Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
891/09.TTVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: TRABALHO A TEMPO PARCIAL
DESCANSO INTERCALAR
Data do Acordão: 11/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: CL.ª 20ª, Nº 2 DO AE ENTRE A RODOVIÁRIA NACIONAL EP E A FED. DOS SINDICATOS DOS TRANSPORTES RODOVIÁRIOS E URBANOS E OUTROS, PUBLICADO NO BTE Nº 45 DE 8/12/1983; ARTºS 213º, 521º, Nº 2, E 554º, Nº 2, AL. B), DO ACTUAL CÓDIGO DO TRABALHO.
Sumário: I – A Cl.ª 20ª, nº 2 do AE entre a Rodoviária Nacional EP e a Fed. Dos Sindicatos dos Transportes Rodoviários e Urbanos e outros, publicado no BTE nº 45 de 8/12/1983, estabelece que o período de trabalho diário deve ser interrompido por um intervalo de descanso para refeição de duração não inferior a uma hora, mas não superior a duas horas, não podendo os trabalhadores prestar mais de 5 horas de trabalho consecutivo.

II – A dita norma, também plasmada no artº 213º do vigente Código do Trabalho, tem por finalidade obstar a que a jornada de trabalho se alongue excessivamente em prejuízo do direito ao repouso do trabalhador.

III – Seja a tempo parcial, seja em regime de horário completo, a entidade patronal não pode nunca dispor a seu bel prazer a disponibilidade laboral, existindo limites legais para o efeito – horário de trabalho (artº 212º CT).

IV – A referida cláusula também é aplicável aos trabalhadores a tempo parcial.

Decisão Texto Integral:   Acordam em Conferência os Juízes da Secção Social do T. Relação de Coimbra

Pela ACT -  Autoridade para as Condições de Trabalho Viseu -  foi aplicada a A... S.A. a coima única de € 1700, pela prática de cinco infracções p. e p pelas disposições conjugadas da Clª 20º nº 2 do AE entre a Rodoviária Nacional E.P. e a Fed. dos Sindicatos  dos Transportes Rodoviários  e Urbanos e  outros  publicado no BTE nº 45 de 8/12/1983 e dos artºs 213º,  521º nº 2  e 554º nº 2 b) do actual C.T.

Inconformada a arguida deduziu impugnação judicial, no que não obteve sucesso.

Uma vez mais inconformada recorre agora para esta Relação alegando e concluindo:

[…]

Na 1ª instância respondeu o Ex. mo Magistrado do MºPº, defendendo a justeza da sentença em crise.

No mesmo sentido vai o douto parecer emitido pelo Ex. mo Sr. PGA neste Tribunal de recurso.

Recebido o recurso e colhidos os visos legais cumpre decidir

DOS FACTOS

É a seguinte a factualidade a ter em conta

1.Na sequência de visita inspectiva efectuada pelas 15 horas do dia 12.3.09, às instalações da A..., S.A. sitas na ...,

denominado " ...", foi verificado que aquela mantinha sob as suas ordens e direcção, 17 trabalhadores contratados a tempo parcial, com a categoria de motoristas de pesados.

2. Após análise de documentos entregues em cumprimento de notificação,  designadamente escalas de confirmação relativas àquele dia, foi verificado que o trabalhador B..., com horário de 30 horas semanais, iniciava o seu primeiro período de trabalho diário às 07h.45m. e terminava às 9h.50m., iniciando um segundo período diário de trabalho às 12h.30m. que termina às 13h40m., iniciando um terceiro período às 15h.30m. que termina às 18h.55m., efectuando, assim, dois intervalos de descanso na mesma jornada de trabalho, sendo o primeiro de 2h40m. e o segundo de 1h.50m.

3. O trabalhador C... , também contratado a tempo parcial, com 22  horas semanais, iniciava o seu primeiro período de trabalho diário às 6h.50m. e terminava às 9h40m., iniciando o segundo período diário de trabalho às 17h.25m. e terminava às 18h.50m., efectuando, deste modo, um intervalo de descanso na jornada de trabalho de 7horas e 45minutos.

4. O trabalhador D..., com 30 horas semanais, iniciava o primeiro período

de trabalho diário às 6h.25m. terminando às 9h40m., iniciando o segundo às 16h.25m. e

terminava às 18h.55m., efectuando um intervalo de descanso na jornada de trabalho de 6 horas e 45 minutos.

5. O trabalhador G... , com 26 horas semanais, iniciava o  primeiro período de trabalho diário às 6h.15m., terminando às 9h., iniciando o segundo

período às 16h.55m. e terminando às 18h.50m., fazendo, assim, um intervalo de descanso na jornada de trabalho de 7 horas e 55 minutos

6. Por sua vez, a trabalhadora H... , também  contratada a tempo parcial com 26 horas semanais, iniciava o seu primeiro período de trabalho diário às 7h.10m., terminando às 9h.50., começando o segundo período às 16h45m. terminando às 18h45m., fazendo um intervalo de descanso na jornada de trabalho de 6 horas e 55 minutos.

7. Nas mesmas circunstâncias se encontravam os restantes 12 trabalhadores da arguida contratados a tempo parcial, praticando intervalos de descanso no período normal de trabalho diário que oscilavam entre 3 horas e 20 minutos e 8 horas e 30 minutos, durante os quais trabalhadores em causa não tinham de permanecer no seu local de trabalho ou em local controlado pelo seu empregador, nem tinham de se encontrar disponíveis ou acessíveis para trabalhar.

8. Mais foi inspectivamente verificado, no referido dia, que as escalas referentes a  outros dias da semana não sofrem alterações significativas à praticada nesse dia (12.3.09).

9. A A..., S.A. actuou por descuido na fixação dos intervalos  entre os períodos de trabalho diários de duração superior a duas horas, quando podia fixá-los com duração não superior a duas horas, nem inferior a uma hora.

10. O volume de negócios da A..., S.A. é de € 16 774 848,40.

 DO DIREITO

Como se sabe neste tipo de processos, a Relação por via de regra, conhece apenas da matéria de direito - artº 75 nº 1 do D.L. 433/82  de 27/10 –

O que significa que no caso concreto há que resolver se aos trabalhadores da arguida a tempo parcial se aplica  ou não a dita Clª 20º nº 2  que ( em consonância aliás com o disposto no artº 213º já citado) estabelece que o período de trabalho diário  deve ser interrompido por um intervalo de descanso para refeição de duração não inferior a uma hora, nem superior a duas,  não podendo os trabalhadores prestar mais de 5 h de trabalho consecutivo.

No caso em apreço temos como demonstrado que os aludidos cinco trabalhadores ( todos a tempo parcial)  tinham período de descanso superiores aos já referidos, ainda que nenhum deles laborasse mais do que 5h consecutivas.

Como se sabe a norma plasmada no dito artº 213º ( e com a qual a Clª 20º nº 2 do AE se conforma) tem por finalidade obstar a que a jornada de trabalho se alongue excessivamente  em prejuízo do direito ao repouso do trabalhador.

Temos por outro lado que quer seja a tempo parcial, quer em regime de horário completo, a entidade patronal não pode nunca dispor a seu bel prazer a disponibilidade laboral, existindo limites legais, para isso e que em síntese se traduz no que é designado por horário de trabalho- artº 212º do C.T.( não está aqui em causa nem a questão de isenção de horário, nem do trabalho suplementar sendo certo que em ambos os casos há sempre uma limitação para o exercício da actividade por banda do trabalhador).

Acresce que por trabalho a tempo parcial se deve entender, aquele que corresponde a um período normal  de trabalho inferior ao praticado a tempo completo em situação comparável.

É certo que segundo a Clª 4 nº 3 b) do AE aplicável  estava vedado à arguida – salvo casos excepcionais que não era o dos trabalhadores mencionados – efectuar contratos a tempo parcial.

Este tipo de cláusulas veio a ser proibido por diversa legislação proibição essa que se mantém no actual C.T. ( seu artº 151º), sendo pois a dita Clª 4 nº 3 b) nula por contrariar norma imperativa.

Mas este facto não resolve nem impede  que existindo trabalhadores a tempo parcial, se coloque a temática da aplicação a eles da tal Clª 20º.

Por outro lado e como é consabido os IRCT têm  por um lado um carácter negocial e por outro uma característica regulamentar, devendo ser interpretados conforme o primeiro ponto de acordo com os princípios relativos às declarações negociais plasmados  nomeadamente no artº 236º nº 1 do CCv( que consagra a denominada teoria da impressão do destinatário  segundo a qual   a declaração negocial  vale com o sentido  que um declaratário normal colocado na posição  do real declaratário, possa deduzir  do comportamento do declarante…) e no que concerne ao segundo, enquanto para o segundo valerão os princípios ínsitos no CCv e concernentes à interpretação das leis ( mormente artºs 5. 7- e 12º do CCv)- neste sentido cfr. M. Fernandes, in Dtº do Trabalho 13ª ed. págs. 1110/111-.

Ora e segundo estes princípios interpretativos, não resulta de forma alguma que a dita Clª 20º nº 2 não seja aplicável aos trabalhadores a tempo parcial, ou melhor dito, que apenas vise os trabalhadores a tempo inteiro.

Até porque  e desde logo a nulidade da impossibilidade de contratação a tempo parcial convencionalmente estabelecida resultante da sua ilegalidade, não pode redundar em prejuízo de quem foi contratado a esse título.

Depois porque mesmo a impossibilidade desta contratação não é ( era) segundo o AE em causa absoluta, já que não se aplicava  a várias categorias profissionais ( p. ex. servente, guarda, enfermeiro etc…- citada b) nº 3 Clª 4).

E todavia pese embora  a possibilidade  para certas categorias profissionais de contratualização a tempo parcial, a Clª  20º nº2 aludida, mantém os limites máximos e mínimos de repouso, sem distinção.

E haverá que distinguir entre horário fixo e horário móvel, sendo que pela factualidade dada como assente, nada nos pode levar a concluir que os trabalhadores em causa, estavam sujeitos a horário móvel, uma vez que conforme o definido pelas Clªs 19º nº 3 e 21 nº1, sendo este tipo de horário admissível, o mesmo respeita àqueles trabalhadores que ( embora respeitando a empregadora  a duração máxima diária e semanal do tempo de trabalho) podem laborar  de modo a que as horas de início  e termo da sua actividade eventualmente variarão  de dia para dia.

Em suma: os trabalhadores em causa, ainda que a tempo parcial,  tinham, como se provou um horário fixo.

Daí e de acordo com as normas de interpretação do clausulado em causa - e sempre ressalvando o devido respeito - por entendimento diverso – é-lhes aplicável o regime estabelecido para a duração ( mínima e máxima) do tempo de repouso.

Por outro lado e nem lançando mão do disposto no D.L. 237/07 de 19/6( seu artº 2º d),   que transpôs para a nossa ordem jurídica interna a Directiva  nº 2002/15/CE se podem considerar os trabalhadores em causa como trabalhadores móveis.

Na realidade  dada a definição plasmada neste normativo ( artº 2º d) “ trabalhador móvel  é o trabalhador …. Que faz parte do pessoal viajante ao serviço do empregador que exerça a actividade de transportes rodoviários abrangidos pelo regulamento ou pelo AETR.

Não é – salvo o devido respeito - o caso dos autos.

Ainda e segundo a conjugação dos artºs 2º c) e 5º do citado D.L. 237/07 o tempo de disponibilidade não é considerado tempo de trabalho, sendo que aquele ( tempo de disponibilidade) é qualquer período  que não seja intervalo de descanso , descanso diário ou semanal, cuja duração previsível seja previamente  conhecida pelo trabalhador ….., em que este não este não esteja obrigado n a permanecer no local de trabalho…..

Ora no caso dos autos temos que os mencionados trabalhadores, tinham o seu horário de trabalho ( fixo como se viu, ainda que parcial) sendo que durante os intervalos que mediavam entre a sua entrada e saída não estavam ao serviço da empregadora, ou seja encontravam-se num quadro  de total disponibilidade para si próprios.

Daí que o regime máximo e mínimo do período de repouso lhes tem que ser aplicado, sob pena de poder existir uma inadmissível duração  situação em que o trabalhador não pudesse regressar à sua residência, tendo que aguardar( embora não sendo tal período considerado como tempo de trabalho) por variadíssimas horas o reinício do seu labor.

O que levado ao extremo levaria a que um trabalhador nessas condições poderia ter que estar sem efectivo repouso das oh às 24h de cada dia.

Em suma: por tudo o que se expendeu - e sempre com o devido respeito por entendimento diverso porventura mais esclarecido  e reconhecendo o melindre da temática que ora nos ocupa -  seguimos a tese propugnada pela 1ª instância e segundo a qual aos ditos trabalhadores( ainda que contratados a tempo parcial) se deve aplicar o regime de descanso previsto na Clª 20º nº 2 do AE aplicável e também no artº 213º nº1 do C.T.

Termos em que  e terminando na confirmação da sentença impugnada, se nega provimento ao recurso.

                     Custas pela arguida, com taxa de justiça que se fixa em 4 Ucs