Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6/17.0T8GRD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
VIOLAÇÃO DA LEI
PROCEDIMENTO
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
PODER-DEVER
JUIZ
HOMOLOGAÇÃO
Data do Acordão: 10/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - GUARDA - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 215º DO CIRE
Sumário: I – A violação de regras procedimentais, no âmbito de processo especial de revitalização, corresponde a um vício de natureza formal consubstanciado na violação de uma regra ou norma que regula o formalismo que deve ser observado no processo e as formalidades a que deve obedecer o plano de recuperação/vitalização apresentado, incluindo as regras que determinam o modo como devem ser encetadas e conduzidas as negociações entre o devedor e os respectivos credores.
II – A violação de normas aplicáveis ao conteúdo do plano corresponderá, por seu turno, a um vício de natureza substantiva ou material consubstanciado na violação de uma regra, norma ou princípio que regula directamente o conteúdo do plano.

III – Tal violação será não negligenciável, para efeitos de recusa de homologação ao plano ao abrigo do disposto no artigo 215º do CIRE, sempre que ela seja susceptível de afectar, de forma relevante, o processo negocial e o resultado que com ele se pretende atingir (a conclusão de um acordo entre o devedor e os seus credores em resultado das negociações entre eles estabelecidas) e sempre que ela acarrete um resultado que a lei não permite, seja porque o conteúdo do plano viola disposições legais de carácter imperativo, seja porque viola regras legais que, apesar de não serem imperativas, visam tutelar e proteger determinados direitos sem que os respectivos titulares tivessem consentido ou renunciado à tutela que a lei lhes confere.

IV – Cabendo ao juiz o poder/dever de controlar a legalidade do processo e do plano de recuperação (seja nos seus aspectos formais, seja nos seus aspectos materiais ou substanciais), já não lhe cabe, contudo, o poder/dever de avaliar a credibilidade e viabilidade do plano apresentado, exceptuando os casos em que ele seja manifestamente inviável ou inexequível e que, como tal, se evidencie como manifestamente dilatório.

V – Assim, inexistindo base factual para concluir que o plano de recuperação é manifestamente inviável ou inexequível e que se apresenta como expediente meramente dilatório, a circunstância de ele se basear na mera expectativa dos devedores de virem a auferir, com o seu trabalho, rendimentos suficientes para fazer face ao respectivo cumprimento – sem qualquer demonstração da sua capacidade para angariar tais rendimentos – não corresponde à violação negligenciável de qualquer norma – seja ela procedimental ou referente ao conteúdo do plano – que deva conduzir à recusa oficiosa da sua homologação; essa circunstância prende-se com a substância do plano – com a sua viabilidade e credibilidade – e, como tal, cabe aos credores avaliar e ponderar a proposta para efeitos de lhe darem ou não a sua adesão.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

Nos autos de processo especial de revitalização em que são devedores A... e B... , com domicílio na (...) , Guarda, foi aprovado – com o voto desfavorável da C..., S.A. e D..., S.A. – o plano de recuperação apresentado pelos devedores.

A credora, C... , S.A., veio requerer a não homologação do plano de recuperação, nos termos dos artigos 215º, 216º e 17º-F, nº 5, do CIRE, alegando, em resumo: que foi violado o dever de actuação de boa-fé, já que nenhuma negociação foi efectivamente desenvolvida, tendo o plano sido apresentado aos credores no último dia útil – 05.05.2017 - antes do fim daquele prazo de três meses – 08.05.2017 - concedido para o desenrolar das negociações, sem que existisse já prazo para qualquer negociação ou contra proposta e que o plano assim apresentado é manifestamente prejudicial à Requerente, prevendo um perdão de 50% da divida de capital e o perdão integral dos juros vencidos e o seu pagamento protelado por um período de 30 meses, colocando a Requerente em situação mais desfavorável do que a situação que interviria na ausência de qualquer plano, sem que seja apresentada a mínima evidência da capacidade dos devedores para o cumprimento do mesmo, atendendo à ausência de quaisquer indicadores económicos financeiros que sustentem/justifiquem o plano de pagamento apresentado.

Na sequência desse facto e por decisão proferida em 11/05/2017, foi recusada a homologação do plano.

Inconformados com essa decisão, os devedores vieram interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

A) Os recorrentes apresentaram-se a processo especial de revitalização, tendo para tanto negociado com os seus credores um Plano de Revitalização tendente à sua recuperação, o qual depois de votado, colheu 64,04% dos votos favoráveis.

B) Assim, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 17.º - F, n.º 3, alínea b) do CIRE, o Plano foi APROVADO.

C) Não obstante, veio o tribunal a quo recusar a homologação do plano aprovado pela maioria dos credores, por considerar que não foram apresentadas e demonstradas as viabilidade e credibilidade do mesmo.

D) Considerando por isso haver uma violação de uma norma procedimental, o que impõe a recusa oficiosa do plano apresentado.

E) Atenta a natureza do processo de revitalização, e considerando que pelo mesmo o devedor visa alcançar ajustamentos e concertações com os seus credores no pagamento dos créditos, nomeadamente ajustando e negociando com estes os montantes e prazos de pagamento, foi pois também no decurso dessas negociações que houve lugar à explanação e aprofundamento das circunstâncias pelas quais o Plano seria cumprido pelos devedores.

F) Nomeadamente através dos rendimentos auferidos pelo devedor marido, enquanto empresário em nome individual, como pela devedora mulher, igualmente empresária em nome individual na actividade de agenciamento e consultoria e trabalhadora por conta de outrem na empresa E...., Lda.

G) Foi pois nesse pressuposto que os credores consideraram o Plano viável e exequível, tanto assim, que o votaram favoravelmente, por acreditarem que através do mesmo iriam receber os seus créditos.

H) De resto, questiona-se, quem melhor para ajuizar da credibilidade das medidas contempladas no Plano e da viabilidade do seu cumprimento do que os próprios credores.

I) Ora, não pode deixar de se ponderar que a lei propende a pôr nas mãos dos credores a decisão sobre o destino do processo, e, nessa medida, o tribunal deve mostrar generosidade na sindicação da bondade do por eles deliberado, na ponderação de que ninguém melhor do que os credores saberá o modo de mais adequadamente defender os seus próprios interesses. – cfr. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2.ª Ed., pág. 828.

J) Por conseguinte, mal andou o tribunal a quo ao decidir como decidiu, pois foi para além dos poderes que a lei lhe confere na apreciação das condições de viabilidade e credibilidade do Plano (tal qual foi negociado e expressivamente aprovado pelos credores).

L) Por outro lado, também ao abrigo do disposto no art. 215.º, aplicável ex vi do n.º 5 do art. 17.º-F do CIRE, no que tange à violação das normas procedimentais e na qual o tribunal recorrido alicerça a não homologação do Plano, apenas se incluem situações, v.g., como a falta de notificação pessoal de credores, a falta de publicação de anúncios, a falta de recolha de pareceres, a realização irregular de assembleia de credores, etc.

M) E não já a apreciação quanto às condições de viabilidade económica dos devedores que o próprio tribunal (ao invés dos credores) repute como necessárias ao cumprimento do Plano.

N) Ora, para que o tribunal possa recusar a homologação do Plano com tal fundamento, necessário se tornaria que tal lhe fosse requerido por qualquer credor interessado, ao abrigo do disposto no art. 216.º do CIRE.

O) O que não se verifica nos presentes autos, no que concerne ao segmento decisório do tribunal recorrido.

P) Não obstante, também não se diga que o Plano não contempla medidas relativas à sua execução e cumprimento, pois de facto nele preveem-se medidas como o estabelecimento de períodos de carência (para credores garantidos e comuns), ou o perdão de juros vencidos e o perdão de 50% do valor de capital (para credores comuns).

Q) Tudo medidas determinantes para que os devedores possam revitalizar-se economicamente e assim honrem os prazos e montantes previstos no Plano.

R) Por fim ainda se dirá, não obstante tal não ter sido considerado no decisório da sentença recorrida, também nunca se poderia considerar-se para efeitos do art. 216.º do CIRE, o pedido de não homologação deduzido nos autos pela credora C..., S.A.

S) Porquanto, constitui pressuposto de atendibilidade do pedido feito ao juiz do processo para que recuse a homologação do plano recuperação, que a oposição seja manifestada e deduzida pelo credor antes da aprovação do Plano - cfr. Ac. Tribunal da Relação de Coimbra, de 15-09-2015, proc. n.º 5570/14.3T8CBR.C1 – o que deveras não sucedeu nos presentes autos.

T) A sentença recorrida violou as normas vertidas no art. 17.º-A, n.º 1; 17.º-D, n.º 10; 17.º-F; 215.º e 216.º do CIRE, bem como o art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., requer-se seja revogada a sentença recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra de homologação do plano de recuperação aprovado pela maioria dos credores.

A C... apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

A. O presente recurso vem interposto da Douta Sentença de não homologação do Plano de Recuperação apresentado pelos devedores, a qual, no entender da ora recorrida, não deve merecer por parte dos Senhores Desembargadores qualquer reparo.

Com efeito,

B. Entendeu o Tribunal a quo, bem, que um “analisando o plano apresentado, resulta que os devedores na sua elaboração - e tal como diz o credor C..., S.A. - não apresentou ou sequer esboçou (a não ser em termos genéricos e conclusivos) um plano de negócios dotado de aparente viabilidade e credibilidade, o que não nos permite formar a convicção de que o mesmo não é um mero expediente nos termos alegados.”

C. E, entende que ao não terem sido demonstradas as viabilidades e a credibilidade do plano de negócios, “encontra-se aqui uma violação de uma norma procedimental, o que impõe a recusa oficiosa do plano apresentado.”

Ora,

D. Na verdade, o Plano apresentado trata-se de um mero expediente utilizado pelos devedores com vista a frustrar-se às suas responsabilidades, com evidente e efectivo prejuízo para todos os seus credores, e com manifesta violação do Princípio da boa-fé e da igualdade entre os credores.

E. Desde logo, e conforme dispõe o n.º 10 do artigo 17º-D do CIRE, “Durante as negociações os intervenientes devem atuar de acordo com os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25 de Outubro.”

F. Prevendo o Segundo Princípio orientador que “Durante todo o procedimento, as partes devem actuar de boa-fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos.”

G. O Processo Especial de Revitalização consiste num processo negocial que visa a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores, que se destina a propiciar a revitalização célere e eficaz dos devedores que se encontrem numa situação de pré-insolvência.

H. Nesse sentido, as negociações desenvolvidas no âmbito do PER devem visar a elaboração de um plano de recuperação viável e credível, ou seja, exequível.

I. Salvo o devido respeito, não nos parece viável ou credível, nem mesmo justo, um plano de pagamentos que visa o perdão de 50% dos créditos comuns e um perdão integral dos juros vencidos, o que acarreta desde logo e por si só um prejuízo concreto e objetivo para a recorrida.

Com efeito,

J. O Plano consignava quanto ao pagamento do crédito comum as seguintes condições:

- “perdão integram dos juros vencidos;”

- “perdão de 50% do valor do capital em dívida;”

- “estabelecimento de um período de carência de pagamento de capital e juros de 36 meses a iniciar na data do transito em julgado da decisão que homologar o presente plano;”

- “fixação de uma taxa de juros vincendos, após a data do transito em julgado da decisão que homologar o presente plano, que resulte da Euribor a 12M acrescida de um spread de 2% ao ano;”

- “pagamento de 50% do capital e juros vincendos em 30 prestações semestrais, iguais, sucessivas e postecipadas, devendo a primeira prestação ocorrer no último dia útil do trigésimo sétimo mês seguinte ao do trânsito em julgado da Sentença de Homologação do Plano;”

Ora,

K. Foram reconhecidos créditos no montante global de € 516.045,41, cifrando-se o crédito garantido da credora C..., S.A. em € 18.812,09, e o crédito comum em € 64.043,84.

L. Correspondendo tal plano à perda integral dos juros correspondentes a €14.043,84, bem como, ao perdão de 50% da dívida, correspondente a € 25.000,00. Consequentemente o crédito comum da credora que ascende o montante de €64.043,84 ficaria reduzido a € 25.000,00.

M. Destarte, constata-se objectivamente que a situação da credora ao abrigo da Plano seria efectivamente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer Plano.

N. Com efeito, e procedendo-se a um juízo de prognose, é forçoso concluir que o plano de reembolso dos créditos apresentado pelos devedores, não é viável nem credível, violando o disposto no décimo princípio da Resolução do Conselho de Ministros nº. 43/2011.

O. Salvo o devido respeito, é por demais evidente que o plano apresentado é apenas um expediente para atrasar o processo de insolvência dos devedores, com vista a frustrar-se às suas responsabilidades em prejuízo dos credores, já que o plano apresentado não contempla a mínima evidência da capacidade dos devedores o cumprirem, atendendo à ausência de quaisquer indicadores económicos e financeiros que sustentem e justifiquem o plano de pagamento apresentado.

P. Na verdade, do plano apresentado não existem quaisquer elementos que demonstrem qual valor dos rendimentos mensais auferidos pelos devedores que permitirão fazer face aos pagamentos a que se comprometem realizar.

Q. Assim como a previsão de períodos de carência ou o perdão de juros vencidos/perdão de 50% do capital (para os credores comuns) não demonstram a execução e cabal cumprimento do Plano, uma vez que em parte alguma do Plano os credores tomam conhecimento da pedra basilar do Plano: a capacidade económico-financeira dos devedores, pelo que é notório que o Plano de Recuperação apresentado não evidencia a capacidade do devedor de gerar fluxos de caixa necessários ao plano de reestruturação, conforme disposto no décimo princípio da Resolução n.º 43/2011.

R. Pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao recusar a homologação do Plano por considerar que o mesmo violava uma norma procedimental; ainda que assim não fosse, sempre seria recusada a homologação do presente plano por claramente violar o disposto nos princípios primeiro, segundo, quarto sétimo e oitavo da Resolução de Ministros supra mencionada.

S. Uma vez que impunha-se aos devedores cooperar com os credores, de modo a obter um acordo que não só permitisse a recuperação dos devedores, como também satisfizesse os demais credores, não os prejudicando.

T. Sendo que, por facto imputável aos devedores, no período em que deveriam ter ocorrido as negociações estas não tiveram lugar, tendo sido violados, pelos devedores, os mais elementares princípios da boa-fé, da cooperação, da absoluta transparência e da lealdade para com os seus credores – violação agravada se tivermos presentes que os devedores recorreram à faculdade consagrada na lei de prorrogação da conclusão das negociações -, e que apresentaram o plano três dias antes de terminar o prazo de negociações, demonstrativo da clara má-fé por parte dos devedores, que nunca prestaram as informações solicitadas pela ora recorrida (relativas ao estado de elaboração do plano) durante o período de negociações.

Por fim,

U. Invocam os recorrentes que a posição manifestada pela credora C... é extemporânea, uma vez que foi formulada depois de aprovado o Plano e não antes, não lhes assistindo qualquer razão.

V. Nos termos do disposto no n.º5 do artigo 17º-F do CIRE, o Juiz decide se deve homologar o Plano de Recuperação aprovado ou recusar a sua homologação, nos dez dias seguintes à recepção do plano de recuperação aprovado e do documento com o resultado da votação, aplicando-se à homologação ou à não homologação, com as necessárias aplicações, as regras previstas nos artigos 215º e 216º do CIRE.

W. Deste preceito decorre que o credor que pretenda requerer a recusa de homologação “tem de o fazer logo de seguida à respectiva aprovação “(v. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/11/2013, processo n.º 1785/12.7TBTNV.C1, em www.dgsi.pt), constituindo pressuposto de atendibilidade do pedido que “a oposição deduzida à aprovação do plano tenha sido manifestada anteriormente à aprovação do plano, mediante alegação dos pressupostos que a fundamentam” (v. Acórdão citado).

X. Ora, a credora cumpriu o referido pressuposto, uma vez que, aquando da sua declaração de voto, manifestou desde logo a sua oposição ao plano, pelo que, tendo o Tribunal a quo recebido a documentação relativa ao resultado da votação no dia 8 de Maio de 2017, a credora apresentou nos autos, no dia 10 de Maio, requerimento a solicitar a não Homologação do Plano de Recuperação, ou seja, antes de proferida a decisão do Meritíssimo Juiz de homologar, ou recusar, o plano aprovado, pelo que é por demais evidente que o seu pedido é tempestivo.

Y. Além de que, o Juiz pode recusar oficiosamente a homologação do plano: “A aprovação de plano de revitalização por maioria qualificada não impõe ao juiz a sua homologação, sem mais, em face da aprovação nos termos exigidos, cabendo-lhe apreciar, ex officio, se se verifica a violação não negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, impondo que aprecie, nomeadamente, se as medidas aprovadas salvaguardam a igualdade entre os credores” (v. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/11/2013, proc. n.º 1995/12.7TYLSB-A.L1-7, em www.dgsi.pt).

Z. Destarte, o Plano de Recuperação aprovado encerra uma violação não negligenciável das regras procedimentais e das normas aplicáveis ao conteúdo do plano, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao recusar a homologação, devendo o recurso jurisdicional interposto improceder e, consequentemente, ser confirmada a decisão recorrida.

Nestes termos e nos demais de Direito deverá o presente recurso ser julgado improcedente e o Douto Tribunal ad quem confirmar a decisão recorrida, assim se fazendo Justiça!


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II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações dos Apelantes – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se ocorreu (ou não) uma violação não negligenciável de qualquer norma que deva conduzir, nos termos do artigo 215º do CIRE, à recusa oficiosa da homologação do plano que foi aprovado pela maioria dos credores;

• Saber se o pedido feito pela credora C... pode ser considerado – e em que termos – para efeitos de recusa da homologação do plano ao abrigo do disposto no artigo 216º do citado diploma legal.


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III.

De acordo com o disposto no art. 17º-F, nº 5, do CIRE (na redacção vigente à data em que foi proferida a decisão e que corresponde actualmente – sem alterações significativas – ao nº 7 do mesmo artigo), “O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º”.

E, tendo em conta o disposto nos artigos 215º e 216º, o juiz, além de dever recusar a homologação do plano nas situações previstas no artigo 216º e a pedido de algum dos interessados aí mencionados, pode ainda recusar oficiosamente essa homologação ao abrigo do disposto no art. 215º, “…no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação”. 

A decisão recorrida recusou a homologação do plano, ao abrigo do disposto no artigo 215º, considerando ter ocorrido violação não negligenciável de uma norma procedimental e justificando essa conclusão nos seguintes termos:

No que tange à violação não negligenciável de regras procedimentais, e mercê do disposto no n.º10 do art.º17.º-D do CIRE, importa atentar na Resolução do Conselho de Ministros n.º43/2011, de 25.10, cujo décimo princípio plasma, com relevo, que “as propostas de recuperação do devedor devem basear-se num plano de negócios viável e credível, que evidencie a capacidade do devedor de gerar fluxos de caixa necessários ao plano de reestruturação, que demonstre que o mesmo não é apenas um expediente para atrasar o processo judicial de insolvência, e que contenha informação respeitante aos passos a percorrer pelo devedor de modo a ultrapassar os seus problemas financeiros.”

Analisando o plano apresentado, resulta que os devedores na sua elaboração – e tal como diz o credor C..., S.A. – não apresentou ou sequer esboçou (a não ser em termos genéricos e conclusivos) um plano de negócios dotado de aparente viabilidade e credibilidade, o que não nos permite formar a convicção de que o mesmo não é um mero expediente nos termos alegados.

De igual modo, deveria o plano conter informação concreta quanto aos passos a percorrer no sentido de serem ultrapassados os problemas financeiros; ali é apresentada uma convicção, mas não é demonstrada a exequibilidade.

Haveria não só de serem apresentadas como demonstradas as viabilidade e credibilidade.

Ora, não o tendo sido, encontra-se aqui uma violação de uma norma procedimental, o que impõe a recusa oficiosa do plano apresentado”.

Tal como referido, o juiz pode/deve recusar a homologação do plano sempre que constate a existência de uma violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo.

A violação de regras procedimentais corresponde a um vício de natureza formal consubstanciado na violação de uma regra ou norma que regula o formalismo que deve ser observado no processo e as formalidades a que deve obedecer o plano de recuperação/vitalização apresentado. Como referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda[1], as normas procedimentais são “…todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes – incluindo, por isso, as relativas à sua própria convocatória e funcionamento – e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado” e incluindo também as regras que determinam o modo como devem ser encetadas e conduzidas as negociações entre o devedor e os respectivos credores. A violação de normas aplicáveis ao conteúdo do plano corresponderá, por seu turno, a um vício de natureza substantiva ou material consubstanciado na violação de uma regra, norma ou princípio que regula directamente o conteúdo do plano, incluindo – como referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda[2] - não só as que respeitam à parte dispositiva do plano, mas também “…aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar”.

Mas, como sabemos, só as violações não negligenciáveis dessas normas poderão motivar a recusa de homologação do plano e, portanto, importa, antes de mais, precisar esse conceito.

A violação de normas procedimentais corresponde, em bom rigor, a uma irregularidade processual que se consubstancia no facto de ter sido praticado um acto que a lei não admite ou de ter sido omitido um acto ou formalidade prescrito na lei e, nessa medida, o critério para apurar se tal violação é (ou não) negligenciável deve ser semelhante ao critério adoptado no artigo 195º do CPC com vista a determinar se a irregularidade tem aptidão necessária para produzir nulidade. Dessa forma, a violação dessas normas será não negligenciável sempre que possa afectar e influir no exame ou na decisão da causa, o que, no âmbito do processo de revitalização, equivale a dizer que tal violação será não negligenciável sempre que ela seja susceptível de afectar, de forma relevante, o processo negocial e o resultado que com ele se pretende atingir: a conclusão de um acordo entre o devedor e os seus credores em resultado das negociações entre eles estabelecidas.

A violação de normas referentes ao conteúdo do plano prende-se com a substância do plano de recuperação (aquilo que ele contém ou deve conter) e, portanto, essa violação será não negligenciável sempre que tal se deva concluir por aplicação do critério supra mencionado (quando se revele aplicável) e, de um modo geral, sempre que ela acarrete um resultado que a lei não permite, seja porque o conteúdo do plano viola disposições legais de carácter imperativo, seja porque viola regras legais que, apesar de não serem imperativas, visam tutelar e proteger determinados direitos sem que os respectivos titulares tivessem consentido ou renunciado à tutela que a lei lhes confere. A violação dessas normas será, portanto, não negligenciável sempre que ela possa afectar/prejudicar a salvaguarda dos interesses – sejam eles do devedor ou dos credores – que sejam dignos de protecção legal.

Feitas estas considerações, regressemos ao caso dos autos.

A decisão recorrida considerou que havia sido violado o décimo princípio plasmado na Resolução do Conselho de Ministros de 43/2011 de 25/10 – uma vez que o plano apresentado não continha um plano de negócios dotado de aparente viabilidade e credibilidade que permitisse formar a convicção de que o mesmo não é um mero expediente, não continha informação concreta quanto aos passos a percorrer no sentido de serem ultrapassados os problemas financeiros e, portanto, não apresentava nem demonstrava a sua viabilidade e credibilidade – mais considerando que isso correspondia a violação não negligenciável de regras procedimentais.

A citada Resolução do Conselho de Ministro veio estabelecer – como nela se refere – um conjunto de recomendações destinadas a potencializar as negociações num processo extrajudicial de reestruturação, visando fomentar e incentivar o recurso ao procedimento extrajudicial de recuperação de empresas e contribuir para o aumento do número de negociações concluídas com sucesso, determinando o artigo 17º-D, nº 10, do CIRE que, durante as negociações, os intervenientes devem actuar de acordo com esses princípios orientadores.

De acordo com o décimo princípio constante do citado diploma, “As propostas de recuperação do devedor devem basear -se num plano de negócios viável e credível, que evidencie a capacidade do devedor de gerar fluxos de caixa necessários ao plano de reestruturação, que demonstre que o mesmo não é apenas um expediente para atrasar o processo judicial de insolvência, e que contenha informação respeitante aos passos a percorrer pelo devedor de modo a ultrapassar os seus problemas financeiros”.

Mas, como resulta do disposto na citada Resolução e do no nº 10 do citado artigo 17º-D, o que esse princípio visa consagrar é uma regra de conduta ou actuação dos interessados durante o processo de negociações e não propriamente uma regra que regule o teor do plano apresentado e aquilo que dele deve constar. O objectivo dessas disposições consiste em incutir aos interessados a necessidade e conveniência de actuarem de boa-fé e com honestidade durante as negociações (o que, aliás, já resultaria das regras e princípios gerais de direito) tendo em vista a conclusão de um acordo sério e devidamente estruturado que tenha efectiva aptidão para alcançar o objectivo pretendido (a recuperação do devedor) e que não tenha intuitos meramente dilatórios. Significa isso que, ao contrário do que se considerou na decisão recorrida, a violação do aludido princípio não poderá retirar-se da mera circunstância de o plano apresentado ter omitido a apresentação do plano de negócios a que ali se faz referência. O que se consagra no aludido princípio é – como se disse – uma regra de conduta ou actuação das partes e, portanto, a sua observância bastar-se-á com o facto de o plano de negócios em que se baseia a proposta de recuperação – bem como a demonstração da sua viabilidade e credibilidade – ser apresentado aos credores durante as negociações para que estes possam formar a sua vontade (livre e esclarecida) de dar ou não o seu acordo ao plano. Daí que a mera constatação de que o plano apresentado não contém aqueles elementos seja insuficiente para concluir que aquele princípio foi violado; para que aquele princípio se pudesse ter como violado ou desrespeitado seria necessário que existissem nos autos elementos bastantes – o que não acontece – para concluir que, durante as negociações, não foi apresentado o plano de negócios em que a proposta de recuperação se baseava e não foi demonstrada a sua viabilidade e credibilidade.

Mas, se é certo que o aludido princípio orientador não contém, em si mesmo, qualquer norma que vise e pretenda regular directamente o conteúdo do plano apresentado, impondo a necessidade de o plano conter o plano de negócios em que se baseia a proposta e a demonstração da sua viabilidade e credibilidade, poder-se-á dizer, no entanto, que essa necessidade é imposta pelo artigo 195º do CIRE – que, dispondo directamente sobre o conteúdo do plano, é aplicável ao plano apresentado no processo de revitalização por disposição expressa do artigo 17º-F, nºs 1 e 7, na actual redacção, e que já na anterior redacção (vigente à data da decisão recorrida) seria aqui aplicável por força do disposto no então nº 5 do artigo 17º-F – onde se dispõe, designadamente, que:   

“(…)

2 - O plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descreve as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente:

a) A descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia do devedor;

b) A indicação sobre se os meios de satisfação dos credores serão obtidos através de liquidação da massa insolvente, de recuperação do titular da empresa ou da transmissão da empresa a outra entidade;

c) No caso de se prever a manutenção em actividade da empresa, na titularidade do devedor ou de terceiro, e pagamentos aos credores à custa dos respectivos rendimentos, plano de investimentos, conta de exploração previsional e demonstração previsional de fluxos de caixa pelo período de ocorrência daqueles pagamentos, e balanço pró-forma, em que os elementos do activo e do passivo, tal como resultantes da homologação do plano de insolvência, são inscritos pelos respectivos valores;

d) O impacte expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de insolvência;

(…)”.

Mas, em bom rigor, o plano cumpre, no essencial, as citadas exigências.

Com efeito, o plano descreve – ainda que em termos deficientes – a situação patrimonial dos devedores, indicando o seu activo e o seu passivo, bem como a actividade profissional por eles desenvolvida, embora não indique, de modo expresso, os rendimentos auferidos com o exercício dessa actividade (ainda que se depreenda do teor do plano e da petição inicial e documentos anexos que, além dos rendimentos auferidos com a actividade que exercem por conta própria, a Requerente aufere, pelo trabalho que presta por conta de outrem, um rendimento líquido de 530,00€, após desconto judicial de 217,00€ e que o Requerente aufere subsídio de desemprego).

O plano também indica o modo pelo qual serão obtidos os rendimentos para a satisfação dos credores: serão os rendimentos que os devedores venham a auferir pelo seu trabalho.

E, se é certo que não indica o plano de negócios em que se baseia a proposta de recuperação e não demonstra a viabilidade e credibilidade desse plano, tal acontece porque a proposta de recuperação não se baseia em qualquer plano de negócios até porque não está propriamente em causa a recuperação de uma empresa.

O plano de recuperação baseia-se, na realidade, na expectativa de os devedores, com o período de carência, o perdão de parte da dívida e o pagamento do restante em prestações semestrais, conseguirem angariar rendimentos – com o exercício das suas actividades de empresários em nome individual e de trabalho por conta de outrem – para cumprir o plano traçado, dizendo que os prazos de reembolso traçados e as prestações fixadas são aqueles que estimaram como compatíveis face à sua capacidade estimada para libertar os fundos de tesouraria necessários para prover à sua subsistência e para cumprir o plano de pagamentos. É certo, portanto, que o aludido plano se baseia, sobretudo, numa expectativa e convicção dos devedores que não está demonstrada, sendo certo que se baseia em rendimentos que previsivelmente irão auferir e cujo valor não foi indicado, sendo que não é feita qualquer indicação acerca dos rendimentos que auferem e poderão auferir com o exercício da sua actividade empresarial e também não indicam, de modo expresso, os rendimentos que auferem pelo exercício de qualquer actividade por conta de outrem.

Assim, ainda que o plano não faça qualquer análise dos rendimentos que previsivelmente os devedores poderão auferir no sentido de demonstrar que tais rendimentos serão suficientes para cumprir o plano de recuperação que apresentaram, ele não deixa de fornecer, no essencial, os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores, deixando claro que ele não se baseia propriamente em qualquer plano de negócios que os devedores pretendam desenvolver, mas sim na mera expectativa de poderem angariar com o produto do seu trabalho rendimentos bastantes para cumprir o plano.

Será esse plano viável e credível? Talvez não. Pensamos, no entanto, que isso é matéria que já se prende com a substância do plano e que, como tal, deve ser avaliada e ponderada pelos credores para efeitos de lhe darem ou não a sua adesão. Com efeito, ainda que caiba ao juiz o poder/dever de controlar a legalidade do processo e do plano de recuperação (seja nos seus aspectos formais, seja nos seus aspectos materiais ou substanciais), já não cabe ao juiz avaliar a credibilidade e viabilidade do plano apresentado, exceptuando os casos em que ele seja manifestamente inviável ou inexequível e que, como tal, se evidencie como manifestamente dilatório.

Refira-se que a norma e exigência citadas – como referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda[3] - destina-se, sobretudo, a tutelar o interesse dos credores, mediante a disponibilização dos elementos necessários que lhes permitam ter uma correcta e exacta percepção da situação e avaliar se a proposta que lhes é apresentada tem a viabilidade e credibilidade necessária para satisfazer os seus interesses.

Ora, se o plano foi aprovado pela maioria dos credores, tal não poderá deixar de significar que tais credores se sentiram suficientemente esclarecidos sobre a viabilidade e credibilidade do plano ao ponto de o votarem favoravelmente, seja porque os elementos constantes do plano foram suficientes para o efeito, seja porque obtiveram esses elementos e informações no decurso das negociações. E, nessas circunstâncias, não existindo base factual para afirmar que o plano não é viável e exequível e que, como tal, constitui mero expediente dilatório não consentido na lei, não parece que deva ser recusada a respectiva homologação.

Importa não esquecer que o plano de recuperação, no âmbito do processo de revitalização, é o resultado de um acordo estabelecido entre o devedor e os seus credores (ou, pelo menos, a sua maioria, nos termos definidos na lei) na sequência de negociações que entres eles se estabeleceram. Ora, se esses credores entenderam aceitar esse acordo e se nada existe que aponte para o facto de a sua vontade ter sido viciada por qualquer erro, impõe-se concluir que os elementos que lhes foram fornecidos (expressos ou não no plano) foram suficientes para confiar na viabilidade e credibilidade do plano que lhes foi apresentado e para formar a sua vontade e decisão de contratar nos termos em que o fizeram. E, se os credores assim o entenderam, parece que não haverá razões bastantes para que o Tribunal recuse o acordo – livremente celebrado entre o devedor e aqueles credores – com base na violação de uma norma que se destina a tutelar os interesses daqueles, salvo se essa violação for susceptível de afectar, de forma não consentida na lei, os direitos dos demais credores (que não votaram o plano) ou conduzir a um resultado que a lei não permite, o que, salvo o devido respeito, não acontece no caso sub judice.

Assim, qualquer violação da norma supra citada que tivesse ocorrido – o que temos como discutível – não corresponderia a uma violação não negligenciável que pudesse justificar a recusa de homologação do plano.

Com efeito e recuperando as considerações supra efectuadas, a circunstância de o plano não apresentar um plano de negócios viável e credível e não demonstrar a capacidade dos devedores de auferir os rendimentos necessários para o seu cumprimento – porque, como dissemos, ele se baseava na mera expectativa de os devedores virem a auferir esses rendimentos com o produto do seu trabalho – não tinha qualquer influência no processo negocial e no resultado que com ele se pretendia atingir, uma vez que os credores sabiam os termos da proposta e sabiam em que ela se baseava e, portanto, tinham toda a liberdade para lhes dar ou não a sua adesão. Por outro lado, e como se referiu, a eventual violação da norma em questão não conduziu a resultado que a lei não permita e tão pouco afectou direitos de outros credores de forma não consentida na lei, uma vez que – ressalvando o caso de o plano ser manifestamente inexequível ou inviável (o que aqui não acontece) – a lei não exige que a aprovação e homologação de um plano de recuperação e a restrição/limitação de direitos que ele comporta para todos os credores (incluindo os que não lhe deram a sua adesão) apenas possa ocorrer quando todos os credores ou o juiz entendam que o plano tem viabilidade e credibilidade; a aprovação do plano por maioria dos credores (desde que essa maioria corresponda à exigida por lei) é consentida pela lei, tal como é consentida a possibilidade de, por força dessa aprovação, serem limitados ou restringidos os direitos de outros credores que não deram a sua adesão por terem, eventualmente, entendido que a proposta que lhes era apresentada não tinha viabilidade e credibilidade.

Entendemos, portanto, que a circunstância descrita não poderá conduzir à recusa de homologação do plano. 

E, se essa circunstância não deve determinar a recusa da homologação do plano, o mesmo acontece com as demais circunstâncias que haviam sido invocadas pela C... no requerimento que veio juntar aos autos.

Sustentava a C... que foi violado o dever de actuação de boa-fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos – dever que está consagrado na lei e na Resolução do Conselho de Ministros supra referida – uma vez que não existiu qualquer cooperação e negociação dos devedores com a Requerente, sendo que o plano foi apresentado aos credores no último dia útil – 05.05.2017 - antes do fim do prazo de três meses concedido para o desenrolar das negociações e já na sua versão final, pois que inevitavelmente não existia já prazo para qualquer negociação ou contra proposta.

Mas, ainda que tais circunstâncias correspondessem a violação não negligenciável de qualquer norma, a verdade é as mesmas não estão demonstradas, sendo certo que os autos não fornecem elementos necessários para concluir pela efectiva verificação daqueles factos.

Sustentava também a credora C... que a sua posição decorrente do plano é extremamente mais desfavorável do que aquela que se verificaria na ausência de qualquer plano.

Aqui, encontramo-nos já sob a alçada do artigo 216º do CIRE onde se prevê a não homologação do plano a solicitação dos interessados; ao contrário do que acontece nas situações previstas no artigo 215º, estamos aqui perante situações em que o juiz não pode actuar oficiosamente, apenas podendo recusar a homologação do plano a pedido dos interessados.

Dispõe, com efeito, o nº 1 da norma citada que:

O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que:

a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas;

b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar”.

No caso, a aludida credora veio invocar a situação prevista na alínea a).

Como decorre da norma citada, a recusa do plano que aí se encontra prevista pressupõe, em primeiro lugar, que o interessado que a solicita tenha manifestado nos autos a sua oposição antes da aprovação do plano de insolvência e pressupõe, em segundo lugar, que tal interessado demonstre em termos plausíveis alguma das situações que aí se encontram previstas.

Ora, independentemente da questão – suscitada pela Apelante nas suas alegações – de saber se a circunstância de a credora ( C...) ter votado contra a aprovação do plano é ou não suficiente para configurar a oposição exigida para efeitos de poder solicitar a sua não homologação, a verdade é que esse pedido não pode ser atendido, uma vez que a aludida credora não demonstrou, em termos plausíveis, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.

Na realidade, a referida credora limitou-se a invocar a circunstância de o plano prever uma redução de 50% do seu crédito.

Mas, como é evidente, isso não basta para concluir pela verificação da situação prevista na norma supra citada; se assim fosse, raramente poderia ser homologado um plano que contemplasse a redução dos créditos, uma vez que os credores discordantes poderiam sempre invocar essa circunstância para solicitar a sua não homologação.

O que está em causa na norma citada não é um juízo comparativo entre o mero valor do crédito com ou sem o plano, mas sim um juízo comparativo, reportado à possibilidade de satisfação do crédito, entre a situação que previsivelmente irá resultar da homologação do plano com a situação em que o credor ficaria se não existisse qualquer plano.

Ora, sabemos que, com o plano, os créditos comuns da aludida credora serão reduzidos a 50% do capital e que tal capital e os juros vincendos serão pagos, após um período de carência de 36 meses, em 30 prestações semestrais e, portanto, admitindo que o plano vai ser cumprido, a C..., uma vez decorrido esse período, veria satisfeito 50% dos seus créditos e os juros vincendos nos termos previstos no plano.

Dada a situação descrita nos autos, é de admitir, com muita probabilidade, que, caso o plano não seja homologado, será declarada a insolvência dos devedores e, portanto, os credores seriam satisfeitos à custa da liquidação dos bens apreendidos para a massa. Ora, não está minimamente demonstrado em termos plausíveis – até porque a aludida credora nada alegou sobre essa matéria – que, perante um passivo global superior a 500.000,00€ e um activo que apenas inclui um prédio urbano e um prédio rústico de terra de cultura e pastagem, exista qualquer possibilidade de poder vir a obter a satisfação do seu crédito em termos mais favoráveis àqueles que resultam do plano.

Concluimos, portanto, não estar verificada a situação prevista no citado artigo 216º, nº 1, al. a), inexistindo, por isso, fundamento para recusar a homologação do plano ao abrigo do que aí se dispõe.

Entendemos, portanto, em face do exposto, que não há fundamento para recusar a homologação do plano que foi aprovado pela maioria dos credores, razão pela qual procede o recurso com a consequente revogação da decisão recorrida.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – A violação de regras procedimentais, no âmbito de processo especial de revitalização, corresponde a um vício de natureza formal consubstanciado na violação de uma regra ou norma que regula o formalismo que deve ser observado no processo e as formalidades a que deve obedecer o plano de recuperação/vitalização apresentado, incluindo as regras que determinam o modo como devem ser encetadas e conduzidas as negociações entre o devedor e os respectivos credores.

II – A violação de normas aplicáveis ao conteúdo do plano corresponderá, por seu turno, a um vício de natureza substantiva ou material consubstanciado na violação de uma regra, norma ou princípio que regula directamente o conteúdo do plano.

III – Tal violação será não negligenciável, para efeitos de recusa de homologação ao plano ao abrigo do disposto no artigo 215º do CIRE, sempre que ela seja susceptível de afectar, de forma relevante, o processo negocial e o resultado que com ele se pretende atingir (a conclusão de um acordo entre o devedor e os seus credores em resultado das negociações entre eles estabelecidas) e sempre que ela acarrete um resultado que a lei não permite, seja porque o conteúdo do plano viola disposições legais de carácter imperativo, seja porque viola regras legais que, apesar de não serem imperativas, visam tutelar e proteger determinados direitos sem que os respectivos titulares tivessem consentido ou renunciado à tutela que a lei lhes confere.

IV – Cabendo ao juiz o poder/dever de controlar a legalidade do processo e do plano de recuperação (seja nos seus aspectos formais, seja nos seus aspectos materiais ou substanciais), já não lhe cabe, contudo, o poder/dever de avaliar a credibilidade e viabilidade do plano apresentado, exceptuando os casos em que ele seja manifestamente inviável ou inexequível e que, como tal, se evidencie como manifestamente dilatório.

V – Assim, inexistindo base factual para concluir que o plano de recuperação é manifestamente inviável ou inexequível e que se apresenta como expediente meramente dilatório, a circunstância de ele se basear na mera expectativa dos devedores de virem a auferir, com o seu trabalho, rendimentos suficientes para fazer face ao respectivo cumprimento – sem qualquer demonstração da sua capacidade para angariar tais rendimentos – não corresponde à violação negligenciável de qualquer norma – seja ela procedimental ou referente ao conteúdo do plano – que deva conduzir à recusa oficiosa da sua homologação; essa circunstância prende-se com a substância do plano – com a sua viabilidade e credibilidade – e, como tal, cabe aos credores avaliar e ponderar a proposta para efeitos de lhe darem ou não a sua adesão.


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IV.
Pelo exposto, concedendo-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida e homologa-se o plano de insolvência aprovado pela maioria dos credores.
Custas a cargo da Apelada, C....
Notifique.

Des. Relatora: Maria Catarina Gonçalves

Des. Adjuntos: António Magalhães

                              Ferreira Lopes

                    


[1] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2008, pág. 713.
[2] Ob. cit., pág. 713.
[3] Ob. cit., pág. 645.