Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
17/11.0GBAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: IMPORTUNAÇÃO SEXUAL
Data do Acordão: 02/26/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA (JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL DE ÁGUEDA - JUIZ 1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 170.º DO CP
Sumário: I - Ultrapassa a mera imoralidade, constituindo importunação sexual, adequada ao preenchimento do tipo de crime do artigo 170.º do CP, o acto em que o arguido chama a atenção de menor, de quinze anos de idade, para a sua pessoa e, quando aquela olha na sua direcção, retira das calças o seu pénis, exibindo-lho.

II - Também incorre na prática do crime de importunação sexual quem tira o seu pénis do resguardo das calças que traz vestidas e, enquanto se masturba, o exibe a pessoa do género feminino.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório                                                                  
1. No processo comum (tribunal singular) n.º 17/11.0GBAGD que corre termos no Juízo de Instância Criminal de Águeda, Comarca do Baixo Vouga, o Ministério Público acusou A..., solteiro, mecânico auto actualmente desempregado, filho de (...) e de (...), nascido a 25.06.56, natural da freguesia de (...), concelho de Águeda, residente na Rua (...) (...), Águeda, da prática, como autor material, na forma consumada e em concurso efectivo, de dois crimes de importunação sexual, p.p. pelo Artur 170.º, do Código Penal.
*
Efectuado o julgamento o tribunal a quo decidiu:
Condenar o arguido A.... pela prática, como autor material e em concurso efectivo, de dois crimes de importunação sexual, p.p. pelo art.º 170.º, do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão por cada um deles.
Operando o necessário cúmulo jurídico das referidas penas, condenar o arguido A.... na pena única de 5 meses e 15 dias de prisão.

                                                   *
Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:

A) A prova produzida em julgamento, conjugada com as regras da lógica e da experiência comum impunham que o tribunal a quo absolvesse o arguido da prática, como autor material e em concurso efectivo de dois crimes de importunação sexual p.p. artigo 170 do Código Penal, na pessoa da menor B....e da adulta E... de actos de carácter exibicionista.

B) Atentemos primeiramente nos factos do dia 6 de Janeiro de 2011, ou seja os factos que foram dados como provados de 1 a 6 e 12 e 13 na sentença de que se recorre, na pessoa da menor B.....

C) Quanto a este crime, entende o arguido que o tribunal não procedeu a uma análise crítica de todas as provas produzidas, designadamente declarações do arguido, da menor B.... e da mãe H...., bem como das fotografias juntas a fls 222 a 226.

D) O arguido nas suas declarações com as referências 20130228101412 - 618567-1495785, e 20130228102419 - 618567-1495785, da acta de 28/02/2013, negou ter mostrado o pénis, relatando a sua situação de sofrer de uma hérnia que o obriga quando sai “a empurrar para dentro “ usando a braguilha.

E) No entanto, demonstrativo da falta de consciência da ilicitude do acto relatado pela menor, a que nos referiremos, foi o seu desabafo ao minuto 1,05 com a referência - 618567-1495785, da acta de 28/02/2013: “ Se elas dizem que viram o pénis peço desculpa, foi sem intenção."

F) Por seu lado a menor B...., cujo depoimento se encontra gravado, em declarações para memória futura, com a referência 20120203111510-546981-1495787, da acta de 3/02/2012, do Juízo de Instrução, e que se encontram transcritas a fls 197 a 203, assim a fls 202 refere : “Abriu o fecho e mostrou, só.”

Juiz:’’ Mas mostrou e voltou a por para dentro ou ficou assim de fora?"

Menor: “ Voltou a meter para dentro."

G) A menor não referiu ter ficado perturbada ou sequer que tenha imaginado que o arguido pretendesse algo mais consigo, demonstrativo de tal realidade é o facto de nem se recordar quando é que viu o pénis do arguido, e não estamos a falar de uma criança pequena, mas sim de uma que já tinha feito 15 anos de idade que já está na fase da adolescência.

H) Ou seja, para a menor B.... o facto de ter visto o pénis ao arguido não passou de um episódio sem quaisquer outras consequências.

I) Veja-se que foi a própria mãe da menor que também confirmou essa ideia, cujo depoimento se encontra gravado com a referência 20130228122316-546981-1495787, da acta de 28/02/2013, a dizer ao minuto 8,24:”7em dificuldade no porquê da ruindade nessas coisas todas. Sabe que foi mal, que está mal, mas...’’

J) Por outro lado não se compreende como é que foi dado como provado no facto 6 da matéria provada, “ ...pedido que esta acatou.” Quando ao minuto 2,30 refere: " De repente ela toca-me e queria-se ir embora e eu disse: ó filha tem calma que já vamos. Eu nunca deduzi.”

K) Após a reforma de 2007, para a consumação do crime p.p. no artigo 170° do Código Penal exige-se que o agente importune o menor, no caso concreto a B...., isto é, ponha real e efectivamente em perigo a sua liberdade de autodeterminação sexual.

L) Como defendeu Pinto Albuquerque in Comentário do Código Penal à luz da CRP e CEDH, Univ. Católica Editora, LX 2008, pág. 468: “é necessária a comprovação de um “fundado receio da prática subsequente de um acto sexual com a vítima. ”

M) O que, manifestamente, não se verificou no caso dos autos, não tendo sido referido nem pela menor, nem pela sua mãe, nem percepcionado pelas várias pessoas que se encontravam no local.

N) Ora, como foi defendido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, publicado in www.dasi.pt/itrp.nsf. de 06/05/2009, no processo n° 598/06.JAPRT.P1: Para que se preencha o tipo criminal do art. 170° do Código Penal é necessário que o acto exibicionista represente para a pessoa perante a qual é executado o perigo de que se lhe siga a prática de um acto sexual que ofenda a sua liberdade de autodeterminação sexual:"

O) Como o próprio arguido acabou por confessar, sem querer terá mostrado o pénis à menor e esta, porque olhou para o arguido acabou por o ver.

P) No entanto, foi única e exclusivamente o que se passou, vejam-se as declarações para memória futura e que constam transcritas dos autos, da menor B...., que contrariamente ao que parece querer resultar da douta sentença recorrida, sabia muito bem do que estava a falar.

Q) O crime de importunação sexual, na esteira do que já resultava do tipo do artigo 171° do Código penal, na redacção de 1995, para que a realidade fosse criminalizada o que exigia, tal como agora: era e é o facto de o acto dito exibicionista representar, para a pessoa perante a qual era praticado, um perigo de que se lhe seguisse a prática de um acto sexual, precisamente por consideração ao local do corpo tocado pelo agente; o legislador preferiu criminalizar tais comportamentos pelo “convite” que eles envolviam. Desta opção resulta claro que o que era punido, antes como agora, repetimos, não era o acto mas o perigo de agressão à liberdade sexual que ele representava:’’ - Acórdão da Relação do Porto já acima referido em N.

R) Atendendo a que no caso da menor B.... tal não se provou, teria o tribunal, por falta de preenchimento dos elementos subjectivo e objectivo de absolver o arguido da prática do crime de importunação sexual de que foi acusado, e isto por ponderação de todos os elementos de prova produzidos.

S) E, se o arguido deveria ter sido absolvido pela prática do crime p.p. pelo artigo 170° do C. P. em relação à menor B...., o mesmo se diga no que à adulta E....diz respeito, vejamos:

T) O arguido foi condenado pelo crime de importunação sexual por ter adoptado comportamento exibicionista, mais concretamente, por ter tirado o pénis do “resguardo das calças que tinha vestidas, exibindo-o através do fecho das calças, enquanto se masturbava e olhava e sorria na direcção de E....”, com o propósito de a molestar e incomodar.

U) Não é este o entendimento da defesa, ou seja ante a prova produzida o arguido teria de ser absolvido da prática de tal crime.

V) Começamos por dizer que existem vários autores que pugnam pela descriminalização dos chamados actos exibicionistas, entre eles destacamos Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias, Juíza de Direito, Docente do CEJ, no seu trabalho “ Repercussões da Lei n.º 59/2007, de 4/9 “nos crimes contra a liberdade sexual (Secção I do Capitulo V do Título I da Parte Especial do Código Penal” onde afirma: “ O legislador prevê aqui(referindo-se ao crime de importunação sexual art. 170° do C.P.) duas condutas distintas, cujo elo de ligação (tratamento conjunto) apenas se justifica pela falta de coragem para descriminalizar os chamados "comportamentos exibicionistas".

W) Continua afirmando: “Ficar importunado por ter de presenciar “ actos de carácter exibicionista” significa que a vítima ficou chocada com o que observou, o que se prende com a sua liberdade de acção (com a sua esfera pessoal e íntima) mas não ofende directamente a sua liberdade sexual, quando se trata de um adulto.”

X) Perante esta exposição vejamos a reacção da ofendida, cujo depoimento se encontra gravado em declarações para memória futura com a referência 20130108142638-618567-1495785, da acta de 8/01/2013, quando a Meritíssima Juíza lhe perguntou, minuto 16,37: “Como é que ficou na sequência dessa situação que presenciou?"

E....: “Na hora fiquei um bocado transtornada ...na hora pensei: o quiosque é um sítio que tem muitas crianças e às vezes fica lá a filha da Senhora... que tem 12 anos e se acontecesse com uma criança ó pá fiquei transtornada por causa disso mais. Era muito pior se acontecesse a uma criança do que comigo.

Y) Assim, a conduta do arguido foi apenas um acto fugaz que não exerceu qualquer tipo de coação sobre a testemunha, mas sim surpresa, como ela própria referiu, mas não limitou a liberdade sexual da testemunha, pelo que apenas poderá ser considerado um atentado ao “pudor”, o qual não é tutelado pelo direito, pois estamos a falar de um adulto.

Z) Reafirma-se o que já se referiu no que à menor diz respeito, como foi defendido no Acórdão da Relação do Porto, publicado in www.dasi.Dt/itrp.nsf. de 06/05/2009, no processo n.º 598/06.JAPRT.P1: Para que se preencha o tipo criminal do art. 170° do Código Penal é necessário que o acto exibicionista represente para a pessoa perante a qual é executado o perigo de que se lhe siga a prática de um acto sexual que ofenda a sua liberdade de autodeterminação sexual:”

AA) O que não foi o caso como tal por falta da verificação dos elementos subjectivo e objectivos do tipo legal de crime, não se podendo aceitar, como ressalta da douta sentença de que se recorre, que o arguido agiu com dolo intenso, pois não teve qualquer intenção de incomodar as testemunhas.

AB) Por dever de patrocínio e, na eventualidade de VaS EXas entenderem que se deverão manter as condenações, desde já o arguido requer que se dignem alterar a douta sentença no que à decisão de prisão efectiva diz respeito, porquanto

AC) Não é enviando o arguido para um estabelecimento prisional que se vai contribuir para a sua ressocialização e integração na comunidade, antes tal intento será conseguido impondo regras ou deveres ao arguido.

Nestes termos e nos demais de direito

Deve ser dado provimento ao presente recurso, substituindo-se a decisão recorrida por outra que absolva o arguido da prática dos dois crimes p.p. no artigo 170° do Código Penal pelos motivos e fundamentos alegados nas conclusões. Ou, caso VaS EXas entendam, o que por dever de patrocínio se concebe, que as condenações se deverão manter, desde já o arguido requer que se dignem alterar a douta sentença no que à decisão de prisão efectiva diz respeito, determinando a sua suspensão.

fazendo-se assim Justiça.”

*

O Ministério Público junto do Tribunal recorrido, respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:

DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 412.° do Código de Processo Penal, o recorrente deve especificar, nas conclusões:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) fazem- se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.°, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

Da conclusão constante da alínea B) parece resultar que o recorrente considera que os factos dados como provados de 1. a 6., 12. e 13. da sentença foram incorrectamente julgados.

Ora, não impugnando os pontos de facto dados como provados em 7. a 11., resulta evidente que os factos praticados na pessoa da ofendida E....não mereceram qualquer reparo por parte do recorrente à luz do que é exigido pelo n.° 3 do artigo 412.° do Código de Processo Penal.

A documentação da prova em primeira instância tem por objectivo essencial a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto, não assumindo, no entanto, o poder de cognição do Tribunal da Relação uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto.

Por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação dos depoimentos prestados em audiência, não pode subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova por parte do julgador, construída na base da imediação e da oralidade.

Por força do referido princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.° do Código de Processo Penal, o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e o conhecimento dos homens.

A este propósito há que referir que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados. Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório ou a inquirição e como surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.

Segundo FIGUEIREDO DIAS, a decisão do juiz há-de ser sempre uma convicção pessoal, até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais (cfr. Direito Processual Penal, vol. I, 1974, p. 204).

O que se toma necessário é que no seu livre exercício da convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto como estando provado ou não provado.

Livre apreciação da prova não pode, assim, nunca confundir-se com apreciação arbitrária da prova produzida, razão pela qual o Código de Processo Penal consagrou um sistema que obriga a uma correcta fundamentação, com uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão, com a indicação e o exame crítico das provas, de modo a permitir-se um efectivo controlo da sua motivação - n.° 2 do artigo 374.° do Código de Processo Penal.

Daí que os motivos de facto que fundamentam a decisão não sejam nem os factos provados nem os meios de prova, mas sim os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.

Deve, todavia, ter-se presente que a motivação da decisão de facto não pode ser um substituto do princípio da oralidade e da imediação, no que tange à actividade de produção da prova, transformando-a em documentação da oralidade da audiência, nem se propõe reflectir nela, exaustivamente, todos os factores que fundamentam a convicção ou resultado probatório.

Daí que a censura do modo de formação da convicção do tribunal não possa assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova. Tal censura terá que assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.

A não ser assim, haveria uma inversão da posição dos sujeitos processuais, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão.

Acontece que, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção (neste sentido, cfr. Acórdãos da Relação do Porto, de 9 de Julho de 2003 e de 15 de Outubro de 2003, www.dgsi.pt/jtrp).

Entendemos que, na medida em que a decisão sob recurso, depois de enumerar os factos provados e não provados, expôs de forma concisa os motivos de facto que fundamentaram a convicção do tribunal, com uma análise criteriosa e sem que se mostrem violadas as regras da experiência comum, não é legítimo que o recorrente discuta o processo lógico do julgamento de facto a que se procedeu naquela decisão, uma vez que o mesmo se baseou no referido princípio da livre apreciação da prova.

De facto, no caso vertente, aquilo que o recorrente pretende, ao fim e ao cabo, é contrapor a sua convicção à do tribunal, o que decorre de forma explícita das passagens desgarradas que constam das conclusões D), E), F), I) e J).

Com efeito, as passagens/excertos em questão são notoriamente insuficientes para conduzir a uma decisão diversa da recorrida e, para além de serem insuficientes, são contraditórias.

Atente-se na evidente contradição entre as conclusões D) e E), em que na primeira o recorrente nega que tenha exibido o pénis e na segunda já menciona tal facto como possível.

Acresce que, nas conclusões seguintes, F) a I), já o recorrente aceita que tenha existido exibição do pénis à menor B.......

DO CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL

Estatui o artigo 170.° do Código Penal, na redacção decorrente da entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro:

“Quem importunar outra pessoa praticando perante ela actos de carácter exibicionista ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. ”

Invocando Paulo Pinto de Albuquerque e o Acórdão da Relação do Porto de 6 de Maio de 2009, processo 598/06.0JAPRT.PI, entende o recorrente que para o preenchimento do tipo legal é exigível que o acto exibicionista represente um fundado receio de que se lhe siga a prática de um acto sexual com a vítima e que, não tendo tal circunstância resultado provada no caso concreto, deveria ter sido absolvido.

Afigura-se-nos que o recorrente pretende fazer vingar uma interpretação do artigo 170.° que conduz ao total esvaziamento do conteúdo da norma.

Como referido no Acórdão da Relação de Évora de 15 de Maio de 2012, processo n.° 37/11.4GDARL.E1, disponível em www.dgsi.pt, o bem jurídico protegido com a incriminação é a liberdade sexual:

- na dimensão negativa como significando genericamente a liberdade de não suportar condutas que agridam ou constranjam a esfera sexual da pessoa,

- e, na dimensão positiva como liberdade de interagir sexualmente sem restrições.

Sintetizou-se a conduta típica do crime de importunação sexual num acto de natureza sexual

(que não tenha a gravidade do acto sexual de relevo,) “praticado contra a vontade da vítima e na presença da mesma ou sobre esta (que seja constrangida a presenciar ou suportar) e, em tal medida, seja importunada. ”

No nosso entendimento, a definição de acto de carácter exibicionista congruente com a letra da lei é a interpretação exemplarmente plasmada no Acórdão da Relação do Porto de 9 de Março de 2011, processo n.° 329/09.2PBVRL.P1, disponível em www.dgsi.pt, e que aqui reproduzimos:

.. desde a Reforma de 1995 que passou a entender-se que acto exibicionista seria toda a actuação com significado ou conotação sexual realizada diante da vítima.

Houve, porém, quem acrescentasse a necessidade desse acto só se poder qualificar como exibicionista se suscitasse fundado receio da prática subsequente de um acto sexual com a vítima.

Afigura-se-nos porém que a exigência desse fundado receio da prática subsequente de um acto sexual com a vítima não tem assento na descrição do tipo objectivo do crime do art. 170.° e é manifestamente desadequado para a tutela do bem jurídico aqui em causa, por quatro ordens de razão.

A primeira é porque o acto exibicionista de cariz sexual é, só por si, um acto de manifestação de sexualidade, que pode ou não ser consentido pela pessoa que o presencia.

No primeiro caso é penalmente atípico, mas no segundo já não o é, na medida em que existe a imposição da observação de um acto, o de exibir-se, a outro que não o deseja presenciar, colidindo, por isso, com a liberdade sexual da pessoa visada.

A segunda é porque o consenso nos actos sexuais e a escolha do parceiro sexual, é uma das facetas mais importantes da liberdade sexual e sabido que o relacionamento sexual tem di versas f acetas, mas para as quais, em regra, se procura a intimidade e um inultrapassável envolvimento, incluindo a sua visualização, de corpos consentidos e nunca impostos.

A terceira é que quando ocorre um puro acto exibicionista de cariz sexual não se segue, em regra, qualquer outro acto sexual adicional com a própria vítima, pelo que aquela exigência acrescentada do perigo de se seguir um acto sexual de relevo ou um acto de cópula ou equiparado, deixaria sem tutela penal a violação do bem jurídico aqui em causa.

Por último, tal posicionamento equipara actos exibicionistas a actos preparatórios [21.° Código Penal] dos demais crimes contra a liberdade de autodeterminação sexual, o que são realidades jurídico-penais distintas.

Nesta conformidade e tomando por base o bem jurídico aqui em causa, consideramos como acto exibicionista toda a acção com significado ou conotação sexual de exposição dos órgãos genitais que é imposta a outrem, por ser contra a sua vontade ou então quando a pessoa visada ainda não tem capacidade para manifestar esse consentimento, de modo a perturbar a sua liberdade sexual, no caso dos adultos, ou a violar a protecção da sexualidade e a preservação de um adequado desenvolvimento sexual, no caso dos menores de 14 anos. ”

Em linguagem comum diremos que o Acórdão supracitado “pôs o dedo na ferida”, expondo as incongruências de construções jurídicas que, no nosso modesto entendimento, fazem interpretações contrárias à letra da lei, exigindo a verificação de elementos objectivos do tipo legal para além daqueles que se encontram no artigo 170.° do Código Penal.

Recordemos o tão esquecido n.° 2 do artigo 9.° do Código Civil, segundo o qual: “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.

Consabidamente, é da própria natureza do acto exibicionista que o mesmo não tenha uma conduta subsequente. O agente satisfaz a sua libido com o acto em si, com a exibição dos seus órgãos genitais de forma a perturbar a vítima.

Questionamos repetidamente, em que parte do artigo 170.° do Código Penal o legislador exigiu que o acto exibicionista represente o perigo de que se lhe siga a prática de um acto sexual que ofenda a sua liberdade de autodeterminação sexual?

Acresce que, dos factos provados resulta de forma inequívoca que o arguido não se bastou com a exibição de órgãos sexuais.

Vejamos os pontos de facto dados como provados de 4. a 6., relativos à menor B....:

 “4. A dada altura, o arguido, através de sinalética concretamente não apurada, chamou a atenção B.... , para a sua pessoa.

5. Quando B....olhou na direcção do arguido, este exibiu-lhe o seu pénis que, entretanto, havia tirado para fora das calças, pela zona do fecho.

6. B....ao aperceber-se que o arguido lhe mostrava o pénis, desviou o olhar e pediu à sua mãe para irem embora, pedido que esta acatou. ”

E os pontos de facto dados como provados de 9. a 11., relativos à ofendida E....:

“9. O arguido, depois de se dirigir ao balcão onde adquiriu uma cerveja, foi sentar-se numa das cadeiras que compunham a esplanada que, depois, mudou para nova posição que lhe permitia ver E...., enquanto esta trabalhava no interior do quiosque, através da porta ali existente.

10. Colocado naquela posição, o arguido tirou o seu pénis do resguardo das calças que tinha vestidas, exibindo-o através do fecho das calças, enquanto se masturbava e olhava e sorria na direcção de E.....

11. E....ao olhar na direcção do arguido verificou que este, enquanto estava sentado na cadeira, tinha o pénis à mostra e masturbava-se, tendo, de imediato, desviado o olhar e alertado o seu irmão F.... para aquele facto. ”

E quanto ao resultado obtido pelo arguido com a sua conduta, no ponto 12.:

“12. Agiu o arguido, em ambas as circunstâncias, com o propósito, conseguido, de molestar e incomodar B....e E....que, perante a atitude daquele, reagiram com desconforto e desagrado à sua atitude de exibir o pénis e, além do mais — na situação referente a E....— se masturbar. ”

Ou seja, em ambas as situações não estamos perante uma exibição acidental ou involuntária, pueril ou inócua, mas sim perfeitamente direccionada para as ofendidas, quer fazendo sinal para chamar a atenção quer olhando e sorrindo depois de se colocar em linha directa de visão, com o propósito conseguido de as incomodar, tendo provocado desconforto e desagrado.

No caso da ofendida B...., é inócua ou neutra a exibição do pénis a uma menor de 15 anos, contra a sua vontade, e na sequência da qual a mesma pediu à mãe para abandonarem o local onde se encontrava? É criminalmente irrelevante que uma menor seja obrigada a suportar a exibição direccionada de um pénis por parte de um homem adulto, no interior de um café e enquanto está sentada ao lado da sua mãe? E no caso da ofendida E...., é criminalmente irrelevante que a mesma, enquanto faz atendimento ao público num quiosque, seja obrigada a suportar a presença de um indivíduo que se masturba, sorri e olha para ela?

Seguramente que não.

Consideramos, assim, que os factos dados como provados na sentença preenchem os elementos objectivos e subjectivos do crime de importunação sexual, previsto e punido pelo artigo 170º do Código Penal.

DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE PRISÃO

Ao recorrente foi aplicada, em cúmulo jurídico, a pena de 5 meses e 15 dias de prisão, entendendo aquele que a pena de prisão deveria ter sido suspensa na sua execução.

Como resulta das conclusões AB) e AC), não foi feita qualquer menção à violação de normas jurídicas em sede de sentença, tendo apenas concluído que: “Não é enviando o arguido para um estabelecimento prisional que se vai contribuir para a sua ressocialização e integração na comunidade, antes tal intento será conseguido impondo regras ou deveres ao arguido.

Tendo sido dados como provados os pontos de facto 14. a 30, nos quais se encontram transcritos os antecedentes criminais do recorrente e a sua condição pessoal, concluímos que o Tribunal a quo não podia ter chegado a decisão diferente da que tomou.

As razões para a não suspensão da execução da pena de prisão encontram-se alicerçadas de forma completa e coerente, pelo que pouco há a acrescentar ao que consta da sentença.

Como bem referiu a Meritíssima Juíza a quo, estamos perante um arguido que já sofreu seis condenações anteriores, entre as quais se inclui uma pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução, pela prática de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo n.° 1 do artigo 170º do Código Penal, curiosamente praticado igualmente na esplanada de um café/restaurante, encontrando-se a certidão de tal acórdão condenatório junta a fls. 403 a 412 destes autos.

Contudo, tal como foi dado como provado no ponto 16. da sentença aqui proferida, o recorrente entendeu que não tinha sido condenado pelo crime de abuso sexual de criança “pois foi para casa, saiu em liberdade, sendo que se fosse condenado continuava na prisão ”, de onde decorre a total falta de interiorização do desvalor das suas condutas, o desprezo pela condenação sofrida anteriormente e a compulsão para a prática de crimes de natureza sexual.

 Acresce que os factos dados como provados nestes autos foram praticados no período da suspensão da execução da referida pena de prisão (factos relativos à menor B....) ou poucos meses após o fim do período de suspensão (factos relativos à ofendida E....).

Destarte, fazem-se sentir especiais necessidades preventivas, que desaconselham de sobremaneira a suspensão da execução da pena de prisão.

Face ao exposto, deverá o recurso interposto por A.... ser julgado improcedente, mantendo-se in totum a decisão recorrida.”

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Neste Tribunal da Relação de Coimbra, o Exmo. Procurador-Geral Adjunta emitiu parecer, no qual acompanhou a resposta do Ministério Público da 1ª instância.

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Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.

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Colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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II. Decisão Recorrida (com relevo para a apreciação do recurso):

FACTOS PROVADOS

“ (…)

1. No dia 6 de Janeiro de 2011, pelas 22h00m, o arguido encontrava-se sentado, ao balcão do café existente na sede da X.... -, sita em (...), área desta Comarca.

2. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, também se encontrava no interior daquele mesmo espaço, sentada numa mesa ali existente, a cerca de 3 metros do local onde o arguido estava sentado, B...., nascida a 21.07.95.

3. B....encontrava-se na companhia de sua mãe, H..., e de umas amigas.

4. A dada altura, o arguido, através de sinalética concretamente não apurada, chamou a atenção de B...., para a sua pessoa.

5. Quando B....olhou na direcção do arguido, este exibiu-lhe o seu pénis que, entretanto, havia tirado para fora das calças, pela zona do fecho.

6. B....ao aperceber-se que o arguido lhe mostrava o pénis, desviou o olhar e pediu à sua mãe para irem embora, pedido que esta acatou.

7. No dia 16 de Abril de 2011, pelas 19h00m, o arguido dirigiu-se ao quiosque Y...., sito na praça Y...., (...), área desta Comarca.

8. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, E.... encontrava-se no interior do quiosque, a fazer atendimento ao público.

9. O arguido, depois de se dirigir ao balcão onde adquiriu uma cerveja, foi sentar-se numa das cadeiras que compunham a esplanada que, depois, mudou para nova posição que lhe permitia ver E...., enquanto esta trabalhava no interior do quiosque, através da porta ali existente.

10. Colocado naquela posição, o arguido tirou o seu pénis do resguardo das calças que tinha vestidas, exibindo-o através do fecho das calças, enquanto se masturbava e olhava e sorria na direcção de E.....

11. E....ao olhar na direcção do arguido verificou que este, enquanto estava sentado na cadeira, tinha o pénis à mostra e masturbava-se, tendo, de imediato, desviado o olhar e alertado o seu irmão F.... para aquele facto.

12. Agiu o arguido, em ambas as circunstâncias, com o propósito, conseguido, de molestar e incomodar B....e E....que, perante a atitude daquele, reagiram com desconforto e desagrado à sua atitude de exibir o pénis e, além do mais – na situação referente a E....– se masturbar.

13. Agiu o arguido sempre de forma livre e esclarecida, com a perfeita consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

14. O arguido foi julgado nos seguintes processos:

- processo comum singular n.º 158/98, do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, onde foi condenado, por decisão de 04.05.1998, transitada em julgado, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por factos ocorridos em 27.04.1998, na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de esc. 900$00, que cumpriu;

- processo comum singular n.º 1149/99.6TBAGD (ex 82/99), do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Águeda, onde foi condenado, por decisão de 03.11.1999, transitada em julgado em 18.11.1999, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por factos ocorridos em 25.12.1998, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de esc. 800$00, que cumpriu;

- processo abreviado n.º 115/03.3GBMIR, do Tribunal Judicial da Comarca de Mira, onde foi condenado, por decisão de 11.02.2004, transitada em julgado em 29.03.2004, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por factos ocorridos em 25.08.2003, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 3, que cumpriu;

- processo comum colectivo n.º 772/08.4GBAGD, do Juízo de Instância Criminal de Águeda, onde foi condenado, por decisão de 27.01.2009, transitada em julgado em 16.02.2009, pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p.p. pelo art.º 171.º, n.º 1, do Código Penal, por factos ocorridos em 10.07.2008, na esplanada de um café/restaurante, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período;

- processo abreviado n.º 221/09.0GBAND, do Juízo de Instância Criminal de Anadia, onde foi condenado, por decisão de 13.10.2009, transitada em julgado em 30.11.2009, pela prática de um crime de desobediência, por factos ocorridos em 09.05.2009, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 6 meses, que cumpriu;

- processo comum singular n.º 372/09.1GBAND, do Juízo de Instância Criminal de Anadia, onde foi condenado, por decisão de 02.06.2010, transitada em julgado em 07.07.2010, pela prática de um crime de desobediência, por factos ocorridos em 21.07.2009, na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, com obrigação de pagamento aos bombeiros, suspensão essa que foi revogada, por decisão de 03.02.2012, transitada em 09.05.2012, tendo o arguido cumprido a pena de prisão, até 09.09.2012, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 9 meses, que cumpriu;

15. O arguido esteve preso preventivamente à ordem do processo comum colectivo n.º 772/08.4GBAGD, do Juízo de Instância Criminal de Águeda, desde 11.07.2008 até 27.01.2009, dia da leitura do acórdão condenatório proferido.

16. Quando questionado sobre se havia sido condenado nesse processo, o arguido respondeu que não, pois foi para casa, saiu em liberdade, sendo que se fosse condenado continuava na prisão, mais por um caso daquele género.

17. O arguido é natural de um meio de características rurais, onde decorreu a sua infância e adolescência, integrado em sistema familiar de baixa condição socio-económica e cultural.

18. Os pais, agricultores de profissão, nunca valorizaram o processo educativo dos seis descendentes que logo na infância começaram a participar nas tarefas agrícolas.

19. O relacionamento intra-familiar caracterizava-se por distância afectiva e disciplina educacional rígida, assente essencialmente no trabalho.

20. A sua formação escolar terminou, por opção dos pais, quando concluiu o 4.º ano de escolaridade, contrariando as capacidades evidenciadas pelo próprio ao nível da aprendizagem e da motivação em prosseguir os estudos.

21. Aos 14 anos decidiu trabalhar autonomamente dos pais e iniciou actividade de aprendiz de mecânico, área onde adquiriu e desenvolveu competências ao longo da vida, sendo-lhe reconhecidas aptidões a este nível.

22. Emigrou, após os 20 anos, para os Estados Unidos da América, e, aos 35 anos, regressou a Portugal, por altura do falecimento dos pais, integrando a habitação de família (herdada pelo irmão mais novo), onde viveu cerca de dez anos.

23. Em 2000, o arguido sofreu um acidente de viação que o deixou incapacitado para o trabalho aproximadamente um ano, período em que foi apoiado por um primo de quem acabou por se distanciar.

24. É a partir desta época que, progressivamente, se começou a instalar um quadro de instabilidade pessoal, de que era reflexo o enquadramento habitacional incerto, o desempenho profissional irregular e o consumo excessivo de bebidas alcoólicas.

25. Ao longo da sua trajectória de vida, o arguido foi estabelecendo algumas relações amorosas, a mais duradoura, de cerca de três anos, com uma cidadã oriunda dos países de Leste, não tendo filhos.

26. Desde o seu regresso dos Estados Unidos, passou a viver em situação de isolamento familiar e social, apesar da proximidade física dos irmãos.

27. Sem residência certa, o arguido passou a pernoitar ora em veículos automóveis depositados em terreno agrícola que herdou dos pais, ora num espaço destinado à criação de animais bovinos abandonado e, posteriormente, em casas devolutas situadas nas freguesias de (...) e Aguada de Baixo, encontrando-se, ultimamente, nuns pavilhões do primo C..., que tem um stand de camiões.

28. O quotidiano do arguido foi durante anos e continua a ser orientado para a satisfação imediata das suas necessidades básicas, frequentando diariamente cafés, abusando do consumo de bebidas alcoólicas.

29. Inactivo, desempenha tarefas para proprietários agrícolas das zonas onde circula, ou para o primo C..., a troco de refeições e vestuário.

30. Com os primos C... e D..., estabelece alguns contactos em situações de maior precariedade, quer no stand referido, quer nas suas residências, os quais têm condições para o apoiar, contudo, como o arguido não adere nem gere o seu quotidiano de forma autónoma, levou aqueles a demitirem-se.

*

FACTOS NÃO PROVADOS

“Não se provou que o arguido, ao verificar que B....desviou o olhar, se tenha levantado do seu lugar e dirigido ao quarto de banho ali existente, regressando alguns minutos depois, nem que tivesse roupa interior, nem nenhum outro facto com relevância para a decisão da causa.”

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
“Quanto à decisão de facto, quer quanto aos factos dados como provados quer quanto aos factos não provados, a convicção do tribunal funda-se numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto, apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do tribunal (art.ºs 127.º e 355.º, ambos do Código de Processo Penal), designadamente:
- nas declarações do arguido, o qual admitiu ter estado nos locais em causa e, na situação do quiosque, ter aparecido lá a GNR depois, que lhe pediu o bilhete de identidade, e que, como o não tinha consigo, foi buscá-lo com a GNR a casa;
- em conjugação com a reportagem fotográfica de fls. 222 a 226 e com o print recolhido no decurso do julgamento junto da base de dados de identificação civil referente à testemunha B....;
- e em conjugação com os depoimentos das testemunhas ouvidas, que depuseram com aparente isenção e seriedade, dada a forma serena, simples e coerente como o fizeram, sendo os seus depoimentos globalmente consentâneos entre si, com razão de ciência devidamente controlada, do que resultou a sua credibilidade, realçando-se a forma escorreita, esclarecida e assertiva como a testemunha E...., ouvida em sede de declarações para memória futura, prestou o seu depoimento e a forma pormenorizada como o fez, com grande capacidade oratória e com um discurso pausado, não se vislumbrando, por isso, nenhuma razão para não dar como provado os factos em conformidade com o que disse, sendo de se lhe atribuir uma credibilidade absoluta, até em face da consentaneidade global com os depoimentos das testemunhas F....e G...., descrevendo o que se passou e o que viu, toda a actuação circunstanciada do arguido - o qual se colocou em posição de poder ser visto pela testemunha, com o pénis de fora da braguilha das calças, tendo ficado com a impressão que o mesmo não tinha roupa interior, e a acariciá-lo, masturbando-se, olhando para a testemunha e seguindo-a com o olhar, a rir-se -, mais descrevendo o estado em que ficou na sequência da conduta do arguido - transtornada, nervosa e enojada, não estando à espera que lhe acontecesse tal coisa -, as atitudes do arguido quando confrontado pela testemunha F....- a rir-se com ar cínico e a fumar um cigarro e a beber cerveja, tendo feito intenção de se ir embora quando lhe foi dito que se ia chamar a GNR - e a actuação da GNR quando chegou ao local, que levou o arguido para ser identificado, e afirmando que os factos se passaram num sábado e que foi ao posto fazer queixa na segunda-feira seguinte, pelo que em confronto com a data constante do auto de denúncia de fls. 55 a 57 como sendo a data da apresentação da denúncia se logra chegar à data da ocorrência dos factos, auto esse onde igualmente se faz menção a que no local esteve Órgão de Polícia Criminal que detectou indícios da prática dos factos.
Mais se realça do depoimento testemunha F...., perfeitamente articulado e desenvolto, o reconhecimento que fez do arguido, como sendo a pessoa que exibiu o pénis à irmã e se masturbou perante ela, e a afirmação absolutamente segura de que o arguido tinha o pénis de fora e se masturbava, não havendo qualquer possibilidade de ter visto não o pénis mas uma hérnia, até porque já as teve e está bem familiarizado com elas, explicando de forma inabalável que o que viu foi o pénis do arguido, mais dando conta das atitudes do arguido, quando o confrontou com a situação, o qual lhe chegou a dizer que não gostava de meninos tão grandes, da actuação da GNR, que se deslocou ao local, e do estado em que ficou a testemunha E.....
Já a testemunha G.... revelou não se recordar já bem de todo o desenrolar daquilo a que assistiu no dia em causa, corroborando, no entanto, que lá se encontrava o arguido, que a testemunha F....confrontou o arguido, a chegada da GNR e o estado em que ficou a testemunha E.....
Realça-se igualmente o depoimento da testemunha B...., ouvida em sede de declarações para memória futura, absolutamente simples e contido, sendo manifesta a sua dificuldade em falar sobre os factos, revelando ser uma pessoa tímida e com dificuldade de se expressar, não se vislumbrando, por isso, nenhuma razão para não dar como provado os factos em conformidade com o que disse, sendo de se lhe atribuir total credibilidade, até em face da consentaneidade global com o depoimento da testemunha H...., sua mãe - a quem a mesma confidenciou o sucedido, a chorar, assim que saíram do café, apresentando-se a menor desorientada e nervosa, e que caracterizou a filha como muito, muito tímida, que não falava praticamente com ninguém e ingénua, designadamente quanto a questões sexuais -, e mais revelando incapacidade de ludibriar e de inventar histórias, de tudo resultando a sua credibilidade, sendo o arguido conhecido das duas, por ser familiar afastado das mesmas.
Mais relevou o depoimento da testemunha H...., quanto à localização temporal dos factos, a qual referiu que foram ao posto fazer queixa no dia seguinte, pelo que em confronto com a data mencionada no auto de denúncia de fls. 3 a 4 como sendo a data da comunicação da denúncia se logra chegar à data da ocorrência dos factos.
Pelo exposto, cai assim por terra a versão do arguido de que não exibiu o pénis nem se masturbou e que não teve intenção de o mostrar, que se o mostrou foi sem querer, bem como a versão de que o que as testemunhas viram foi uma hérnia e não o seu pénis, desde logo, em face do insólito do afirmado, por outro lado, em face dos depoimentos já supra aludidos e a que se deu credibilidade pelas razões expostas e, por último, em face do próprio desenrolar das condutas do arguido, completamente incompatíveis com uma exibição acidental do pénis, ao chamar a atenção da menor para a sua pessoa e exibindo-lhe o pénis fora das calças e ao seguir com o olhar a testemunha E.... ao mesmo tempo que se masturbava com o pénis de fora das calças e se ria, do que se conclui que as condutas do arguido foram totalmente voluntárias e conscientes e levadas a cabo com o propósito de importunar, surpreender e chocar, as vítimas, ao que acresce não ter dado o arguido explicação plausível para a sua afirmação de que as testemunhas estão a mentir, nenhuma razão se vislumbrando para tanto, tal como já supra se consignou.
Quanto à consciência da ilicitude por parte do arguido dos comportamentos que adoptou, tal resulta das regras de experiência comum, não sendo o arguido pessoa iletrada, além de que bem sabia já ter decorrido contra o mesmo processo por crime de abuso sexual de menor, tendo inclusivamente estado sujeito a prisão preventiva, e da repulsa que demonstrou pelos comportamentos que lhe são imputados.
Relativamente aos antecedentes criminais, o tribunal baseou-se nas informações e no certificado do registo criminal juntos aos autos, bem como na análise do processo n.º 772/08.4GBAGD e na certidão junta no decorrer do julgamento.
Quanto à situação pessoal do arguido e às suas condições sócio-económicas, o tribunal baseou-se nas próprias declarações do arguido em conjugação com o relatório social junto aos autos.

 MOTIVAÇÃO DE DIREITO

 DA QUALIFICAÇÃO JURIDICA DOS FACTOS
“Vem o arguido acusado da prática de dois crimes de importunação sexual, p.p. pelo art.º 170.º, do Código Penal.
Prescreve o citado dispositivo legal que “Quem importunar outra pessoa praticando perante ela actos de carácter exibicionista ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
O bem jurídico protegido com esta incriminação é a liberdade sexual de outra pessoa, tendo duas vertentes: por um lado, a prática de actos de carácter exibicionista (a que se reporta o caso dos autos) e, por outro lado, o constrangimento a contacto de natureza sexual. Tutela-se, assim, a liberdade sexual contra a imposição de actos de índole sexual, seja por visualização, seja por contacto, tanto numa dimensão positiva ou dinâmica, como numa dimensão negativa ou estática, sendo que cada um, relativamente ao primeiro caso, tem o direito de escolher, de acordo com a sua vontade, os actos sexuais que lhe são dirigidos, bem como o seu parceiro sexual, e, relativamente ao segundo caso, tem a faculdade de não suportar actuações sexuais, por mínimas que sejam, contra sua vontade.
Na referida primeira vertente, que ora nos ocupa, ocorre o preenchimento do tipo legal de crime quando existe a importunação de outra pessoa, mediante a prática de actos, perante a vítima, de carácter exibicionista.
Conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2008, pg. 468), “O acto exibicionista consiste numa acção com conotação sexual realizada diante da vítima, que suscite o receio fundado da prática de um acto sexual com a vítima. Por exemplo, podem constituir actos exibicionistas o desnudamento do agente diante da vítima (...), o desnudamento em lugar público ou mesmo de acesso restrito (...) ou a realização de acto sexual com terceiro diante da vítima (...)”.
O crime de acto exibicionista trata-se de um crime de perigo concreto, quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido, aferido pelo juízo de um homem médio colocado na situação da vítima, e de um crime de resultado, quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção.
Ao nível do tipo subjectivo, admite-se qualquer forma de dolo, sendo que, no caso de acto exibicionista, o agente deve querer importunar (surpreender, chocar, atemorizar) a vítima, não sendo necessário que o agente vise importunar uma vítima em concreto, podendo querer importunar uma pluralidade de pessoas – neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque (ob. cit., pg. 469).
Ora, compulsada a factualidade apurada, conclui-se pelo preenchimento do tipo legal de crime em análise.
Com efeito, apurou-se que o arguido, no dia 6 de Janeiro de 2011, quando se encontrava sentado, ao balcão de um café, altura em que também se encontrava no interior daquele mesmo espaço, sentada numa mesa ali existente, a cerca de 3 metros do local onde o arguido estava sentado, B...., à data dos factos com 15 anos de idade, chamou a atenção de B...., para a sua pessoa, e, quando B....olhou na direcção do arguido, este exibiu-lhe o seu pénis que, entretanto, havia tirado para fora das calças, pela zona do fecho, e B...., ao aperceber-se que o arguido lhe mostrava o pénis, desviou o olhar e pediu à sua mãe para irem embora, pedido que esta acatou.
Igualmente se apurou que, no dia 16 de Abril de 2011, o arguido dirigiu-se a um quiosque, altura em que se encontrava no interior do mesmo E...., a fazer atendimento ao público, tendo-se, depois de se dirigir ao balcão onde adquiriu uma cerveja, sentado numa das cadeiras que compunham a esplanada, que, depois, mudou para nova posição que lhe permitia ver E...., enquanto esta trabalhava no interior do quiosque, através da porta ali existente, e, colocado naquela posição, o arguido tirou o seu pénis do resguardo das calças que tinha vestidas, exibindo-o através do fecho das calças, enquanto se masturbava e olhava e sorria na direcção de E...., a qual, ao olhar na direcção do arguido verificou que este, enquanto estava sentado na cadeira, tinha o pénis à mostra e se masturbava, tendo, de imediato, desviado o olhar e alertado o seu irmão F....para aquele facto.
Mais se apurou que o arguido agiu, em ambas as circunstâncias, com o propósito, conseguido, de molestar e incomodar B....e E....que, perante a atitude daquele, reagiram com desconforto e desagrado à sua atitude de exibir o pénis e, além do mais – na situação referente a E....– se masturbar, agindo sempre de forma livre e esclarecida, com a perfeita consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Resulta, assim, que o arguido desenvolveu acções com conotação manifestamente sexual, ao exibir o seu pénis e ao masturbar-se, realizadas diante de duas vítimas, às quais impôs a respectiva visualização, assegurando-se que as mesmas o observassem aquando da prática dos actos exibicionistas, contra a vontade das vítimas, as quais, após visualização dos mesmos, desviaram o olhar, tendo a menor pedido à mãe para se irem embora e a adulta alertado o irmão para a situação, assim se postergando evidentemente o direito das vítimas à escolha dos actos sexuais que lhe são dirigidos e sendo evidente que, em relação à menor, é irrelevante, para efeitos de incriminação, que o acto exibicionista ocorra ou não contra a sua vontade, dado o objecto de incriminação, a respectiva liberdade de autodeterminação sexual, actuando o arguido sem se importar com a perturbação que as suas condutas lhes causariam e que constrangeu as vítimas a presenciar – sendo este o significado que encerra a exigência legal de que o agente importune outra pessoa, que a vítima observe, contra vontade, seja constrangida a presenciar o acto -, vítimas essas que se sentiram molestadas e incomodadas perante as condutas do arguido e reagiram com desconforto e desagrado perante as mesmas, verificando-se no caso a existência de perigo concreto para a liberdade de autodeterminação sexual e liberdade sexual das vítimas, mais se enquadrando as condutas na forma de actuação do arguido revelada em sede da factualidade apurada no processo onde foi condenado pela prática de crime de abuso sexual de criança, também ocorrido numa esplanada de um café/restaurante. Mais resulta que o arguido, com as suas condutas, quis importunar, chocar e surpreender, até tendo em consideração os locais públicos em que ocorreram as suas condutas, agindo de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Estão, assim, reunidos todos os elementos objectivos e sub­jec­tivos que tipificam o crime por que vem acusado o arguido, na prática do qual incorreu por duas vezes, em face das duas distintas resoluções criminosas verificadas, sendo, além do mais, certo que o agente comete tantos crimes de importunação sexual quantas as pessoas diante de quem praticar actos exibicionistas ou a quem constranger a contacto de natureza sexual, atenta a natureza pessoalíssima do bem jurídico violado, mais se verificando a consciência da ilicitude da conduta.”

III. Apreciação do Recurso

O objecto de um recurso penal é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do C.P.P.

Na realidade, de harmonia com o disposto no n.º 1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. –  Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

Só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação, tem o tribunal ad quem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais para se obter o reexame da matéria que foi sujeita à apreciação da decisão recorrida e não vias jurisdicionais para um novo julgamento.

As declarações oralmente prestadas em audiência foram documentadas em acta por referência aos respectivos suportes áudio, nos termos estipulados no artigo 363.º do C.P.P.

Deste modo, deverá conhecer este Tribunal de facto e de direito, de acordo com o artigo 428.º, n.º 1, do C.P.P.                                                                                                         

As questões a conhecer são as seguintes:

1 – Erro de julgamento dos factos provados nºs 1 a 6 e 12 e 13

2 – Preenchimento dos elementos típicos do crime de importunação sexual;

3 - Suspensão da pena.

*

1 – Da impugnação da matéria de facto/erro de julgamento:

No objecto do recurso pode o recorrente incluir a invocação dos vícios oficiosos do artigo 410º, do CPP, assim impugnando a matéria de facto dada como provada, ou a reapreciação da matéria dada como provada, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP.                                                     

Estabelece o art. 410.º, n.º 2, do CPP, que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.                                                               

Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.                                                                                                    A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.

A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. O que ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.     

Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.       

O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes). Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).                                           

Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).

Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não conduz ao ora analisado vício.

O erro de julgamento, consagrado no artigo 412º, nº 3, do CPP, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.                                                              

Na situação de erro de julgamento, o recurso visa reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que proceder à sua audição em 2ª instância.

Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP. Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.

E é porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, que se lhe impõe o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecida o artigo 412.º, n.º3, do C.P.P.:

«3.Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:                                                                                                       

a) - Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) - As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;                 

c )- As provas que devem ser renovadas».                                                           

A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida - Paulo Pinto de Albuquerque em ”Comentário do Código de Processo Penal”, pág. 1135.                                

Além disso, o n.º 4, do citado artigo 412.º determina:

Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

Ora, no caso em apreço, o recorrente situa, sem margem para dúvidas, a impugnação da matéria de facto no âmbito do erro de julgamento, apelando à reapreciação da prova gravada em audiência.

No Ac STJ de 9 de Março de 2006, entendeu-se que ”se o recorrente se dirige à Relação limitando-se a indicar alguma prova, com referência a suportes técnicos, mas na totalidade desses depoimentos e não qualquer segmento dos mesmos, não indica as provas que impõem uma decisão diversa quanto à questão de facto, pois o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes é um remédio jurídico destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.

Acresce que ao determinar o n.º 6, do art.º 412º que ”no caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas (…)”, se terá que concluir que as concretas provas terão de corresponder a segmentos das declarações ou do depoimento e não a toda a extensão dos mesmos e ainda que são esses segmentos que terão que ser ouvidos ou visualizados pelo tribunal “ad quem” (sem prejuízo de o tribunal, por sua iniciativa, ouvir ou visualizar outras passagens que considere relevantes).

Aliás, é esta a interpretação que a nosso ver corresponde à mens legislatoris, tal como resulta da proposta de Lei nº 109/X, onde consta que «no âmbito da motivação, para pôr cobro a uma das principais causas da morosidade na tramitação do recurso, elimina-se a exigência de transcrição da audiência de julgamento. O recorrente pode referir as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida indicando as passagens das gravações; não é obrigado a proceder à respectiva transcrição (artigo 412.º). O tribunal ad quem procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que, porventura, considere relevantes». “ – Ac Rel. Coimbra de 9-12-2010.

No caso ”sub judice”, como resulta evidente das conclusões, -B a J e X - o recorrente impugnou a decisão nos termos acima referidos, ou seja, especificou, nos termos dos n.ºs 3, alínea b. e 4, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.

Consequentemente, procedeu este tribunal à audição integral das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunhas referenciadas pelo recorrente e concluiu que o tribunal a quo elegeu como provados e não provados os factos que seleccionou com base na valoração da prova a que conferiu credibilidade, fundamentando por forma bastante os motivos que foram determinantes para o seu convencimento.

E concorde-se ou não com o juízo que formulou, a decisão é no geral consentânea com critérios de normalidade, do senso e da experiência comuns.

A valoração efectuada pelo tribunal a quo encontra claro apoio na prova produzida, não sendo de todo objectivamente censurável que se tenha deixado convencer pelas testemunhas arroladas pela acusação e não pelas declarações do arguido.

Vejamos.

A ofendida B...., menor de 15 anos de idade, revelou alguma inibição em narrar a conduta do arguido, patenteando desconforto próprio da sua idade, superado pela subtil alteração da técnica de interrogatório que de forma avisada o Sr. Juiz empreendeu com eficácia.

Assim, acabou por esclarecer que foi com os pais e a irmã ao café da Associação, que se sentou com a mãe e a irmã, “ ao pé do lume, numa mesa”, “ o meu pai estava a jogar às cartas noutra sala, com os velhos, nós ficámos com as velhas”. Mais disse que o Sr A...., seu primo afastado, já lá estava, num banco alto, “virado um bocadinho para a televisão”.

À pergunta o que é que o Sr A.... fez, respondeu “ Mostrou o pénis”. Inquirida disse que “… tirou para fora… abriu o fecho e mostrou, e voltou a meter para dentro”. Acrescentou que disse à mãe para ir embora, e “cá fora disse o que aconteceu. O meu pai foi ter com ele.” Esclareceu que a mãe não quis vir logo embora porque estava a conversar com as idosas.

Questionada, esclareceu que olhou para ele porque quando olhou para a mãe ele fez um sinal, não falou.

Perguntada se as outras pessoas não viram, respondeu “as velhas estavam atrás do balcão.”

Mais disse que “antes de ele ter sido preso já tinha acontecido uma coisa parecida, quando andava no 7º ano. Depois de vir da casa de banho ele abriu um bocadinho a porta e mostrou o pénis. Não disse nada a ninguém.”

As declarações da menor B.... são confirmadas pela testemunha H...., sua mãe, que esclareceu que estava de costas, não conseguiu ver nada. Confirmou o posicionamento das senhoras que estavam a conversar e do arguido sentado ao balcão, para onde a sua filha estava virada.

Mais disse “De repente ela toca-me e disse-me oh mãe vamos embora e eu disse-lhe oh filha tem calma já vamos.” Esclareceu que “cá fora ela estava a chorar e disse oh mãe o A.... deitou as mãos às calças e tirou o pénis para fora.”

Inquirida respondeu “Ela estava num aceleramento… nervosa, desorientada, acelerada, … ela estava muito nervosa, queria-se vir embora, não se sentia bem lá dentro.”

Confirmou que o marido estava a jogar às cartas numa divisória ao lado e que foi ameaçá-lo que ia à polícia e lhe dava com uma cadeira na cabeça, mas não lhe tocou. 

Esclareceu ainda que a B.... usa próteses auditivas, é muito tímida, muito envergonhada, fechada, ingénua.

Por seu turno, o arguido confirmou a sua presença no café da Associação, assim como da menor B.... e sua mãe, mas negou os factos, declarando “ estou rendido com certa gravidade”, aludindo a uma hérnia que “tenho de empurrar para dentro”.

Porém foi-lhe perguntado se não estava vestido e respondeu que sim.

Questionado sobre a razão da “hérnia” ter aparecido fora das calças na zona da braguilha, não justificou tal facto de forma convincente e razoável.

Acabou por declarar “ Se elas viram o pénis, peço desculpa foi sem intenção.”

Bem andou pois o tribunal a quo ao conferir credibilidade ao depoimento da menor B.... e da testemunha H.....

O simples facto do arguido ter chamado a atenção da menor, fazendo-lhe sinais, afasta a sua versão radicada na aludida hérnia, pois ninguém solicita a atenção de uma adolescente para apreciar uma hérnia inguinal ( http://drauziovarella.com.br/letras/h/hernia-inguinal/ - sendo certo que “surgem na virilha (zona de junção entre a coxa e a parte inferior do abdomem). Nos homens, pode estender-se até aos testículos provocando a hérnia inguinoescrotal”.

Além do mais, para empurrar a hérnia o arguido não precisava de abrir a braguilha e muito menos de a puxar para fora.

No que respeita aos factos ocorridos no quiosque, os depoimentos da ofendida E...., seu irmão F... e G... , foram devidamente apreciados e valorados pelo tribunal recorrido.

Com efeito a E.... esclareceu que o arguido “tirou o pénis para fora e começou a acaricia-lo, e a olhar para si a rir-se.” Inquirida esclareceu que o arguido “fazia movimentos para cima e para baixo, estava no início de uma masturbação, com o pénis semi erecto.”

Acrescentou que o arguido “estava vestido, com a braguilha aberta e com o pénis na mão, através do fecho das calças.”

Declarou ainda que após ter visto a cena disse ao irmão para ir dizer ao senhor para se compor.

À pergunta como se sentiu, respondeu “ na hora fiquei um bocado transtornada, - há lá crianças, fiquei transtornada mais por causa disso, era muito pior se acontecesse com uma criança.”

De seguida foi-lhe feita a seguinte pergunta: “E em relação a si? 

E a sua resposta foi: “ Fiquei transtornada, não estava à espera que me acontecesse aquilo.”

Sobre a actuação do seu irmão e da testemunha G...., presentes no local, declarou que o seu irmão foi lá fora, o arguido já tinha posto o pénis para dentro, mas ainda tinha a braguilha aberta. O arguido ria-se e estava a fumar um cigarro.

O Sr. G.... também lá foi e perguntou-lhe o que estava a fazer e ele não respondia, só se ria. Depois disse que não estava a fazer nada.

Chamaram então a polícia que o identificou e levou.

A testemunha F.... confirmou as declarações da irmã, e esclareceu que após esta lhe pedir para actuar junto do arguido, dizendo que ele estava a masturbar-se e a olhar para ela, virou-se para fora e ele tapou o órgão em questão,  mas não escondeu. Dirigi-me a ele “Tinha o pénis fora das calças se bem que tapado com as mãos… mas via-se ente os dedos”. Insisti para que metesse o pénis nas calças, o que ele acabou por fazer.

Acrescentou que o arguido disse que não estava a fazer nada de mais e quis ir-se embora, dizendo “não gosto de meninos tão crescidos”

Foi então que chamaram a polícia.

Inquirido disse que a irmã ficara incomodado com o assunto.

Esclareceu que o arguido estava sentado a 2 ou 3 metros do quiosque, e com a cadeira virada para a respectiva entrada.

Perguntado se havia alguma possibilidade de se tratar de uma hérnia respondeu “não, de certeza absoluta.” E disse que quando se dirigiu ao Sr A.... ficou a um metro dele e vi o pénis entre os dedos.

A testemunha G.... confirmou o relato dos factos das anteriores testemunhas e esclareceu o que viu nos momentos sucessivos entre o aviso da E.... e a sua aproximação do arguido.

Após a chamada de atenção da E.... “dei um passo atrás e olhei para a esquerda e não tenho dúvidas que era o pénis do Sr. A....”, sendo que estava à distância de 6 a 8  passos.

Confirmou que o arguido estava de braguilha aberta a acariciar o pénis para cima e para baixo.

Mais disse que a E.... ficou atrapalhada, envergonhada, ficou incomodada.

À pergunta “Ela riu-se daquilo?” respondeu “Não, ficou incomodada.”

Esclareceu ainda que foram ter com o arguido e quando chegaram junto dele já não tinha o pénis de fora, mas tinha a braguilha aberta; e que o F.... foi o primeiro a aproximar-se dele.

No mais confirmou a restante actuação e a chamada da polícia, utilizando a palavra homem que corrigiu para garoto em vez de menino, na frase dita pelo arguido “não gosto de meninos tão crescidos” - o que se percebe atento o tempo decorrido.

Bem andou pois o tribunal a quo ao conferir credibilidade aos depoimentos destas testemunhas, sendo que a versão da hérnia apresentada pelo arguido, pelas razões apontadas supra e na motivação, não merece ser valorada como credível.

Improcede pois neste segmento o recurso interposto, fixando-se a matéria de facto provada nos termos constantes da sentença recorrida.

*

2 - Do crime de importunação sexual p.p. art 170º CP.

O crime de importunação, que com a Revisão de 2007 [Lei n.º 59/2007, de 04/Set.], está agora previsto no artigo 170.º do Código Penal, pune “Quem importunar outra pessoa praticando perante ela actos de carácter exibicionista ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual”.

A disposição prevê dois crimes distintos: o crime de acto de carácter exibicionista e o crime de contacto de natureza sexual. O bem jurídico protegido por ambos é a liberdade sexual de outra pessoa. Mas ele é protegido de modo diverso por cada uma das incriminações. “ PP Albuquerque, CP anotado, pág 468.

O crime de acto exibicionista é um crime de perigo concreto (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de resultado ( quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção).

O crime de contacto de natureza sexual é um crime de dano (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de mera actividade (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção.

A ambos é aplicável a teoria da adequação do resultado à acção.

O tipo objectivo consiste na importunação de outra pessoa praticando perante ela actos de carácter exibicionista ou no constrangimento de outra pessoa a contacto a contacto de natureza sexual.

O tipo subjectivo admite qualquer forma de dolo. No caso de acto exibicionista o agente deve querer importunar (surpreender, chocar, atemorizar a vítima); no caso de contacto de natureza sexual, o agente deve querer aproveitar-se da proximidade física que tem da vítima para manter um contacto sexual – ob citada, pág 469.

Considera-se “… acto exibicionista toda a acção com significado ou conotação sexual de exposição dos órgãos genitais que é imposta a outrem, por ser contra a sua vontade ou então quando a pessoa visada ainda não tem capacidade para manifestar esse consentimento, de modo a perturbar a sua liberdade sexual, no caso dos adultos, ou a violar a protecção da sexualidade e a preservação de um adequado desenvolvimento sexual, no caso dos menores de 14 anos. - Ac Rel Porto de 9 de Março de 2011 – relator Joaquim Gomes.

Faltando o dolo de importunar, os actos de exibir os órgãos sexuais ou as nádegas, urinar, defecar ou realizar actos sexuais em público, não são suficientes para a punição.

A tipicidade é afastada por uma cláusula de adequação social, inerente ao tipo legal. Assim sucede nas praias de naturismo, em que o desnudamento do agente não tem relevância penal, porque é socialmente adequado – vg obra citada.

Os factos descritos nos factos provados configuram uma actuação que consubstancia os crimes por que o arguido foi condenado.

Com efeito, na ponderação do princípio da “ultima ratio” de intervenção do direito penal na sociedade, que afasta a criminalização de situações desagradáveis, verifica-se que a conduta do arguido revela gravidade bastante para justificar a referida intervenção.

No primeiro caso o arguido não se coibiu de sujeitar uma menor de 15 anos à perturbação da visão do órgão sexual de um indivíduo adulto do sexo masculino.

Em regra, o gesto e a palavra obscenos constituem injúria ou difamação -  PPAlbuquerque ob cit – mas aceitando que o gesto obsceno pode constituir acto exibicionista Alves dos Reis, 1995: 71, Anabela Rodrigues, anot 1ª ao art 171º, in CCCP, 1999 e Leal Henriques e Simas Santos, 2002.

Também Vítor de Sá Pereira – Cod Penal Anotado, pág 460 – adverte que “O agente, no exibicionismo, utiliza o seu corpo vg desnudando-se, ou pratica actos ou gestos com terceiro ( vg cópula) perante outra pessoa.” E esclarece também que estão excluídas as palavras, que todavia podem integrar um crime de injúrias.

Importante é pois perceber que a mera imoralidade não constitui bem jurídico a proteger.

A actuação do arguido no caso da menor B.... ultrapassa de forma manifesta a mera imoralidade, antes a importunou de forma tal que a menor logo solicitou nervosa, à mãe que abandonassem o café e já no exterior chorou. O que traduz de forma clara uma perturbação da sua “liberdade pessoal de acção ou omissão” ( Anabela Rodrigues, Com Conimbricense I pág 537) pela imposição, contra a sua vontade, da visão dos órgãos sexuais do arguido, que assim alcança o resultado da sua intenção - importunar, surpreender, chocar, atemorizar a vítima.

Neste sentido o acórdão da Rel. Porto de 9 de Março de 2011 supra citado: “Para o efeito considerou-se que o acto de masturbação na presença de uma menor de 10 anos [Ac. R. P. de 2009/Dez./16] ou o roçar o corpo por uma menor de 13 anos [Ac. R. P. de 2010/Jan./27](10) eram actos de importunação sexual.

Mas já não será um acto de importunação, de cariz exibicionista, como de resto sustenta o Ministério Público desta Relação e por muito inadequado socialmente que seja essa conduta, o facto do arguido descer o fecho das suas calças e aí introduzir uma das suas mãos, ao mesmo tempo que se deslocou na direcção do menor.

E isto porque o arguido não chegou, em qualquer momento, a expor os seus órgãos genitais ao menor ou a quem quer que seja.

Aliás e quanto muito, sempre se trataria de um acto preparatório, de uma acção exibicionista de carácter sexual que não é punível [21.º Código Penal]. Mas mesmo que o arguido tivesse o propósito de tirar o seu pénis para o exibir, sempre seria uma tentativa [22.º Código Penal], seja do crime de abuso sexual de menor da previsão do art. 171.º, n.º 3 al. a), que é punido com prisão até 3 anos, seja do crime de importunação sexual da previsão do art. 170.º, ambos do Código Penal, que é punido com uma pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias.”.

De notar que a menoridade da vítima é relevante para efeito da definição da natureza do procedimento criminal, pois o crime é semipúblico, salvo se for praticado contra menor - art 178º, nº 1 do CPP.

Praticou pois o recorrente o crime de importunação sexual, p. e p. pelo art. 170°, do CP de que foi vítima a menor B.....

No que respeita à conduta do arguido de que foi vítima a E.... basta atentar nos factos provados nºs 7 a 13 para se concluir pelo preenchimento dos elementos típicos – objectivos e subjectivo – do crime de importunação sexual, p. e p. pelo art. 170°, do CP.

Com efeito, o arguido chamou a atenção da E.... a quem impôs a visão da masturbação visando importuná-la, o que conseguiu. A actividade em questão - masturbação na esplanada de um quiosque - não é socialmente adequada, não foi consentida pela E.... e perturbou-a conseguindo importuná-la.

Improcede também neste segmento o recurso do arguido.

3 - Da escolha da pena

Na decisão recorrida, a propósito da escolha e da medida das penas escreveu-se ( transcrição):
“Cumpre agora escolher a pena aplicável, de acordo com os critérios do art.º 70.º, do Código Penal, devendo a escolha da pena ser feita dando-se preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta se mostre suficiente para promover a recuperação social do delinquente e satisfaça as exigências de prevenção do crime, e determinar a medida da pena que, em con­creto, se adeqúe ao comportamento do arguido, devendo atender-se, de acordo com o disposto no art.º 71.º, do Código Penal, à culpa do agente e às exigências de prevenção de futuros crimes, bem como a todas as circunstâncias que, não fazendo parte dos elementos essenciais da infracção, depo­nham a seu favor ou contra ele.
Nos termos do disposto no art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal, as finalidades da punição são, por um lado, de prevenção especial de ressocialização, visando a reintegração do agente na sociedade e prevenindo-se a prática de futuros crimes, atendendo-se a diversas variáveis como por exemplo a conduta, a idade, a vida familiar e profissional e os antecedentes do agente, e, por outro lado, de prevenção geral ou de integração, que, dirigida à satisfação da consciência colectiva com o objectivo de repor a conformidade para com o direito, procura restabelecer a confiança da comunidade na validade da norma infringida. Atende-se sobretudo ao sentimento que o crime causa na comunidade, tendo em conta diversos índices, como a frequência e o espaço em que o mesmo ocorre e o alarme que está a provocar na comunidade.
Ora, em relação ao arguido são por demais evidentes e elevadas as necessidades de prevenção especial, decorrentes dos fracos factores de inserção social, familiar e profissional e, sobretudo, da extensão dos seus antecedentes criminais, contando o arguido, à data da prática dos factos em causa nestes autos, com seis condenações, pela prática de um total de seis crimes, quatro vezes em pena de multa e duas vezes em pena de prisão suspensa na sua execução, tendo uma suspensão sido revogada e o arguido cumprido os três meses de prisão, já em 2012, e reportando-se a outra pena suspensa a crime de natureza semelhante ao em causa nos autos, mais concretamente, a crime de abuso sexual de criança, pelo qual foi o arguido condenado na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, tendo o arguido cometido os factos ocorridos no dia 6 de Janeiro no período dessa suspensão e os ocorridos a 16 de Abril tão só dois meses após se ter esgotado tal período, mais sendo de realçar o facto de o arguido ter estado preso preventivamente à ordem do processo onde veio a ser condenado pelo crime de abuso sexual de criança e durante período já algo longo antes da prática dos factos em causa nestes autos.
Mais acresce realçar o facto de o arguido não ter admitido a prática dos factos, não tendo demonstrado qualquer arrependimento ou autocensura relevantes, circunstâncias que, embora não o prejudicando, também não o beneficiam. 
Ponderados estes vectores, a pena não privativa da liberdade não é já suficiente para satisfazer as exigências de reprovação e prevenção do caso, posto que o arguido se mostrou insensível e indiferente às condenações de que já foi alvo, não actuando em conformidade com o direito e prevaricando sistematicamente não obstante a natureza e medida das penas que lhe foram aplicadas.
Mais resulta que o arguido agiu com dolo intenso - dolo directo - na medida em que representou claramente os factos criminosos e não se absteve de os praticar, querendo praticá-los, violando, desse modo os valores que a ordem jurídica lhe impunha, sendo a gravidade da ilicitude, indiciada pelo número e grau de violação dos interesses ofendidos bem como as suas consequências, no caso, mediana e comum neste tipo de ilícitos. Todavia, o facto de num caso se tratar duma menor e no outro ter havido mesmo masturbação, contribuem para acentuar o grau de ilicitude.
Deverá ainda atender-se, em desfavor do arguido, às fortes exigências de prevenção geral, dada a frequência com que se verifica a prática de crimes do tipo dos em causa nos autos. Com efeito, há que ter em conta a exigência para refrear a crescente tendência – que é pública – para a prática de crimes que colocam em causa a liberdade e a autodeterminação sexual, designadamente de menores, associados ao aproveitamento destes para práticas de auto-satisfação sexual dos agentes. Por essas razões, a comunidade sente uma necessidade acrescida de ver reforçada a confiança na validade da norma violada.
Tendo em conta os motivos já referidos, mostra-se ajustado aplicar ao arguido a pena de 4 meses de prisão por cada um dos crimes cometidos.
Impõe-se, agora, determinar a pena única do concurso a aplicar ao arguido, cuja moldura abstracta terá como limite máximo a soma das penas de prisão (parcelares) concretamente aplicadas aos crimes cometidos pelo arguido e como limite mínimo a mais elevada das respectivas penas parcelares concretamente aplicadas (art.º 77.º n.º 2 do Código Penal), e cuja medida concreta, a alcançar dentro da dita moldura abstracta, será determinada com base nos critérios gerais referidos no art.º 71.º, n.º 1, do Código Penal - culpa  e prevenção - e no critério especial - consideração conjunta dos factos e personalidade do arguido - a que se refere o art.º 77.º, n.º 1, 2,ª parte, do mesmo Código.
Assim, a moldura abstracta no caso em apreço terá como limite máximo 8 meses de prisão (4 meses de prisão + 4 meses de prisão) e como limite mínimo 4 meses de prisão.
Tendo em conta o que antecede, os critérios gerais de determinação da pena e a personalidade evidenciada pelo arguido bem como o conjunto dos factos praticados, há assim que considerar, no caso concreto, que as penas em concurso se referem a tipos legais de crimes de igual natureza, cometidos num espaço de tempo relativamente curto, tendo o arguido agido com dolo directo e grau de ilicitude médio, os bens jurídicos em causa, as exigências de prevenção geral, que não são despiciendas em face da frequência com que se verifica a prática de crimes como os que estão em concurso e do alarme social que causam, e as pesadas exigências de prevenção especial do caso, em face dos antecedentes criminais do arguido e da sua situação pessoal, julga-se necessária e adequada uma pena única fixada em 5 meses e 15 dias de prisão.
Por outro lado, no caso dos autos, fazem-se sentir especiais necessidades preventivas que só através da concreta execução da pena de prisão poderão satisfazer-se, atento designadamente o facto das condenações de que foi alvo o arguido, sua natureza e natureza e medidas das penas que lhe foram aplicadas, não terem constituído suficiente advertência posto que voltou a incorrer na prática dos ilícitos criminais ora em causa, inserindo-se as suas condutas num contexto de manutenção de uma conduta ilícita continuada que se vem arrastando desde há muito, tendo inclusivamente violado suspensões da execução de penas de prisão em que foi condenado, inclusivamente por crime de abuso sexual de menor.
Com efeito, o arguido apresenta já um passado criminal considerável, nada tendo surtido efeito e mostrando-se presentemente e desde há muito em situação de isolamento familiar e social, num quadro de instabilidade pessoal, com enquadramento habitacional incerto, desempenho profissional irregular e consumo excessivo de bebidas alcoólicas, tudo demonstrando que o arguido ainda não está no caminho da ressocialização.
Assim, não se mostram no caso preenchidos os requisitos necessários para que tal pena de prisão seja substituída por multa (cfr. art.º 43.º, n.º 1, do Código Penal), aqui se realçando o manifesto insucesso no caso das penas pecuniárias, ou por suspensão da sua execução (cfr. art.º 50.º, do Código Penal), aqui se realçando não ser já possível concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o arguido da criminalidade e, ainda assim, satisfazer as exigências de reprovação e prevenção criminal, tendo inclusivamente sido já concedida ao arguido tal benesse, que não soube aproveitar, nem por prestação de trabalho a favor da comunidade (cfr. art.º 58.º, n.º 1, do Código Penal), nem por prisão em dias livres ou em regime de semidetenção ou de permanência na habitação (art.ºs 44.º a 46.º, do Código Penal), realçando-se, nas últimas quatro hipóteses, a natureza do crime mais grave por que foi o arguido condenado, de semelhante natureza aos em causa nos autos, e o facto do arguido já ter estado preso preventivamente, precisamente à ordem do referido processo onde veio a ser condenado pelo crime de abuso sexual de criança, e durante período já algo longo, antes da prática dos factos em causa nestes autos, o que não o impediu de voltar a prevaricar, mais sendo de anotar, inclusivamente, o facto do arguido ter demonstrado, em sede de julgamento, não ter de todo interiorizado o desvalor da condenação por crime de abuso sexual de criança de que foi alvo, que nem assume como tal, conforme resulta do que o mesmo disse a propósito, concluindo-se que por essas formas não se realizam já de todo de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mostrando-se o arguido completamente insensível às condenações de que já foi alvo, revelando pelo seu comportamento anterior recidivo e pelas manifestações anti-sociais das suas condutas uma nítida falta de preparação da sua personalidade para se comportar licitamente, doutra forma se pondo em causa o mínimo exigido pela protecção dos bens jurídicos em presença.”

A simples leitura deste extracto da sentença recorrida permite concluir que foram aplicados com rigor os critérios legais da escolha e punição de cada um dos crimes e do respectivo concurso.
Foram ponderadas as penas de substituição e devidamente fundamentado o seu afastamento.
Efectivamente, em termos de prevenção geral, a medida da pena é dada pela necessidade de tutela dos bens jurídicos concretos pelo que o limite inferior da mesma resultará de considerações ligadas à prevenção geral positiva ou reintegração, contraposta à prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente.
Para além de constituir um elemento dissuasor da prática de novos crimes por parte de terceiros, a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas.
No que respeita à prevenção especial há a ponderar a vertente necessidade de ressocialização do agente e a vertente necessidade de advertência individual para que não volte a delinquir, devendo ser especialmente considerado um factor que também toca a culpa: a susceptibilidade de o agente ser influenciado pela pena.
Como esclarece o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Janeiro de 2000 (processo n.º 1193/99), “se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que — dentro, claro está, da moldura legal —, a moldura da pena aplicável ao caso concreto (“moldura de prevenção”) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente: entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social” e também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2000 (processo n.º 2803/00-5ª), “pelo que nos art.ºs 71. °, n.ºs 1 e 2 e 40.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, se plasma, logo se vê que o modelo de determinação da medida a pena é aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos — dentro do que é consentido pela culpa — e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização - ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança - do delinquente.”
Em suma “a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1997, processo n.º 624/97)
Ponderados estes limites, deve ainda o tribunal atender e a quaisquer outras circunstâncias que não fazendo parte do tipo (para que não haja violação do princípio ne bis in idem), deponham contra ou a favor do agente.
Assim e para além do mais (como ensina Jorge Figueiredo Dias in "Direito Penal Português – as Consequências Jurídicas do Crime", pág. 245, § 335 v.g., factores relativos à própria vítima — personalidade, concorrência de culpas, etc. — e/ou relacionados com a necessidade de pena — decurso do tempo), deverá ser sopesado:
- O grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências e o grau de violação dos deveres impostos ao agente
- A intensidade do dolo ou da negligência
- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram
- As condições pessoais do agente e a sua situação económica
- A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime
- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Atentas todas as circunstâncias ponderadas na sentença recorrida, mostram-se justas e adequadas as penas parcelares, assim como a pena única.

Nenhuma censura merece o tribunal recorrido, pois em matéria de prevenção especial, só se deve optar pela suspensão da pena quando existir um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro. O que de todo, os antecedentes criminais do arguido não consentem.

Como é jurisprudência pacífica (v.g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 2008, in www.dgsi.pt), a suspensão da execução da pena apenas deverá ser aplicada nos casos em que seja possível fazer um juízo de prognose favorável, centrado no arguido e no seu comportamento futuro.

Como juízo de prognose que é, não encerra em si uma certeza, mas apenas a esperança fundada de que a socialização do arguido em liberdade se consiga realizar, ou seja, como diz o Professor Jorge de Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, § 521, “o que aqui está em causa não é qualquer «certeza», mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, o tribunal deve encontrar-se disposto a correr um certo risco — digamos: fundado e calculado — sobre a manutenção do agente em liberdade.” Contudo, “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável — à luz consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização —, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime»” dado que há que levar em conta “considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico”, pois “só por estas exigências se limita — mas por elas se limita sempre — o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise” (ob. cit. § 520), ou seja, como se diz no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 2008, “importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal.

Assim, a decisão sobre a suspensão da execução da pena terá que apreciar os factos relativos à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste e apurar se é possível, no caso concreto, uma prognose favorável ao nível da prevenção especial de socialização e, sendo a mesma possível, terá também que se ponderar se as exigências de reprovação e prevenção geral ficarão satisfeitas com a aplicação de tal pena.

No caso “sub judice”, estamos perante um arguido que já tem antecedentes criminais, ou seja, já foi condenado por outros crimes, mas que não conseguiu ser positivamente influenciado pelas penas que lhe foram aplicadas e voltou a delinquir, inclusive no período de suspensão de outra pena de prisão.

De todo o modo, importaria ponderar a hipótese de tratamento clínico - José Mouraz Lopes, Os crime contra a liberdade e autodeterminação sexual no código Penal, pág 111 - pois como é sabido “…às condutas exibicionistas está normalmente associada uma personalidade do agente com problemas de natureza psiquiátrica, devido a perturbações sexuais, médica e normalmente designadas de “parafilia” ou atracções desviantes. O exibicionismo como perturbação sexual é também uma forma de “parafilia”.

Porém, o recorrente não produziu qualquer manifestação de consentimento expresso nesse sentido, pelo que atento o disposto no art 52º, nº3, do CP, está vedado a este Tribunal tal opção.

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IV – DECISÃO:

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente. Com taxa de justiça de 3 Ucs.

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Coimbra, 26 de Fevereiro de 2014

(Isabel Valongo - Relatora)



(Fernanda Ventura)