Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
277/13.1TBPMS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
EXCLUSIVIDADE
DOCUMENTAÇÃO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 03/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - ALCOBAÇA - INST. CENTRAL - 1ª SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 359/91 DE 21/9, DL Nº 82/2006 DE 3/5
Sumário: 1- Nos contratos de crédito ao consumo, nomeadamente nos casos em que o crédito é concedido sob a forma de contrato de mútuo, pagável em prestações, se destina a financiar a aquisição de bens, é necessária para que as vicissitudes de um contrato de compra e venda influenciem ou possam influenciar o contrato de mútuo, que este tenha sido celebrado nas condições exigidas no art. 12 nº 2 al. a) do DL 359/91 de 21/9.

2- Existe exclusividade a que se refere o citado normativo, sempre que, aquando da celebração do contrato de compra e venda relativo à aquisição do bem, o vendedor se prontificou a tratar da obtenção do crédito e informou o consumidor que tinha um acordo com a entidade financiadora, por via do qual esta lhe asseguraria o crédito.

3- Não tendo o vendedor entregue ao A. a documentação respeitante ao veículo objecto do contrato de compra e venda, é legítimo ao embargante, como consumidor, opor à entidade financiadora, a excepção de incumprimento por parte do vendedor daquele contrato de compra e venda, em nome da dependência dos contratos, a que alude o citado art. 12 nº 2 do DL 359/91.

4- O comprador pode opor ao financiador o não cumprimento pelo vendedor da obrigação de entrega de documentos, sempre que esta obrigação esteja ligada por um nexo sinalagmático com a obrigação de reembolso do financiamento.

5- No caso em apreço estão verificados, na interpretação que se perfilha, os pressupostos exigidos pelo art.12º, nº2, do DL nº359/91 de 21/9: acordo prévio entre credor e vendedor; uso desse crédito exclusivamente para aquisição de bens do vendedor pelos seus clientes; e realização do contrato no âmbito daquele acordo.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Por apenso à execução comum que BANCO A..., S.A. intentou contra L (…), o executado deduziu a presente oposição à execução através de embargos de executado.

Alega para o efeito, em síntese, que a livrança apresentada à execução foi emitida pelo mesmo como garantia de um mútuo bancário contraído para aquisição e um veículo automóvel, que ambos os contratos foram assinados em simultâneo junto do vendedor, que o contrato de financiamento é acessório à compra e venda e, como tal, face ao incumprimento do vendedor na entrega dos documentos do veículo, opôs validamente a excepção de não cumprimento à financeira. Como tal conclui pela inexigibilidade da obrigação exequenda.

Notificada, o exequente contestou, admitindo os factos alegados pelo opoente quanto à existência de ambos os contratos e quanto ao conteúdo do contrato de financiamento (condições acordadas), remetendo para o seu teor. Impugna, porém, a data e formalização do contrato de compra e venda, bem como os factos referentes à falta de entrega dos documentos do veículo pelo vendedor, não obstante, caso tal factual idade se demonstre, concluir pela inoponibilidade da exceptio à entidade financiadora, alegando a inexistência de acordo prévio e exclusivo com o vendedor, bem como que o incumprimento do contrato de financiamento pelo opoente foi anterior à alegada invocação da exceptio, em face do qual resolveu validamente tal contrato.

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que

«Julgo a presente oposição à execução totalmente procedente, declarando extinta a execução a correr termos nos autos principais.

*

Custas a cargo do exequente».

BANCO A... , S.A., nos autos de embargos de executado à margem referenciados,em que é embargado e em que é embargante L (…), tendo sido notificado da sentença com a referência 3070718, porque não se conforma com a mesma, dela veio dela interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que:

(…)

Não foram produzidas contra alegações

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

1.     O Executado negociou com a empresa P (…) de C (…) sem intervenção do Exequente, a aquisição do veículo automóvel de marca FORD, Focus, 1.4, de matrícula (...) XE.

2.     Na mesma ocasião o vendedor propôs ao Executado a celebração do financiamento para essa aquisição através do A... GO, Instituição Financeira de Crédito, SA., com quem já tinha inclusive acertado as condições do financiamento.

3.     Para tanto, o fornecedor do bem - veículo automóvel de matrícula (...) XE - tinha em seu poder impressos do A... GO - Instituição Financeira de Crédito, SA, e que eram preenchidos junto do vendedor, de acordo com as instruções fornecidas pelo financiador a este.

4.     Na sequência do referido no artigo anterior, a dita firma, em telefax de 19 de Julho de 2008 submeteu ao ex- A... Go uma proposta para a concessão ao ora oponente de financiamento para pagamento por ele à dita firma do preço de compra e venda entre ambos ajustado.

5.     Em 20 de Junho de 2008, o então ex A... Go comunicou à firma referida a aprovação do financiamento ao Executado.

6.     Nessa sequência, o vendedor tratou de toda a documentação e apresentou o formulário do contrato ao Executado para que este o assinasse, o que fez no dia 27.06.2008, outorgando, assim, com o A... GO o contrato de financiamento n° 1002304 junto a fls. 10-11 dos autos

7.     O Executado nunca teve qualquer contacto directo com a Exequente aquando da celebração do financiamento acima referenciado.

8.     Nos termos acordados no contrato acima identificado, o A... GO concedeu ao executado um financiamento de 9.356,13€, amortizável em 60 prestações mensais e sucessivas de 201,43€ cada, vencendo-se a primeira prestação em 27.07.2008.

9.     O preço do veículo foi de 9.000,00€, sendo o restante - € 356,13 euros - referente a despesas de Dossier, de Legalização e do Imposto de abertura de crédito.

10.   A taxa de juro contratada foi de € 9,67%, acrescida, em caso de mora, da sobretaxa de 4%.

11.   Para garantia e bom cumprimento do referido crédito, o executado subscreveu em branco a livrança que foi dada à execução nos autos principais.

12.   Nos termos da Cláusula Décima das Condições Gerais do referido contrato expressamente acordado foi:

«O Mutuário autoriza a A... Go a preencher a livrança de caução subscrita como garantia do presente contrato, nomeadamente no que se refere à data do vencimento, ao local de pagamento e aos valores até ao limite das obrigações assumidas pelo Mutuário, nos termos do presente contrato, actualizados à data do seu vencimento, acrescido dos respectivos encargos com selagem dos títulos, bem como das despesas de cobrança extrajudicial e judicial nos termos n" 3 da cláusula oitava».

13.   Mais foi acordado entre exequente e executado, o ora oponente L (…), no dito contrato, na Cláusula Oitava das respectivas Condições Gerais, que:

«1. O não pagamento pontual de qualquer uma das prestações deste Contrato, o incumprimento em geral das obrigações do mesmo resultantes, a manifesta deterioração da situação económico-financeira, delapidação, insolvência ou qualquer outra forma de alteração patrimonial praticadas pelo Mutuário (s) que possam fazer perigar as garantias inerentes ao presente Contrato, além dos casos previstos na lei, constituem fundamento para a sua resolução e o imediato vencimento das prestações vincendas.

2. A A... Go no caso previsto no numero anterior terá direito a:

a)     Declarar resolvido o presente contrato;

b)     Ao pagamento, à data da resolução, das prestações vencidas e não pagas acrescidas dos respectivos juros de mora e encargos, bem como de todas as prestações vincendas;

c) Quando constituída reserva de propriedade, exercer o direito que lhe é conferido pela mesma, ficando proprietária do bem, tomando posse imediata dele, bem como dos documentos necessários à sua venda, cujo produto, liquido de todas as despesas efectuadas com o seu levantamento, transporte, armazenamento, promoção de venda e registos, será abatido ao valor apurada na alínea b) da presente Cláusula;

d) Executar o presente contrato ou qualquer garantia adicional ou autónoma que tenha exigido o Mutuário e ao (aos) Avalista (s).

3. É da responsabilidade do Mutuário (a) o pagamento de todas as despesas de cobrança judiciais ou extra judiciais, que desde já se fixam em 10% do valor calculado nos termos da alínea b) do número anterior, num mínimo de € 400,00 e máximo de € 2.500,00».

14.   Mais foi acordado entre as partes, na Cláusula Quinta das respectivas Condições

Gerais, na constituição de reserva de propriedade sobre o veículo adquirido a favor da A... GO até integral reembolso do montante financiado.

15.   Com conhecimento e concordância do ora oponente, que subscreveu também tal Declaração, a firma F... enviou ao referido ex A... Go, datada de 26 de Junho de 2008 a Declaração que faz fls. 58 dos autos, em que se compromete a enviar-lhe a documentação necessária para o registo da dita reserva, o que nunca fez.

16.   A financiadora A... GO entregou de imediato a quantia financiada ao vendedor.

17.   O veículo automóvel adquirido pelo Executado, aqui Embargante, foi-lhe entregue de imediato,

18.   Não lhe tendo sido, no entanto, entregues os documentos do veículo, com excepção de uma cópia do livrete.

19.   O vendedor prometeu que lhe entregava os referidos documentos no prazo de um mês.

20.   Acontece que o Executado nunca recebeu qualquer documento do referido veículo.

21.   Tendo o Executado, ora embargante, sido informado, mais tarde, pelo representante do vendedor, senhor D... , que seria a Exequente quem faria o averbamento da propriedade do veículo e que iria remeter os documentos do veículo assim que estivessem disponíveis, uma vez que havia também que proceder ao averbamento da reserva de propriedade, o que levaria algum tempo.

22.   Como os documentos do veículo tardavam em chegar à posse do Executado, para este poder circular com o veículo, foram-lhe sendo passadas várias declarações, pelo vendedor, ou pelo seu representante, (…), de forma a permitir ao Executado circular com o veículo na via pública.

23.   O imposto único de circulação do veículo, referente ao ano de 2009, foi pago pelo anterior dono do veículo (…)

24.   O veículo era de 23 de Março de 2004, pelo que a partir de Janeiro de 2010, já poderia fazer a inspecção ao veículo.

25.   O Executado, tendo já decorrido mais de dezoito meses sem que lhe fossem entregues os documentos do veículo, deixou de proceder ao pagamento das prestações para que a entidade financiadora, aqui Exequente, lhe entregasse os documentos do veículo, ou pressionasse a vendedora para assim proceder.

26.   O Executado só tinha até ao dia 23 de Março de 2010 para levar o referido veículo à inspecção, sob pena de ter de deixar de circular com o veículo na via pública.

27.   O Executado voltou a insistir com o representante do vendedor, D... , mas este limitou-se a passar uma última declaração, datada de 17 de Março de 2010.

28.   O Executado viu-se impossibilitado de levar o veículo automóvel à inspecção, e,

29.   Em consequência, deixou de poder circular com ele na via pública.

30.   O Executado liquidou por transferência bancária 18 prestações mensais de € 201,43 euros através da conta bancária da Caixa E... com o NIB (...) .

31.   Como já não podia circular com o veículo, pelo que já não se sentia obrigado a continuar a proceder ao pagamento das prestações do empréstimo.

32.   Pagou a prestação do financiamento vencida no dia 28.12.2009, tendo deixado de pagar a 19a, vencida em 27 de Janeiro de 2010, e as seguintes.

33.   O Executado foi saber junto da Conservatória do Registo Automóvel, qual a situação do veículo, onde verificou que o mesmo se encontrava registado em nome do anterior dono do veículo e com reserva de propriedade em nome de outra sociedade financeira ¬S (…), SA..

34.   De seguida enviou uma carta à Exequente, datada de 17/04/2010, recepcionada pelo ex A... Go aos 23 de Abril de 2010, comunicando tais factos e que não pagaria as prestações enquanto não lhe fosse entregue a documentação do veículo, registado em seu nome, embora com a reserva de propriedade em nome da Exequente.

35.   O dito ex A... Go em 10 de Maio de 2010 respondeu à dita carta, do ora oponente confirmando que a compra e venda havia sido acordada entre o oponente e o fornecedor do veículo, acrescentando contudo que iria insistir - como o fez - junto do dito fornecedor pela resolução do assunto.

36.   Em 16 de Março de 2012, o exequente dirigiu ao executado e ora oponente L (…), sob registo e com aviso de recepção, carta - por ele recebida - resolvendo o contrato se no prazo de oito dias não fosse paga a importância então em débito, no montante de € 9.681,32.

37.   A dita importância de € 9.681,32 corresponde ao somatório de € 5.438,85 de prestações à data vencidas e não pagas, mais € 897,46 de juros de mora, mais € 421,20 de encargos, mais € 2.923,81 de prestações vincendas e respectivos juros (5.438,85 + 897,46 + 421,20 + 2.923,81 = 9.681,32).

38.   Porque a importância referida na carta mencionada no anterior artigo 20° não foi paga, nem no prazo nela fixado nem posteriormente, a livrança referida, nos termos acordados e constantes do contrato referido, foi preenchida e apresentada a pagamento, e, porque não paga, deu origem à execução apensa.

39.   A livrança foi preenchida pelo valor de € 10.720,33 correspondente ao valor em débito à data do respectivo vencimento - 17 de Dezembro de 2012 -, ou seja à importância referida no facto n.o37, acrescida de € 985,41 referente aos juros de mora vencidos entre as duas datas (da resolução e do vencimento da livrança), e de € 53,60 de imposto de selo da livrança (9.681,32 + 985,41 + 53,60 = 10.720,33).

40.   O exequente BANCO A... , SA, antes denominado BANCO AA... , S.A., por escritura de cisão-fusão de sociedades, outorgada em 28 de Dezembro de 2011, no Cartório Notarial do Dr. C..., em Lisboa, de fls. 11 a fls. 29 verso do Livro 4- T do dito Cartório, integrou no seu património todos os elementos do activo e passivo associados aos ramos de actividade "financiamento de aquisições a crédito" e "leasing mobiliário" da sociedade - que foi extinta por tal escritura - A... GO - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A, que tinha sede na Avenida (...) Lisboa, e que tinha o número de pessoa colectiva (...) , tendo aliás por tal escritura sido alterada pela sociedade incorporante, a sua denominação de BANCO AA... , S.A. para BANCO A... , S.A.

Nos termos do art. 635º, do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608º, do mesmo Código.

Das conclusões, ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz:

I.

1. Errou o Tribunal a quo ao considerar provado, que quando o Executado negociou com a empresa P (…)  de C (…), sem intervenção do Exequente, a aquisição do veículo automóvel de marca FORD, o vendedor propôs ao Executado a celebração do financiamento ara essa aquisição através do A... GO, Instituição Financeira de Crédito, SA., já tinha acertado com este as condições do financiamento, atento o que decorre da ordem natural das coisas e da factualidade apurada nos pontos 1 e 3 a 6 da sentença recorrida.

2. Errou igualmente o Tribunal a quo nos pontos 21, 22 e 27 dos factos provados ao qualificar o Sr. (…) como “representante do vendedor”, atento o executado não ter invocado e muito menos demonstrado a realidade de qualquer negócio ou facto jurídico no qual poderia ter origem essa alegada qualidade e os documentos juntos aos autos e o referido (…), ouvido como testemunha arrolada pelo executado, a refutarem.

3. A justa decisão dos embargos importa que se tenham por relevantes para a decisão do pleito que o A... GO, Instituição Financeira de Crédito, SA. Não ajustou com a F... de G...qualquer acordo que obrigasse esta a solicitar exclusivamente àquele a concessão de financiamento para aquisição a crédito pelos clientes-compradores dos veículos ou equipamentos por ela vendidos sendo, à data dos factos, o A... GO apenas um entre vários operadores financeiros disponíveis nas instalações da firma P (…) de C (…) para a concessão de crédito aos clientes desta, tal como decorre, sem contraponto, do depoimento da testemunha (…).

Apreciando, nesta conformidade, convoquem-se os seguintes os pontos da matéria de facto em causa:

1. O Executado negociou com a empresa P (…) de C (…), sem intervenção do Exequente, a aquisição do veículo automóvel de marca FORD, Focus, 1.4, de matrícula (...) XE.

3. Para tanto, o fornecedor do bem - veículo automóvel de matrícula (...) XE - tinha em seu poder impressos do A... GO - Instituição Financeira de Crédito, SA, e que eram preenchidos junto do vendedor, de acordo com as instruções fornecidas pelo financiador a este.

4. Na sequência do referido no art. anterior, a dita firma, em telefax de 19 de Julho de 2008 submeteu ao ex- A... Go uma proposta para a concessão ao ora oponente de  financiamento para pagamento por ele à dita firma do preço de compra e venda entre ambos ajustado.

5.Em 20 de Junho de 2008, o então ex A... Go comunicou à firma referida a aprovação do financiamento ao Executado,

6.Nessa sequência, o vendedor tratou de toda a documentação e apresentou o formulário do contrato ao Executado para que este o assinasse, o que fez no dia 27.06.2008, outorgando, assim, com o A... GO o contrato de financiamento n° 1002304 junto a fls. 10-11 dos autos.

Assentes, reconstituída a prova, em termos de expressão processual de confronto, com perfeita sustentação na motivação/fundamentação expressa a fls. 103-107 dos Autos, em consonância e adequação, na emergência holística da prova produzida.

(…)

Em termos sequenciais, como emergência, igualmente, de obrigatória consideração - tal como no Proc. nº251.11.2T2AND.C1, Relator Luís Cravo, que subscrevemos como 2º Adjunto – e imperativo jurídico de haver de se ter sempre presente que o controlo da matéria de facto tem por objecto uma decisão tomada sob o signo da livre apreciação da prova, atingida de forma oral e por imediação, i.e.. baseada numa audiência de discussão oral da matéria a considerar e numa percepção própria do material que lhe serve de base (arts. 604°. n° 3 e 607°, n° 5 do N.C.P.Civil).

Contudo, liberdade de apreciação da prova não é sinónimo de arbitrariedade ou discricionariedade e, portanto, naturalmente que essa apreciação há-de ser reconduzível a critérios objectivos: a livre convicção do juiz, embora seja uma convicção pessoal, não deve ser uma convicção puramente voluntarista, subjectiva ou emocional - mas antes uma convicção formada para além de toda a dúvida tida por razoável e - portanto, capaz de se impor aos outros.

De qualquer forma, não deve desvalorizar-se a circunstância de essa convicção sobre a realidade ou a não veracidade do facto provir do tribunal mais bem colocado para decidir a questão correspondente: na formação da convicção do julgador não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição: na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerando em torno da testemunha. o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.

Não obstante o vindo de dizer, perfilhamos o entendimento de que quando há impugnação da matéria de facto e ao tribunal de recurso é solicitada uma decisão à luz do disposto no actual art. 662° do N.C.P.Civil, a “Fundamentação”/”Motivação” do tribunal a quo vai ser o objecto precípuo da atenção do tribunal de recurso, pois que o labor deste se orienta para a detecção de qualquer “erro de julgamento” naquela decisão da matéria de facto, em termos da apreciação e valoração da prova produzida (não podendo obviamente limitar-se à análise da coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto operada pelo tribunal a quo).

Sem embargo, “não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento” (cf. Ac. da Rel. de Coimbra de 17-04-2012. proc. n°  1483/09.9TBTMR.C 1. acessível em www.dgsi.pt/jtrc; no mesmo sentido, veja-se A. ABRANTES GERALDES in “Julgar’, n° 4, Janeiro/Abril 2008, Reforma dos Recursos em Processo Civil, páginas 74 a 76 e o Ac. do S.TJ. de 15-09-2010, proferido no proc. n°241/05ATTSNT.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/stj.)

E assim o é em atenção ao entendimento de que a efectiva garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto (consignado no art. 662° do N.C.P.Civil), impõe que o Tribunal da Relação, depois de reapreciar as provas apresentadas pelas partes, afirme a sua própria convicção acerca da matéria de facto questionada no recurso, não podendo limitar-se a verificar a consistência lógica e a razoabilidade da que foi expressa pelo tribunal recorrido.

É este, afinal, o verdadeiro sentido e alcance que deve ser dado ao princípio da liberdade de julgamento fixado no art. 607°, n°5 do N.C.P.Civil, que, por esta forma, se expressa na dimensão assumida.

Do mesmo modo, porque se não pode perder de vista a consideração de que “a prova de um facto assenta, em processo civil, num juízo de preponderância em que esse facto provado se apresente, fundamentalmente, como mais provável ter acontecido do que não ter acontecido como no caso vertente se evidencia (neste sentido, Ac. RC, de 06.03.2012, disponível em www.dgsi.pt; também Ac. RC. 25.02.2014 (Relatora Maria José Guerra), no Processo com o Nº 1712.12.1YIPRT.C1).

Consequentemente, alinhados e aferidos os elementos de prova com interesse para o esclarecimento do caso -, na relação intra-diegética dos Autos e no binómio verdade material/verdade real intra-processual, impõe-se, a tal pretexto, validar a decisão relativamente aos elementos constantes dos pontos em causa.

Verificando-se, assim, que o tribunal apreciou livremente as provas e respondeu segundo a convicção que formou acerca de cada facto, tudo em harmonia com o disposto no art. 655° do Cód. Proc. Civil (607º NCPC). Isto porque o regime de prova é dominado pelo princípio da prova livre - o tribunal aferir livremente as provas; em qualquer circunstância, analisando-as criticamente e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador. Deste modo, pois que o julgador não é arbitrário na apreciação das provas pericial e testemunhal, mas é, legalmente até, livre, na apreciação desses meios probatórios.

A decisão mostra-se, do mesmo modo, conforme ao dictat do que se consigna no art. 659°, do CPC, maxime, no seu n°3 (607º NCPC), pois na fundamentação da sentença, imperativamente, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer. O que, igualmente, considerações feitas, se revela observado.

Demais, o ónus da prova (art. 342° Código Civil) traduz-se, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta. Assim, exactamente, pois que todos os elementos considerados deficitários, alegadamente inconsiderados, pela recorrente, foram levados em conta, na decisão proferida.

O que atribui resposta negativa às questões em I.

II.

4. O Tribunal a quo errou clamorosamente ao votar à irrelevância “o facto do executado ter um crédito anterior com o A... Go”, considerando erradamente, ao arrepio do que resulta inequivocamente dos depoimentos das testemunhas (…) e também da normalidade conhecida pela experiência comum razoavelmente mobilizável, “que tal facto não teve influência na escolha da mesma entidade para o financiamento objecto dos autos, tendo sido tal indicação feita exclusivamente pelo vendedor (…) por intermédio da testemunha (…)”.

5. Deveria, assim, o Tribunal a quo ter também considerado provado, uma vez que tais factos resultaram claramente da instrução da causa face aos temas de prova oportunamente enunciados, que no contexto do negócio de compra e venda do veículo automóvel de marca FORD, Focus, 1.4, de matrícula (...) XE, o executado entregou ao vendedor, por conta do preço entre eles ajustado, um outro veículo automóvel sobre o qual incidia reserva de propriedade a favor do A... Go em função de contrato de mútuo previamente celebrado entre o executado e o exequente e que atendendo à circunstância de o executado ser estrangeiro em Portugal à data dos factos a considerar e ser já cliente do A... Go, o executado e o fornecedor do veículo sabiam que seria muito mais fácil obter junto do A... Go um novo crédito do que junto de qualquer outra financeira e que por esse motivo foi apresentaram proposta para celebração do contrato em causa junto do A... Go.

O que vem de dizer-se, aqui se repercute na mesma dimensão. Sendo que quanto ao

 “ facto do executado ter um crédito anterior com o A... Go”;

e de

«no contexto do negócio de compra e venda do veículo automóvel de marca FORD, Focus, 1.4, de matrícula (...) XE, o executado entregou ao vendedor, por conta do preço entre eles ajustado, um outro veículo automóvel sobre o qual incidia reserva de propriedade a favor do A... Go em função de contrato de mútuo previamente celebrado entre o executado e o exequente e que atendendo à circunstância de o executado ser estrangeiro em Portugal à data dos factos a considerar e ser já cliente do A... Go, o executado e o fornecedor do veículo sabiam que seria muito mais fácil obter junto do A... Go um novo crédito do que junto de qualquer outra financeira e que por esse motivo foi apresentaram proposta para celebração do contrato em causa junto do A... Go»

sempre funcionariam como elementos adjacentes, laterais, relativamente ao núcleo fundamental do que se encontra adequadamente provado (e assim se considerou), aos quais só pode caber, não eminência categorial classificatória inversa, mas, antes, sistemática, de todo, no inteiro esquisso dos Autos, irrelevante, perante o carácter autonómico do contrato, recte, novo contrato, celebrado e em causa.

Em contexto - aqui, em decorrência, já, também, interpretativo, mas inarredável (supra consagrado e desenvolvido) - de se fazer ressumar que

«(…) o que importava era que o crédito fosse concedido aos clientes do vendedor ou fornecedor …exclusivamente para a aquisição dos bens ou serviços deste (e não para qualquer outra finalidade), e resultando esta destinação exclusiva, precisamente, de um acordo previamente celebrado entre o financiador e o vendedor/fornecedor. Assim compreendida a exigência de exclusividade do art. 12.°, nº2, alínea a), do Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro, com a redacção do Decreto-Lei 82/2006 de 3 de Maio».

Daí ser, também, negativa a resposta às questões em II.

III.

6. A sentença recorrida interpreta e aplica erradamente a norma do artigo 12.° n.º2, do Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro, com a redacção do Decreto-Lei 82/2006 de 3 de Maio, e procede a incorrecta subsunção dos factos à norma em causa.

7. Não tendo o executado alegado – muito menos provado - ter interpelado o vendedor do veículo automóvel de marca FORD, Focus, 1.4, de matrícula (...) XE, isto é, a firma “ F... (…)”, no sentido de proceder à entrega dos documentos do dito veículo, não devia o Tribunal a quo ter sequer por demonstrado “o incumprimento ou o cumprimento defeituoso da compra e venda por parte do fornecedor” para os efeitos do disposto no artigo 12.° n.º 2, do Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro (cfr. factos provados n.º 20 a 27 e ponto 2 das presentes conclusões).

8. Errou também o Tribunal a quo ao considerar demonstrada a existência de uma unidade económica qualificada entre os dois contratos consubstanciada na existência de um acordo de colaboração entre financiador e vendedor prévio e exclusivo quando, a cooperação entre exequente e vendedor com vista à celebração do contrato com o executado, desenvolveu-se num contexto de concorrência – vide ponto 3 das presente conclusões – em que o recorrente era apenas um entre vários operadores financeiros disponíveis para a concessão de crédito ao consumo.

9. Errou ainda o Tribunal a quo ao não reconhecer que a escolha do A... Go para financiar o executado na aquisição do veículo foi decisivamente determinada por circunstâncias respeitantes não a qualquer acordo existente entre o fornecedor e o exequente mas antes à pessoa do executado e ao negócio por este concretamente ajustado (vide pontos 3 a 5 das presente conclusões).

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por acórdão que julgue os embargos do executado totalmente improcedentes e não provados e ordene o prosseguimento da execução, como é de inteira

Sequencialmente, reforce-se a questão de que para o executado poder circular com o veículo tinha que ter os documentos do mesmo. Assim sendo, a vendedora estava obrigada a uma dada conduta como acessória à obrigação da entrega do veículo: o dever acessório de que fala o acórdão do STJ de 23/3/2006, publicado na CJ.STJ.2006, tomo I, págs. 150/152.

Recentrando a questão, haverá de dizer-se que ela se encontra, em consagração judiciária, abundantemente tratada, em função dos inputs do quotidiano e da sua apreciação em instâncias formais de controlo. A sua solução deriva, pois, do esquisso plasmado na matéria de facto eleita e da solução jurídica a eleger, segundo as perspectivas que se podem perfilar, a passar, sempre - dito o que se consagrou -, por bosquejo panorâmico, em termos de diegese conceitual de vinculação.

Prosseguindo tal escopo, considere-se, pressuponentemente - tal como no Ac. RC, de 12.07.2011, a que corresponde o Proc. Nº 934/07.1TBFND-A.C1, Relator: Pedro Martins, e que subscrevemos, então, como 2º Ajunto - que não tendo ocorrido a entrega dos documentos do veículo, sai, de maneira inequívoca, violada a obrigação de entrega da coisa objecto do contrato de compra e venda pois, como refere [Pedro de Albuquerque], tratando-se de uma obrigação complexa, compreendendo a entrega da coisa propriamente dita (no caso o veículo) e os documentos, faltando entregar qualquer destas realidades, falta-se ao cumprimento da obrigação (Direito das Obrigações, vol. III, [sob coordenação de Menezes Cordeiro], p. 33)” (ac. do TRE de 23/2/2006, com o nº. 135/05-2 na base de dados do ITIJ – todas as referências deste género são sempre à base de dados do ITIJ). No mesmo sentido Carlos Ferreira de Almeida (em Contratos II, 2011, 2ª edição, Almedina, pág. 123), coloca a eventual obrigação de entrega de documentos no mesmo plano da obrigação da entrega do objecto em conformidade com o contrato; e Francisco Manuel de Brito Pereira Coelho (Operação complexa de “crédito ao consumo” e excepção de não cumprimento do contrato, Cadernos de Direito Privado, nº. 28, Outubro/Dezembro de 2009, págs. 65/66, sob b)), fala de uma prestação acessória e explica que “o incumprimento da mesma acaba por ter um peso considerável no plano da satisfação dos interesses globais do seu credor: como é sabido, e é, aliás, afirmado no aresto aqui anotado [ac. do TRC de 03/06/2008, 39/07.5TBFVN.C1], a posse da documentação do veículo é normalmente obrigatória, sendo mesmo condição de circulação do veículo”.

Circunstancialmente, no caso dos autos, a questão deriva, pois, mais uma vez, de

 “se haver provado que o comprador negociou com o vendedor a aquisição do veículo. Nessa ocasião, o vendedor propôs ao comprador a celebração de um contrato de crédito ao consumo para pagamento do veículo, sustentando parceria com o financiador. Foi o vendedor que negociou com o seu parceiro financeiro a concessão do mencionado crédito. Aprovada a operação de crédito, tratou de toda a documentação e apresentou o formulário do contrato, devidamente preenchido, para que o comprador o assinasse. Entre o comprador e a financiadora foi celebrado o contrato de financiamento. O financiador entregou directamente à vendedora o montante financiado ao executado”.

No Ac do STJ de 20/10/2009 (1202/07.4TBVCD.S1), em que a recorrente se estriba para dar consistência ao seu recurso, apreciou-se que:

         “I. Nos contratos de crédito ao consumo, designadamente nos casos em que o crédito, concedido sob a forma de contrato de mútuo, pagável em prestações, se destina a financiar a aquisição de bens, para que as vicissitudes de um contrato de compra e venda influenciem ou possam influenciar a operação de crédito, é necessário que o contrato de mútuo tenha sido concluído no contexto de uma colaboração estreita, com carácter de exclusividade, entre o mutuante e o vendedor (art. 12º do Dec.-Lei 359/91, de 21/09). II. Tem considerado o STJ que a “exclusividade” exigida por aquele normativo deve ser entendida como integrante do acordo entre a entidade financiadora e o fornecedor do bem, pois que, de outra forma, o mutuante ficaria colocado, sem nada poder fazer, na mão do consumidor quanto à fiabilidade do vendedor, podendo impor-lhe, no limite, em quaisquer circunstâncias, o incumprimento deste, o que se não coaduna com a regra base da interpretação e segundo a qual o intérprete presumirá, para a fixação do sentido e alcance da lei, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. III. No contrato de crédito ao consumo, a credora, entidade financiadora, responde pelo incumprimento da vendedora, perante a consumidora mutuária, desde que provada a afectação do crédito ao contrato respectivo e desde que no âmbito de um prévio acordo de exclusividade e, em consequência, não estando provada a existência de um tal acordo e por incumprimento do mútuo, deve a mutuária pagar o débito. IV. Provado que a autora, compradora de um veículo automóvel, assinou os papéis impressos destinados à concessão do crédito nas instalações da vendedora, 1ª ré, e que esta deu seguimento, contactando e obtendo o assentimento da instituição financeira, 2ª ré, tal não significa uma vinculação a um acordo prévio entre ambas as rés, pelo que não são extensíveis à 2ª ré os efeitos da resolução do contrato de compra e venda operada pela autora ante a situação de incumprimento da 1ª ré, nada tendo a 2ª ré de restituir no âmbito do contrato de mútuo celebrado, antes podendo a autora obter da vendedora o preço que lhe foi pago com a recíproca restituição da viatura”.

Estavam, assim, em causa pretensões de resolução e de restituição.

No presente circunstancialismo, o comprador pretende não ser obrigado a pagar porquanto os documentos do veículo não lhe foram entregues, num caso, marcadamente, de “atitude defensiva”.

No caso dos autos (em que está em causa apenas a oponibilidade da excepção de não cumprimento), e por isso, as exigências do art. 12º/2 do RCC não são (entenda-se, não seriam de aplicar) quanto à possibilidade de invocar a recusa de pagar a prestação ao financiador, enquanto o vendedor não cumprir a sua obrigação de entregar os documentos do veículo.

 

Com tal esquisso, quanto à relativização da exclusividade, muito embora entendendo que o que se está a fazer é a relativizar a exigência da exclusividade e portanto a aplicar ainda o nº. 2 do art. 12, vai o Ac. do TRP de 14/03/2011 (3974/08.0TBVLG-B.P1) que interpreta estes requisitos nos seguintes termos:

         “Acordo prévio entre credor e vendedor; uso desse crédito exclusivamente para aquisição de bens do vendedor pelos seus clientes; e realização do contrato no âmbito daquele acordo.”

  É também o caso do Acórdão do TRE de 03/02/2010 (45/09.5TBETZ.E1):

            “No contrato de crédito ao consumo, a credora, entidade financiadora, responde pelo incumprimento da vendedora, perante a consumidora mutuária, desde que provada a afectação do crédito ao contrato respectivo.”

É também a posição seguida no estudo de FMB Pereira Coelho:

“[…] entendemos que devia relativizar-se o alcance da exigência legal: a prática ensina-nos que não é normal a existência de tais acordos, pelo menos do lado da entidade financiadora, que não se vê que autolimite as suas operações ao círculo de clientes daquele vendedor ou fornecedor; e trata-se sempre de um acordo de prova difícil ou impossível, sobretudo da parte daquele sujeito (o consumidor) sobre quem justamente recai o correspondente ónus probatório – sujeito que, afinal, é completamente estranho a tal acordo. É verdade que a dita exclusividade “acentua a colaboração entre as partes, tornando-a íntima, intensa e estável”. Simplesmente, o que não se percebe é em que medida a exclusividade seja necessária do ponto de vista da concessão ao consumidor do direito de demandar o financiador, que é apenas o que se acha em causa. Propendemos, pois, a crer, nesta sequência – e sob pena de nunca se verificar o pressuposto estabelecido no art. 12°/2a), do RCC e, por conseguinte, nunca poder o consumidor demandar o credor em caso de incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda -, propendemos a crer, dizíamos, que o que importava era que o crédito fosse concedido aos clientes do vendedor ou fornecedor… exclusivamente para a aquisição dos bens ou serviços deste (e não para qualquer outra finalidade), e resultando esta destinação exclusiva, precisamente, de um acordo previamente celebrado entre o financiador e o vendedor/fornecedor. Assim compreendida a exigência de exclusividade do art. 12°/2a), e embora persistam ainda, de alguma forma, as dificuldades probatórias a que nos referimos, ela passa já a fazer sentido do ponto de vista dos interesses aqui em presença e da peculiaridade da formação contratual em causa: a concessão de crédito tem (exclusivamente) aquela finalidade de financiamento, e essa destinação foi acordada previamente entre o financiador e o fornecedor, pelo que se dirá que a concessão de crédito “se integra”, por assim dizer, nesta compra e venda, É, pois, apenas com este limitado alcance que julgamos poder aplicar a exigência de “exclusividade” para efeitos de atribuição ao comprador/mutuário do referido direito de exercício da exceptio”.

Do que antecede resulta o seguinte: a jurisprudência na sua maior parte tem vindo a aceitar até agora, que a questão da oponibilidade das excepções está regulada no art. 12º/2 do Dec. Lei 359/91. Mas parte dela, com o apoio implícito dos acórdãos do STJ citados (pois que eles têm remetido para o acórdão de Dez/2006 -TRL de 23/02/2006 (10021/2005-.8) que defende tal), serve-se de prova indiciária (= tese da prova indiciária) para considerar como verificados tais requisitos, enquanto que outra parte faz uma interpretação restritiva da norma, quer no sentido de dispensar, na prática, um dos requisitos (= tese da dispensa da exclusividade), quer no sentido de os interpretar como valendo apenas nas relações do financiador com o vendedor (= teses da relatividade da exclusividade).

   Posto isto:

O acórdão do STJ de Dez/2006 concluiu pela existência manifesta de um acordo de colaboração exclusiva entre a vendedora e o financiador, ao abrigo do qual teve lugar a concessão àqueles do crédito em causa, dos seguintes factos:

 “O comprador dirigiu-se ao estabelecimento do vendedor a fim de adquirir a viatura. Nessa ocasião, o comprador assinou um documento com vista à obtenção de crédito para a aquisição do veículo. No stand do vendedor havia autocolantes publicitários do financiador, colados nos vidros. O fornecedor do bem tinha em seu poder impressos do financiador, em branco, que eram preenchidos nas instalações do vendedor, por este, de acordo com as instruções fornecidas pelo financiador. Os contratos de crédito são propostos ao financiador pelo vendedor do bem, não tendo os clientes qualquer contacto directo com o financiador, na altura da formalização do contrato de crédito. Existindo, assim, um acordo prévio entre fornecedor e financiador, mediante o qual este coloca à disposição do fornecedor formulários seus de contratos de crédito, que são utilizados pelo fornecedor para financiar a aquisição de bens por si fornecidos, as seus clientes. Foi por via deste acordo entre o financiador e o fornecedor do bem, que foi atribuído o crédito ao comprador”.

  A parte final que foi colocada em itálico é obviamente uma nova descrição dos outros factos. Por isso, no essencial, o que relevou para o ac. do STJ de 12/2006 - acórdão do STJ de 05/12/2006 (06A2879),  para dar como provada a exclusividade e o acordo prévio foi, exactamente, o seguinte: o facto de os documentos do crédito, que eram formulários em branco do financiador em poder do vendedor, terem sido assinados na ocasião em que o comprador se dirigiu ao stand do vendedor com o fim de adquirir o veículo, tendo sido aí preenchidos, pelo vendedor, de acordo com as instruções fornecidas pelo financiador. A existência, no stand, de autocolantes publicitários do financiador, colados nos vidros. E o facto de os contratos de crédito serem propostos ao financiador pelo vendedor do bem, não tendo os clientes qualquer contacto directo com o financiador, na altura da formalização do contrato de crédito».

Ora, no caso dos “nossos” autos, tendo em conta o que assim se aprecia, faz sentido considerar, por cotejo - como empreendido em decisório - que

«da factualidade provada, nomeadamente, do teor do formulário e das Condições Gerais do contrato de financiamento objecto dos autos e que faz fls. 10-11, dando-se por integralmente reproduzido nesta sede, decorre a existência de exclusividade quanto à finalidade do financiamento obtido do âmbito do acordo de colaboração firmado entre financiador e vendedor com referência aos veículos automóveis por este comercializados.

Pelo exposto, concluímos pelos preenchimento de todos os elementos da previsão da norma acima citada e, consequentemente, pela viabilidade de, no caso concreto, o executado opor a excepção de não cumprimento ao exequente na sequência da não entrega dos documentos do veículo automóvel pelo vendedor (incumprimento obrigacional)».

Do mesmo modo, e porque o exequente refuta ainda o direito alegado pelo executado, alegando que, tendo a exceptio sido invocada apenas após o incumprimento do contrato de financiamento, em face do qual resolveu validamente tal contrato. Certo é que - como também não deixou de se apreciar - em função, igualmente da factualidade provada,

«não obstante nunca lhe terem sido entregues os documentos do veículo, o executado continuou a cumprir a obrigação a que estava vinculado perante o exequente, pagando dezoito prestações, até Dezembro de 2009, altura em que, já há muito privado do uso do veículo, suspendeu esse pagamento com tal fundamento.

Mais resulta(ndo) provado que o executado comunicou ao exequente o motivo da suspensão do pagamento em Abril de 2010, sendo certo que a carta de resolução do contrato apenas foi remetida pelo exequente ao executado em Agosto de 2012, ou seja, muito após a invocação da exceptio pelo executado».

O que torna inevitável a inferência produzida, em termos de

«sem prejuízo dos prazos de prescrição aplicáveis às prestações em causa, a excepção pode ser oposta pelo credor a todo o tempo enquanto pelo lhe for exigível a respectiva prestação.

Por conseguinte, tendo o executado fundamento legal para deixar de pagar as prestações do mútuo - visto que podia opor, e opôs, a excepção de não cumprimento da obrigação da obrigação da entrega dos documentos ao financiador exequente, não tinha o exequente, por seu turno, fundamento válido para a resolução do contrato, com base nessa falta de pagamento.

Daí que não fira a conclusão de que

«oposta validamente a excepção de cumprimento, a conclusão é a de que a obrigação, para já, é como se não fosse exigível, o que deve acarretar a extinção da execução».

Tanto assim, pois que os compradores podem opor - e opuseram - a excepção de não cumprimento da obrigação da entrega dos documentos ao financiador, a conclusão é a de que a obrigação, para já, é - aqui também -, como se não fosse exigível, o que deve acarretar a extinção desta execução (art.s 715º NCPC, 729º; 857ºNCPC).

Sem olvidar que o comprador pode opor ao financiador o não cumprimento pelo vendedor da obrigação de entrega de documentos, sempre que esta obrigação esteja ligada por um nexo sinalagmático com a obrigação de reembolso do financiamento.

Perante tal consagração fáctica e o tratamento jurídico que lhe foi atribuído, haverá de se reconhecer não estar longe daquela outra argumentação (Ac. RP. 12.03.2011 (3974/08.0TBVLG-B-P1: Relator Abílio Costa, Anabela Luna de Carvalho (aqui 2ª Adjunta),Rui Moura), segundo a qual - em circunstâncias similares -,

«assiste ao executado o direito de resolver o contrato de compra e venda por incumprimento –artºs 874º, 879°, al. b), 801° e 808°, todos do Código Civil; o que pode ser oposto à exequente, como empresa financiadora – art.12° do DL 359/91, de 21/9; assim sendo, carece a exequente de fundamento para o preenchimento da livrança que apresentou como título executivo».

Mais se observando que:

«Consoante decorre da sentença recorrida, estamos perante uma operação de “crédito ao consumo”, operação contratual complexa composta por dois contratos: um contrato de consumo, de compra e venda de um veículo automóvel, e um contrato de crédito, consistente no mútuo celebrado para financiar o pagamento daquele bem.

Trata-se de uma situação regulada pelo DL nº359/91 de 21/9 (com as alterações introduzidas pelos DL nºs 101/2000 de 2/6 e 82/2006 de 3/5), que transpôs para a ordem jurídica interna as Directivas nº87/102/CEE de 22 de Dezembro de 1986 e 90/88/CEE de 22 de Fevereiro. Diploma entretanto revogado pelo DL nº133/2009 de 2/6, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº2008/48/CE de 23/4.

Dispõe o art.12º, nº2, daquele DL nº359/91 de 21/9: “O consumidor pode demandar o credor em caso de incumprimento ou de cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda por parte do vendedor desde que, não tendo obtido do vendedor a satisfação do seu direito, se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:

a) Existir entre o credor e o vendedor um acordo prévio por força do qual o crédito é concedido exclusivamente pelo mesmo credor aos clientes do vendedor para a aquisição de bens fornecidos por este último;

b) Ter o consumidor obtido o crédito no âmbito do acordo prévio referido na alínea anterior.

Tem-se entendido que decorrem deste preceito legal duas condições: “1ª) a existência de um acordo prévio entre o credor e o vendedor – acordo dito de exclusividade – em virtude do qual este se obriga a direccionar os seus clientes para aquele com vista à concessão do crédito necessário à aquisição dos bens que ele, vendedor, fornece; 2ª) a obtenção do crédito no âmbito desse acordo prévio de exclusividade. Se não se verificarem estes dois requisitos, o credor não responde pelo incumprimento do vendedor” – cfr ac do STJ de 24-4-2007, in CJ, XV, II, 45.

Neste sentido nos parece a jurisprudência do STJ: cfr ainda, entre outros, os ac.s do STJ de 7-1-2010; 20-10-2009; 13-11-2008; e 5-12-2006, todos in www.dgsi.pt. Na doutrina, cfr GRAVATO DE MORAIS in União de Contratos de Crédito e de Venda para o Consumo, 54 e ss., e Contratos de Crédito ao Consumo, 229 e ss., especialmente, 248 e ss.

(…)

Não se desconhece a dificuldade da prova da exclusividade do acordo que ao consumidor, neste caso o Executado, compete (cfr. o art.342.°, nº1, do CC), designadamente por, na generalidade dos casos, nada lhe ser transmitido pelo vendedor e por não ser interveniente em tal acordo.

Todavia, a prova da exclusividade do acordo pode ser sempre obtida através de indícios que sugiram a existência da mesma, designadamente através da referência expressa ou a publicidade a um único financiador por parte da vendedora.

(…)

Vejamos melhor.

Como decorre do preâmbulo do DL nº359/91 de 21/9, estamos perante um diploma que visa a protecção do consumidor.

Sendo assim, parece que do mesmo não pode resultar uma situação em a sua posição, em vez de protegida, fica dificultada.

(…)

Vejamos, antes de mais, como se processa habitualmente o financiamento em situações semelhantes, que GRAVATO DE MORAIS, in Contratos de Crédito ao Consumo, 231, resume assim: “Na larga maioria das situações, o consumidor dirige-se ao vendedor para adquirir um bem. Dado que não tem disponível a quantia na totalidade ou, embora tendo-a, não a quer utilizar para esse fim contrai um crédito. Como o alienante não está interessado em financiar a compra, normalmente propõe-lhe a concessão de um empréstimo por terceiro. Para o efeito, tem em mãos formulários de “propostas de mútuo” de um (ou de mais do que um) específico financiador, com quem coopera previamente, que entrega ao consumidor e que este subscreve com a sua ajuda. Ulteriormente, essas propostas são enviadas ao dador de crédito para aprovação, sendo que, em princípio, o consumidor não contacta com ele presencialmente, podendo até dar-se o caso de não ter sequer consciência de que celebrou dois contratos: a venda e o mútuo”.

Ora, sendo isto o que a realidade da vida nos diz, como pode exigir-se ao comprador que prove a exclusividade do acordo prévio entre o credor e o vendedor? Como pode ele fazer tal prova se, para além de não ter qualquer intervenção em tal acordo, em muitas situações nem se apercebeu que também celebrou um segundo contrato com uma entidade que desconhece, pensando que o credor é o próprio vendedor?

Esta situação levou a que na doutrina GRAVATO DE MORAIS, in Contratos de Crédito ao Consumo, 250, escrevesse: “Acresce que o consumidor não reconhece, nem sequer lhe é comunicado, o tipo de relação existente entre dador de crédito e vendedor, o que traz dificuldades acrescidas em sede probatória, já que lhe cabe demonstrar a exclusividade.

A norma, em razão desta inusitada imposição, tem uma menor aplicação pelos tribunais, não resolve os inúmeros problemas (historicamente documentados) dos consumidores a crédito e reflecte uma realidade que não se acolhe”.

Na jurisprudência, igualmente se questiona, embora “de iure constituendo”, a bondade da solução seguida – cfr. o referido ac. do STJ de 20-10-09.

Inclinamo-nos, por isso, para o entendimento expendido por PEREIRA COELHO in CDPrivado, 28-64: “Também aqui, todavia, entendemos que devia relativizar-se o alcance da exigência legal: a prática ensina-nos que não é normal a existência de tais acordos, pelo menos do lado da entidade financiadora, que não se vê que autolimite as suas operações ao círculo de clientes daquele vendedor ou fornecedor; e trata-se sempre de um acordo de prova difícil ou impossível, sobretudo da parte daquele sujeito (o consumidor) sobre quem justamente recai o correspondente ónus probatório – sujeito que, afinal, é completamente estranho a tal acordo. É verdade que a dita exclusividade “acentua a colaboração entre as partes, tornando-a íntima, intensa e estável”. Simplesmente, o que não se percebe é em que medida a exclusividade seja necessária do ponto de vista da concessão ao consumidor do direito de demandar o financiador, que é apenas o que se acha em causa. Propendemos, pois, a crer, nesta sequência – e sob pena de nunca se verificar o pressuposto estabelecido no art.12.°, nº2, alínea a), do DL nº359/91 e, por conseguinte, nunca poder o consumidor demandar o credor em caso de incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda -, propendemos a crer, dizíamos, que o que importava era que o crédito fosse concedido aos clientes do vendedor ou fornecedor …exclusivamente para a aquisição dos bens ou serviços deste (e não para qualquer outra finalidade), e resultando esta destinação exclusiva, precisamente, de um acordo previamente celebrado entre o financiador e o vendedor/fornecedor. Assim compreendida a exigência de exclusividade do art. 12.°, nº2, alínea a), e embora persistam ainda, de alguma forma, as dificuldades probatórias a que nos referimos, ela passa já a fazer sentido do ponto de vista dos interesses aqui em presença e da peculiaridade da formação contratual em causa: a concessão de crédito tem (exclusivamente) aquela finalidade de financiamento, e essa destinação foi acordada previamente entre o financiador e o fornecedor, pelo que se dirá que a concessão de crédito “se integra”, por assim dizer, nesta compra e venda. É, pois, apenas com este limitado alcance que julgamos poder aplicar a exigência de “exclusividade” para efeitos de atribuição ao comprador/mutuário do referido direito de exercício da exceptio”.

Atente-se, por último, que o DL nº133/2009 de 2/6 – tal como a Directiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, que aquele diploma legal visa transpor para a ordem jurídica interna - que regula actualmente a matéria em causa, não faz qualquer exigência de um acordo de exclusividade para que o comprador/mutuário possa fazer valer os seus direitos perante o financiador, bastando-se com a verificação do nexo de coligação entre os contratos».

Ora, no caso em apreço (…), em suma, estão verificados, e na interpretação que perfilhámos, os pressupostos exigidos pelo art.12º, nº2, do DL nº359/91 de 21/9: acordo prévio entre credor e vendedor; uso desse crédito exclusivamente para aquisição de bens do vendedor pelos seus clientes; e realização do contrato no âmbito daquele acordo.

-

Sendo que, no caso em análise, revertendo, de novo e sempre, à situação sub judice, não se provou, inclusivamente, que, nas circunstâncias acima descritas no facto provado n.º2, entre a F... de (…) e o A... Go, foi acordada uma cláusula de exclusividade no sentido da F... não poder ser intermediária de outras financeiras para financiamento das vendas por si realizadas.

Com tal fixação probatória, no caso em análise, confronte-se, em hipótese com perfil análogo, o tratamento atribuído passou, igualmente, desde logo, pela seguinte consagração sistemática de base empreendida, que suspende a questão fulcral a decidir, assente na seguinte sustentação conceitual:

«No domínio da qualificação do contrato encontramo-nos, como se referiu na sentença recorrida, no âmbito do contrato do crédito ao consumo celebrado entre o A e a R, contrato esse regulado e disciplinado pelo DL n° 359/91 de 21/9, ao qual se mostra ligado um outro contrato de compra e venda de veículo automóvel, celebrado entre a Ré e o vendedor, no caso, o Stand …

No que concerne a esta qualificação não existem divergências entre as partes, sendo, no entanto, diferentes as conclusões jurídicas a que a recorrente e o tribunal da 1ª instância chegaram.

A 1ª instância depois de concluir pela "unidade genética, causal e económica dos dois negócios celebrados", conclui que a revogação ou declaração de invalidade do contrato de compra e venda incidirá também sobre o contrato de crédito, significando que declarado nulo o contrato de compra e venda, os respectivos efeitos de nulidade se estendem necessariamente ao contrato de mútuo, que visou possibilitar precisamente o contrato de compra e venda.

Será assim?

Como é sabido, com o objectivo de transpor as directivas nºs 87/102/CEE de 22 de Dezembro de 1986 e 90/88/CEE de 22 de Fevereiro de 1990, o Dec. Lei n° 359/91 de 21 de Setembro e alterado pelo Dec. n° 101/200 de 2 de Junho e pelo Dec. Lei n° 82/2006 de 3 de Maio veio regular os contratos de crédito ao consumo e designadamente para o que, aqui, nos interessa, disciplinar os casos em que o crédito concedido sob a forma de contrato de mútuo, no caso pagável em prestações se destina a financiar a aquisição de bens, esclarecendo as especiais implicações decorrentes da ligação funcional entre o mútuo e a aquisição de bem.

Essa ligação permite definir uma situação similar da união de contratos (na medida em que a aquisição por compra de bem financiado à Ré foi causa do mútuo que a mesma celebrou com a entidade financiadora, a aqui recorrente) tem repercussões no plano da subsistência e da execução dos contratos coligados.

Essas repercussões vêm expressamente previstas no art. 12° n° 2 do citado DL n° 359/91 quando aí se dispõe: " o consumidor pode demandar o credor em caso de incumprimento ou de cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda por parte do vendedor desde que, não tendo obtido do vendedor a satisfação do seu direito, se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:

a) Existir entre o credor e o vendedor um acordo prévio por força do qual o crédito é concedido exclusivamente pelo mesmo credor aos clientes do vendedor para aquisição de bens fornecidos por este último;

b) Ter o consumidor obtido o crédito no âmbito do acordo prévio referido na alínea anterior"

Significa que para as vicissitudes de um contrato de compra e venda ter implicações ou possa influenciar a operação de crédito é necessário, que o contrato de mútuo tenha sido concluído no contexto de uma colaboração estreita, com carácter de exclusividade, entre o mutuante e o vendedor.

No que respeita a estas condições a 1ª instância baseando-se na factualidade que vem provada, nomeadamente a informação que o vendedor prestou a Ré no sentido da existência de um acordo que tinha com o A, por via do qual certamente aquele lhe concedia o crédito (certo como se diz na sentença recorrida, que "o vendedor não garantiu- nem o poderia fazer- a aprovação da operação de financiamento, tarefa que reservou ao A, mas contou na obtenção de tal desígnio com a colaboração estreita que mantinha com este último, a qual antecipadamente dava garantias na aprovação em apreço") considerou preenchida os apontados requisitos legais.

A respeito da exclusividade referenciada no citado normativo o Ac. do STJ de 20/10/2009 acessível in www.dgsi.pt refere que deve ser entendida com integrante do acordo entre a entidade financiadora e o fornecedor do bem, pois que, de outra forma, o mutuante ficaria colocado, sem nada poder fazer, na mão do consumidor quanto à fiabilidade do vendedor, podendo impor-lhe, no limite, em quaisquer circunstancias, o incumprimento deste, o que se não coaduna com a regra base da interpretação e segundo o qual o intérprete presumirá para fixação do sentido e alcance da lei, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

(…)

Cremos que a matéria fáctica é bastante elucidativa e evidencia seguramente a existência de um acordo prévio em termos comerciais entre o vendedor e o A, porquanto só com a existência desse acordo ao nível comercial se compreende o comportamento do vendedor ao nível dos procedimentos referenciados com vista a obtenção do crédito aqui em causa.

Esse acordo pode ser oposto à A e preenche o apontado requisito do citado nº 2 do art. 12 do DL 359/91 de 21/9 ao caso dos autos.

Na verdade, neste domínio, incumbe ao A, como entidade financiadora, ser mais diligente no controle que deve fazer da actividade do vendedor, diligência que o A, pelos vistos, aqui, não teve.

Na verdade, no caso em apreço, o vendedor nunca chegou a entregar á Ré a documentação do veículo em apreço pelo vendedor - com o averbamento da propriedade em seu favor - o que impedia á partida a finalização integral de um dos efeitos essenciais efeitos do contrato de compra e venda ( cfr. art. 879 al. a) do CC) situação, que sempre motivaria a possibilidade de a R invocar perante o banco, aqui, o Autor, a excepção de incumprimento por parte do vendedor em conformidade com o citado nº 2 do art. 12 do DL 359/91 (…).

Neste particular acompanhamos os fundamentos explanados na sentença recorrida, para os quais remetemos nos termos do nº 5 do art. 713 do CPC, nomeadamente quando conclui que a Ré pode opor ao A a excepção de não cumprimento ou nulidade do contrato de compra e venda, que celebrou com o vendedor, por força da dependência deste negócio com o contrato de financiamento, dependência essa que faz estender a resolução/nulidade a este último (cfr. o aí citado Ac. Rel. Lisboa de 24/04/2007 acessível in www.dgsi.pt.).

A respeito da dependência destes contratos o Prof. Gravato Morais in "União de Contratos de Crédito e Venda para o Consumo" escreve no tocante à conexão entre os dois negócios estabelecida no nº 2 do art. 12° daquele diploma, existir uma relação de trilateralidade, no manifesto e exclusivo interesse do consumidor, relativamente aos efeitos decorrentes do incumprimento contratual, por parte do vendedor mas dependente quer da verificação, na sequência de acordo prévio, de uma situação de vinculação do vendedor a direccionar os seus clientes, no que respeita à concessão do crédito destinado à aquisição de bens por si fornecidos unicamente por uma determinada entidade, quer ainda da demonstração de que o crédito do consumidor tivesse sido concedido no âmbito do referido acordo prévio.

E sendo assim e tendo-se provado que o produto mutuado se destinou, no caso em apreço, ao pagamento do preço do veículo vendido pelo referido Stand … foi entregue directamente ao vendedor, a Ré como consumidora pode não só opor-se à entidade financiadora, recusando a sua prestação atinente ao contrato de mútuo, invocando o incumprimento do contrato de compra e venda e a sua consequente resolução, não estando, por isso, a Ré, como mutuária, que afinal nada recebeu (o produto mutuado foi directamente para vendedor) obrigada a pagar a importância mutuada.

Pelo contrário, é que não subsistindo o contrato de compra e venda, que fundamentava a existência do contrato de mútuo, o A está obrigado a restituir à R as prestações que efectuou, conforme aliás, se decidiu na sentença recorrida (Cfr art. 433 e 289 do CC)

Efectivamente, ao A, por força das vicissitudes do aludido contrato de compra de venda, que está subjacente ao contrato de mútuo, não resta outra alternativa que não seja demandar directamente o vendedor para obter a restituição integral do montante mutuado.

Por último e no que toca ao abuso de direito, sempre se dirá que o comportamento da Ré nesta acção, está coberto pela referida Lei de Defesa do Consumidor - DL 359/91 de 21/9- nos termos supra descritos e seguramente não excede os limites impostos pela boa fé , pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, a que alude o art.334 do CC.».

Em conclusão:

1- Nos contratos de crédito ao consumo, nomeadamente nos casos em que o crédito é concedido sob a forma de contrato de mútuo, pagável em prestações, se destina a financiar a aquisição de bens, é necessária para que as vicissitudes de um contrato de compra e venda influenciem ou possam influenciar o contrato de mútuo, que este tenha sido celebrado nas condições exigidas no art. 12 nº 2 al. a) do DL 359/91 de 21/9.

2- Existe exclusividade a que se refere o citado normativo, sempre que aquando da celebração do contrato de compra e venda relativo à aquisição do bem, o vendedor se prontificou a tratar da obtenção do crédito e informou o consumidor que tinha um acordo com a entidade financiadora, por via do qual esta lhe asseguraria o crédito.

3- Não tendo o vendedor entregue á Ré, a documentação respeitante ao veículo objecto do contrato de compra e venda, é legítimo à R, como consumidora, opor à entidade financiadora, a excepção de incumprimento por parte do vendedor daquele contrato de compra e venda, em nome da dependência dos contratos, a que alude o citado art. 12 nº 2 do DL 359/91;

4- Tendo o produto mutuado respeitante ao contrato de mútuo sido entregue directamente ao vendedor e não à Ré, esta por força da aludida dependência dos contratos de mútuo e de compra e venda, pode opor à entidade financiadora a excepção de não cumprimento / nulidade deste último contrato, já que pelo menos relativamente a um dos efeitos essenciais do contrato de compra e venda não se verificou ( cfr. art. 879 al. a) do CC).

5- E por força das apontadas vicissitudes do contrato de compra e venda, a Ré , embora mutuária , não está obrigada a pagar ao A o montante mutuado, que neste caso, deve antes ser pedido directamente ao vendedor.

6- É que não subsistindo o contrato de compra e venda, que fundamentava a existência do contrato de mútuo, em virtude da sua resolução, o A está obrigado a restituir á Ré as importâncias que esta pagou a título de prestações. (cfr. arts. 433 e 289 do CC)

7- Não se verifica uma situação de abuso de direito a que alude o art. 334 do CC, quando a Ré, na qualidade de consumidora, invoca uma situação de incumprimento do contrato de compra e venda ao abrigo do nº 2 do art. 12 do DL 359/91 de 21/9, vício este que se estende também ao contrato de mútuo subjacente».

Quanto basta para - sempre em função da prova produzida, que se destacou, na situação sub judice - no sufrágio da solução que, assim, se perfilha, concluir, também - como nos Autos -, que tendo o executado fundamento legal para deixar de pagar as prestações do mútuo - visto que podia opor, e opôs, a excepção de não cumprimento da obrigação da obrigação da entrega dos documentos ao financiador exequente -, não tinha o exequente, por seu turno, fundamento válido para a resolução do contrato, com base nessa falta de pagamento. Sendo que, oposta validamente a excepção de cumprimento, a conclusão é a de que a obrigação, para já, é como se não fosse exigível, o que deve acarretar a extinção da execução.

Deste modo, verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668º, nº1, alíneas b), c) e e) do CPC (615° NCPC).

Recebendo, por isso, resposta negativa as questões em III.

Improcedem, assim, as conclusões de recurso, não merecendo, por isso, censura a sentença recorrida.

 

*

Podendo, assim, também, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7, do NCPC), que:

1- Nos contratos de crédito ao consumo, nomeadamente nos casos em que o crédito é concedido sob a forma de contrato de mútuo, pagável em prestações, se destina a financiar a aquisição de bens, é necessária para que as vicissitudes de um contrato de compra e venda influenciem ou possam influenciar o contrato de mútuo, que este tenha sido celebrado nas condições exigidas no art. 12 nº 2 al. a) do DL 359/91 de 21/9.

2- Existe exclusividade a que se refere o citado normativo, sempre que, aquando da celebração do contrato de compra e venda relativo à aquisição do bem, o vendedor se prontificou a tratar da obtenção do crédito e informou o consumidor que tinha um acordo com a entidade financiadora, por via do qual esta lhe asseguraria o crédito.

3- Não tendo o vendedor entregue ao A. a documentação respeitante ao veículo objecto do contrato de compra e venda, é legítimo ao embargante, como consumidor, opor à entidade financiadora, a excepção de incumprimento por parte do vendedor daquele contrato de compra e venda, em nome da dependência dos contratos, a que alude o citado art. 12 nº 2 do DL 359/91.

4- O comprador pode opor ao financiador o não cumprimento pelo vendedor da obrigação de entrega de documentos, sempre que esta obrigação esteja ligada por um nexo sinalagmático com a obrigação de reembolso do financiamento.

5- No caso em apreço estão verificados, na interpretação que se perfilha, os pressupostos exigidos pelo art.12º, nº2, do DL nº359/91 de 21/9: acordo prévio entre credor e vendedor; uso desse crédito exclusivamente para aquisição de bens do vendedor pelos seus clientes; e realização do contrato no âmbito daquele acordo.

6- Não bastando uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento, na circunstância não acontecido. Deste modo, verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668º, nº1, alíneas b), c) e e) do CPC (615° NCPC).

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

Anabela Luna de Carvalho