Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3910/16.0T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
ÂMBITO
PRINCÍPIO DA FILIAÇÃO
PORTARIA DE EXTENSÃO
PRINCÍPIO DA LIBERDADE CONTRATUAL
Data do Acordão: 09/15/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISE – JUÍZO DO TRABALHO – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 7º DA LRCT; 552º, Nº 1 DO CT DE 2003; 496º, Nº 1 DO CT DE 2009; 405º E 406º DO C. CIVIL.
Sumário: I – De acordo com o disposto nos artºs 7º da LRCT, 552º, nº 1 do CT de 2003, e 496º, nº 1 do CT de 2009, a convenção colectiva de trabalho obriga os empregadores que a subscrevem e os inscritos nas associações de empregadores signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes.

II – Decorre destes normativos o princípio da filiação, nos termos do qual as cláusulas de uma convenção colectiva de trabalho só têm aplicação relativamente aos contratos de trabalho cujas partes estejam filiadas nas organizações signatárias.

III – Assim, é necessário, por um lado, que o empregador seja membro da associação de empregadores outorgante ou tenha sido ele próprio outorgante e, por outro lado, que o trabalhador esteja filiado na associação sindical signatária.

IV – O legislador – confr. Artº 552º do C.T./2003 e artº 496º do C. T/2009 – consagrou a regra da eficácia limitada das CCT’s, ou seja a sua eficácia limita-se aos empregadores que as subscrevam e aos inscritos nas associações de empregadores signatárias, bem como aos trabalhadores ao serviço desses empregadores que sejam membros das associações celebrantes (quando seja um sindicato) ou sejam membros dos sindicatos representados pelas associações sindicais celebrantes (federações, confederações, etc.) – a regra da dupla filiação.

V – Por sua vez, o regulamento/portaria de extensão tem por destinatário quem não esteja filiado nas associações sindicais e de empregadores signatárias da convenção colectiva ou da convenção arbitral que deu origem à decisão arbitral, surgindo, assim, como forma de suprir a inércia daqueles que não quiseram filiar-se em associações sindicais ou de empregadores existente.

VI – De acordo com o princípio da liberdade contratual, as partes têm o direito de, dentro dos limites da lei, contratar e fixar livremente o conteúdo dos contratos (artº 405º do CC).

VII – Uma vez celebrado, o contrato passa a ter força vinculativa (pacta sunt servanda), devendo ser pontualmente cumprido – artº 406º CCiv.

VIII – Ao abrigo da liberdade contratual prevista no artº 405º CC, independentemente das regras de aplicação dos IRCT’s constantes do C. Trabalho, não havendo outro IRCT aplicável que se imponha necessariamente e que com ele conflitue, nada impede que o trabalhador e o empregador estabeleçam que o contrato seja regulado por um determinado CCT, a ele aderindo, ou que apliquem à relação laboral parte do regime previsto num IRCT.

Decisão Texto Integral:     






                   
                        Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                        O Sindicato A.... instaurou a presente acção com processo comum contra B... , S.A.,  pedindo que:

                        A) Se declare que a aplicação pela Ré aos trabalhadores associados do Sindicato A... do CCT (Contrato Colectivo de Trabalho) celebrado entre a AHP e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços, publicado no BTE nº26 de 15/07/2007, com as alterações publicadas no BTE nº28 de 29/07/2008 é ilícita por violação do principio da filiação inscrito no art.º496.º do CT e do principio pacta sunt servanda plasmado no art.º406.º n.º1 do CC e do principio da boa-fé;

                        B) Se condenar-se a Ré na aplicação aos trabalhadores associados do Sindicato A... do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo – APHORT (Associação patronal que anteriormente a 2008 se designada UNIHSNOR) – e a Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria, e  Turismo de Portugal – FESAHT - publicado no BTE n.º31 de 22.08.2011 (revisão global), o qual sucedeu ao publicado no BTE n.º26 de 15 de Julho de 2008, que sucedeu ao publicado no BTE n.º23 de 22 de Julho de 2006 celebrado entre a UNIHSNOR e a FESAHT, que por sua vez reviu o publicado no BTE n.º38 de 15 de Outubro de 2004, que reviu o publicado no BTE n.º26 de 15 de Julho de 2002, que por sua vez reviu o publicado no BTE n.º29 de 8 de Agosto, 36 de 29 de Setembro, e 43 de 22 de Novembro todos de 1998 e 29 de 8 de Agosto de 1999 e 30 de 15 de Agosto de 2000.

                        Para fundamentar os seus pedidos alegou, em síntese e tal como consta da sentença recorrida, que a Ré até 10 de Maio de 2012 aplicava a todos os trabalhadores ao seu serviço, ou pelo menos aos associados do Autor, o CCT celebrado entre a APHORT e a FESAHT publicado no BTE nº 31 de 22-08-2011 (revisão global) o qual sucedeu ao publicado no BTE n.º26 de 15 de Julho de 2008, que sucedeu ao publicado no BTE n.º23 de 22 de Julho de 2006 celebrado entre a UNIHSNOR e a FESAHT, que por sua vez reviu o publicado no BTE n.º38 de 15 de Outubro de 2004, que reviu o publicado no BTE n.º26 de 15 de Julho de 2002, que por sua vez reviu o publicado no BTE n.º29 de 8 de Agosto, 36 de 29 de Setembro, e 43 de 22 de Novembro todos de 1998 e 29 de 8 de Agosto de 1999 e 30 de 15 de Agosto de 2000. Contudo, por comunicação escrita datada de 10 de Maio de 2012 a Ré informou os trabalhadores que passava a aplicar o CCT celebrado entre a AHP e a FETESE, publicado no BTE nº 26 de 15-07-2007, com as alterações publicadas no BTE nº 28 de 20-07-2008. Assim, a partir dessa data a Ré aplica aos seus trabalhadores associados do Autor este CCT.

                        No entanto, o CCT celebrado entre a APHORT e a FESAHT aplica-se em toda a área territorial da República Portuguesa e mantém-se válido, vigente e eficaz, sendo que até pelo menos Maio de 2012, em todos ou pelo menos na maioria dos contratos de trabalho celebrados e reduzidos a escrito, a Ré fazia constar, a aplicação deste CCT às relações de trabalho, o que sucedeu com os contratos de trabalho celebrados com alguns trabalhadores, cujas cópias foram juntas aos autos.

                        Acresce que o Autor se encontra filiado na FESAHT e a Ré encontra-se filiada na APHORT, pelo que a aplicação aos trabalhadores inscritos no Autor do CCT celebrado entre a AHP e a FETESE viola o princípio da filiação previsto no artº 496º do Código do Trabalho, sendo que nos termos do nº 4 de tal normativo a desfiliação sindical ou patronal provocará apenas a não aplicação de convenções ulteriores.

                        O CCT celebrado entre a APHORT e a FESAHT mantém-se em vigor, não tendo sido objecto de denúncia ou de revogação por acordo das partes, nem caducou, pelo que a Ré não o podia ter desaplicado aos trabalhadores inscritos no Autor a partir de Maio de 2012 e em sua substituição ter passado a aplicar-lhes um CCT não subscrito pela FESAHT, sendo que o CCT entre a AHP e a FETESE nunca poderia aplicar-se aos trabalhadores inscritos no Autor, nem mesmo através de portaria de extensão. Por outro lado constando dos contratos de trabalho celebrados com os trabalhadores a aplicação do CCT entre a APHORT e a FESAHT, resulta inequívoco que aquando da celebração dos contratos, ambas as partes, trabalhadores e Ré acordaram mutuamente e de forma expressa a aplicação à relação laboral de tal CCT, sendo que a aplicação de tal CCT foi pressuposto da aceitação da celebração dos contratos individuais de trabalho, pelo que a Ré ao deixar de aplicar tal CCT a partir de Maio de 2012 deixou de cumprir o acordado nos contratos individuais celebrados, violando o princípio basilar pacta sum servanda previsto no artº 406º do Código Civil, sendo que os efeitos da desfiliação não podem colocar em causa os contratos individuais de trabalho em vigor ao tempo em que a convenção se aplicou, apenas ficando as partes desvinculados relativamente a futuros contratos individuais de trabalho que venham a celebrar.

                        Na contestação que apresentou a Ré pugnou pela improcedência da acção, invocando que não se encontra actualmente inscrita na APHORT, tendo deixado de ser associada desta, sendo que aplicou enquanto foi associada da mesma o CCT entre a UNIHSNOR e a FESAHT publicado no BTE nº 38 de 15-10-2004 e que é mencionado em diversos contratos de trabalho, apesar de nessa altura ser também associada da AHP. Após aplicou o CCT celebrado entre a UNIHSNOR e a FESAHT publicado no BTE nº 23 de 22-07-2006, por força da Portaria de Extensão publicada no BTE nº 45 de 08-12-2007 e aplicou ainda o CCT celebrado entre a UNIHSNOR e a FESAHT publicado no BTE nº 26, de 15-07-2008, por força da Portaria de Extensão publicada no BTE nº 47 de 22-12-2008. Contudo já não aplicou o CCT celebrado entre a APHORT e a FESAHT publicado no BTE nº 31 de 22-08-2011, o qual não chegou a ser objecto de portaria de extensão.

                        A AHP, da qual a Ré se mantém associada desde 2000, celebrou com a FESAHT o CCT publicado no BTE nº 37 de 08-10-1983, com as alterações publicadas no BTE nº 29 de 08-08-2008, cujo âmbito de aplicação são as empresas e ou os estabelecimentos hoteleiros, mas cujo âmbito territorial está circunscrito aos distritos de Beja, Lisboa, Portalegre, Santarém (com excepção de Ourém) e Setúbal. Mas a AHP celebrou também com a FETESE o CCT publicado no BTE nº 26 de 15-07-2007, com as alterações posteriores, cujo objecto de aplicação são as empresas que explorem estabelecimentos com a classificação oficial de hotel, pousada, estalagem, motel, hotel-apartamento, aldeamento turístico, apartamentos turísticos, moradias turísticas e conjuntos turísticos que integrem algum daqueles estabelecimentos, cujo âmbito de aplicação territorial é todo o território nacional, com excepção das regiões autónomas da Madeira e dos Açores.

                        Assim, tendo a Ré estabelecimentos hoteleiros em Viseu, Mortágua, Penalva do Castelo e Ílhavo e estando associada exclusivamente na AHP estava a mesma obrigada à aplicação do CCT celebrado entre a AHP e a FETESE, publicado no BTE nº 26 de 15-07-2007, atento o âmbito da sua aplicação a todo o território nacional continental, quer aos trabalhadores associados na FETESE, por força do disposto na cláusula 1ª deste CCT e artº 496º do CT, quer aos restantes trabalhadores, por força da Portaria de extensão nº 116/2009, de 29-01-2009, pelo que tal CCT é aplicável aos trabalhadores associados do Autor. Desta forma a Ré passou a aplicar este CCT a todos os trabalhadores ao seu serviço a partir de 10-05-2012, data em que comunicou aos mesmos tal aplicação, sendo certo que a mesma nunca chegou a aplicar o CCT invocado pelo Autor celebrado entre a APHORT e a FESAHT publicado no BTE nº 31 de 22-08-2011, porque nessa data já não era associada da APHORT, mantendo-se inscrita na AHP, pelo que inexistiu qualquer violação do nº 4 do artº 496º do CT.

                        Invoca ainda que a referência ao CCT aplicável constante dos contratos de trabalho celebrados, não foi acordada com os trabalhadores resultando apenas do dever de informação aos trabalhadores relativamente ao instrumento de regulamentação colectivo que lhes era aplicável.

                        O Autor apresentou resposta à contestação, reafirmando o invocado na petição inicial, invocando que a PE de 2009 de 29-02, são na verdade duas portarias de extensão inseridas na mesma portaria, sendo que a FESAHT como está referido na fundamentação não queria a extensão aos trabalhadores cobertos pelo CCT APORTH, facto que inviabiliza a aplicação aos associados do Autor do CCT celebrado entre a AHP e a FETESE, pelo que não pode ser aplicado o CCT invocado pela Ré por força de tal portaria de extensão. A dupla filiação da Ré na APHORT e na AHP não pode ser invocada, sob pena de estarmos perante uma situação de má-fé. Acresce que remetendo os contratos de trabalho para o CCT da APHORT, não pode ser regime convencional ser afastado unilateralmente pela Ré. Por outro lado, já após a inscrição da Ré na AHP em 2007 e a publicação do CCT celebrado entre a AHP e a FETESE de 2007, a Ré aplicou aos seus trabalhadores, designadamente aos associados no Autor, o CCT celebrado entre a APHORT e a FESAHT publicado no BTE nº 26 de 15-07-2008 e a revisão global publicada no BTE nº 31 de 22-08-2011, pelo que a mesma não poderia ter desaplicado tal CCT e passado a aplicar de imediato o CCT celebrado entre a AHP e a FETESE a partir de 10-05-2012, data em que comunicou tal aplicação aos trabalhadores, uma vez que por força do artº 496 e seguintes do CT a denúncia do CCT anterior só produziria efeitos passado um ano sobre a comunicação, pelo que só a partir de 10-05-2013 a Ré poderia desaplicar o CCT celebrado entre a APHORT e a FESAHT, sendo certo que na comunicação efectuada pela Ré a mesma não invoca a PE nº 116/2009.

                        Contudo, caso se entenda que assiste razão à Ré e que a mesma podia aplicar aos associados do Autor o CCT entre a AHP e a FETESE, terá que se concluir pela aplicação a tais trabalhadores do CCT celebrado entre a APHORT e a FESAHT até 09-05-2013, pois que só a partir de 10-05-2013 a Ré poderia ter aplicado o CCT entre a AHP e a FETESE:

                        Assim, concretiza o pedido formulado na petição inicial, no sentido de, caso se entenda pela aplicação aos trabalhadores associados do Autor do CCT celebrado entre a AHP e a FETESE publicado no BTE n.º26 de 15/07/2007, a mesma só poderá produzir efeitos a partir de 10.05.2013, isto é passado um ano sobre a comunicação de denúncia/desaplicação do CCT celebrado entre a APHORT e a FESAHT, publicado no BTE n.º26, de 15/07/2008, por força da portaria de extensão publicada no BTE n.º47, de 22/12/2008 e o CCT publicado no BTE nº 31 de 22.08.2011, tudo nos termos e para os efeitos do disposto no art.º496.º ss do CT.

                        Instruída e julgada a causa foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo a Ré do pedido.        
                                                                       x
                        Inconformado com tal decisão, veio o Autor interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
                        […]

                       

                                A Ré contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.

                        Foram colhidos os vistos legais, tendo  Exmº PGA emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

                                                                       x

                        Delimitando-se o objecto do recurso pelas suas conclusões, temos como questões a decidir:

                        - a  impugnação da matéria de facto;

                        - se é ilícita a desaplicação por parte da Ré a partir de 10-05-2012 do CCT celebrado entre a APHORT e a FESAHT publicado no BTE nº 26 de 15-07-2008 e a revisão global publicada no BTE nº 31 de 22-08-2011.
                                                                                       x
                        A 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
                        […]

                       

                                                                       x

                        - o direito:

                        - a impugnação da matéria de facto:

                        Propõe a recorrente a eliminação do facto 34, por, em seu entender, traduzir “um juízo conclusivo e valorativo”, além de que entra em contradição com os factos 16,17 e 22.

                        Sem razão contudo.
                        A distinção entre aquilo que conforma matéria de facto e aquilo que corresponde a matéria de direito é uma questão por vezes deveras complexa e delicada. A linha divisória não tem carácter fixo, dependendo muito dos termos da causa, bem como da estrutura das normas aplicáveis.

                        Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pags. 206-207 refere: “a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior. b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei”. Mas, como o ilustre professor advertia, se é fácil enunciar critérios gerais de orientação, abundam as dificuldades de ordem prática.

                        Efectivamente, se relativamente a certas expressões podemos concluir seguramente que correspondem a matéria de facto ou a matéria de direito, outras são susceptíveis de integração ambivalente: consoante o contexto, ora se integram no campo dos factos, ora nos aparecem como categorias jurídicas.

                        As dificuldades de delimitação verificam-se, também, no que concerne aos juízos de valor que tanto integram normas jurídicas como se poderão, por vezes, situar no plano dos factos.

                        Antunes Varela (no comentário ao acórdão do STJ de 8-11-84, Rev. Leg. e Jurisp. Ano 122º, pags. 209 e segs.) considera que os factos, no campo do direito processual, abrangem, principalmente embora não exclusivamente, as ocorrências concretas da vida real. Nos juízos de facto (juízos de valor sobre a matéria de facto) haverá que distinguir entre aqueles cuja emissão se há-de apoiar em simples critérios do bom pai de família, do homem comum, e aqueles que na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador. Enquanto os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto, os segundos estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei.

                        Assim, entendeu-se no acórdão do STJ de 3 de Maio de 2000, publicado no BMJ nº 497, pag. 315:

                        “São factos «os juízos que contenham a subsunção a um conceito geralmente conhecido que seja de uso corrente na linguagem comum, sendo, ainda, factos “as relações jurídicas que sejam elementos da própria hipótese de facto da norma...”

                        Os juízos de valor continuam, pois, a ser matéria de facto, quando baseados em critérios do homem comum ou mesmo técnico especializado, (não ligado ao mundo do direito)...».

                        E no Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 8/11/95, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano III, tomo 3, pag. 293 foi entendido que como critério geral de distinção «pode dizer-se que é questão de facto tudo o que vise apurar ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, bem como o estado, a qualidade ou a situação real das pessoas ou das coisas»”.

                        Ora, um correcta leitura da redacção do facto 34 revela que nele não se encontra vertido o alegado juízo conclusivo e valorativo, antes nele se incluiu a intenção da Ré – ocorrência da vida real- de dar cumprimento ao dever legal de informação aos trabalhadores relativamente ao instrumento de regulamentação colectiva que lhes era aplicável, e não de assumir, por via do acordo com os trabalhadores, a vinculação a esse IRCT.

                        A redacção dos factos apontados pelo recorrente mais não traduz do que a consagração nos contratos individuais de trabalho, aí mencionados, desse dever de informação, pelo que não verifica a contradição apontada.

                        Improcede, assim, a impugnação.

                        -a aplicação do CCT:

                        A este propósito, e após a enunciação exaustiva e acertada, das considerações teórico-legais consideradas pertinentes para a questão, escreveu-se na sentença recorrida:

                        “Ora, no caso em apreço, como resulta dos factos provados a Ré foi associada da APHORT desde 01-04-1999 até 30-06-2004 e o Autor é filiado na FESAHT, pelo que atento o princípio da dupla filiação referido no artº 496º do CT/2009 e também expressamente previsto no artº 553º do CT/2003 e 8º da LRCT, estava a Ré obrigada a aplicar aos trabalhadores filiados no Autor o CCT celebrado entre a UNIHSNOR (anterior denominação da APHORT) e a FESAHT publicado o publicado no BTE n.º38 de 15 de Outubro de 2004, que reviu o publicado no BTE n.º26 de 15 de Julho de 2002, que por sua vez reviu o publicado no BTE n.º29 de 8 de Agosto, 36 de 29 de Setembro, e 43 de 22 de Novembro todos de 1998 e 29 de 8 de Agosto de 1999 e 30 de 15 de Agosto de 2000.

                        Efectivamente tal CCT obriga, por um lado, as empresas representadas pela UNIHSINOR (anterior denominação da APHORT) e, por outro, os trabalhadores ao seu serviço representados pela FESAHT - Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria, e Turismo de Portugal, conforme cláusula 1ª de tal CCT e a área territorial abrangida é definida pelos distritos de Aveiro, Braga, Bragança, Porto, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu (cláusula 2ª) pelo que se aplica na área onde a Ré exerce a sua actividade.

                        Assim, como resulta dos factos provados, aplicando a Ré tal CCT até 2004 a mesma obedeceu ao princípio da dupla filiação supra referido.

                        A partir de 2004 a Ré deixou de ser associada da APHORT pelo que a partir dessa data a mesma deixou de estar vinculada ao princípio da dupla filiação.

                        Contudo, como resulta também dos factos provados a Ré aplicou ainda o CCT celebrado entre a UNIHSNOR e a FESAHT, publicado no BTE n.º 23, de 22 de Junho 2006 e o CCT celebrado entre a APHORT e a FESAHT, publicado n.º 26, de 15 de Julho de 2008, na sequência da publicação de portarias de extensão.

                        E, efectivamente a Portaria nº 297/2007, de 16/03, veio estender a aplicação do aludido CCT celebrado entre UNIHSNOR e a FESAHT, publicado no BTE n.º 23, de 22 de Junho 2006, nos distritos de Aveiro, Braga, Bragança, Porto, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu, às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a actividade económica abrangida pela convenção e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias nele previstas.

                        Assim, em face de tal portaria e apesar de nessa data a Ré já não ser associada na APHORT, estava a mesma obrigada a aplicar aos seus trabalhadores, designadamente os filiados no Autor o aludido CCT celebrado entre UNIHSNOR e a FESAHT, o que a mesma cumpriu.

                        Contudo, no BTE nº 26 de 15 de Julho de 2008 foi publicado o CCT celebrado entre a APHORT e a FESAHT que procedeu à revisão global do referido CCT celebrado entre a UNIHSNOR e a FESAHT, publicado no BTE n.º 23, de 22 de Junho 2006 com revisão parcial publicada no BTE nº 28 de 29-07-2007.

                        Não sendo a Ré associada nessa altura na APHORT não seria aplicável tal CCT às relações com os seus trabalhadores de acordo com o princípio da filiação constante do referido artº 553º do CT/2003, ainda em vigor naquela data.

                        No entanto, também tal CCT foi objecto de extensão através da Portaria nº 1518/2008 de 24 de Dezembro, a qual no seu artº 1º estendeu tal CCT nos distritos de Aveiro, Braga, Bragança, Porto, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu, às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a actividade económica abrangida pela convenção e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias nele previstas.

                        Assim, em face também em face de tal portaria e apesar de nessa data a Ré já não ser associada na APHORT, estava a mesma obrigada a aplicar aos seus trabalhadores, designadamente os filiados no Autor o aludido CCT celebrado entre a APHORT e a FESAHT publicado no BTE nº 26 de 15 de Julho de 2008, o que a mesma cumpriu.

                        No entanto, tal CCT celebrado entre a APHORT e a FESAHT publicado no BTE nº 26 de 15 de Julho de 2008, foi objecto de revisão parcial publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de Maio de 2009, e no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 17, de 8 de Maio de 2010, e com Portaria de extensão nº 26/2010, de 11/01, veio a ser substituído pelo CCT celebrado entre a APHORT e a FESAHT publicado no BTE nº 31 de 22 de Agosto de 2011.

                        Ora, de acordo com a cláusula 1ª de tal CCT publicado no BTE nº 31 de 2011 e como resulta dos factos provados, o mesmo “obriga, por um lado, as empresas representadas pela APHORT - Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e, por outro, os trabalhadores ao seu serviço representados pela FESAHT - Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria, e Turismo de Portugal e aplica-se a todos os estabelecimentos e empresas constantes do anexo I e aos trabalhadores cujas categorias constam do anexo II, conforme cláusula 2ª.

                        A área territorial de aplicação do referido CCT celebrado entre APHORT e a FESAHT, publicado no BTE n.º31 de 22.08.2011 define-se pela área territorial da República Portuguesa, conforme cláusula 3ª de tal CCT.

                        No entanto, como resulta também dos factos provados nessa altura a Ré já não era associada da APHORT, pelo que em face do princípio da dupla filiação previsto no nº 1 do artº 496º do CT/ 2009, não estava a Ré vinculada à sua aplicação aos seus trabalhadores, sendo certo que o referido CCT também não foi objecto de extensão, pelo que por essa via administrativa também não estava a Ré obrigada a aplicá-lo nas relações laborais com os seus trabalhadores.

                        Na verdade, não basta para aplicação de tal CCT que os trabalhadores estejam filiados em sindicatos outorgantes da convenção, sendo necessário também que o empregador seja associado da associação de empregadores outorgantes, atento o princípio da dupla filiação consagrado no referido artº 496º do CT, pelo que só existe violação do princípio da filiação nos casos em que empregador e trabalhadores estão filiados ou associados nas partes outorgantes do CCT.

                        No caso em apreço, aquando da revisão global do CCT celebrado entre APHORT e a FESAHT, publicado no BTE n.º31 de 22.08.2011, a Ré já não era associada da APHORT, pelo que não aplicação de tal CCT não viola o referido princípio da filiação como refere o Autor, sendo certo que dos factos provados resulta efectivamente que a Ré não aplicou tal CCT aos seus trabalhadores, incluindo os filiados no Autor. No entanto, como resulta também dos factos provados a Ré deixou de aplicar o CCT celebrado entre a APHORT e a FESAHT publicado no BTE nº 26 de 15 de Julho de 2008, (o que até aí fazia por força da Portaria de extensão nº 1518/2008 de 24 de Dezembro) a partir de 10 de Maio de 2012, data a partir da qual comunicou aos trabalhadores que passava a aplicar o CCT celebrado entre a AHP e a FETESE publicado no BTE nº26 de 15/07/2007, com as alterações publicadas no BTE nº28 de 29/07/2008.

                        Defende o Autor, designadamente na resposta que, mesmo a considerar-se que a Ré não violou o princípio da filiação, a mesma não podia desaplicar o referido CCT celebrado entre a APHORT e a FESAHT com efeitos imediatos no momento da comunicação efectuada aos trabalhadores, mas apenas depois de decorrido um ano sobre tal comunicação, por força do disposto nos artºs 496º e seguintes do CT/2009.

                        Ora, como supra se referiu a desfiliação em associação de empregadores ou de sindicatos outorgantes de uma convenção colectiva de trabalho não determina a imediata desaplicação de tal convenção às relações laborais abrangidas pela mesma.

                        Efectivamente, estabelece o nº 4 do artº 496º do CT/2009 que “Caso o trabalhador, o empregador ou a associação em que algum deles esteja inscrito se desfilie de entidade celebrante, a convenção continua a aplicar-se até ao final do prazo de vigência que dela constar ou, não prevendo prazo de vigência, durante um ano ou, em qualquer caso, até à entrada em vigor de convenção que a reveja.”

                        Ora, no caso em apreço, a Ré deixou de ser associada da APHORT desde 2004, contudo como supra se expôs a mesma estava obrigada a aplicar o CCT celebrado entre a APHORT (anterior UNIHSNOR) e a FESAHT por força da aplicação das Portarias de extensão nº 297/2007 de 16 de Março e nº 1518/2008 de 24 de Dezembro, contudo, com a revisão global do CCT celebrado entre APHORT e a FESAHT, publicado no BTE n.º31 de 22.08.2011, os CCT objecto de tais portarias de extensão foram substituídos, e como tal cessaram a sua vigência, pelo que só a partir de tal revisão global de 2011 a Ré podia desaplicar o CCT celebrado entre a APHORT e a FESAHT com base da desfiliação da APHORT. Assim, tendo a Ré deixado de aplicar tal CCT apenas em 10 de Maio de 2012, já depois de ter entrado em vigor nova convenção que a reviu, tendo cessado o prazo de vigência de tal CCT, verifica-se que não violou a mesma o referido artº 496º, nº 4 do CT.

                        Efectivamente, não prevê tal normativo que o prazo ali estabelecido se conte desde a comunicação da alteração do CCT aos trabalhadores, como pretende o Autor, inexistindo qualquer fundamento legal para que se considere que a Ré só podia desaplicar o CCT celebrado entre a APHORT e a FESAHT publicado no BTE nº 26 de 15 de Julho de 2008 apenas a partir de 09-05-2013.

                        Na verdade, a lei apenas impõe ao empregador o dever de informar os trabalhadores do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho se a houver, bem como o dever de informar os trabalhadores de qualquer alteração relativa ao instrumento de regulamentação colectiva aplicável, o que deve fazer por escrito e em caso de alteração nos 30 dias subsequentes à mesma, como decorre expressamente do disposto nos artºs 106º, nº 1, al. l) e 109º, nº 1 ambos do CT/2009, o que a Ré cumpriu.

                        Do exposto terá que se concluir que foi licita e legal a desaplicação pela Ré a partir de 10 de Maio de 2012 do CCT entre a APHORT e a FESAHT publicado no BTE nº 26 de 15 de Julho de 2008.

                        Por outro lado, sendo a Ré nessa data associada da AHP, situação que ainda se mantém, estava a mesma obrigada a aplicar o CCT celebrado entre a AHP e a FETESE publicado no BTE nº26 de 15/07/2007, com as alterações publicadas no BTE nº28 de 29/07/2008, conforme comunicação que fez aos trabalhadores.

                        Efectivamente o CCT celebrado entre a AHP e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços, publicado no BTE nº26 de 15/07/2007, com as alterações publicadas no BTE nº28 de 29/07/2008 “…obriga, por um lado, as empresas representadas pela AHP — Associação dos Hotéis de Portugal que explorem efectivamente estabelecimentos com a classificação oficial de hotel, pousada, estalagem, motel, hotel-apartamento, aldeamento turístico, apartamentos turísticos, moradias turísticas e conjuntos turísticos que integrem algum daqueles estabelecimentos e, por outro lado, os trabalhadores ao seu serviço representados pelas associações sindicais outorgantes, conforme cláusula 1ª de tal CCT e tem como área de aplicação, a “… área territorial da República Portuguesa, com excepção das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.” Nos termos da cláusula 2ª de tal CCT.

É certo que como resultou provado a AHP, associação na qual a Ré se mantem inscrita como associada desde 2000, celebrou com a FESAHT o CCT, publicado no BTE n.º 37, de 08/10/1983, com as alterações publicadas no BTE n.º 29, de 08/08/2008, cujo âmbito de aplicação são as empresas e ou os estabelecimentos hoteleiros, contudo o mesmo tem o seu âmbito de aplicação territorial circunscrito aos distritos de Beja, Évora, Lisboa, Portalegre, Santarém (com excepção do concelho de Ourém) e Setúbal, não sendo por isso aplicável à Ré que apenas explora estabelecimentos hoteleiros em Viseu, Mortágua, Penalva do Castelo e Ilhavo, ou seja no distrito de Viseu e Aveiro.

                        No entanto, a AHP celebrou também um CCT com a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços, que se encontra publicado no BTE n.º 26, de 15/07/2007, com as alterações posteriores, cujo objecto de aplicação são as empresas que explorem estabelecimentos com a classificação oficial de hotel, pousada, estalagem, motel, hotel-apartamento, aldeamento turístico, apartamentos turísticos, moradias turísticas e conjuntos turísticos que integrem algum daqueles estabelecimentos e tem como âmbito de aplicação territorial a todo o território nacional, com excepção das regiões autónomas da Madeira e Açores.

                        Por outro lado tal CCT celebrado entre a AHP e a FETESE, bem como o CCT celebrado entre a AHP e a FESAHT foram objecto de extensão através da Portaria nº 116/2009 de 29/01.

                        Ora, estabelece o artº 1º, nº 1 e 2 de tal Portaria que:

                        “1- As condições de trabalho constantes do contrato colectivo de trabalho e suas alterações entre a AHP - Associação da Hotelaria de Portugal e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços, publicado, respectivamente, no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 26, de 15 de Julho de 2007, e 28, de 29 de Julho de 2008, e das alterações do contrato colectivo de trabalho entre a mesma associação de empregadores e a FESAHT - Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal e outras, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 29, de 8 de Agosto de 2008, são estendidas, nos seguintes termos:

                        a) Nos distritos de Beja, Évora, Lisboa, Portalegre, Santarém, excepto concelhos de Mação e Ourém, e Setúbal, às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a actividade económica abrangida pelas convenções e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais nelas previstas;

                        b) Na área das respectivas convenções, às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a referida actividade económica e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções, não representados pelas associações sindicais outorgantes.

                        2 - A extensão determinada na alínea a) do número anterior não se aplica às empresas filiadas na APHORT - Associação Portuguesa da Hotelaria, Restauração e Turismo e na HRCENTRO - Associação dos Industriais de Hotelaria e Restauração do Centro.”

                        Assim de acordo com o nº 1 al. b) do referido artº 1º de tal Portaria de Extensão, que se encontra em vigor por não ter cessado a vigência do CCT entre a AHP e a FETESE, sendo a Ré associada da AHP estava a mesma Ré obrigada a aplicar aos seus trabalhadores, incluindo os filiados no Autor o CCT celebrado entre a AHP e a FETESE publicado no BTE nº 26 de 15 de Julho de 2007, e nº 28 de 29 de Julho de 2008, uma vez que tal CCT abrange a área onde a Ré exerce a sua actividade, o que não acontece com o CCT entre a AHP e a FESAHT cuja área de aplicação territorial abrange apenas os distritos de Beja, Évora, Lisboa, Portalegre, Santarém (com excepção do concelho de Ourém) e Setúbal e a extensão constante de tal Portaria se restringe também a tal área territorial.

                        De tudo o exposto decorre que a desaplicação por parte da Ré a partir de 10 de Maio de 2012 do CCT celebrado entre a APHORT e a FESAHT publicado no BTE nº 26 de 15 de Julho de 2008 e aplicação a partir dessa data do CCT celebrado entre a AHP e a FETESE publicado no BTE nº 26 de 15 de Julho de 2007, e nº 28 de 29 de Julho de 2008, respeita o disposto nos artºs 496 e seguintes do CT/2009, sendo a mesma lícita e legal.

                        Assim, por violação do disposto nos referidos artºs 496º e seguintes do CT invocada pelo Autor, uma vez que inexiste tal violação terá a acção necessariamente que improceder.

                        No entanto, invoca ainda o Autor que tal desaplicação é ilícita por violação dos contratos celebrados com os trabalhadores, violando a Ré com o seu comportamento de forma flagrante o princípio basilar “pacta sunt servanda” plasmado no artº 406º, nº 1 do Código Civil (CC).

                        Ora, estabelece o referido artº 406º, nº 1 do CC que “O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento ou nos casos admitidos na lei.”

                        Tal normativo prevê o denominado princípio “pacta sunt servanda”, ou seja o princípio da força obrigatória dos contratos, no sentido de que o acordado entre as partes no âmbito da liberdade contratual deve ser pontualmente cumprido.

                        Assim, o cumprimento do acordado deve ser cumprido ponto por ponto, em toda a linha, com as prestações a que as partes se encontram adstritas, daí que a parte obrigada não se possa desonerar sem o consentimento da outra parte.

                        Deste modo o termo “pontualmente” abrange não apenas o tempo, como o lugar e o modo da prestação, devendo o contrato ser executado de forma a satisfazer plenamente todos os deveres dele resultantes.

                        Em conformidade o contrato só poderá modificar-se ou resolver-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.

                        O contrato de trabalho, enquanto contrato sinalagmático, impõe a cada um das partes contratantes a realização de uma prestação principal, encontrando-se ambas as prestações numa relação de correspectividade e interdependência entre si, pelo que lhe é aplicável o disposto no referido artº 406º do CC.

                        No caso em apreço, defende o Autor a violação de tal princípio por parte da Ré ao aplicar às relações laborais com os trabalhadores seus associados de um CCT diverso daquele que foi acordado nos contratos individuais de trabalho, alegando que constando dos contratos de trabalho celebrados com os trabalhadores a aplicação do CCT entre a APHORT e a FESAHT, resulta inequívoco que aquando da celebração dos contratos, ambas as partes, trabalhadores e Ré acordaram mutuamente e de forma expressa a aplicação à relação laboral de tal CCT, sendo que a aplicação de tal CCT foi pressuposto da aceitação da celebração dos contratos individuais de trabalho, pelo que a Ré ao deixar de aplicar tal CCT a partir de Maio de 2012 deixou de cumprir o acordado nos contratos individuais celebrados.

                        No entanto, como resulta dos factos provados, o Autor não logrou provar os factos que havia alegado, não resultando que a referência nos contratos de trabalho ao CCT aplicável decorra de acordo dos contraentes.

                        Efectivamente, resultou comprovado que a referência ao CCT que a Ré fez constar dos contratos individuais de trabalho celebrados com os seus trabalhadores traduziu apenas o dever de informação aos trabalhadores relativamente ao instrumento de regulamentação colectivo que lhes eram aplicáveis, não decorrendo de qualquer acordo entre as partes.

                        Ora, como supra se referiu de acordo com o disposto nos artºs 106º, nº 1, al. l) e 109º, nº 1 ambos do CT/2009, a lei impõe ao empregador o dever de informar os trabalhadores do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho se a houver, bem como o dever de informar os trabalhadores de qualquer alteração relativa ao instrumento de regulamentação colectiva aplicável, o que deve fazer por escrito e em caso de alteração nos 30 dias subsequentes à mesma.

                        E, de acordo com o artº 107º do mesmo diploma legal a informação deve ser prestada por escrito, podendo constar de um ou vários documentos assinados pelo empregador ( nº 1) sendo que tal dever se considera cumprido quando tal informação conste de contrato de trabalho reduzido a escrito ( nº 3).

                        Tal dever de informação e respectivos meios de informação encontravam-se também previstos nos artºs 97º, 98º, nº1, al. j) e 99º, nºs 1 e 3 do CT/2003 e anteriormente nos artºs 3º, nº 1, al. j), 6º e 4º, nºs 1 e 3 do Dec. Lei nº 5/94 de 11 de Janeiro (diploma que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.° 91/533/CEE, do Conselho, de 14 de Outubro, relativa à obrigação de a entidade empregadora informar o trabalhador sobre as condições aplicáveis ao contrato de trabalho).

                        Assim, a própria lei admite que a dever de informação seja prestado no próprio contrato de trabalho celebrado com os trabalhadores e reduzido a escrito, como aconteceu no caso em apreço.

                        Assim, sendo a referência ao CCT aplicável nos contratos de trabalho celebrados entre a Ré e os trabalhadores associados do Autor apenas o cumprimento do dever legal de informação por parte da Ré, não configurando qualquer acordo entre os contraentes, tal referência não gera prestações a que as partes se obrigaram e que devam ser pontualmente cumpridas.

                        Do exposto resulta que a desaplicação do CCT que é referido nos contratos individuais de trabalho, não viola o princípio do “pacta sunt servanda”, previsto no artº 406º do Código Civil.

                        Assim, também por esta via não se pode considerar a actuação da Ré ilícita e ilegítima, pelo que os pedidos terão também que improceder por esta via.

                        Por tudo o que ficou exposto terá que se considerar que não existiu qualquer actuação ilegítima e ilícita por parte da Ré, não estando a mesma obrigada a aplicar aos seus trabalhadores associados no Autor o CCT celebrado entre a entre a APHORT e a FESAHT, sendo lícita e legítima a aplicação a tais trabalhadores do CCT celebrado entre a AHP e a FETESE, nos t     ermos comunicados aos trabalhadores em 10 de Maio de 2012.                       

                        Subscrevemos, sem reserva, estas considerações.

Com a preocupação de não repetir, por desnecessário, o que a esse respeito na sentença exaustiva e acertadamente se escreveu, diremos que de acordo com o disposto nos artºs 7º  da LRCT, 552º, nº 1, do CT de 2003, e 496º, nº 1, do CT de 2009, a convenção colectiva de trabalho obriga os empregadores que a subscrevem e os inscritos nas associações de empregadores signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes.

Decorre destes normativos o princípio da filiação, nos termos do qual as cláusulas de uma convenção colectiva de trabalho só têm aplicação relativamente aos contratos de trabalho cujas partes estejam filiadas nas organizações signatárias.

Assim, é necessário, por um lado, que o empregador seja membro da associação de empregadores outorgante ou tenha sido ele próprio outorgante e, por outro lado, que o trabalhador esteja filiado na associação sindical signatária.

            O legislador – cfr. artº 552º do Código do Trabalho/2003 e artº 496º do Código do Trabalho/2009 – consagrou a regra da eficácia limitada das CCT’s, ou seja, a sua eficácia limita-se aos empregadores que as subscrevam e aos inscritos nas associações de empregadores signatárias, bem como aos trabalhadores ao serviço desses empregadores que sejam membros das associações celebrantes (quando seja um sindicato) ou sejam membros dos sindicatos representados pelas associações sindicais celebrantes (federações, confederações, etc) – a regra da dupla filiação.

                        Por sua vez, o regulamento/portaria de extensão tem por destinatário quem não esteja filiado nas associações sindicais e de empregadores signatárias da convenção colectiva ou da convenção arbitral que deu origem à decisão arbitral, surgindo, assim, como forma de suprir a inércia daqueles que não quiseram filiar-se em associações sindicais ou de empregadores existentes - cfr. Ac. da Rel. de Lisboa de 12/5/2012, in www.dgsi.pt

                        Ora, a sentença cuidou de analisar e decidir com acerto os seguintes aspectos do problema, que aqui sintetizamos:

            - A Ré, na qualidade da associada da APHORT, estava obrigada, até 30/6/2004, a aplicar aos trabalhadores filiados no Autor o CCT celebrado entre a UNIHSNOR (anterior denominação da APHORT) e a FESAHT, publicado no BTE n.º 38 de 15 de Outubro de 2004;

            - Em 2004, tendo a Ré cessado de estar filiada na APHORT, deixou de estar vinculada ao princípio da dupla filiação;

            - Contudo, e por força das Portarias de Extensão referidas na sentença, essa obrigação de aplicação manteve-se;

                        - Verificando-se a substituição desse CCT, designadamente pelo celebrado entre a APHORT e a FESAHT publicado no BTE nº 31 de 22 de Agosto de 2011, temos que, dado que a Ré nessa altura já não era associada da APHORT e que não houve portaria de extensão, não se verificou qualquer obrigatoriedade da Ré em aplicar tal CCT aos trabalhadores filiados no Autor, como efectivamente não aplicou a partir de 10 de Maio de 2012;

            - Não existe fundamento legal para considerar que a Ré só estava desobrigada de tal aplicação no prazo de um ano a contar da comunicação a que se refere o facto 9, não se verificando a violação do disposto nos artigos 496º, nº 4, do CT /2009, nem tão pouco do artº 56º da Constituição;

            - A obrigação de aplicação da Ré, dada a sua filiação na AHP, refere-se ao CCT entre esta associação e a FETESE publicado no BTE nº26 de 15/07/2007, com as alterações publicadas no BTE nº28 de 29/07/2008, conforme comunicação que fez aos trabalhadores (aludido facto 9).

            Mas, e como também se salienta na sentença, vem o Autor- recorrente, também em sede de recurso, sustentar  que a aludida desaplicação é ilícita por violação dos contratos celebrados com os trabalhadores, violando a Ré com o seu comportamento, de forma flagrante, o princípio basilar pacta sunt servanda plasmado no artº 406º, nº 1, do Código Civil.

                        De acordo com o princípio da liberdade contratual, as partes têm o direito de, dentro dos limites da lei, contratar e fixar livremente o conteúdo dos contratos (artº 405º do CC).

                        Em causa está o princípio da liberdade de celebração e de estipulação, fixação e modelação do contrato. Uma vez celebrado, o contrato passa a ter força vinculativa (pacta sunt servanda), devendo ser pontualmente cumprido.
                        Celebrado um contrato, existem determinados princípios definidos por lei entre os quais, que para aqui releva, se destaca o princípio da força vinculativa, ou seja: uma vez celebrado, o contrato plenamente válido e eficaz constitui lei imperativa entre as partes. É o que expressa o artº 406º do Código Civil: “o contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei.
                        Desenvolve-se, portanto, a norma ou princípio da força vinculativa através de outros três princípios: o da pontualidade, utilizando a lei a palavra “pontualmente” com o alcance de que o contrato deve ser executado ponto por ponto, quer dizer, em todas as suas cláusulas, os da irretractabilidade ou da irrevogabilidade dos vínculos contratuais e da intangibilidade do seu conteúdo. Os dois últimos fundem-se no que também se designa por princípio da estabilidade dos contratos.

                        Todavia o próprio artº 406º, nº 1, do Código Civil prevê desvios justificados à regra clássica «pacta sunt servanda». Tais desvios da estabilidade contratual podem resultar da vontade das partes, directamente de uma providência legislativa, ou ainda da intervenção judicial- cfr. Ac. da Rel. de Lisboa de 23/5/2013, proc. 2286/09.6TJLSB.L1-6, in www.dgsi.pt.
                        Ao abrigo da liberdade contratual prevista no citado 405.º do Código Civil, independentemente das regras de aplicação dos IRCT’s constantes do Código do Trabalho, não havendo outro IRCT aplicável que se imponha necessariamente e que com ele conflitue, nada impede que o trabalhador e o empregador estabeleçam que o contrato seja regulado por um determinado CCT, a ele aderindo, ou que apliquem à relação laboral parte do regime previsto num IRCT. Neste sentido, veja-se a título exemplificativo, o acórdão deste Relação de Coimbra de 27/06/2014, proc. 512/13.6TTVIS.C1, acessível em www,dgsi.pt.

                       Como se refere em tal aresto, para que tal ocorra necessário se torna que no contrato de trabalho conste uma cláusula que sujeite a relação de trabalho ao regime jurídico globalmente decorrente daquele CCT ou de parte determinada dele.

                        Não é o caso dos autos, uma vez que ficou provado- facto 34-  que a referência ao CCT que a Ré fez constar dos contratos individuais de trabalho celebrados com os seus trabalhadores traduziu apenas o dever de informação aos trabalhadores relativamente ao instrumento de regulamentação colectivo que lhes eram aplicáveis, não decorrendo de qualquer acordo entre as partes.

               Dever de informação esse previsto nos artºs 106º, nº 1, al. l), 107º e 109º, do CT /2009, sendo que a referência ao CCT que o recorrente pretende ver aplicado não gerou, tal como bem se decidiu na sentença, prestações a que as partes se tenham obrigado e que devam ser pontualmente cumpridas.

               Improcede, assim, o recurso.
                                                                       x

                        Decisão:

                        Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

                        Custas pelo apelante.

                                                                       Coimbra, 15/09/2017

                                                          

 Relator: Ramalho Pinto

Adjuntos: Felizardo Paiva
               Jorge Manuel Loureiro