado pela prática de um crime de falsificação e de um crime de burla, na pena de 16 meses de prisão e de 15 dias de multa, à taxa de 200$00. No âmbito deste processo, em cúmulo jurídico englobando os processos supra referidos em b) e d), foi condenado na pena única de 3 anos e 2 meses de prisão, pena que foi em parte cumprida e em parte perdoada.
e)- Por sentença datada de 15/--/93 e transitada em julgado pela prática, em 21/9/91 de um crime de consumo de estupefacientes na pena de 15 dias multa, que foi julgada extinta por amnistia do crime.
f)- Por sentença datada de 30/---/93 e transitada em julgado pela prática, em 4/4/92, de um crime de furto e de um crime de introdução em casa alheia, na pena única de 10 meses de prisão, que foi declarada extinta por amnistia
g)- Por sentença datada de 17/…/94 e transitada em julgado pela prática, em 13/7/92, de um crime de falsificação e de um crime de burla simples, na pena única de um ano e 9 meses de prisão e 30 dias de multa.
h)- Em cúmulo jurídico, englobando vários processos, foi condenado na pena única de 8 anos de prisão e posteriormente, refeito o cúmulo em virtude de amnistia, foi condenado na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, dos quais um ano e 3 meses foram perdoados.
i)- Por sentença datada de 8/…/94 e transitada em julgado pela prática de um crime de burla e de um crime de falsificação, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão e multa de 6.000$00. Neste processo foi efectuado cúmulo jurídico de vários processos e foi condenado na pena única de 13 anos de prisão, com perdão de 7 meses.
j)- Por sentença datada de 12/../96 e transitada em julgado pela prática, a 1/7/92, de um crime de falsificação e de um crime de burla, na pena de 2 anos de prisão, tendo sido perdoado um ano de prisão.
l)- Por sentença datada de 12/../96 e transitada em julgado pela prática, a 1/7/92, de um crime de falsificação e de um crime de burla, na pena de 2 anos de prisão, tendo sido perdoado um ano de prisão.
m)- Por sentença datada de 2/../97 e transitada em julgado pela prática, a 18/7/92, de um crime de falsificação e de um crime de burla, na pena de 11 anos e 8 meses de prisão. Em razão de indulto presidencial foi este cúmulo jurídico reformulado e condenado o arguido na pena única de 9 anos e 6 meses de prisão
n)- Por sentença datada de 27/../98, em cúmulo jurídico e transitada em julgado pela prática, a 1/../92, de um crime de falsificação e de um crime de burla, na pena de 2 anos de prisão, tendo sido perdoado um ano de prisão.
o)- Por sentença datada de 13/../98 e transitada em julgado pela prática, a 18/7/92, de um crime de falsificação e de 60 dias de multa, à taxa diária de 200$00, tendo sido perdoado um ano e 6 meses de prisão e a pena de multa.
p)- Por sentença datada de 8/../99, pela prática, em 16/../99, dum crime de furto qualificado e de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena única de 5 anos de prisão, com perdão de um ano de prisão, pena esta declarada extinta pelo cumprimento, em 13/…/2006.
q)- Por sentença datada de 28/../04 e transitada em julgado pela prática, em Maio e Junho de 2003, de um crime de dano, um crime de furto qualificado e um crime de furto na forma tentada, na pena de 15 meses de prisão, pena esta declarada extinta pelo cumprimento em 2/../2008.
B) Factos não provados -
Que o arguido também estava sob o efeito de heroína.
C) Motivação -
A convicção do tribunal formou-se, no que aos factos provados respeita, com fundamento na confissão do arguido, que foi integral e sem reservas. Declarou credivelmente que na altura estava sob efeito de serenais e metadona. Relativamente aos antecedentes criminais do arguido, o tribunal valorou o certificado do registo criminal junto. As circunstâncias pessoais e económicas do arguido provaram-se considerando as declarações por ele prestadas.
Relativamente aos factos não provados, o certo é que em audiência de julgamento não foi feita qualquer prova dos mesmos.
2- Apreciação –
No recurso não se questiona nem a qualificação típica dos factos nem a opção pela prisão enquanto pena principal.
O recorrente discorda da decisão de facto quanto ao ponto n.º6 do provado. Mais concretamente nega o elemento subjectivo do crime.
Também discorda da medida da pena que tem por excessiva e que por isso pretende ver reduzida a 1 ano de prisão, pugnando pelo seu cumprimento em regime de permanência na habitação.
Mantendo-se os 20 meses de prisão, pugna pela sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade.
2.1- Quanto à negação do elemento subjectivo da infracção, o arguido ignora que em julgamento confessou os factos da acusação de modo pronto, integral e sem reservas.
Perante uma confissão integral e sem reservas dos factos por que vinha acusado, o Ministério Público prescindiu da restante prova testemunhal arrolada, passando de imediato o tribunal à fase das alegações orais com vista à exposição das conclusões de facto e de direito a extrair da prova produzida ( cfr. teor de fls. 143 da acta da audiência do julgamento).
Sob pena de contradição, não pode o arguido vir agora negar em recurso o que antes confessara em julgamento de modo pronto, integral e sem reservas.
Não é por ter agido sob o efeito de metadona e serenais que irremediavelmente terá de concluir-se pela não consciência dos seus actos e respectiva ilicitude.
Mas admitindo que nesse estado pudesse ter um domínio da vontade diminuído, o tribunal ponderou essa possibilidade para lhe mitigar a pena como se retira da respectiva fundamentação.
Efectivamente, no capítulo da «Determinação da medida concreta da pena», o tribunal ponderou «o facto do arguido ter agido motivado pelo propósito de conseguir dinheiro para adquirir a droga de que carecia em virtude da sua toxicodependência. De facto (…) há que notar que dum modo geral (…) o toxicodependente mantém com a droga um relacionamento marcado por uma séria e insofismável dependência psicossomática consubstanciada na necessidade implacável de consumir estupefacientes. De tal forma que frequentemente o sujeito se encontra numa situação de carência aguda em tudo equiparável aos estados que caracterizam a fome, a sede ou o sono. Daí que (…) o toxicodependente se revele hipermotivado, manifestando por força dum estado de necessidade e sofrimento (…) uma maior disponibilidade para adoptar (…) práticas ilícitas e puníveis que lhe garantam a aquisição do produto (…). Ora este estado de adição associado ao desequilíbrio cognitivo que o acompanha interfere ao nível do juízo de culpa que sobre o agente pode ser formulado (…). Daí que faça surgir diminuída a intensidade do dolo enquanto tipo de culpa».
2.2.1- Quanto à pena aplicada em tese geral diremos que o art.º 40º do Código Penal esclarece que com a aplicação da pena se visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
O art.º 71º do diploma estatui que a medida da pena é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa e das exigências de prevenção; na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depuserem a favor do agente ou contra ele.
O fundamento legitimador da pena é a prevenção na sua dupla dimensão geral e especial. A culpa do infractor desempenha o duplo papel de pressuposto (não há pena sem culpa) e de limite máximo da pena a aplicar.
O art.º 40º assenta numa concepção ético/preventiva da pena: ética porque a sua aplicação está condicionada e limitada pela culpa do infractor; preventiva na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção geral e especial.
O fim do direito penal é o da protecção dos bens jurídico/penais e a pena é o meio de realização dessa tutela, havendo de estabelecer-se uma correlação entre a medida da pena e a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, nesta entrando as considerações de prevenção geral e especial.
Pela prevenção geral (positiva) faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e pelo outro no restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal dos bens tutelados.
Pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa).
A prevenção especial não é um valor absoluto mas duplamente limitado pela culpa e pela prevenção geral: pela culpa já que o limite máximo da pena não pode ser superior à medida da culpa; pela prevenção geral que dita o limite máximo correspondente à garantia da manutenção da confiança da comunidade na efectiva tutela do bem violado e na dissuasão dos potenciais prevaricadores.
2.2.2- Do art.º 204º/1 conjugado com o art.º 79º do Código Penal resulta para o caso uma pena até 5 anos de prisão ou multa até 600 dias.
Obviamente que não está em causa a opção do tribunal pela pena de prisão enquanto pena principal a aplicar. Como também não o está a qualificação típica. Com elas conformou-se o arguido não as colocando em discussão e apreciação no recurso.
Assente que ao caso corresponde uma pena de prisão até 5, importa ponderar as circunstâncias gerais agravativas e atenuativas a considerar.
O tribunal justificou as penas do seguinte modo – “Assim, no que se reporta aos factores concretos da medida da pena concernentes à execução do facto na perspectiva das consequências produzidas, importará valorar em sentido atenuante o facto de ter sido recuperada a totalidade dos os objectos furtados e o facto de ser diminuto o valor dos objectos furtados.
Já em sentido agravante há que valorar o facto de terem sido 4 os veículos furtados, tendo os proprietários de 3 destes veículos de suportar ainda o custo da reparação dos vidros que o arguido partiu. Contra o arguido também tem de se valorar o facto de ter agido com dolo directo.
[Ainda] em sentido atenuante tem de se ponderar a confissão dos factos, com relevo para a descoberta da verdade e o facto do arguido ter agido motivado pelo propósito de conseguir dinheiro para adquirir a droga de que carecia em virtude do seu estado de toxicodependência. (…)
[D]um modo geral, em virtude da patologia de que sofre, o toxicodependente mantém com a droga um relacionamento marcado por uma séria (…) dependência psicossomática consubstanciada na necessidade (…) de consumir estupefacientes. De tal forma que frequentemente se encontra numa situação de carência aguda em tudo equiparável aos estados que caracterizam a fome, a sede ou o sono. Daí que (…) se revele hipermotivado manifestando por força dum estado de necessidade e sofrimento desencadeado pela carência do consumo uma maior disponibilidade para adoptar e seguir qualquer tipo de práticas ainda que ilícitas e puníveis (…). Ora este estado (…) interfere ao nível do juízo de culpa (…) limita[ndo] a censurabilidade (…). Daí (…) [uma] diminuída intensidade do dolo enquanto tipo de culpa.
Em desfavor do arguido, têm de ser valoradas as exigências de prevenção especial e geral positiva, já supra enunciadas, que são significativas.
Considerando tudo o que exposto fica, julga-se adequada a aplicação ao arguido de uma pena de 20 meses de prisão».
Como se vê, o tribunal não deixou de sopesar todas as circunstâncias, pelo que não se justifica qualquer alteração da pena.
Com o STJ( Acs de 23/9/96 e de 4/3/2004, BMJ 460/411 e CJ 2004,1,220) diremos que as expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa duma miragem, quando a medida concreta da pena não possuir o vigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade respeitando-se o limite da culpa. Se uma pena de medida superior à da culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins de prevenção constitui um desperdício.
E, ainda, que observados os critérios legais de dosimetria concreta da pena, nomeadamente os do art.º 71º do Código Penal, há uma margem de actuação do juiz dificilmente sindicável se não mesmo impossível de sindicar, salvo casos de manifesta desproporcionalidade.
2.2.3- Quanto à suspensão da execução da pena, o tribunal correctamente considerou que « De acordo com o disposto no art.º 50º do CP a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos deverá ser suspensa sempre que, atendendo à personalidade do agente, às sua condições vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. E como as finalidades da punição são exclusivamente preventivas, serão sempre e só considerações relativas à medida da tutela dos bens jurídicos e à necessidade de ressocialização a decidir a possibilidade de suspender ou não a execução de um pena de prisão.
No caso constata-se que o arguido foi condenado em diversas penas de prisão pela prática de crimes contra o património. Assim, são elevadas as exigências de prevenção especial positiva, as quais, aliadas ao facto de o arguido ter estado em liberdade tão só um ano até à prática deste crime, não nos permitem tecer um prognóstico favorável acerca do comportamento do arguido no futuro caso lhe seja aplicada uma pena não privativa da liberdade.
Por outro lado, do ponto de vista da comunidade e das elevadas exigências de exteriorização física da reprovação, solução distinta da aplicação duma pena de prisão efectiva seria sentida como uma injustificada indulgência.
Pelo exposto, será aplicada ao arguido uma pena de prisão efectiva».
2.2.4.1- Condenado em 20 meses de prisão, perde cabimento a ponderação da execução da pena em regime de permanência na habitação ou, como refere o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, a sua substituição por dias livres face à previsão dos art.ºs 44º e 45º do Código Penal.
2.2.4.2- Quanto à sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade, com o Ministério Público concluímos por uma prognose desfavorável a essa substituição face à situação de toxicodependência do arguido e aos seus antecedentes criminais com efectivo cumprimento de penas de prisão anteriores.
O arguido apresenta uma personalidade particularmente desconforme com o direito tendo em consideração o número de vezes e os tipos de crimes por que já fora condenado (furto, burla, falsificação, dano e tráfico de estupefacientes), tendo cometido os novos factos criminosos ora em causa decorrido apenas cerca de um ano após ter terminado o cumprimento duma outra pena de prisão.
A sua toxicodependência e a persistência na senda criminosa desaconselham qualquer outra pena.
III –
Decisão –
Termos em que se têm os recursos por improcedentes.
Custas pelo recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.
Coimbra,