Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1220/06.0TBTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 03/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1154.º, 1156.º, 1158.º, N.º 2, PARTE FINAL E 1167.º, ALÍN. B); 1211.º, N.º 1 E 883.º, N.º 1: 342.º E 787.º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. A empreitada circunscreve-se a coisas corpóreas, desde logo porque o direito de fiscalização que lhe é inerente não se coaduna com a realização de obras intelectuais, o mesmo acontecendo quanto ao direito de eliminação dos defeitos; a prestação de serviços limita-se a coisas incorpóreas.

2. Ora, o contrato de elaboração de um projecto de arquitectura, tendo como prestação típica um resultado ou produto de criação intelectual, essencialmente técnico, embora objectivado num documento e com a tutela da protecção dos direitos de autor é, não um contrato de empreitada, mas um contrato inominado de prestação de serviços, regulado, no que ao caso importa, pelos artigos 1154.º, 1156.º, 1158.º, n.º 2, parte final e 1167.º, alín. b), do CC, mormente quanto ao pagamento da retribuição, a determinar em último caso com recurso a juízos de equidade (tal como ocorre também na empreitada – artigos 1211.º, n.º 1 e 883.º, n.º 1 do CC).

3. Cabe ao prestador do serviço provar que o prestou e à outra parte que pagou a retribuição pelo serviço prestado. Provada a prestação de serviço, cabe ao outro contraente fazer a prova de que pagou a retribuição ou que não era devida.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            1. Relatório

A....” deduziu no 1.º Juízo Cível de Tomar injunção contra B....e C.... -  vindo posteriormente (quando o processo passou à forma comum) a ser chamado e intervir, do lado passivo, D...– pedindo a sua condenação no pagamento da importância de € 4.291,02, com fundamento em que, a pedido dos requeridos, elaborou um projecto de licenciamento para uma moradia bifamiliar e cujo pagamento do preço, constante de uma factura junta, não efectuaram.

Ao pedido deduziram os dois primeiros requeridos oposição, excepcionando as nulidades processuais decorrentes da ineptidão do requerimento inicial, por falta de indicação de causa de pedir e erro na forma de processo e impugnado a demais matéria, indicando o chamado C...como o responsável pela encomenda do projecto, que pagou parcialmente, faltando-lhe apenas liquidar a quantia de € 1.246,99.

Os autos prosseguiram, depois, como processo comum, sumário e apresentação de nova petição inicial, a que se seguiu a contestação, onde foi impugnada a factualidade em termos idênticos aos da anterior oposição, a que acresceu o pedido de condenação por litigância de má fé.

Os AA. requereram a intervenção principal provocada do referido chamado D... e formularam pedido de condenação por litigância de má fé dos RR. em multa e indemnização correspondente às taxas de justiça pelo incidente.

Os RR. B....e C....opuseram-se ao pedido de intervenção por alegadamente a causa o não admitir.

O chamado foi admitido a intervir e apresentou contestação por impugnação, fundamentalmente negando a dívida, já que a A. não elaborou o projecto no prazo acordado, nem o fez aprovar na respectiva Câmara Municipal e pedindo a devolução da importância de € 1.745,79 que, entretanto, lhe pagou e a sua condenação na indemnização de € 500,00 e despesas do processo a título de litigância de má fé.

Julgada procedente a incompetência territorial do tribunal, transitou o processo para o 5.º Juízo Cível de Leiria.

Elaborado o despacho saneador e seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória, não houve reclamação.

Efectuado o julgamento, foi respondida a matéria de facto provada e não provada, igualmente sem reclamação.

Proferida sentença, foi a acção julgada totalmente procedente e os RR. e interveniente condenados a pagar à A. a quantia de € 4.058,30, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde 31.1.06 até integral pagamento.

Interposto recurso pelos RR., apresentaram alegações com conclusões que utilmente se podem resumir nas seguintes:

a) – O tribunal a quo apenas deu como provados os factos alegados pela A., nomeadamente os factos 1.º a 9.º da base instrutória;

b) – Se se atentar nos depoimentos de parte dos RR. e nos depoimentos das testemunhas indicadas pelos RR. verifica-se que a decisão deveria ser outra;

c) – Analisados os depoimentos dessas testemunhas deveria o tribunal a quo ter dado como provados os factos alegados pelos RR., nomeadamente quanto ao preço acordado, de maneira alguma podendo o tribunal condenar apenas com base numa factura;

d) – Da matéria dada como provada não se vislumbra provado o que consta da sentença, pois o que se deu como provado foi que a A. elaborou um projecto para os RR. e não que os RR. não cumpriram o contrato, nomeadamente a entrega do preço;

e) – Não basta juntar uma factura para, só por si, se provar que existe um incumprimento;

f) – A factura não somente não integra o contrato, como o não substitui ou prova e não é manifestamente a mera referência nela contida que indica o facto jurídico de que nasceu o direito de crédito;

g) – O tribunal a quo limitou-se a dar como provada a matéria alegada pela A. sem perceber se na realidade existiu uma relação contratual entre as partes e, a existir, quais os termos em que foi fixada;

h) – A sentença recorrida não procedeu a uma correcta interpretação dos elementos constantes dos autos, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como efectuou uma incorrecta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto, sofrendo de nulidade, por violação do disposto nas alíns. c) e d) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC;

i) – O Juiz a quo limitou-se a proferir uma sentença “economicista”, sem ter em conta a prova produzida, os elementos constantes do processo e a matéria dada como provada.

j) – A sentença violou os art.ºs 158.º, alíns. b), c), e d) do art.º 668.º e 712.º do CPC e art.ºs 13.º, 20.º, 202.º, 204.º e 205.º, da CRP.

A recorrida contra-alegou a pugnar pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questões a apreciar:

a) – Nulidades da sentença das alíns. b), c) e d) do art.º 668.º do CPC;

b) – Impugnação da matéria de facto; 

c) – Reapreciação do mérito da causa.


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            2. Fundamentos

2.1 De facto

Foi a seguinte a factualidade dada como provada pelo tribunal a quo:

a) – A A. elaborou um documento datado de 30.1.06, sob “factura n.º 427”, dirigido a B.... e do qual constam os seguintes dizeres: “elaboração do projecto de licenciamento de uma moradia bifamiliar em ...., freguesia de ...., concelho de ....” e a importância de “€ 3.354,00”, “IVA 21%, € 704,30”, “Total € 4.058,30”;

b) – No exercício da sua actividade a A. foi contactada pelos 1.º e 3.º R para que aquela elaborasse um projecto de licenciamento de uma moradia bifamiliar, em ...., freguesia de ...., ....;

c) – A A. executou tal projecto;

d) – E o projecto foi apresentado e aprovado pela Câmara Municipal de ....;

e) – A quantia referida em a) está por pagar;

f) – Derivado à aprovação do projecto, o terreno dos RR. ficou valorizado;

g) – Os RR. entregaram à A. a importância de 350 000$00 por conta do projecto.

h) – Está também provado, por confissão dos RR., que o pagamento da importância de 350 000$00 ocorreu no decurso da elaboração do projecto.


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            2.2. De direito

Como é sabido, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o seu objecto, não podendo ser apreciada matéria diversa da aí não contida, salvo se de conhecimento oficioso (art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do CPC na redacção aplicável, anterior à reforma do DL n.º 303/07 de 24.8).

a) - Antes de mais, importa averiguar se a sentença recorrida padece das nulidades que os apelantes lhe opõem, ou seja, a nulidade das alín.s b), c) e d) do art.º 668.º do CPC.

Quanto à 1.ª, da falta de fundamentação, é certo que a sentença não é uma peça doutrinária ou jurisprudencialmente modelar.

Todavia, especifica os pertinentes fundamentos de facto e, de forma suficiente, ainda que concisa e a necessitar de alguma correcção, a fundamentação de direito.

Daí que não sofra do vício imputado.

A 2.ª, respeita à oposição dos fundamentos com a decisão e reconduz-se, como é sabido, ao vício lógico no raciocínio do julgador, em que, no silogismo judiciário, as premissas de facto e de direito apontam num sentido e a decisão segue noutro, oposto ou diferente.

Ora, nada disto se verifica no caso em apreço.

Elencaram-se os factos que se reportaram a um incumprimento contratual e condenou-se em conformidade.

Onde está a oposição?

A 3.ª, reporta-se à omissão ou excesso de pronúncia, deixando os recorrentes no tinteiro quais as questões que a sentença não apreciou ou apreciou as que não devia.

Indeferem-se, pois, as nulidades.

Deslocadas são também as inconstitucionalidades aventadas seja a violação do princípio da igualdade (art.º 13.º da CRP), ou o acesso ao direito e tutela jurisprudencial efectiva (art.º 20.º e 202.º da CRP), indeferindo-se com a mesma simplicidade com que foram arguidas.


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b) – Tal como enunciado, outra das questões tem a ver com a reapreciação da matéria de facto.

Refere o preâmbulo do DL n.º 39/95 de 15.2, a propósito do duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, que “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.

A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.

Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do art.º 712.º) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1.ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.

Daí que se estabeleça, no art.º 690.º-A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, impunham diversa decisão sobre a matéria de facto”.

“Por outro lado (…), o objecto do 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova (que, aliás, embora em menor grau, sempre ocorreria, mesmo com a gravação em vídeo da audiência)”.

O carácter genérico e abstracto com que os recorrentes enformam as alegações e conclusões do recurso, resumidamente traduzidos no lamento de que o tribunal a quo apenas deu como provados os factos alegados pela A., nomeadamente os factos dos art.ºs 1.º a 9.º da base instrutória (b. i.) e que, se atentarmos nos depoimentos de parte dos RR. e das testemunhas por eles indicadas, a decisão deveria ser outra (qual?), quase roça a rejeição, por não cumprimento dos ónus impostos pelas alín.s a) e b) do referido art.º 690.º-A.

O que com alguma concretização os recorrentes aduziram para ser reapreciado tem a ver com a matéria vertida na b. i. e extraída dos articulados dos RR. (“factos alegados pelos RR.”) e incorrectamente julgados por confronto com os depoimentos das testemunhas, concretamente indicadas, E.... e F....que transcreveram e cuja gravação, ouvida, coincide, como não poderia deixar de ser, com a transcrição.

E, tal matéria, é a vertida nos quesitos 8.º a 18.º, em especial a do quesito 13.º quanto ao preço dos serviços contratados.

Os recorrentes quando se insurgem que o tribunal a quo só deu como provada a matéria alegada pela A. e constante dos art.ºs 1.º a 9.º incorrem em lapso. A matéria do quesito 8.º fora extraída do art.º 19.º da contestação dos RR. e, a do 9.º, do art.º 3.º da contestação do R. interveniente.

E, depois, e com base na confissão da A. deu como provados os quesitos 14.º e 15.º resultantes de matéria alegada pelos RR.

Antes de avançarmos, um reparo.

- Os recorrentes, com vista a genericamente inflectirem o sentido da decisão transcreveram os depoimentos de parte dos RR. B.... e D....

Não tendo reportado tais depoimentos a concretos pontos de facto passíveis de julgamento incorrecto, sempre a sua transcrição perde relevância pelo seguinte:

- O depoimento de parte, enquanto meio de prova, está circunscrito à confissão (é a isso que se destina) e o que releva não é o depoimento gravado, mas o escrito, em assentada, que é o que traduz a confissão e tem o controle das partes, que podem reclamar da redacção confessória (art.º 563.º do CPC).

Face ao auto de fls. 250 a 252 foi, pois, inglória a transcrição – que não foi indicada para impugnar qualquer quesito concreto, antes não concordância geral com a decisão final.

Mas, voltando ao que interessa, será que os quesitos de não provado dos pontos de facto 10.º a 13.º e 16.º a 18.º, que é o que os RR. pretendem impugnar, com base nos depoimentos daquelas testemunhas, foram incorrectamente julgados?

- Quanto à resposta negativa dos 10.º e 11.º, ou seja, quanto à eventual obrigação de o projecto ser entregue na Câmara Municipal de .... no prazo de 6 meses e que seria por esta aprovado, o R. B....(fls. 250) referiu ser o prazo de 4 meses, o R. D... 8 meses (fls. b252) e a A., não se comprometeu com prazos, falou em 1 ano, 2 ou mais, desde logo por não ser fácil aprovar um projecto para o local em causa, dado tratar-se de uma área protegida (Albufeira de Castelo do Bode).

Sobre essa matéria nada disseram as testemunhas oferecidas pelos RR.

Conclusão: a resposta negativa era a única possível.

Quanto ao quesito 12.º, da inscrição do prédio na Conservatória de Registo Predial em nome do R. B... não podia obviamente ser respondido sem a pertinente certidão registral, que aos RR., onerados com a sua prova, incumbiria apresentar e não o fizeram.

Quanto ao quesito 13.º, ou seja, se o preço acordado foi de 600 000$00, o tribunal a quo remetendo para a resposta ao quesito 4.º que, por sua vez, remeteu para o único facto dos factos assentes, ou seja, para o valor facturado de € 4.058,30 (com IVA), fundamentou a resposta na discrepância dos depoimentos das partes e na falta de conhecimento directo das testemunhas.

Ora, voltando aos depoimentos escritos, das partes, neles se vê que o R. B....disse não saber qual o valor (sabe apenas de uma entrega, de 300 000$00, a meio do projecto), o R. D... fala em 600 000$00 (e na entrega “em determinada altura” de 350 contos), a A., através do seu gerente, fala em preço indeterminado, entre 1 100, 1 200 contos (fls. 252) e as testemunhas oferecidas pelos RR., a E...., cônjuge do R. D... (e daí o manifesto natural interesse na causa) nenhum conhecimento directo revelou (e disse) ter, apenas o que o marido lhe transmitiu, o mesmo acontecendo com a outra testemunha F...., empregado dos RR. desde há cerca de 1 ano e meio.

Daí que a resposta dada não mereça censura. Indeterminado o preço e indiscutivelmente oneroso o contrato, foi em apelo à equidade que foi considerado no montante do adiantamento de 350 000$00 e do facturado em dívida.

Quanto aos quesitos 16.º, se até Março de 2007 o R. D... nada soube sobre o andamento do projecto ou aprovação, a resposta negativa assentou no depoimento desse R., que a fls. 252 disse efectivamente “ter visto uns rascunhos e ter recebido os documentos de fls. 236 e 237 e que têm precisamente a ver com a tramitação do projecto nos serviços competentes com vista ao licenciamento.

Portanto, correcta foi a resposta.

Quanto aos quesitos 17.º e 18.º, porque prejudicada a sua resposta, face às respostas dos 10.º e 11.º (e 3.º - o projecto fora aprovado!), outra resposta não poderiam ter.

Em suma e sem mais, é manifesta improcedência da impugnação, mantendo-se a factualidade provada nos termos resultantes do julgamento de facto da 1.ª instância.


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c) – A sentença recorrida fez apelo às normas do contrato de empreitada para qualificar o acordo das partes para elaboração de um projecto de arquitectura.

Não será assim.

No contrato de empreitada, enquanto modalidade do contrato de prestação de serviços (art.º 1155.º do CC), uma das partes obriga-se em relação à outra a realizar certa obra mediante um preço (art.º 1207.º do CC).

No contrato de prestação de serviços uma das partes obriga-se a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual (art.º 1154.º do CC).

A diferença?

- A empreitada circunscreve-se a coisas corpóreas, desde logo porque o direito de fiscalização que lhe é inerente não se coaduna com a realização de obras intelectuais, o mesmo acontecendo quanto ao direito de eliminação dos defeitos, a prestação de serviços limita-se a coisas incorpóreas.[1]

Ora, o contrato de elaboração de um projecto de arquitectura, tendo como prestação típica um resultado ou produto de criação intelectual, essencialmente técnico, embora objectivado num documento e com a tutela da protecção dos direitos de autor[2] é, não um contrato de empreitada, mas um contrato inominado de prestação de serviços, regulado, no que ao caso importa, pelos art.ºs 1154.º, 1156.º, 1158.º, n.º 2, parte final e 1167.º, alín. b), do CC, mormente quanto ao pagamento da retribuição, a determinar em último caso com recurso a juízos de equidade (tal como ocorre também na empreitada – art.ºs 1211.º, n.º 1 e 883.º, n.º 1 do CC).

Cabe ao prestador do serviço provar que prestou o serviço e à outra parte que pagou a retribuição pelo serviço prestado.

Era aos recorrentes que cabia fazer a prova de que a dívida se tinha extinguido pelo pagamento e exigir quitação do credor (art.ºs 342.º e 787.º, n.º 1, do CC).

Sendo o pagamento da retribuição uma das formas de cumprimento que extingue a obrigação, cabia, pois, aos recorrentes fazer prova de que pagaram o valor pedido ou de que não era devido.

Assim sendo, porque a factualidade apurada aponta para que a A. tenha cumprido a sua prestação ao elaborar e fazer aprovar o projecto de licenciamento da moradia na respectiva Câmara Municipal, já o mesmo não aconteceu com os RR. quanto ao pagamento integral da respectiva retribuição, com cuja determinação se concorda em apelo à equidade, estando, pois, em dívida o capital (com IVA) no montante de € 4.058,30, a que acrescem os respectivos juros de mora.

Assim decidindo, embora com fundamentação jurídica algo diversa, não merece censura a sentença recorrida, cuja condenação dos RR. se mantém nos seus precisos termos.


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            3. Decisão

Face a todo o exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida, nos referidos termos

            Custas pelos apelantes.


[1] V. para maior desenvolvimento, mormente quanto à prestação de serviços de arquitectura na doutrina estrangeira, Pedro Romano Martinez, “Direito da Obrigações (Parte Especial)”, 2.ª ed., 3.ª reimp., Almedina, pág. 327.
[2] Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo DL n.º 63/85 de 14.3, com as sucessivas alterações, em especial art.ºs 2.º, n.º 1, alín. g), 9.º, 11.º , 66.º e 68.º n.º 2 alín. l).