Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
593/10.4TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: ESTADOS-MEMBROS
EXECUÇÃO
DECISÃO
CASAMENTO
PODER PATERNAL
INDEFERIMENTO
DECISÃO PROVISÓRIA
Data do Acordão: 03/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU – 3º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: REGULAMENTO CE Nº 2201/2003, DE 27/11/2003
Sumário: I – De harmonia com o disposto no artº 28º, nº 1, do Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27/11, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, as decisões proferidas num Estado-Membro sobre o exercício da responsabilidade parental relativa a uma criança, que aí tenham força executória e que tenham sido citadas ou notificadas, são executadas noutro Estado-Membro depois de nele terem sido declaradas executórias a pedido de qualquer parte interessada.

II – Daí ser compreensível que, pedida a declaração de executoriedade da decisão proferida num Estado-Membro sobre o exercício da responsabilidade parental relativa a uma criança, ao abrigo do artº 28º, nº 1 do citado Regulamento: - o pedido só possa ser indeferido por um dos motivos previstos nos artºs 22º, 23º e 24º (artº 31º, nº 2); - a decisão não possa em caso algum ser revista quanto ao mérito (artº 31º, nº 3); - a pessoa contra a qual a execução é requerida não possa apresentar quaisquer observações, apenas podendo-o fazer no recurso da decisão relativa ao pedido de declaração de executoriedade (artº 31º, nº 1).

III – O ónus da alegação e prova dos fundamentos de recusa da declaração de executoriedade, previstos nos artºs 22º, 23º e 24º do Regulamento, cabe à parte que se lhe opõe.

IV – As decisões provisórias podem ser objecto de “exequatur”.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - A requerimento de A..., residente na Alemanha, formulado em procedimento cautelar intentado contra B..., residente em ... Portugal, a Vara de Família do Tribunal de Soest, Alemanha, no dia 13/11/2009, decidiu conferir àquela, provisoriamente, em exclusivo, o direito de guarda do filho menor de ambos, C..., determinando, também a título provisório, a privação daquele direito ao Requerido até à decisão na acção principal;

B) - A ora aludida requerente instaurou, no Tribunal de Soest, o processo principal relativamente ao qual os autos de providência cautelar onde foi proferida a decisão cuja de executoriedade se pede são dependência, não tendo sido naquele processo proferida decisão quanto ao direito de guarda do C...;

C) - No Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, em 25/02/2010, a referida A... veio formular contra B...[1], nos termos do disposto nos artºs. 8º e ss. do Regulamento CE nº 2201/2003 de 27/11/2003, pedido de declaração de executoriedade da mencionada decisão proferida pela Vara de Família do Tribunal de Soest Alemanha.

Sustentou, em síntese, que, sendo ela e o Requerido casados entre si e estando separados de facto desde 2005, são os pais do menor C..., nascido a 25/08/1998, que estava à guarda da mãe, com a qual residia na Alemanha com o conhecimento e consentimento do pai.

Contudo, no dia 17/07/2009, o Requerido foi buscar o menor à Alemanha para passar férias em Portugal e, no dia combinado para que a Requerente o viesse buscar, a 12/08/2009, o Requerido não permitiu que o menor voltasse com a mãe, impedindo-o, assim, de regressar com ela à Alemanha.

C) - Por decisão de 15/04/2010, o 3º Juízo Cível do Tribunal de Viseu, declarou “…a executoriedade da decisão proferida pela Vara de Família do Tribunal de Soest Alemanha, no dia 13-11-2009, que conferiu provisoriamente, em exclusivo, à mãe do menor, ora requerente, o direito de guarda do seu filho menor C... e determinou, a título provisório, a privação daquele direito ao pai do menor até à decisão na acção principal. ”.

E) - Notificado desta decisão, dela veio recorrer o Requerido, pedindo, embora sem fundamentação específica, a atribuição do efeito suspensivo, recurso esse que veio a ser recebido como Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

F) - Pelo 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Coimbra correu termos o processo sob o n.º 705/09.0TMCBR, instaurado pelo Ministério Público, ao abrigo da Convenção de Haia de 25/10/1980, visando o regresso à Alemanha do menor C... e a sua entrega à mãe, ora Requerente, tendo-se decidido na sentença aí proferida em 19/03/2010, entendendo-se verificada a excepção prevista no segundo parágrafo do artº 13º da dita Convenção, julgar-se improcedente a acção e não se ordenar o regresso do menor à Alemanha.

G) - Tal sentença de 19/03/2010, veio a ser confirmada, embora com fundamentação não inteiramente coincidente, por Acórdão desta Relação de 14/07/2010, que entendeu, designadamente, não se poder considerar que o menor C... tivesse a sua «residência habitual», com a mãe, na Alemanha, Acórdão esse que veio a transitar em julgado em 06/08/2010 (certidão de fls. 341 e ss.).

H) - Encontra-se pendente, no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Viseu, com o n.º 904/10.2TBVIS, processo de regulação das responsabilidades parentais, interposto pelo ora requerido, em que foi suscitada a (in)competência dos tribunais portugueses para proceder a tal regulação.

I) - O Apelante, já após a remessa dos autos a esta Relação, veio reiterar o pedido de atribuição do efeito suspensivo ao recurso, aduzindo como fundamento, esse efeito, o decidido no Acórdão de 14/7/2010 e sustentando que “A atribuição de efeito meramente devolutivo ao presente recurso poderá tornar inútil a procedência do mesmo, dado que, a execução de uma mera providência cautelar, meramente provisória pela sua própria natureza, e cuja executoriedade imediata a mãe do menor pretende fazer valer, constituirá título para que o menor seja levado para a Alemanha…”.

J) - Já nesta Relação, em decisão proferida pelo Relator em 30/07/2010 (fls. 252 a fls. 266), que não foi objecto de impugnação, decidiu-se: 

- Alterar de meramente devolutivo, para suspensivo, o efeito do recurso; 

- Suspender a instância, nos termos do art.º 35, nº 1, do Regulamento CE nº 2201/2003, de 27/11/2003, com base no entendimento de que tal preceito deveria ser interpretado extensivamente, de modo a abarcar o caso de uma decisão estrangeira que, embora não seja objecto de recurso, tenha natureza provisória.

K) – O Tribunal de Família de Soest solicitou - por intermédio da Autoridade Central Alemã, que para o efeito encaminhou esse pedido à DGRS -, ao abrigo do disposto no art.º 15º, nº 1, b) e nº 5, do Regulamento CE nº 2201/2003, que o Tribunal Judicial de Viseu, como Tribunal competente de 1ª Instância em matéria de responsabilidade parental, se declarasse competente para julgar os processos que, respeitando ao menor C..., corriam termos naquele Tribunal.

L) - O Recorrente veio requerer, a fls. 301, invocando a aludida solicitação do Tribunal Alemão, que se determinasse “a não executoriedade da decisão provisória”. Nem o Ministério Público, nem a Recorrida, se pronunciaram quanto a esse requerimento de fls. 301. 

M) – Em despacho proferido em 23/02/2011, considerou o Relator que, em face da decisão Tribunal de Família de Soest referida em K) e do entendimento que aí era expresso (fls. 286 a 296 vr.), se haviam alterado os pressupostos que escoravam a decisão de 30/07/2010, não subsistindo o circunstancialismo em que se fundara a decretada suspensão da instância, pelo que foi determinado que se inscrevesse em tabela o recurso, com prévia recolha dos “vistos” dos Exmos. Desembargadores Adjuntos.

II – A finalizar as suas alegações de recurso o Apelante apresentou as seguintes conclusões:

[…]

O Ministério Público, na resposta que ofereceu, pugnou pela confirmação da decisão recorrida, confirmação esta que, aliás, também a Requerente defendeu nas contra-alegações que apresentou.

III - Em face do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685-Aº, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)[2], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, n.º 2, “ex vi” do art.º 713º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [3]).

O objecto do recurso consiste em saber se se verifica algum dos fundamentos que o Apelante invoca como obstando à declaração de executoriedade da decisão proferida pelo Tribunal Alemão, executoriedade esta que o Tribunal “a quo” concedeu na sentença ora impugnada.

IV - A) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir estão enunciados em I “supra”.

B) - De harmonia com o disposto no art.º 28º, nº 1, do Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27de Novembro[4] (doravante, referido como Regulamento), relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, as decisões proferidas num Estado-Membro sobre o exercício da responsabilidade parental relativa a uma criança, que aí tenham força executória e que tenham sido citadas ou notificadas, são executadas noutro Estado-Membro depois de nele terem sido declaradas executórias a pedido de qualquer parte interessada.

No preâmbulo do citado Regulamento, refere-se, entre o mais, que “o reconhecimento e a execução de decisões proferidas num Estado-Membro têm por base o princípio da confiança mútua e os fundamentos do não-reconhecimento serão reduzidos ao mínimo indispensável.”.

Daí ser compreensível que, pedida, ao abrigo do art.º 28º, nº 1, do Regulamento, a declaração de executoriedade da decisão proferida num Estado-Membro sobre o exercício da responsabilidade parental relativa a uma criança:

- O pedido só possa ser indeferido por um dos motivos previstos nos artigos 22.º, 23.º e 24.º (art.º 31º, nº 2);

- A decisão não possa em caso algum ser revista quanto ao mérito (art.º 31º, nº 3);

- A pessoa contra a qual a execução é requerida não possa apresentar quaisquer observações, apenas podendo-o fazer no recurso da decisão relativa ao pedido de declaração de executoriedade (art.º 31º, nº 1).

Tratava-se, no caso “sub judice”, de, em face dos elementos oferecidos pela Requerente, declarar a executoriedade da decisão do Tribunal Alemão ,“rectius”, da Vara de Família do Tribunal de Soest, que conferiu àquela, provisoriamente, em exclusivo, o direito de guarda do seu filho menor C..., determinando, também a título provisório, a privação daquele direito ao Requerido até à decisão na acção principal.

A Mma. Juiz do Tribunal “a quo” evidenciou na decisão ora impugnada que os elementos juntos pela Requerente estavam conformes com o disposto no art. 28º do Regulamento 2201/2003, estando o pedido acompanhado dos elementos referidos no art.ºs 37º e 39º.

E na verdade, não cabia nem cabe, como acima se salientou, apreciar do mérito da decisão cujo “exequatur” se requereu, nem sendo nesta sede de materializar, ou seja, de dar efectiva execução, à decisão do Tribunal de Soest.

Assim, as razões que o Requerido tenha contra a decisão cuja executoriedade se declarou que não colham cabimento nos fundamentos previstos nos art.ºs, 22.º, 23.º e 24.º só quando - e se – se vier a dar efectivo início a tal execução, serão de trazer à liça.

Não tem sentido, como também parece evidente, atento o escopo do presente procedimento, analisar se outra solução, como a de atribuir a confiança do menor ao pai, ora Requerido, seria a mais adequada, sendo que, a assim proceder-se mais não se estaria do que a julgar o mérito da decisão do Tribunal estrangeiro.

Saliente-se, ainda, que o ónus da alegação e prova dos fundamentos de recusa da declaração de executoriedade, previstos nos arts. 22.º, 23.º e 24.º, do Regulamento, cabe à parte que se lhe opõe.

Não se olvida que mesmo as decisões provisórias podem ser objecto de “exequatur”, como se referiu já no despacho de 30/07/2010, bem como no Acórdão de 20/01/2009 desta Relação (Agravo nº 545/07.1TBOBR.C1)[5].

Ora, de harmonia com o disposto no aludido art.º 23º, uma decisão em matéria de responsabilidade parental não é reconhecida:

a) Se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado-Membro requerido, tendo em conta o superior interesse da criança;

b) Se, excepto em caso de urgência, tiver sido proferida sem que a criança tenha tido a oportunidade de ser ouvida, em violação de normas processuais fundamentais do Estado-Membro requerido;

c) Se a parte revel não tiver sido citada ou notificada do acto introdutório da instância ou acto equivalente, em tempo útil e de forma a poder deduzir a sua defesa, excepto se estiver estabelecido que essa pessoa aceitou a decisão de forma inequívoca;

d) A pedido de qualquer pessoa que alegue que a decisão obsta ao exercício da sua responsabilidade parental, se a decisão tiver sido proferida sem que essa pessoa tenha tido a oportunidade de ser ouvida;

e) Em caso de conflito da decisão com uma decisão posterior, em matéria de responsabilidade parental no Estado-Membro requerido;

f) Em caso de conflito da decisão com uma decisão posterior, em matéria de responsabilidade parental noutro Estado-Membro ou no Estado terceiro em que a criança tenha a sua residência habitual, desde que essa decisão posterior reuna as condições necessárias para o seu reconhecimento no Estado-Membro requerido; ou

g) Se não tiver sido respeitado o procedimento previsto no artigo 56.º.

A decisão provisória a cuja declaração de executoriedade respeita a sentença recorrida não se apresenta como inconciliável com a posterior decisão, proferida nos autos n.º 705/09.0TMCBR, de indeferimento do requerido regresso do menor C... à Alemanha.

Na verdade, como já se referiu, a apontada declaração de executoriedade não implica “per se”, o regresso do menor à Alemanha, nem, tão-pouco, a entrega do C... à respectiva mãe.

No processo n.º 705/09.0TMCBR nada se decidiu quanto à regulação das responsabilidades parentais, significando, o decidido indeferimento, que se entendeu não estarem reunidos os pressupostos que impunham que se ordenasse o regresso do menor à Alemanha, o que não exclui, “per se”, necessariamente, o regime provisório definido na decisão relativamente à qual se requereu a concessão do “exequatur”.

As duas decisões não se apresentam, pois, inconciliáveis entre si, não se verificando o conflito a que se reporta a alínea f) (nem, também, o previsto na alínea e)) do art.º 23º, não se podendo entender que a decisão proferida no processo n.º 705/09.0TMCBR prevalece sobre a decisão do Tribunal Alemão, ou que prejudica esta decisão.

E não tem aqui valia utilizar os fundamentos cuja existência foi negada no processo n.º 705/09.0TMCBR para recusar o regresso do menor à Alemanha – v.g., o da inexistência de violação de qualquer direito de guarda ou custódia da Requerida e, consequentemente, a ausência de uma situação de «retenção ilícita» – para, com base neles, se sindicar a sentença cuja declaração de executoriedade se pede. É que, além do mais, isso equivaleria a uma apreciação de mérito da decisão do Tribunal Alemão, o que, como se disse, nos é absolutamente vedado pelo art.º 31º, nº 3.

Por identidade de razões não é, para os efeitos que aqui estão em causa, convocável a vontade do menor, designadamente, a expressa em sede do aludido processo.

A alínea b) do art. 23º estabelece que não deve haver reconhecimento se, salvaguardado caso de urgência, a decisão tiver sido proferida sem que a criança tenha tido a oportunidade de ser ouvida, em violação de normas processuais fundamentais do Estado-Membro requerido.

Ora, as normas a ter em consideração, no caso “sub judice” são as que, pertinentes à situação em causa, estão previstas na Organização Tutelar de Menores (OTM).

Pese embora a remissão efectuada pelo art.º 147º- A da OTM, para os princípios orientadores da intervenção previstos na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, afigura-se resultar do art.º 175 da OTM que, proceder ou não à audição do menor, quando em causa está a regulação do exercício das responsabilidades parentais, consubstancia, não uma obrigação legal a observar sempre, mas antes um poder a exercitar segundo o julgamento casuístico da adequação dessa audição ao interesse do menor.

Contudo, ainda que se entenda aplicável o disposto no art.º 84º, nº 2, da Lei nº 147/99, de 1/9, “ex vi” do 147º- A da OTM, tal normativo apenas consagra a obrigatoriedade da audição dos menores com mais de 12 anos de idade, condicionando a audição do menor com idade inferior a essa, à constatação de que este possui capacidade para compreender o sentido da intervenção.

O art.º 1901º, do CC, consagrando a audição do filho do casal no respectivo nº 3, pressupondo que os pais estejam casados e a viverem juntos, ou, então, que não sendo casados, vivam juntos em condições análogas às dos cônjuges, trata das questões em que, por algum motivo, durante a constância do matrimónio ou da união de facto, falte o acordo conjunto entre os pais acerca de uma questão de particular importância da vida do menor. Esta situação, que a OTM tem em conta nos art.ºs 184º e ss., não corresponde àquela que está em causa no presente caso, sendo inaplicável aqui, pois, conforme é salientado pelo Ministério Público, o disposto no citado art.º 1901, nº 3.

Embora a audição da criança desempenhe um papel importante na aplicação do Regulamento, este salvaguarda a lei de cada país nesta matéria, expressando no nº 19 das respectivas considerações preambulares, que não se visa alterar os procedimentos nacionais aplicáveis.

Ora, como resulta do exposto, não existe, na lei nacional, designadamente para procedimento similar àquele que no Tribunal Alemão culminou com a decisão cuja declaração de executoriedade se pede, absoluta obrigatoriedade de se proceder à audição do menor.

Sucede, até, que essa obrigatoriedade, que só é compreensível por força do chamado “superior interesse” da criança, poderia, em determinados casos, revelar-se “a priori”, como, ainda que de forma indirecta, potencialmente perigosa para a tutela desse interesse, designadamente, quando, sendo exigível ao Tribunal uma decisão urgente ou provisória, o procedimento da audição do menor fosse passível de acarretar risco para a eficácia dessa decisão.

Ora, no presente caso, o Tribunal Alemão foi posto perante um quadro de urgência, que foi o apresentado pela Requerente, de modo que se afigura compreensível que entendesse que uma decisão útil tivesse que comprometer a audição do menor C....

A isto acresce a não obrigatoriedade dessa audição à luz da legislação Portuguesa, atenta a circunstância de o C..., à data da decisão (13/11/2009), ter apenas 11 (onze) anos de idade.

Não se verifica, assim, o fundamento de não reconhecimento previsto na alínea b) do art. 23º.

O Apelante alega que não foi citado para os termos da providência cautelar, tendo a decisão provisória, “ao contrário do que dizem os tribunais alemães”, sido tomada à sua revelia.

Ora, conforme se salienta na Reposta do Ministério Público, de acordo com a certidão entregue (e devidamente certificada com a apostila) “o requerido foi solicitado a se expressar sobre o assunto por escrito, mas não prestou nenhuma declaração dentro do prazo que Ihe foi imposto".

E entre o certificado está, também, o seguinte[6]:

«6.3  A decisão foi proferida à revelia?

5.4.1 [6.3.1] XNão».

Se a certidão em causa está em desacordo com a realidade é coisa que os elementos disponíveis nos autos não permitem concluir, lembrando-se que a certidão emitida para facilitar a execução da decisão, além de não ser susceptível de recurso, mais não pode, em caso de erro material, ou seja, no caso de não reflectir correctamente o conteúdo da decisão, senão dar origem a uma acção de rectificação (cfr. considerando nº 24 do Regulamento).

Assim, dos autos não resulta que a decisão provisória em causa tenha sido proferida à revelia do Requerido, ora Apelante, ou que este não tenha tido oportunidade de se defender em tempo útil e de forma cabal, não havendo elementos que nos permitam afirmar que tal decisão tenha sido proferida sem que o aí Requerido haja tido oportunidade de ser ouvido.

Não se verificam, pois, os fundamentos de recusa de reconhecimento consagrados nas alíneas c) e d), do art.º 23º, sendo que, esta última alínea, tem em vista, essencialmente, as pessoas que, não sendo progenitores do menor, sejam titulares de responsabilidades parentais (v.g., os avós).

Em face daquilo que acima se explicitou relativamente à circunstância de o Tribunal Alemão não haver procedido à audição do menor C..., afastada fica a invocada infracção à ordem pública processual que o Apelante imputava à decisão daquele Tribunal, não se vendo, aliás, qualquer outro motivo que leve a entender tal decisão como contrária a princípios da ordem pública do Estado Português.

Não se verifica, pois, o fundamento de recusa consignado na alínea a) do art.º 23º.

As restantes alegações do Apelante não consubstanciam motivo de recusa de concessão de executoriedade à decisão do Tribunal Alemão, salientando-se, quanto à suspensão de instância a que se reportam várias das conclusões do Apelante, que, não só os motivos para tal invocados não são idóneos a conduzir a um tal resultado nos presentes autos - tirando, evidentemente, o fundamento que escorou a decisão de 30/07/2010 e que deixou de subsistir -, como é o próprio Recorrente que, implícita, mas inequivocamente, afasta tal suspensão, ao requerer a fls. 301 que “se determine a não executoriedade da decisão provisória”.

Inexiste, pois, qualquer fundamento que legitime, à luz do Regulamento CE nº 2201/2003, a recusa da executoriedade que foi requerida relativamente à decisão do Tribunal Alemão de 13/11/2009, pelo que é de confirmar a decisão impugnada.

Relembra-se que, conforme acima se disse, e também resulta do despacho do Tribunal “a quo” de 03/05/2010, a concessão do “exequatur” à decisão da Vara de Família do Tribunal de Soest, não equivale a qualquer ordem de entrega do menor C... à sua mãe, ora Apelada.[7]

V - Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a Apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo Apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.


Falcão de Magalhães (Relator)
Regina Rosa
Artur Dias


[1] A quem foi concedido o benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo.
[2] Os preceitos que deste Código forem citados, reportam-se, salvo indicação em contrário, à redacção introduzida pelo DL n.º 304/07, de 24/08.
[3] Consultáveis na Internet, através do endereço “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”, tal como todos os Acórdãos do STJ, ou os respectivos sumários, que adiante forem citados sem referência de publicação.
[4] Alterado pelo Regulamento (CE) nº 2116/2004, de 2 de Dezembro.
[5] Consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase”.
[6] Anexo II (fls. 34).
[7] Neste sentido, expressivamente se diz no Acórdão da Relação de Lisboa de 27/09/2010 (Apelação nº 1239/09.9TMLSB-A.L1-1): «… o processo tendente à obtenção da concessão do exequatur em Portugal duma decisão proferida pelo tribunal doutro Estado-membro esgota-se com a concessão ou não do exequatur. Uma vez este concedido – e suposto que o recurso interposto da decisão que o concede tenha efeito meramente devolutivo (o que não é sequer o caso – como se viu) -, é possível ao requerente da concessão do exequatur instaurar, então sim, uma execução propriamente dita, tendente à efectivação do regime de responsabilidades parentais instituído na sentença estrangeira cuja execução em Portugal foi autorizada.».