Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1626/11.2TBMGR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ESCRITURA PÚBLICA
MÚTUO
FIANÇA
OBJECTO NEGOCIAL
NULIDADE
RENÚNCIA
BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO PRÉVIA
Data do Acordão: 11/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MARINHA GRANDE 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.46, 50 CPC, 280, 400, 539, 627, 638, 640, 763, 837 CC
Sumário: 1. Sendo o título executivo uma escritura pública, que se insere no âmbito do artº 46 nº 1 b) do C.P.C. não é exigível que a obrigação que dele decorre seja determinável por simples cálculo aritmético, por oposição ao documento particular.

2. Não é nula a fiança, por não ser indeterminável o seu objecto, quando a determinação do mesmo se faz com referência à obrigação resultante do contrato de mútuo contemporâneo, que constitui a obrigação principal de que é acessória, pelos valores e limites daquela, concretizados e expressos no contrato celebrado.

3. Os fiadores que renunciam ao benefício de excussão e se assumem como principais pagadores, afastam o princípio da subsidiariedade da fiança o que impede que possam criar expectivas legítimas e defensáveis, na manutenção da hipoteca sobre o imóvel, por dela não se poderem fazer valer, por força do regime previsto no artº 640 do C.Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

J (…) e mulher E (…), vem deduzir oposição à execução que contra si é intentada pelo Banco E..., S.A., pedindo a extinção da execução quanto a si.

Alegam, em síntese, para fundamentar o seu pedido que foram fiadores da sua filha e ex-genro quando os mesmos adquiriram casa própria em 2004, perante o Banco no qual os mesmos contraíram empréstimo, tendo renunciado ao benefício de excussão prévia. Referem que a fiança é nula por se manter “enquanto subsistisse qualquer dívida de capital, de juros, de despesas constituídas por qualquer forma…”. Houve um acordo negocial entre os devedores e o Banco, do qual os oponentes nunca foram informados, através do qual o Banco prescindiu da garantia hipotecária, tendo sido entregue a casa ao Banco em cumprimento da anterior obrigação e sendo constituída uma nova obrigação à qual os oponentes não deram o seu consentimento. Não tendo participado neste acordo, nem dado o seu consentimento, tendo nascido uma nova obrigação em lugar da anterior, extinguiram-se também as garantias, como é o caso da fiança.

A oposição foi admitida e notificado o exequente para contestar, o que o mesmo veio fazer, pedindo a improcedência da oposição apresentada. Alega que a fiança não é nula, por a dívida ser certa e determinável. O acordo referido representou apenas um dação em cumprimento e renúncia do Banco às hipotecas sobre a fracção autónoma, por quantia que foi imputada na dívida dos mutuários e que representou apenas o pagamento parcial da dívida. Diz que foram os mutuários que fizeram a proposta de dação ao Banco, acordando no valor a atribuir à fracção, ficando em dívida o valor remanescente de € 6.602,82, não necessitando do acordo dos fiadores para o efeito.

Foi proferido despacho saneador com o conhecimento do mérito da oposição, por o permitir o estado do processo, julgando-se improcedente a mesma e determinando-se o prosseguimento da execução.

Não se conformando com a sentença proferida vêm os Opoentes interpor recurso de apelação de tal decisão, apresentando as seguintes conclusões:

1- A decisão recorrida parte do pressuposto de que o contrato de mútuo afiançado é suficientemente claro e unívoco e na parte em que as obrigações não vêm concretizadas são, porém, determináveis, pelo que não se vê violado o nº. 1 do artº. 280º do C. Civil;

2 - Todavia, contrariamente, os fiadores não sabiam, na ocasião da prestação da fiança, quais os limites da obrigação que assumiam nem, nessa ocasião, esses limites eram determináveis;

3 - Dão-se como exemplos as seguintes passagens do mútuo:

A) “constituem-se fiadores e principais pagadores …” – duvida-se de que os fiadores, a não ser que lhes tivesse sido bem explicada a fórmula sacramental,

tenham perfeito conhecimento do sentido e alcance da expressão.

B) … “Por tudo quanto venha a ser devido ao E...”... Ignora-se a determinabilidade da expressão: a não ser através do recurso a um “vidente”, ainda hoje não se alcança como possa considerar-se determinável “tudo quanto venha a ser devido”...

C) “A fiança manter-se-á plenamente enquanto subsistir qualquer dívida de juros ou despesas” (sic). Se esta obrigação, por muito boa-vontade é determinável, ignora-se como;

D) “... qualquer dívida... constituída por qualquer forma, imputável aos devedores...”. Esta dívida... assim constituída é, obviamente, quer na ocasião quer no presente, absolutamente indeterminável;

4 - Não há um critério, um pressuposto, uma premissa que permitam deduzir o montante concreto daquelas e outras obrigações, nem sequer a forma de as alcançar;

5 - Mais grave: tendo os devedores e o Banco credor procedido à dação em pagamento, pelo montante referido, os fiadores ignoram o critério que terá presidido à avaliação do bem, ao cálculo das despesas (e que despesas?), à fixação do remanescente e a que título foram imputadas as prestações mensais efectuadas pelos devedores;

6 - Os fiadores, antes da dação em pagamento, tinham a garantia de subsidiariedade da sua fiança (ignora-se se eles sabiam ou não que se assumiram como principais pagadores com a consciência efectiva de tal compromisso) porque antes de responderem com o seu património, respondia o bem hipotecado;

7 - Desaparecida a hipoteca ficaram eles como únicos pagantes do remanescente da dívida. Sem o saberem.

8 - Por outro lado, o título executivo por que estão os fiadores a ser executados não é já o título com base no qual se obrigaram. Na verdade esse título nada tem que ver com o primitivo título... Ele é produto de um acordo espúrio, realizado nas suas costas – Por isso eles não são partes legitimas nem esse título é adequado para demandá-los como executados.

9 - Na fase de execução a lei não permite o recurso à figura de substituição do obrigado. Os devedores apenas teoricamente são obrigados pois que nada têm.

10 - Pode, por outro lado e dada a matéria alegada concluir-se que o banco se aproveitou da insuficiência económica dos devedores e do seu estado de necessidade para obter uma vantagem económica injustificada;

11 - Na verdade tal conclusão resultará de dados de facto que embora a provar por testemunhas, consistirão na avaliação do bem, na ocasião do mútuo, por valor superior à quantia mutuada; na entrega durante quatro anos, de regulares prestações mensais; no valor, atribuído ao bem aquando da dação, inferior ao seu valor real e muito inferior ao valor atribuído apenas há quatro anos; no relativamente baixo valor deixado como remanescente;

12 - Facto que a não se ordenar o prosseguimento dos autos para efectuar o julgamento com audição de prova testemunhal, poderá acarretar a aplicação do disposto no artº. 839º do C. Civil, fulminando a dação com a NULIDADE e impedindo o renascimento da garantia de fiança.

13 - Verifica-se a violação do artº 46º al. b) do C.P.C, porque a obrigação pecuniária não é, não se extrai do título que seja determinável por simples cálculo aritmético.

14 - Não se vem discutir se as escrituras são ou não verdadeiros títulos executivos, dotados de certeza e segurança suficientes, na perspectiva jurídica dos devedores mas sim na perspectiva dos fiadores.

15 - Assim, o problema não está em a obrigação pecuniária ser determinada mas sim “em ser determinável por simples calculo aritmético” (sic, in al. c) do artº 46º do C.P.C).

16 - Nem há razão para fazer qualquer distinção entre os documentos que se referem na al. b) e os que se referem na al. c) do artigo no que respeita à determinabilidade da obrigação (onde se inclui a fiança) por, na declaração perante o notário, também o respectivo documento só serve de prova de que as declarações foram feitas e não que elas são verdadeiras.

17 - O critério a que se deve recorrer para a determinabilidade da obrigação não pode sair dos limites do “simples cálculo aritmético” referido na lei.

18 - No caso presente, nem conjugando o disposto no nº 1 do artº 280º do C.C com o disposto na al. c) do artº 46º do C.P.C, por arrastamento da al. b), se podem considerar determináveis as (certas das) obrigações dos fiadores.

19 - Não há, em nosso entender, que recorrer ao artº 400º do C.C pois que este artigo impõe um acordo entre credores e devedores (ou fiadores) sobre a forma e sobre quem deve proceder à determinação (objectivação) da obrigação.

20 - De forma que, entre outras normas, foram violadas, além das referidas na decisão, artºs 236º do C.C, 224º, nº 3 ou 280º, nº 1, foram também violados os artigos supra mencionados.

            O Banco exequente veio apresentar contra-alegações pugnado pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.

II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas suas conclusões (artº 684 nº 3 e 685 A nº 1 do C.P.C.), salvo questões de conhecimento oficioso- artº 660 nº 2 in fine.

- da invalidade do título executivo, por violação do artº 46 nº 1 b) do C.P.C., por não se estar perante uma obrigação determinável por simples cálculo aritmético;

- da nulidade da fiança por indeterminabilidade do seu objecto;

- dos efeitos da dação em pagamento do imóvel hipotecado na obrigação do fiador;

III. Fundamentos de Facto

Tendo em conta o disposto no artº 713 nº 6 do C.P.C. e não tendo sido impugnada a matéria de facto, nem havendo lugar a qualquer alteração, remete-se para os termos da decisão da 1ª instância, que considerou provados os seguintes factos:

1) Por escritura pública de “compra e venda e empréstimo com hipoteca e fiança”, celebrada no dia 23 de Novembro de 2004, o banco exequente concedeu aos executados J (…) e A (…) um empréstimo no montante de € 52.500,00, para aquisição da fracção autónoma designada pela letra I, correspondente ao 2º andar frente, para habitação, com garagem na cave, do prédio urbano sito na Avenida ..., lote um, ..., freguesia e concelho de Marinha Grande, inscrito na matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial de € 20.729,25, descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande sob o nº ..., quantia da qual aqueles se confessaram devedores, e que naquele acto declararam receber do banco (doc. fls. 6 a 16);

2) Mais declararam, os referidos J (…) e A (…), na mencionada escritura, que o referido empréstimo será liquidado em 30 anos, em 360 prestações mensais constantes sucessivas de capital e juros, sendo a taxa de juro inicial de 3,85%, correspondente à taxa anual efectiva de 3,92%, que a taxa válida para efeitos de registo predial é a efectiva, e que a taxa de juro aplicável ao empréstimo será revista com periodicidade semestral e corresponderá à Euribor de referência, acrescida de 1,6% (mesmo doc.);

3) Declararam ainda, na mencionada escritura, que “em garantia do bom pagamento da importância mutuada, acrescida dos juros que forem devidos e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais que o banco mutuante tenha de fazer no caso de ir a juízo para manter e assegurar o seu crédito e acessórios, em qualquer processo e que para efeitos de registo são computadas em dois mil e cem euros, (…), por esta mesma escritura constituem hipoteca sobre a referida fracção atrás identificada, a favor do Banco E..., SA, Sociedade Aberta (…); e que os referidos empréstimo e hipoteca se regulam pelos termos constantes do documento complementar elaborado em conformidade com o nº 2 do art. 64º do Código do Notariado, que vai ficar anexo a esta escritura” (mesmo doc.);

4) Naquela escritura, declararam os executados J (…) e E (…) que “em seu nome pessoal, constituem-se fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao Banco E..., SA, em consequência do empréstimo que os mutuários contraíram junto do Banco E..., SA, e aqui titulado, com expressa renúncia ao benefício de excussão prévia, dando já o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juro, e bem assim, às alterações de prazo que venham a ser convencionadas entre o Banco credor e os devedores. A fiança ora constituída manter-se-á plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, de juros ou de despesas, constituída por qualquer forma, imputável aos [aí] segundos outorgantes [aqui primeiros executados]” (mesmo doc.);

5) Por escritura pública de “empréstimo com hipoteca e fiança”, celebrada no dia 23 de Novembro de 2004, o banco exequente concedeu aos executados J (…) e A (…) um empréstimo no montante de € 32.300,00, para fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente e para aquisição de equipamento para a sua residência, quantia da qual aqueles se confessaram devedores (doc. fls. 17 a 25);

6) Declararam ainda, os executados J (…) e A (…), que tal empréstimo será liquidado em 30 anos, em 360 prestações mensais constantes sucessivas de capital e juros, sendo a taxa de juro inicial de 4,35%, correspondente à taxa anual efectiva de 4,45%, que a taxa válida para efeitos de registo predial é a efectiva, e que a taxa de juro aplicável ao empréstimo será revista com periodicidade semestral e corresponderá à Euribor de referência, acrescida de 2,1% (mesmo doc.);

7) Declararam ainda, na mencionada escritura, que “em garantia do bom

pagamento da importância mutuada, acrescida dos juros que forem devidos e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais que o banco mutuante tenha de fazer no caso de ir a juízo para manter e assegurar o seu crédito e acessórios, em qualquer processo e que para efeitos de registo são computadas em mil duzentos e noventa e dois euros, por esta mesma escritura constituem hipoteca sobre a fracção [da qual são proprietários - fracção autónoma designada pela letra I, correspondente ao 2º andar frente, para habitação, com garagem na cave, do prédio urbano sito na Avenida ..., lote um, ..., freguesia e concelho de Marinha Grande, inscrito na matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial de € 20.729,25, descrito na Conservatória

do Registo Predial da Marinha Grande sob o nº ...] atrás identificada, a favor do Banco E..., SA, Sociedade Aberta (…); e que os referidos empréstimo e hipoteca se regulam pelos termos do documento complementar, anexo à escritura, elaborado em conformidade com o nº 2 do art. 64º do Código do Notariado, do qual todos os outorgantes têm conhecimento, pelo que dispensam a sua leitura” (mesmo doc.);

8) Naquela escritura, declararam os executados J (…) e E (…) que “em seu nome pessoal, constituem-se fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao Banco E..., SA, em consequência do empréstimo que os mutuários contraíram junto do Banco E..., SA, e aqui titulado, com expressa renúncia ao benefício de excussão prévia, dando já o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juro, e bem assim, às alterações de prazo que venham a ser convencionadas entre o Banco credor e os devedores. A fiança ora constituída manter-se-á plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, de juros ou de despesas, constituída por qualquer forma, imputável aos devedores” (mesmo doc.);

9) Por escrito datado de 01 de Setembro de 2010, denominado “proposta de dação em cumprimento”, os executados J (…) e A (…) propuseram ao banco exequente a aceitação “da dação em cumprimento, por não estar a conseguir suportar as prestações dos contratos em epígrafe, relativo ao imóvel hipotecado a essa instituição” (doc. fls. 26);

10) O executado Joel comunicou ao banco exequente que [os primeiros

executados] aceitavam a entrega do imóvel pelo valor de € 72.500,00, informando que não tinham capacidade financeira para liquidação integral do remanescente (no valor de €6.602,82), o qual ficava a cargo dos intervenientes com as mesmas condições estabelecidas contratualmente no empréstimo (doc. fls. 27);

11) No dia 26 de Outubro de 2010, os executados J (…) e A (…) (na qualidade de primeiros outorgantes) celebraram com o banco exequente (que aí interveio como segunda outorgante) a denominada escritura de “dação em cumprimento e renúncia”, com o seguinte teor:

“Pelos primeiros outorgantes foi dito:

Que são proprietários da fracção autónoma designada pela letra I, segundo andar frente para habitação, com garagem na cave, com o valor patrimonial tributário de € 42.931,75, do prédio urbano sito em ..., Avenida ..., lote nº 1, freguesia e concelho de Marinha Grande, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Marinha Grande sob o nº .../Marinha Grande, afecto ao regime de propriedade horizontal pela Ap. 12 de 17/11/1998, fracção registada definitivamente a seu favor, ainda no estado de casados, pela p. 16 de 12/11/2004.

Sobre a referida fracção incidem duas hipotecas a favor do “Banco E... SA” registadas pelas AP. 17 e 18 de 12/11/2004, adiante renunciadas.

Que têm perante o Banco E... SA uma dívida, vencida e não paga, de capital e juros, proveniente de dois empréstimos, que nesta data ascende a € 79.102,82, da qual os mesmos são solidariamente devedores ao referido Banco.

Que, por nisso terem acordado, para pagamento de parte da citada dívida, no montante de € 72.500,00, valor que atribuem à referida fracção, os primeiros dão ao Banco a fracção atrás identificada, que se obrigam a entregar de imediato, livre de ónus ou encargos, desocupada de pessoas e bens, constituindo esta escritura título executivo para o efeito, nos termos da al. b) do nº 1 do artigo 46º do Código de Processo Civil.

Que, em consequência da transmissão do direito de propriedade aqui concretizada, do qual o Banco passa a ser o único titular, em toda a sua plenitude e sem quaisquer restrições, os primeiros outorgantes abstêm-se, a partir desta data, da prática de quaisquer actos sobre o bem transmitido e demitem-se de todo o domínio, posse e fruição que tenham sobre a referida fracção autónoma, mantendo-se da sua responsabilidade todas as contribuições, despesas e encargos relacionados com a mesma até à presente data.

Que por força do pagamento parcial da dívida decorrente da dação aqui titulada, os primeiros outorgantes continuam devedores do remanescente no montante de € 6.602,82, mantendo-se quanto a este, em seu inteiro e pleno vigor, todas as cláusulas e condições do documento complementar do contrato de mútuo titulado por escritura de vinte e três de Novembro de 2004 (…).

Disse a segunda outorgante, que para pagamento parcial da indicada dívida no valor de € 72.500,00 (…) aceita (…) a identificada fracção autónoma e, em nome dele, dá quitação quanto à parte cujo pagamento através da presente dação aqui aceita.

Que, também através desta escritura, renuncia (…) às referidas hipotecas, para todos os efeitos legais, autorizando, consequentemente, o respectivo cancelamento, uma vez que o credor hipotecário passou a ser o proprietário do imóvel (…) (doc. Fls. 28 a 33);

12) Por cartas datadas de 06 de Julho de 2011, o banco exequente comunicou aos executados que “o contrato CH-Regime Geral [de que são titulares os primeiros executados e fiadores os segundos executados] encontrava-se em fase de contencioso, por falta de pagamento, tendo sido denunciado com a consequente execução das garantias associadas ao crédito em crise, e que de acordo com as cláusulas gerais era agora exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo este o montante dos valores em atraso e o montante do capital em dívida até ao final do prazo do contrato, acrescido das despesas extrajudiciais incorridas (docs. fls. 34 a 38).

IV. Razões de Direito

- da invalidade do título executivo, por violação do artº 46 nº 1 b) do C.P.C., por não se estar perante uma obrigação determinável por simples cálculo aritmético.

O artº 46 nº 1 elenca as espécies de título executivo, prevendo na sua alínea b) que à execução podem servir de base os documentos exarados ou autenticados por notário ou serviço com competência para a prática de actos de registo que importem a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.

É no âmbito desta alínea que se insere o título executivo dado à execução pelo Banco E..., S.A. e que é constituído pelas escrituras públicas de compra e venda e empréstimo com hipoteca e fiança.

Na verdade, a alínea c) do nº 1 do artº 46 faz a exigência de que o montante da obrigação seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, mas apenas para os casos em que o título executivo é constituído por um documento particular, assinado pelo devedor, que importe a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniários.

Referem os Recorrentes que não há qualquer razão para distinguir os documentos da alínea b) com os da alínea c). Mas o que é facto é que a lei os distingue de forma expressa.

É que o legislador faz de facto uma nítida distinção entre os documentos autênticos e autenticados, previstos na alínea b) e os documentos particulares previstos na alínea c), exigindo para estes requisitos mais apertados, o que se compreende pelo facto de nestes últimos não haver a intervenção de entidade pública ou equiparada, como o notário ou serviço com competência para a prática de actos de registo, o que implica naturalmente uma garantia de segurança jurídica acrescida, relativamente aos documentos por eles exarados ou autenticados, relativamente aos documentos particulares. Pela entidade que neles intervêm, há uma indicação de fé pública e de segurança mínima, acrescida, quanto à constituição ou reconhecimento da obrigação que se pretende executar.

Por outro lado, o artº 50 do C.P.C. quando dispõe da exequibilidade dos documentos exarados ou autenticados por notário, estabelece que: “Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes.”

Verifica-se assim que os Recorrentes confundem os requisitos legais de títulos executivos diferentes, ao chamar os requisitos dos títulos executivos que são constituídos por documento particular, para os títulos executivos que constituem os documentos exarados por notário, como é o caso do presente.

Não têm por isso razão quando põem em causa a validade do título dado à execução, que constitui uma escritura pública, pelo facto de não estar em causa obrigação cujo montante seja determinável por simples cálculo aritmético, por tal não ser exigência do artº 46 nº 1 b) onde se inserem a categoria de documentos em questão.

- da nulidade da fiança por indeterminabilidade do seu objecto

Alegam os recorrentes que as obrigações afiançadas não são concretizadas, pelo que a fiança é nula, de acordo com o disposto no artº 280 nº 1 do C.Civil e não é determinável por simples cálculo aritmético.

Diz-nos esta norma que é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.

Não estando e causa as duas primeiras hipóteses, põe-se então a questão de saber se à data em que foi prestada a fiança, seu objecto era determinável ou concretizável.

A questão da indeterminabilidade do objecto na fiança, tem-se posto com mais aquidade, relativamente às obrigações futuras à data da prestação da mesma, como é o caso do fiador garantir as obrigações já constituídas e as que se venham a constituir… e tem-se generalizado no comércio bancário, essencialmente através da abertura de linhas de crédito. É essencialmente quanto a estas que se tem posto a questão da sua determinabilidade à luz do artº 280 nº 1 do C.Civil.

Em primeiro lugar importa referir que, no caso em presença, a obrigação garantida através da fiança prestada não se reportou a uma coisa futura, mas antes a um crédito presente constituído à data da prestação da fiança, e resultante dos contratos de mútuo celebrados entre os devedores e o Banco, tendo no contrato ficado determinado o seu valor, condições de pagamento, taxas de juro aplicáveis, etc.

Por outro lado, o artº 280 nº 1 fala de objecto indeterminável, o que é diferente de indeterminado. A prestação será indeterminável se não existir ou não tiver sido fixado um critério para proceder à sua determinação, sendo nesse caso nula. A sua determinabilidade resulta de, no momento da sua constituição, se saber os critérios que vão proceder à sua determinação- é o que acontece com as obrigações genéricas, previstas no artº 539 do C.Civil..

A determinabilidade da fiança consiste na possibilidade do devedor configurar o montante e a medida do seu compromisso, que corresponde à obrigação do devedor principal, devendo conhecer os critérios indispensáveis à delimitação do seu compromisso, sendo que, no caso de obrigação futura, o seu conteúdo tem de ser previsível, no momento em que a fiança é prestada. Não tem, no entanto, de resultar de simples cálculo aritmético, conforme pretendem os recorrentes, o que não tem aliás qualquer suporte legal.

O artº 400 do C.Civil, com a epígrafe “determinação da prestação”, não se opõe ao artº 280 do C.Civil, antes com ele deve ser conjugado. Conforme referem Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, in. Garantias de cumprimento, 4ª ed., a pág. 95: “Nada obsta a que, tendo o objecto do negócio jurídico ficado indeterminado, o tribunal proceda à determinação da prestação, nos termos do artº 400 do C.Civil, desde que as partes lhe tenham dado algum critério objectivo; na falta de tal critério, tendo em conta o artº 280 nº 1 do C.Civil, deverá o tribunal declarar a nulidade do negócio jurídico.”

Passando ao caso concreto, e pegando nas questões apontadas pelos Recorrentes, verifica-se que, quando da prestação a fiança, foi estabelecido pelas partes: “a manutenção da fiança enquanto subsistir qualquer dívida de capital de juros e despesas”, “por tudo o que venha a ser devido ao E...”, e “qualquer dívida imputável aos devedores”.

Importa, contudo não esquecer que todas estas expressões têm apenas o alcance e o limite dos contratos de mútuo, dos quais a fiança é acessória e que se encontravam na altura perfeitamente determinados no seu valor, fixados os prazos de pagamento e programa de prestações e estabelecidos critérios de determinação dos juros, encargos e despesas que viessem a ser devidos por força de tais contratos. A determinação do objecto da fiança faz-se aqui, como que por remissão, por força da sua acessoriedade relativamente à obrigação principal, pelos valores e limites desta, perfeitamente expressos no contrato celebrado.

Em face do exposto, os Recorrentes fiadores não têm razão quando invocam a nulidade da fiança, por o seu objecto ser perfeitamente determinável por remissão para a obrigação principal constituída simultaneamente, com os seus critérios de determinação e cumprimento fixados no próprio contrato.

Não pode deixar de concluir-se que na ocasião da prestação da fiança os fiadores sabiam os limites da obrigação que assumiam, que eram determináveis, não tendo aliás, anteriormente posto em causa a fiança prestada, dando o seu acordo a modificações das taxas de juro e alterações de prazo que venham a ser acordadas entre o Banco credor e os devedores.

- dos efeitos da dação em pagamento do imóvel hipotecado na obrigação do fiador

Referem também os Recorrentes que o título executivo não é já o título base com que se obrigaram, por não terem tido intervenção no negócio posteriormente efectuado entre os mutuários e o Banco, no âmbito do qual o imóvel hipotecado foi entregue ao Banco e do qual resultou a dívida de que o Banco pretende agora o ressarcimento.

A primeira questão que se põe é então a de saber se a obrigação, resultante dos contratos de empréstimo com hipoteca e fiança, se extinguiu com a entrega do imóvel ao Banco, nascendo nova obrigação no seu lugar, da qual os Recorrentes não podem ser fiadores, por não terem tido qualquer intervenção ou conhecimento de tal negócio.

Verifica-se, conforme resultou provado, que a dada altura, os mutuários deixaram de pagar ao Banco credor as prestações com que se obrigaram, tendo proposto ao Banco a dação em cumprimento, com o imóvel hipotecado, por não estarem a conseguir suportar as prestações dos contratos de mútuo em questão.

A dação em cumprimento é uma forma de extinção da obrigação e vem regulada nos artº 837 ss. do C.Civil, verificando-se quando o credor e o devedor acordam na prestação de uma coisa diversa da que é devida, como forma de extinguir a obrigação.

O cumprimento da obrigação pode ser total ou parcial, sendo que, em regra, de acordo com o disposto no artº 763 do C.Civil a prestação deve ser realizada integralmente, a menos que as partes convencionem outra coisa, ou que tal seja imposto pela lei ou pelos costumes.

No caso em presença, os factos revelam-nos, através do documento que constitui a escritura de dação em cumprimento e renúncia, junto aos autos, que os mutuários e o Banco mutuante acordaram na entrega do imóvel como forma de pagamento de uma parte da dívida resultantes dos contratos de mútuo, já que aí referem a existência de “uma dívida, vencida e não paga, de capital e juros, proveniente de dois empréstimos, que nesta data ascende a € 79.102,82, da qual os mesmos são solidariamente devedores ao referido Banco” e “que, por nisso terem acordado, para pagamento de parte da citada dívida, no montante de € 72.500,00, valor que atribuem à referida fracção, os primeiros dão ao Banco a fracção atrás identificada…” Mais aí acrescentam: ”Que por força do pagamento parcial da dívida decorrente da dação aqui titulada, os primeiros outorgantes continuam devedores do remanescente no montante de € 6.602,82, mantendo-se quanto a este, em seu inteiro e pleno vigor, todas as cláusulas e condições do documento complementar do contrato de mútuo titulado por escritura de vinte e três de Novembro de 2004 (…).

Em face deste acordo, forçoso se torna concluir que as partes não quiseram extinguir a obrigação anterior na totalidade, criando uma nova em seu lugar; pelo contrário, do texto resulta claro que a vontade das partes se dirigiu à manutenção da obrigação inicial, em tudo, excepto no seu valor, que as partes consideram liquidado parcialmente, no montante de € 72.500,00.

Aliás, para que houvesse novação, ou seja, extinção da anterior obrigação com a criação de uma nova em seu lugar, conforme pretendem os Recorrentes, a vontade das partes teria que ser expressa nesse sentido, de acordo com o regime de tal instituto, regulado nos artº 857 ss. do C.Civil, já que, segundo o artº 859 do C.Civil, para haver novação, a vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga tem de ser expressamente manifestada.

Diz-nos Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, II Vol., 2ª ed., pág. 197, que a primeira questão a examinar respeita à existência e prova do seu elemento fundamental que é a vontade de extinguir a obrigação e de constituir, em lugar dela, uma outra, devendo as partes manifestar directamente a vontade de substituir a antiga obrigação pela criação de uma outra em seu lugar.

Ora, no caso em presença, a vontade de extinguir a anterior obrigação com a criação de uma nova que a substitui não resulta minimamente do documento que titula o acordo das partes, ou de outro elemento trazido aos autos; pelo contrário, os factos provados revelam que as partes quiseram antes proceder apenas à liquidação parcial da dívida anterior, com a entrega do imóvel, mantendo-se a anterior obrigação por liquidar numa parte.

Por isso, os Recorrentes não têm razão quando dizem que está em causa uma dívida resultante de um novo contrato, no qual não foram chamados a participar, nem dele tiveram conhecimento. A dívida reclamada na execução é a que resulta do contrato de empréstimo celebrado e no qual os Recorrentes participaram enquanto fiadores, já que não está em causa que os Recorrentes tiveram intervenção, enquanto fiadores, nas escrituras públicas de “compra e venda e empréstimo com hipoteca e fiança”, celebradas no dia 23 de Novembro de 2004.

Poderá contudo, pôr-se a questão de saber se o objecto da fiança foi alterado, sem intervenção dos fiadores, na medida em que quando a fiança foi prestada os mesmos sabiam que o crédito do Banco mutuante tinha uma garantia real adicional, que era a hipoteca constituída sobre o imóvel, tendo sido a mesma levantada sem o seu consentimento, referindo também que teriam o direito a participar na avaliação do bem que foi dado em pagamento.

Alegam os recorrentes que os fiadores não podem ser surpreendidos com obrigações com que razoavelmente não podiam contar, não lhes tendo sido comunicada a dação do imóvel e os termos da mesma, nomeadamente quanto ao valor que é atribuído àquele; referem que tinham a garantia da hipoteca, que perderam.

Vejamos se assim é.

Os Recorrentes fiadores declararam, conforme documentos juntos à execução que: “em seu nome pessoal, constituem-se fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao Banco E..., SA, em consequência do empréstimo que os mutuários contraíram junto do Banco E..., SA, e aqui titulado, com expressa renúncia ao benefício de excussão prévia, dando já o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juro, e bem assim, às alterações de prazo que venham a ser convencionadas entre o Banco credor e os devedores. A fiança ora constituída manter-se-á plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, de juros ou de despesas, constituída por qualquer forma, imputável aos [aí] segundos outorgantes [aqui primeiros executados]”.

A fiança é uma garantia pessoal, cujo regime vem regulado nos artº 627 ss. do C.Civil, que determina que haja um segundo património, que é o do terceiro, fiador, que vai, cumulativamente com o património do devedor, responder pelo pagamento da dívida. Há uma responsabilidade pessoal do fiador pelo cumprimento de um dívida alheia.

Dizem-nos Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, na obra já citada a pág. 83, que: “As características da fiança são duas: uma imprescindível, que faz parte da sua própria natureza, e a outra que poderá ser afastada.”

A primeira dessas características é a acessoriedade (artº 627 nº 2 do C.Civil) (…) a segunda é a da subsidiariedade, referida na lei através do benefício da excussão (artº 638 C.Civil).”

A acessoriedade da fiança relativamente à dívida principal, representa a sua subordinação a esta e não pode ser afastada pela partes, fazendo parte da essência deste instituto. Já a subsidiariedade, determina que o fiador só responde pelo pagamento da obrigação se e quando o património do devedor for insuficiente para saldar a obrigação por si contraída. Esta característica da fiança pode ser afastada por vontade das partes, apresentando-se nesse caso o fiador, ao lado do devedor, como principal pagador; tornam-se responsáveis solidários pelo pagamento da dívida, que pode ser exigida pelo credor, na totalidade, a um ou a outro.

Ora, foi isto que foi acordado entre os Recorrentes fiadores e o Banco, na medida em que aqueles expressamente se assumem como principais pagadores e renunciam ao benefício de excussão. Nesta medida, a fiança dos Recorrentes não pode ser considerada subsidiária relativamente à obrigação principal, conforme os mesmos pretendem, sendo antes solidária.

Ao fiador não lhe é permitido intervir na definição da obrigação principal que garante, reportando-se esta ao relacionamento entre o credor e o devedor, sendo a sua obrigação acessória daquela, conforme já se viu e melhor decorre dos artº 627 nº 2, 631 nº 2, 632 nº 1 e 634 do C.Civil.

Por outro lado, não podem os Recorrentes fiadores, em face do teor da obrigação por si assumida com o Banco, falar da “garantia da hipoteca que perderam”. É que, a garantia correspondente à hipoteca do imóvel, é naturalmente do Banco e não dos fiadores e era a favor do Banco que se encontrava registada.

É certo que, como já se referiu, no regime da fiança, há a possibilidade dos fiadores, de acordo com o artº 639 nº 1 do C.Civil, exigir a execução prévia das coisas sobre as quais recai garantia real, se esta for contemporânea da fiança ou anterior a ela. É certo também que, como regra, o fiador pode também recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor, de acordo com o disposto no artº 638 nº 1 do Civil. Acontece porém que, no caso em presença, nem uma coisa, nem outra os Recorrentes estavam legitimados a fazer, uma vez que renunciaram ao benefício de excussão e assumiram a obrigação de principais pagadores, sendo por isso excluídos os benefícios referidos, tendo em conta o estabelecido no artº 640 a) do C. Civil, afastando com isso a subsidiariedade da fiança.

Não podem por isso os Recorrentes dizer que, antes de responderem com o seu património, respondia o bem hipotecado, já que de tal abdicaram quando da prestação da fiança ao renunciar ao benefício de excussão e acordando em responder como principais pagadores.

Em face do exposto, resulta, por um lado, que os fiadores não tinham que ser chamados a participar do acordo que se reporta à dação em cumprimento do imóvel, não podendo aliás obstar à sua realização (na medida em que traduz um acordo de vontade de ambas as partes- credor e devedores- nomeadamente quanto à avaliação do imóvel) e por outro lado, atento o âmbito da fiança prestada e considerando que renunciaram ao benefício de excussão prévia e se assumiram como principais pagadores, nunca poderiam estar “estribados” na existência da hipoteca sobre o imóvel, por dela não se poderem fazer valer, tendo afastado o principio da subsidiariedade da fiança.

Não pode por isso concluir-se que os Recorrentes fiadores, de alguma forma, viram afectada a sua obrigação de forma prejudicial pelo acordo em questão, vendo goradas as expectativas que tinham quando da realização do contrato; pelo contrário, na medida em que com a dação em cumprimento do imóvel se extinguiu parte da dívida, os mesmos vêm assim o âmbito da fiança que prestaram e consequentemente a sua obrigação reduzida em face do valor inicial que afiançaram e que poderiam sempre ter sido chamados a pagar na totalidade.

Vêm ainda os Recorrentes referir que a dação é nula, nos termos do artº 282 do C.Civil, relativo aos negócios usurários, na medida em que o Banco se aproveitou da fraqueza dos devedores e beneficiou de vantagem excessiva, ao avaliar o imóvel em € 72.500,00 não considerando extinta a obrigação depois da dívida estar a ser amortizada durante quatro anos.

O artº 282 nº 1 do C.Civil dispõe que: “É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de caracter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados”.

A anulabilidadde tal negócio apenas podia ser invocada pelos contraentes mutuários, nos termos do disposto no artº 287 nº 1 do C.Civil, por serem as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, ou seja, na perspectiva do artº 282 são os devedores a quem é explorada a situação de necessidade, inexperiência, dependência ou fraqueza.

Ora, no caso em presença, os próprios devedores não levantam qualquer questão relativamente ao negócio efectuado com o Banco, nunca pondo em causa a sua vontade em contratar, nem referindo que tal vontade não foi livre e esclarecida, ou que foi explorada a sua situação de necessidade, inexperiência ou dependência. A proposta da dação partiu aliás dos devedores, que chegaram a um acordo com o Banco sobre o valor a atribuir ao imóvel, entregando-o para extinção parcial da sua dívida.

Assim, já se vê que os Recorrentes não têm legitimidade para pôr em causa a dação efectuada, nos termos em que o fazem, não sendo titulares de tal relação jurídica que os contratantes não põem em questão, e além do mais não são por ela prejudicados.

            V. Sumário:

            1. Sendo o título executivo uma escritura pública, que se insere no âmbito do artº 46 nº 1 b) do C.P.C. não é exigível que a obrigação que dele decorre seja determinável por simples cálculo aritmético, por oposição ao documento particular.

2. Não é nula a fiança, por não ser indeterminável o seu objecto, quando a determinação do mesmo se faz com referência à obrigação resultante do contrato de mútuo contemporâneo, que constitui a obrigação principal de que é acessória, pelos valores e limites daquela, concretizados e expressos no contrato celebrado.

3. Os fiadores que renunciam ao benefício de excussão e se assumem como principais pagadores, afastam o princípio da subsidiariedade da fiança o que impede que possam criar expectivas legítimas e defensáveis, na manutenção da hipoteca sobre o imóvel, por dela não se poderem fazer valer, por força do regime previsto no artº 640 do C.Civil.

VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelos Opoentes J (…) e E (…), mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

Notifique.

                                                           *

                                                

                                               Maria Inês Moura (relatora)

                                               Luís Cravo (1º adjunto)

                                               Maria José Guerra (2º adjunto)