Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
207/09.5TTCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
PESSOA COLECTIVA PÚBLICA
Data do Acordão: 01/20/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 18º, Nº 5, DO D L Nº 427/89; LEI Nº 23/2004.
Legislação Comunitária: DIRECTIVA 1999/70/CE.
Sumário: I – Embora não tenha sido expressamente transposta para o direito interno, no que respeita à contratação a termo por pessoa colectiva pública, o fim pretendido pela Directiva 1999/70/CE mostra-se alcançado, quer no Dec. Lei nº 427/89 (artº 18º, nº 5) quer, em especial, na Lei nº 23/2004, seja pela nulidade e responsabilidade civil dos órgãos que celebrem os contratos a termo inválidos, prevista no nº 3 do seu artº 10º, seja pela segunda parte do nº 2 do mesmo preceito, fixando um tempo máximo para a duração do contrato celebrado a termo.

II – Ainda que assim se não entenda, a Directiva 1999/70/CE não permite a invocação do seu efeito directo e, igualmente, nem impõe a necessidade da sua harmonização com o direito nacional.

III – O artº 10º, nº 2, da Lei nº 23/2004 não é inconstitucional, pois não contraria o artº 53º da Constituição.

IV – Concluindo-se pela impossibilidade legal de conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado o contrato de trabalho a termo celebrado com uma pessoa colectiva de direito público, a comunicação feita por esta ao trabalhador, anunciando a caducidade da relação contratual, não consubstancia um despedimento.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório

1.1 Os autos na 1.ª instância

A... instaurou a presente acção declarativa comum e, demandando a Universidade B..., pediu a condenação desta a: a) reconhecer a contratação do autor como sem termo, por conversão dos contratos a termo consigo celebrados, quer por ter sido ultrapassado prazo máximo do contrato a termo e o número de renovações legalmente permitidos, quer por ausência e falsidade do motivo justificativo do recurso à contratação a termo; b) reconhecer a ilicitude do despedimento do autor, por ausência de processo disciplinar; c) reintegrar o autor ao seu serviço, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou caso este opte, até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, a pagar-lhe uma indemnização por antiguidade, no valor correspondente a 45 dias de retribuição de base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade; d) pagar ao autor as retribuições que este deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento e e) pagar ao autor juros de mora, à taxa legal supletiva, a partir do vencimento das quantias peticionadas até integral pagamento das mesmas.

O autor, fundamentando as suas pretensões, veio alegar o seguinte, que agora se sintetiza:

- A ré é uma pessoa colectiva de direito público e goza de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar.

- Por contrato escrito, celebrado a 2.05.02, o autor foi admitido ao serviço da ré, com a categoria profissional de Auxiliar de Manutenção, para sob as ordens, direcção e fiscalização desta, exercer a sua actividade profissional, tendo sido contratado a termo e pelo prazo de 12 meses; após, por documento denominado “renovação de contrato de trabalho a termo certo”, em 2.05.03, foi novamente admitido, por igual prazo, e novamente o foi em 2.05.04 e em 2.05.05.

- Por documento denominado “adenda à renovação de contrato de trabalho a termo certo”, assinado em 17.10.05, foi alterado o contrato, acordando-se que o autor passaria a auferir a retribuição mensal de 450,36€, acrescida de 3,83€ e, por documento de 2.05.06, foi admitido ao serviço da ré com a categoria de equiparado a Técnico Profissional de 2.ª, a retribuição mensal de 640,62€, acrescida de 3,95€ e novamente pelo prazo de 12 meses, voltando a suceder o mesmo em 2.05.2007, com acréscimo remuneratório e, em 2.05.08, a ré admitiu o autor, novamente.

- Por carta de 11.03.09, foi comunicada ao autor a intenção de não renovar o contrato de trabalho a termo, celebrado em 2.05.06, pelo que o mesmo caducaria em 1.05.09.

- No entanto, o autor trabalhou para a ré de forma continuada e sucessiva, sem interrupção, desde Maio de 2002 a Maio de 2009, data em que deixou de o fazer por esta lhe ter enviado a referida carta e, durante todo aquele tempo, sempre desempenhou funções de auxiliar de montagem de equipamentos de laboratório de apoio às aulas das disciplinas do curso de Ciências do Desporto, não obstante a alteração de categoria no contrato de Maio de 2006.

- Segundo apurou, após Maio de 2009, as funções que exercia passaram a ser exercidas por pessoa colocada na ré através do Centro de Emprego e Formação Profissional, ao abrigo de um programa ocupacional.

- As partes submeteram os contratos e renovações ao regime do contrato individual de trabalho, estabelecendo expressamente que, aos que vigoraram até 1.05.05, eram aplicáveis as disposições do regime jurídico do Contrato de Trabalho a Termo Certo e o regime jurídico do Contrato Individual de Trabalho, e que aos contratos celebrados a partir de 2.05.05 se aplicavam as disposições do regime jurídico do Contrato a termo certo, aprovado pelo Código do Trabalho.

- Acresce que o contrato celebrado em 2.05.02 e as renovações até 2005 são omissas quanto aos motivos que justificam a contratação a termo, nada mais constando que respectiva norma legal, e do contrato celebrado em 2006 e subsequentes renovações consta que a contratação foi motivada por um aumento excepcional da actividade da Instituição; no entanto, as necessidades em causa têm carácter duradouro e o autor esteve ao serviço ininterrupto da ré por um período de sete anos.

A audiência de partes não teve êxito conciliatório e a ré contestou. Em resumo, e no que ora interessa, diz o seguinte:

- O Tribunal do Trabalho é materialmente incompetente para dirimir as questões suscitadas, pois a acção devia ter sido proposta no Tribunal Administrativo e Fiscal. Com efeito, a ré é uma pessoa colectiva de direito público e os contratos celebrados obedeceram a um regime jurídico especial, identificado em cada um deles e suas renovações: concretamente, o previsto no Decreto-Lei n.º 184/89 (com as alterações introduzidas, pela Lei n.º 25/98 e pela Lei n.º 10/2004) e o Decreto-Lei n.º 427/89 (alterado pelo Decreto-Lei n.º 102/96, e pelo Decreto-Lei n.º 218/98), ambos alterados pela Lei n.º 23/2004, parcial e recentemente revogada pela Lei n.º 59/2008.

- Ainda que assim não se entenda, sempre a pretensão do autor deverá improceder, porquanto a ré submeteu-se ao regime da constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego prevista para a Administração Pública, regime que tem na Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, a sua mais recente alteração – e precisamente porque aquele é especial tem de prevalecer sobre qualquer regime geral e, a atenta a leitura, por remissão, do n.º 1 do art. 3.º da Lei n.º 59/2008, para o n.º 1, do art. 3.º da Lei n.º 12-A/2008, o regime do contrato de trabalho em funções públicas é aplicável ao caso dos presentes autos.

 - Se assim não fosse e ao invés, como pretende o autor, houvesse a conversão do contrato a termo em contrato sem termo, aligeirar-se-ia a consolidação de vínculos de trabalho constituídos com preterição das regras de acesso à função pública, entendida em sentido amplo, violando-se o princípio constitucional da igualdade no acesso à função pública, consagrado no art. 47.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

 - A reintegração pretendida é, pois, inadmissível, e se o contrato, apesar de inválido, tiver sido executado (como é o caso), a declaração de nulidade não tem eficácia retroactiva; e admitindo-se, por cautela de patrocínio, ser a causa da invalidade devida a facto imputável à ré, sucede que o autor recebeu desta uma compensação pela cessação contratual, reconhecendo-se, por via disso, espontaneamente, ressarcido de (eventuais) danos.

Em resposta, o autor volta a defender que se está perante verdadeiros contratos de trabalho, contratos que não conferem a qualidade de agente administrativo e que, por isso, o tribunal do trabalho é o competente.

Realizado o julgamento, veio o autor a optar expressamente pela reintegração, em detrimento da indemnização. Foi proferida sentença, concluindo que “as pretensões formuladas pelo aqui autor revelam-se infundadas, devendo a acção ser julgada improcedente e, em conformidade, decidiu: julgo improcedente a presente acção e, em consequência, absolvo a ré “Universidade B...” do pedido formulado pelo autor A....

1.2 O recurso

O autor, inconformado com a decisão, veio apelar. Começando por realçar que o recurso se alicerça, essencialmente, na douta argumentação desenvolvida pelo Tribunal da Relação do Porto no Acórdão de 22.02.2010, pelo que, por economia processual, nele se louva, quanto à aplicação e interpretação da lei ao caso sub judicie, termina o seu articulado recursório, as seguintes Conclusões:

[…]

A recorrida apresentou contra-alegações, onde defende a correcção da sentença impugnada e, salientando a sua natureza jurídica a o processo de selecção do seu pessoal, conclui, além do mais, pela especificidade do regime jurídico a que as partes sujeitaram o contrato, pela impossibilidade do recorrente adquirir qualquer vínculo estável, sem que da respectiva comunicação de caducidade, com pagamento de compensação, resulte um despedimento. Por tudo, e como defende, deve negar-se provimento ao recurso.

Depois de, nesta Relação, ter sido recebido o recurso, o Ministério Público apresentou Parecer, onde analisa as diversas possibilidades jurídicas que o recurso suscita. Conclui que, por tudo, e, ainda, porque entendemos que as normas dos arts. 18.º, n.º 4 do DL n.º 427/89 e 10.º da Lei 23/2004, ao proibirem a conversão do contrato de trabalho a termo celebrado por pessoas colectivas públicas em contrato de trabalho por tempo indeterminado, não são inconstitucionais, por violação do art. 53.º da CRP, porque concretizam o comando do art. 47.º, n.º 2 da mesma CRP, somos de parecer que o recurso não merece provimento.

Não houve resposta ao Parecer acabado de referi. Os autos correram os vistos legais e foram redistribuídos. Nada vemos que obste ao conhecimento do mérito da apelação.

1.3 Objecto do recurso

Delimitadas pelas conclusões do apelante, mas sempre sem prejuízo da apreciação oficiosa que legalmente se impuser, as questões a resolver são as seguintes:

a - Se a contratação do recorrente, a termo, se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado;

b - Se, a ser assim, o autor foi despedido e deve – por isso e porque por tal optou -, ser reintegrado na recorrida.

2. Fundamentação

2.1 Fundamentação de facto

Nos termos do artigo do 713.º, n.º 6 do CPC (e como já estipulava o preceito correspondente, anterior ao DL. 303/2007), porque não foi impugnada nem há lugar a qualquer alteração (oficiosa) cumpriria apenas remeter para os termos da decisão da 1.ª instância que fixou a matéria de facto. Sem embargo, para melhor compreensão, aqui se transcreve. Assim:

1 - A ré é uma pessoa colectiva de direito público, gozando de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar;

2 - O autor A... e a ré outorgaram, no dia 2.05.2002, o acordo escrito cuja cópia consta de fls. 25 a 31, denominado “contrato de trabalho a termo certo”, mediante o qual o primeiro foi admitido ao serviço da segunda, para exercer a sua actividade de auxiliar de manutenção sob as suas ordens, direcção e fiscalização;

3 - No dia 2.05.2003, o autor e a ré outorgaram o acordo escrito cuja cópia consta de fls. 32 a 36, denominado “renovação do contrato de trabalho a termo certo”;

4 - No dia 2.05.2004, o autor e a ré outorgaram o acordo escrito cuja cópia consta de fls. 37 a 41, denominado “renovação do contrato de trabalho a termo certo”;

5 - No dia 2.05.2005, o autor e a ré outorgaram o acordo escrito cuja cópia consta de fls. 42 a 46, denominado “renovação do contrato de trabalho a termo certo”;

6 - No dia 17.10.2005, o autor e a ré outorgaram o acordo escrito cuja cópia consta de fls. 47 a 49, denominado “adenda à renovação do contrato de trabalho a termo certo”;

7 - O autor e a ré outorgaram, no dia 2.05.2006, o acordo escrito cuja cópia consta de fls. 50 a 53, denominado “contrato de trabalho a termo certo”, mediante o qual o primeiro foi admitido ao serviço da segunda, para exercer a sua actividade sob as suas ordens, direcção e fiscalização;

8 - No dia 2.05.2007, o autor e a ré outorgaram o acordo escrito cuja cópia consta de fls. 54 a 57, denominado “renovação do contrato de trabalho a termo resolutivo certo”;

9 - No dia 2.05.2008, o autor e a ré outorgaram o acordo escrito cuja cópia consta de fls. 58 a 61, denominado “renovação do contrato de trabalho a termo resolutivo certo”;

10 - Nos acordos referidos nos pontos 7., 8. e 9., clausulou-se que o autor exerceria a actividade de equiparado a técnico profissional de 2.ª;

11 - A ré enviou ao autor a carta com cópia a de fls. 62, datada de 11.03.2009, comunicando-lhe ser “intenção desta Universidade não renovar o contrato de trabalho a termo resolutivo certo, celebrado por ambas as partes, em 02 de Maio de 2006, pelo que o mesmo caducará em 01 de Maio de 2009”;

12 - O autor não mais prestou a sua actividade ao serviço da ré a partir do dia 1 de Maio de 2009;

13 - O autor, em todos os períodos que esteve ao serviço da ré, sempre desempenhou as funções de manutenção, inventário e montagem de equipamentos de laboratório de apoio às aulas da generalidade das disciplinas do curso de Ciências do Desporto, sempre no mesmo local (Departamento de Ciências do Desporto);

14 - O autor era o único funcionário da ré que desempenhava as funções aludidas em 13.;

15 - Após o dia 1.05.2009, as referidas funções passaram a ser desempenhadas por uma pessoa colocada na ré através do Centro de Emprego e Formação Profissional, ao abrigo de um programa ocupacional (POC);

16 - No mês de Abril de 2009, o autor auferia da ré a remuneração base de 683,13€.

17 – Conforme declaração expressa do autor, optou o mesmo pela reintegração em detrimento da indemnização[1].

2.2 Fundamentação de Direito

Enunciadas as questões a resolver (1.3), acrescentamos, liminarmente, que a segunda questão (despedimento do autor) está necessariamente dependente da solução da primeira (natureza do vínculo); que a competência material do tribunal se mostra definitivamente fixada, e que a eventual procedência do recurso se traduzirá, atenta a opção do recorrente, na sua reintegração ao serviço da recorrida. Feito este esclarecimento, vejamos então “se a contratação do recorrente, a termo, se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado” (1.3.a)

A sentença em crise, analisando a questão com significativo fundamento e correcta colocação dogmática, diz-nos o seguinte, no que ora importa, e em síntese:    

“foram apostas cláusulas de termo (…) Porém, importa não esquecer que o contrato (ou contratos) em questão foram celebrados entre um particular e uma pessoa colectiva de direito público). Daí que deva ser convocado o regime legal do contrato de trabalho a termo na administração pública. Na data em que o autor foi admitido, vigorava o DL. n.º 427/89, aplicável à ré por força do artigo 1.º, n.º 4, dos seus Estatutos. Como se extrai do conteúdo do diploma, os vínculos jurídicos ao Estado eram a nomeação e o contrato, reservando-se para este as modalidades de contrato administrativo de provimento e contrato de trabalho a termo certo – art. 14º, nº 1. Enquanto a nomeação conferia a qualidade de funcionário, o provimento a qualidade de agente administrativo, o contrato de trabalho a termo certo não conferia a qualidade de agente administrativo, regendo-se pela lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo, com as especialidades constantes desse DL. n.º 427/89 – art. 14.º, n.º 3. Ora, no artigo 18.º, n.º 1, do D.L. nº 427/89, definia-se o contrato de trabalho a termo certo (…).

Acentuando o carácter excepcional desta forma de vinculação, postulava-se no n.º 4 que “o contrato de trabalho a termo certo a que se refere o presente diploma não se converte, em caso algum, em contrato sem termo”, e no n.º 5 que “a celebração de contrato de trabalho a termo certo com violação do disposto no presente diploma implica a sua nulidade”.

Já na data da celebração do segundo contrato a termo (02.05.06) estava em vigor a Lei n.º 23/2004, diploma que introduziu alterações ao DL. n.º 427/89, mantendo-o em vigor, com excepção dos artigos 18º a 21º. No que ao contrato de trabalho a termo respeita, manteve este novo diploma o seu carácter excepcional (…). Manteve-se ainda os princípios de que “o contrato de trabalho a termo resolutivo certo celebrado por pessoas colectivas públicas não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado” (artigo 10.º, n.º 2), não conferindo a qualidade de funcionário público ou agente administrativo (artigo 2.º, n.º 2).

Do acabado de expor resulta que os contratos celebrados entre o autor e a ré nunca poderiam converter-se em contrato sem termo, e mesmo que se considerasse que foram celebrados ao arrepio das regras legais que permitiam a contratação a termo, a nulidade daí advinda afectaria todo o contrato, e não apenas a cláusula de termo. Por conseguinte, deverá concluir-se que o autor esteve vinculado à ré no período em que vigoraram os contratos de trabalho a termo, e suas renovações, mas sem adquirir qualquer vínculo estável, e sem se poder considerar ilicitamente despedido. Neste sentido, cf. o disposto no artigo 43.º, n.º 1, do DL. n.º 427/89 (“é vedada aos serviços e organismos (…) a constituição de relações de emprego com carácter subordinado por forma diferente das previstas no presente diploma”), e o decidido pela Relação de Coimbra no seu Acórdão de 03.11.2005 (…). No mesmo sentido, o Ac. da Relação de Coimbra de 13.05.2004, e ainda a jurisprudência do Ac. do Tribunal Constitucional n.º 368/2000, de 11-07-2000 (…).

Não obstante o sentenciado, entende o recorrente que a decisão proferida em 1.ª instância não corresponde à melhor aplicação da lei e das normas constitucionais e, em abono da tese que propõe, invoca expressamente e acompanha o sentido decisório do Acórdão da Relação do Porto de 22.02.2010, relatado pelo Desembargador Ferreira da Costa.[2] O acórdão citado pelo recorrente (também publicado na Colectânea de Jurisprudência – Ano XXXV (2010), Tomo I, a págs. 217 e ss.)[3] é acompanhado de um voto de vencido da Desembargadora Paula Leal Carvalho[4], que, na mesma ocasião (22.02.2010, dgsi…), relatou um outro, unânime, onde se conclui, além do mais, pela nulidade da contratação a termo que não obedeça aos requisitos legais, decorrentes, no caso, da Lei 23/2004, e também pela impossibilidade legal de reintegração do trabalhador contratado (Processo n.º 385708.0TTOAZ.P1). Por outro lado, surge na mesma sequência interpretativa de um primeiro acórdão, proferido também na Relação do Porto, este unânime, relatado pela Desembargadora Fernanda Soares (RP200712030712929, 3.12.2007, dgsi…).

O acórdão citado (ou ambos, para melhor dizermos) depois de considerar que a entrada em vigor da Lei n.º 23/2004, admitindo “o trabalho com pessoas colectivas públicas através de qualquer das modalidades que o contrato de trabalho possa revestir”, fez perder o sentido da proibição de conversão, ou seja, que a norma (proibitiva) carece de sentido material, recentra o problema em sede de direito comunitário e chama a debate a Directiva 1999/70/CE[5], respeitante ao acordo quadro CES, UNICE e CEEP, relativo a contratos de trabalho a termo, e transposta para o direito interno pela Lei n.º 99/2003 (Código do Trabalho de 2003). E, entendendo que, no domínio do contrato de trabalho celebrado com pessoas colectivas públicas, a transposição da Directiva não ocorreu, sufraga, consequentemente, a doutrina do acórdão do TJCE de 4.07.2006, e aplica o directo nacional em conformidade a este entendimento, ou seja, e porque suficiente à respectiva harmonização, aplica ao contrato a termo celebrado com pessoa colectiva pública o regime que vigora no sector privado.

Reconhecendo o valor e respeitando a profundidade de abordagem à questão, que é feita pelos acórdãos que temos citado, não nos parece que deva ser seguido o caminho interpretativo ali avançado. E, deixando para mais adiante a questão da constitucionalidade e da sua eventual reponderação depois da Lei n.º 23/2004, acompanhamos, no mais, e ao invés do defendido naqueles acórdãos, a posição que o Ministério Público expressou no Parecer junto a estes autos.


Em primeiro lugar, e como ali se refere, as Directivas têm como destinatários os Estados membros e só depois de decorrido o prazo de transposição (sem que esta ocorra) pode defender-se (em interpretação que o TJCE tem acolhido) o seu efeito directo, mas (desde que) as mesmas contenham obrigações precisas e incondicionais que, por isso, podem ser invocadas pelo particular e perante a jurisdição nacional[6] ou, pelo menos – atento o princípio da interpretação conforme – impõem ao juiz nacional a interpretação do direito interno à luz do resultado pretendido pela directiva[7]. Depois, e embora o TJCE se tenha pronunciado favoravelmente à aplicação directa em relação a outras directivas (v. os exemplos apontados no Parecer: Acórdão Dillenkofer – Directiva 90/314/CEE; acórdão Norbrook Laboratories – Directiva 81/851/CEE; acórdão Lindopark – Sexta Directiva), não o fez quanto à 1999/70/CE, quando para tanto foi chamado a pronunciar-se (Acórdão do TJCE no Processo C-268/06 - questão colocada a título prejudicial pelo Labour Court de Dublin – Irlanda – Jornal Oficial C, 142, de 7.06.2008, pág. 4).


Assim, salvo melhor opinião, se entendemos que, mesmo não expressamente transposta, o fim pretendido pela Directiva, aqui em causa, se mostra alcançado, quer no Decreto-Lei n.º 427/89 (artigo 18.º, n.º 5) quer, em especial, na Lei n.º 23/2004, seja pela nulidade e responsabilidade civil dos órgãos que celebrem os contratos a termo, prevista no n.º 3 do seu artigo 10.º (A celebração de contratos de trabalho a termo resolutivo com violação do disposto na presente lei implica a sua nulidade e gera responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos que celebraram os contratos de trabalho), seja pela segunda parte do n.º 2 do mesmo preceito, fixando um tempo máximo para a duração da contratação a termo[8], sempre acrescentamos, ressalvando melhor saber, que, mesmo a não se entender deste, a Directiva 1999/70/CE não tem efeito directo nem impõe a necessidade de harmonização do direito nacional. E se esta conclusão não pode ter-se por inequívoca[9], parece-nos que melhor se entenderá ao lermos o comentário que, a propósito do Acórdão da Relação do Porto de 3.12.2007, é escrito por Maria João Machado (“A contratação a termo na Administração Pública”, XI-XII Congresso Nacional de Direito do Trabalho – Memórias, Coord. de António Moreira, Almedina, 2009, págs. 205 a 224 e, em concreto, pág. 224). Citamos: Esta decisão constitui, no panorama judicial português, um caso isolado, pela posição que toma sobre a lei ordinária e a leitura que propõe do texto constitucional, e por ser um dos raríssimos casos em que é invocado e aplicado Direito Comunitário. Apesar do valor dos argumentos e da justiça da decisão, ela é discutível por vários motivos: contraria um acórdão do Tribunal Constitucional com força obrigatória geral; sustenta uma posição – de que não são admissíveis instrumentos sancionatórios diferentes para a violação da lei por empregadores dos sectores público e privado – que o próprio tribunal de Justiça não sustenta; e entende que a sanção pecuniária, aplicável no caso de violação da lei no sector público, não constitui instrumento sancionatório suficiente, quando o acordo quadro não estatui a solução da conversão em contratos sem termo em termos absolutos, só quando tal se mostre necessário e se não estiverem previstas outras sanções adequadas aos fins visados, e o tribunal de Justiça já decidiu que a necessidade de sancionar o recurso a contratos sucessivos não tem que passar necessariamente pela conversão e que se pode mostrar adequada outra sanção, designadamente pecuniária, desde que seja eficaz para evitar e, se necessário, punir, a utilização abusiva de contratos a termos sucessivos.  

Em suma, não acompanhando as razões, relativas à aplicação (directa) do direito comunitário, razões que fizeram vencimento no Acórdão da Relação do Porto, resta saber se a proibição de conversão dos contratos a termo deve ter-se por inconstitucional, mormente depois da Lei n.º 23/2004[10] e na consideração deste diploma ter passado a permitir a celebração de contratos de trabalho (leia-se, contratos de trabalho por tempo indeterminado) entre particulares e entidades públicas.


Como se sabe, através do Acórdão n.º 368/2000, de 11 de Julho (acórdão com força obrigatória geral, publicado na I Série do Diário da República de 30.11.2000) inequivocamente[11] se afirmou (revalidando argumentos que já constavam do Acórdão n.º 683/99, mas que fora proferido antes da alteração introduzida ao artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 427/89 pelo Decreto-Lei n.º 218/98, que consagrou expressamente a não conversão dos contratos), não apenas – ou implicitamente – que a não conversão dos contratos a termo em contratos sem termo não padecia de inconstitucionalidade, mas que era inconstitucional essa eventual conversão. Muito sinteticamente, as razões essenciais da decisão prendem-se com o disposto no artigo 47.º, n.º 2 da CRP (Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso) enquanto manifestação do princípio de igualdade de acesso à função pública, e decorrem igualmente da “inexistência de uma imposição constitucional no sentido da conversão dos contratos a termo celebrados com o estado – falta essa que não é contrariada nem pelo princípio da segurança do emprego consagrado no art. 53.º da CRP, nem pelo princípio da igualdade de tratamento previsto no art. 13.º da mesma lei” (Francisco Liberal Fernandes, “Sobre a proibição da conversão dos contratos de trabalho a termo certo no emprego público; comentário à jurisprudência do Tribunal Constitucional”, Questões Laborais, Coimbra Editora, Ano IX – 2002, n.º 19, págs. 76 a 95). 

Do tempo do Acórdão n.º 368/2000 para o tempo presente, melhor dito, desde que passou a vigorar a Lei 23/2004, recoloca-se a questão da eventual inconstitucionalidade da não conversão dos contratos a termo, uma vez que, como salientam os defensores desta solução, “a conversão já não envolve necessariamente modificação da natureza da relação jurídica, que continua a ser contratual e de índole privada, enquanto, anteriormente, na vigência da Lei 427/89, de 7 de Dezembro, na sua redacção original, só se permitia que a relação jurídica de emprego na Administração Pública se constituísse por nomeação e o contrato de pessoal (artigo 3.º) e o contrato de pessoal só podia revestir as modalidades de contrato administrativo de provimento e de contrato de trabalho a termo certo (artigo 14.º, n.º1) pelo que a hipotética conversão de um contrato a termo consolidaria num vínculo de natureza pública a relação precária, de direito privado, anterior[12]”, e justamente porque, a partir do referido diploma consagrou-se a possibilidade de a Administração Pública celebrar contratos de trabalho a termo, mas também por tempo indeterminado.

Com todo o respeito por esta nova visão da questão, não pensamos que a conclusão seja a inconstitucionalidade da não conversão dos contratos a termo celebrados com entidades pública. É que, importa dizê-lo, a questão continua a colocar-se entre uma contratação estável e uma contratação a termo, mesmo na “função pública” (onde, aliás, sempre existiram sanções expulsivas) e a contratação por tempo indeterminado feita por entidade pública, prevista na Lei 23/2004, continua a estar sujeita a restrições que correspondem, olhando a realidade e abstraindo o nome, à salvaguarda do acesso universal. Repare-se que a forma de contratação (concursal) é diferente para os dois tipos de contrato (artigos 5.º e 9.º, n.º 4, daquele diploma) e, mais que isso, a contratação por tempo indeterminado implica a existência de lugar no quadro de pessoal da respectiva pessoa colectiva pública (artigo 7.º, n.º 1). Dito de outro modo, a possibilidade de conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado, equivaleria à possibilidade de acesso ao quadro de pessoal por quem foi contratado sem o mesmo rigor concursal e quando não haveria lugar no aludido quadro.

Em jeito de conclusão, entendemos que a lei continua a distinguir claramente a possibilidade de acesso ao trabalho por tempo indeterminado em entidade pública da possibilidade da contratação que seja (apenas) a termo, e por isso, justificadamente (e sem violar preceitos constitucionais) impede a conversão (artigo 10.º, n.º 2 da lei 23/2004).

Assim, a não conversão de um contrato de trabalho a termo, celebrado por um trabalhador e uma pessoa colectiva pública, num contrato por tempo indeterminado não viola o direito comunitário (concretamente a Directiva 1999/70/CE) nem a Constituição (concretamente o princípio contido no seu artigo 53.º) e corresponde à vontade da lei.

Enunciada a conclusão precedente, parece-nos implicitamente solucionada a questão que se colocava em 1.3. b). Com efeito, aparecendo-nos como expressão da vontade legal (sem que seja violadora do direito comunitário ou das normas constitucionais) a não conversão do contrato, nunca a comunicação de cessação corresponderá a um despedimento e, como se alcança da sentença sob censura, a eventual nulidade não se restringe ao termo.

Ora, é alheia ao objecto deste recurso a apreciação dos efeitos dessa eventual nulidade, porquanto (e independentemente de se não ter fixado na matéria de facto o pagamento de uma compensação, que a recorrida diz ter feito e o recorrente não nega) a opção pela reintegração, por um lado, e a motivação do recurso, por outro, torna irrelevante (ou seja, sem qualquer efeito jurídico e prático) a aludida apreciação.

Assim, neste contexto e por ambas as razões, deve confirmar-se a sentença da 1.ª instância. O recurso, em conformidade, deve improceder.

3. Sumário[13]:    

- Embora não tenha sido expressamente transposta para o direito interno, no que respeita à contratação a termo por pessoa colectiva pública, o fim pretendido pela Directiva 1999/70/CE mostra-se mostra alcançado, quer no Decreto-Lei n.º 427/89 (artigo 18.º, n.º 5) quer, em especial, na Lei n.º 23/2004, seja pela nulidade e responsabilidade civil dos órgãos que celebrem os contratos a termo inválidos, prevista no n.º 3 do seu artigo 10.º, seja pela segunda parte do n.º 2 do mesmo preceito, fixando um tempo máximo para a duração da contrato celebrado a termo.

- Ainda que assim se não entenda, a Directiva 1999/70/CE não permite a invocação do seu efeito directo e, igualmente, nem impõe a necessidade da sua harmonização com o direito nacional.

- O artigo 10.º, n.º 2 da Lei 23/2004 não é inconstitucional, pois não contraria o artigo 53.º da Constituição.

- Concluindo-se pela impossibilidade legal de conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado o contrato de trabalho a termo celebrado com uma pessoa colectiva de direito público, a comunicação feita por esta ao trabalhador, anunciando a caducidade da relação contratual, não consubstancia um despedimento.

   

Tudo visto, cumpre proferir a seguinte

4. Decisão:

Pelas razões que antecedem, acorda-se neste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente a presente apelação, em que é recorrente A... e recorrida a Universidade B..., confirmando-se a decisão da 1.ª instância.

Custas pelo recorrente


[1] Facto que se acrescenta, porquanto resulta documentalmente dos autos: fls. 157.
[2] Cujo sumário (dgsi…) resumimos: II – A Directiva 1990/70/CE visa evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos a termo; IV – Tendo o Estado Português transposto tal Directiva, no que respeita aos contratos para o sector privado, não o fez para os celebrados com pessoas colectivas públicas; V – Assim, e no seguimento do decidido no acórdão do TJCE de 4.07.06, devem os contratos a termo, imotivados e sucessivos, celebrados com pessoas colectivas públicas, ser considerados sem termo; VI – A aplicação do direito interno, nesta acepção, da Directiva não é inconstitucional, por violação do artigo 47.º, n.º 2 da CRP, tanto mais que o contrato sem prazo é hoje uma das modalidades regra de prestar trabalho na Administração; VII – Ao contrário, a proibição de conversão é que é inconstitucional, por violar o artigo 53.º da CRP; VIII – O acórdão do TJCE proporciona a harmonização do direito mínimo relativo a contratos a termo em cada Estado Membro, e é conforme à CRP
[3] Com o seguinte sumário: I – Os contratos a termo, imotivados e sucessivos, celebrados com pessoas colectivas públicas, devem ser considerados sem termo (por força da Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28/06/99); II – A norma que proíbe, na administração pública, a conversão do contrato a termo em contrato sem termo (quando imotivados e sucessivos) é inconstitucional por violar o princípio da segurança no emprego.
[4] Onde se refere, ora em síntese, que a posição vencedora colide com o artigo 47.º, n.º 2 da CRP – acolhida pelo Ac. 368/2000, mas igualmente pelo Ac. 61/2004 do TC – e que “o primado do direito comunitário não se sobrepõe, pelo menos, às normas constitucionais e à interpretação que, com força obrigatória geral, delas foi feita pelo Tribunal Constitucional”. Por outro lado, conclui, “o STJ, de forma uniforme, tem vindo a considerar inconstitucional, por violação do artigo 47.º, n.º2, da CRP, a interpretação do normativo legal segundo a qual seria permitida a conversão do contrato de trabalho a termo em sem termo, não recusando a aplicação, e respectiva interpretação, das normas que impedem essa conversão com fundamento na inconstitucionalidade por violação do art.º 53.º da CRP”
[5] Sobre a evolução histórica ocorrida no direito comunitário, até à Directiva, Joana Nunes Vicente, A fuga à relação de trabalho (típica): em torno da simulação e da fraude à lei, Coimbra Editora, 2008, págs. 1597160, nota 325.
[6] Miguel Gorjão-Henriques, Direito Comunitário, Almedina, 2001, págs. 200/202.
[7] José Luís Caramelo Gomes, O Juiz Nacional e o Direito Comunitário – O exercício da autoridade jurisdicional nacional na jurisdição do TJCE, Almedina, 2003, pág. 50.
[8] Afinal, a Directiva o que vem estabelecer é um conjunto de medidas legais alternativas, a adoptar pelos Estados e relativas à fixação de razões objectivas que justifiquem a renovação do contrato (1); a fixação da duração máxima para os sucessivos contratos a termo (2) ou a limitação do número máximo de renovações dos contratos a termo (3) – Joana Nunes Vicente, A fuga…, cit., pág. 160.
[9] Numa posição algo dubitativa (“sim… mas!”, e estamos a citar), Susana Sousa Machado aborda a questão in Contrato de Trabalho a Termo – A transposição da Directiva 1999/70/CE para o ordenamento jurídico português: (in)compatibilidades, Coimbra Editora, 2009, págs. 296 e ss. e págs. 315 e ss., em especial, págs. 321 a 323. Reflectindo já a partir das especificidades da legislação mais recente (Lei 59/2008), a autora não diverge, quando pensa a Lei 23/2004 e o seu pensar, se bem vemos, traduz-se no receio da não efectivação da norma nacional. Com efeito, partindo da decisão do TJCE no Acórdão Adeneler, reconhece que a lei portuguesa não viola o direito comunitário, precisamente na medida em que este não impõe a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo. No entanto, como a jurisprudência comunitária se opõe à inexistência “de outras medidas que tornem efectivas as restrições estabelecidas no acordo quadro” e como “prevenir e compensar são realidades bem diferentes”, entende que a legislação nacional não concretiza suficientemente o efeito útil da Directiva. Ou seja, embora a lei portuguesa responsabilize disciplinar e financeiramente o órgão que celebrou o contrato a termo nulo, prevendo mesmo a responsabilidade civil que se traduzirá num direito indemnizatório do trabalhador, ainda assim, não estará – a legislação nacional – em condições de “prevenir eficazmente a utilização abusiva dos contratos a termo quando se trata de uma entidade pública”. Ora, salvo o muito respeito que se tem por tal conclusão, entendemos que o raciocínio padece de se pretender exigir o que começa por se considerar comunitariamente desnecessário; dito de outro modo, a transformação do contrato em contrato sem termo não é exigida pela Directiva, podem existir outras medidas que previnam essa contratação, mas prevendo a nossa lei a responsabilidade disciplinar e a indemnização do trabalhador, essas medidas serão insuficientes; só que, se é insuficiente a indemnização, só será suficiente, a transformação do contrato em contrato sem termo (a reintegração), mas o direito comunitário não a exige. No fundo, a autora, acusando uma “certa monetarização da utilização abusiva de contratos a termo sucessivos” (itálico da autora), do que duvida é da efectivação do direito, mas isso, por mais razões que a realidade lhe transmita, é uma questão diferente e, salvo o devido respeito, pouco operativa na conclusão a retirar sobre a idoneidade da nossa legislação para concretizar o efeito útil da Directiva.  
[10] Sobre o diploma, e num sentido geral, Vera Lúcia Santos Antunes, O Contrato de Trabalho na Administração Pública – Evolução, reflexões e tendências para o emprego público, Coimbra Editora, págs. 103 e ss.; Maria do Rosário Palma Ramalho . Pedro Madeira de Brito, Contrato de Trabalho na Administração Pública, 2.ª edição, Almedina, 2005, em especial, págs. 57 a 64 e Miguel Lucas Pires, “O contrato individual de trabalho na administração pública”, Questões Laborais, Coimbra Editora, ano XIII, - 2006, n.º 28, págs. 191 a 217. 
[11] Ainda que com votos de vencido, tendo os conselheiros Bravo Serra e Nunes de Almeida entendido (e na expressão deste último) que a solução do acórdão “conflituará com os próprios princípios do Estado de direito democrático consignados no artigo 2.º da Constituição”.
[12] Maria João Machado, “A contratação a termo na Administração Pública”, cit., págs. 205 a 224 e, em especial, pág. 218.
[13] Nos termos legais, da responsabilidade do relator.