Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
91/13.4GTCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 07/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 56.º, DO CP
Sumário: Quando, durante mais de um ano depois do trânsito o arguido incumpriu todas as regras de conduta que o tribunal lhe impôs, mau grado os esforços que as entidades oficiais encetaram nesse sentido e, o fez de uma forma tão manifesta que só pode ser entendida como uma vontade de menosprezar a pena que lhe fora aplicada e por conseguinte, afastar a esperança do tribunal quando lhe suspendeu a execução da pena, estamos claramente perante a situação prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 56.º do Código Penal.
Decisão Texto Integral:




Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

Por sentença transitada a 17 de outubro de 2013 foi o arguido/recorrente A... condenado como autor de um crime de condução de veículo sob a influência do álcool, previsto e punido 292º, n.º 1 do Código Penal na pena de 90 (noventa) dias de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano, na condição de se sujeitar a acompanhamento por parte da DGRS e a tratamento médico e medicamentoso e, se necessário, a internamento, para controlo do alcoolismo e/ou desintoxicação alcoólica.

Posteriormente, em 26 de novembro de 2014, o tribunal proferiu o seguinte despacho:

“ A... foi condenado nos presentes autos, em 17/09/2013, por sentença transitada em julgado a 17.10.2013, pelo cometimento de um crime de condução de veículo sob a influência do álcool. p.p. 292º do CP, ocorrido a 17.09.2013, na pena de 90 dias de prisão a qual foi suspensa pelo período de um ano subordinada à obrigação de acompanhamento pela DGRS e a acompanhamento médico e medicamentoso para controlo do consumo de bebidas alcoólicas.
Sucede porém que o arguido não cumpriu as condições de que se fez depender a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, já que não se submeteu ao acompanhamento da DGRS nem às convocatórias destes serviços.
Acresce que foi condenado por sentença também já transitada em julgado, por atos praticados no período da suspensão (a 14.02.2014), tendo-lhe sido aplicada a pena de 6 meses de prisão pela prática de um crime de condução de veículo sob a influência do álcool p.p. 292º do CP.
Cremos que as finalidades que estavam na base da suspensão da pena foram irremediavelmente prejudicadas.
Com efeito, no período de suspensão da condenação o arguido não só cometeu um crime doloso idêntico àquele pelo qual foi julgado nestes autos como não cumpriu as obrigações que lhe foram impostas e que se destinavam a impedir a revogação da suspensão da pena de prisão.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser revogada a suspensão de execução da pena.
O arguido veio requerer que o Tribunal lhe dirija apenas uma solene advertência.
Compulsados os autos constatamos que as razões que sempre presidem à suspensão de uma qualquer pena deixaram de se verificar.
Na verdade, do teor das informações constantes no relatório da DGRS a fls. 74-76, ressalta com clareza o incumprimento das medidas aplicadas.
Com efeito:
. o arguido faltou a 6 convocatórias da DGRS.
. recusou dar a morada onde se encontrava.
. não contactou os serviços de Alcoologia, apesar de a tal se ter comprometido.
Ora, o por si alegado "a posteriori" (no requerimento de fls. 156-157) não justifica tais incumprimentos.
Efetivamente, o arguido - durante o período da suspensão - desinteressou-se pelo cumprimento das condições que lhe haviam sido impostas e, consequentemente, pela oportunidade (em termos de reabilitação e inserção social) que a suspensão em causa lhe havia concedido.
Por outro lado, também o cometimento do crime mencionado traduz uma violação grosseira dos interesses que se pretendiam acautelar.
Como assim, ao abrigo do disposto no art.º 56º do C.Penal, não podemos deixar de considerar que as finalidades que estavam na base da suspensão não foram por via desta alcançadas.
Nestes termos, e ao abrigo do supra citado normativo, revogo a referida suspensão determinando consequentemente o cumprimento da pena de 90 dias de prisão aplicada na sentença proferida nos autos.

Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

O recurso foi admitido para subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo.

Respondeu o Ministério Público defendendo a manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:

1. O arguido A... (que desde 1995 vem sofrendo condenações pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez) foi condenado, nos autos à margem referenciados, por sentença transitada em julgado em 17-10- 2013, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo artº 292º, nº 1, do CP, além do mais, na pena de 90 (noventa) dias de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 (um) ano, na condição de se sujeitar a acompanhamento por parte da DGRSP e a tratamento médico e medicamentoso e, se necessário, a internamento, para controlo do alcoolismo e/ou desintoxicação alcoólica;
2. Sucede que o arguido, para além de ter infringindo grosseira e repetidamente os deveres e as regras de conduta que lhe foram impostos na sentença, inviabilizando a execução do plano proposto pela DGRSP e homologado pelo Tribunal praticou, em 14-02-2014 (no decurso da suspensão do presente processo), um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo arts 292º, nº 1, do CP, pelo qual veio a ser condenado, no âmbito do P.S. n2 129/14.8PBLRA, por sentença transitada em julgado em 27-06-2014, na pena de 6 (seis) meses de prisão efetiva.
3. Em face do exposto, não podia o Tribunal a quo considerar a possibilidade de aplicar qualquer das alternativas previstas no art.º 552, do CP e deixar de concluir - como concluiu - que as finalidades (preventivas) que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos ao arguido não puderam, por meio dela, ser alcançadas, e de, em consequência, nos termos do disposto no artº 56º, do CP., revogar tal suspensão e determinar o cumprimento daquela pena de prisão;
4. Pelo exposto, consideramos que a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, não tendo violado quaisquer disposições legais - designadamente os art.s 56º e 70º do CP. ou o artº 18º, nº 2, da C.R.P. - devendo ser mantida.
Termos em que, deverão Vªs Exas. negar provimento ao recurso, mantendo o douto despacho recorrido.

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal não houve resposta.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objeto e o âmbito dos mesmos, exceto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (exceto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).].

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c., do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir 2.

Questão a decidir: - revogação da suspensão da execução da pena

O recurso é manifestamente improcedente e por isso terá que ser rejeitado.
Explicando:
Por sentença transitada a 17 de outubro de 2013 foi o recorrente condenado como autor de um crime de condução de veículo sob a influência do álcool, previsto e punido 292º, n.º 1 do Código Penal na pena de 90 (noventa) dias de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano, na condição de se sujeitar a acompanhamento por parte da DGRS e a tratamento médico e medicamentoso e, se necessário, a internamento, para controlo do alcoolismo e/ou desintoxicação alcoólica.
Ora, mais de um ano depois do trânsito, nenhuma regra de conduta foi cumprida pelo arguido, mau grado os esforços que as entidades oficiais encetaram nesse sentido.
E não foi cumprida porque o recorrente sempre a tal resistiu!!!
Vejamos:
Desde 1995 que o recorrente vem sendo condenado pela prática de crimes de condução sob o efeito do álcool, sendo certo que nos presentes autos, e mau grado o seu anterior comportamento criminal, o tribunal ainda ficou convencido de que a censura do facto e ameaça de pena seriam suficientes para que se cumprissem as finalidades da punição, desde que acompanhados pelo cumprimento das regras de conduta que fixou, ou seja, “acompanhamento por parte da DGRS e a tratamento médico e medicamentoso e, se necessário, a internamento, para controlo do alcoolismo e/ou desintoxicação alcoólica.”
Porém, o recorrente desrespeitou totalmente o cumprimento de tais regras de conduta e nada cumpriu. Mais: nem sequer revelou a mínima intensão de cumprir.
Com efeito, o teor do relatório de incumprimento é revelador da sua absoluta falta de sensibilidade aos efeitos das penas, pois que, ou apresentava desculpas sem sentido para não se sujeitar a qualquer regra, ou nem sequer respondia aos técnicos, chegando mesmo a recusar-se a dar a morada onde se encontrava.
Aliás, quando o tribunal lhe tomou declarações em 15 de outubro de 2014, não deu qualquer explicação minimamente aceitável para a sua atitude obstinadamente relapsa.
Estamos claramente perante a situação prevista na alínea a., do n.º 1, do art.º 56º do Código Penal (e nunca perante uma das situações previstas no art.º 55º visto que a violação foi, não só grosseira, como também repetida, ou seja, a conduta do recorrente integra um caso de revogação obrigatória — “(…) é revogada sempre que (…)”).
Em suma, durante mais de um ano o arguido incumpriu todas as regras de conduta que o tribunal lhe impôs e fê-lo de uma forma tão manifesta que só pode ser entendida como uma manifesta vontade de menosprezar a pena que lhe fora aplicada e por conseguinte, afastar a esperança do tribunal quando lhe suspendeu a execução da pena.
Acresce que o facto de ter cometido crime idêntico em 14 de fevereiro de 2014 pelo qual foi condenado em 6 (seis) meses de prisão (trânsito da sentença condenatória em 27 de junho de 2014) apenas poderia enfatizar o facto de que revelou não merecer a confiança nele depositada, ou seja, de que não foram cumpridas as expectativas motivantes da suspensão da execução da pena.
Assim sendo, e sem necessidade de outros considerandos, bem andou o tribunal “a quo” ao revogar a suspensão da execução da pena.
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Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso
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Custas pelo recorrente, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça.
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Coimbra, 8 de julho de 2015


(Luís Ramos - relator)

(Olga Maurício - adjunta)

1. Neste sentido, v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de Maio de 2012 (acessível in www.dgsi.pt, tal como todos os demais arestos citados neste acórdão cuja acessibilidade não esteja localmente indicada).
2. “(…) quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2011.