Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
272/11.5TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
VIA PÚBLICA
Data do Acordão: 06/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COIMBRA - VARA COMP. MISTA E JUÍZOS CRIMINAIS - VARA COMPETÊNCIA MISTA-1ª SECÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 1, 29, 30, 31 CE, 483, 562, 563 CC
Sumário: 1. Pode ser caracterizado como parque de estacionamento o acesso de onde o veículo seguro na A. provinha, na medida em que o mesmo embora se trate de um espaço do domínio público é o logradouro de três lotes destinado ao estacionamento de veículos.

2. Não se confunde domínio público com via pública, destinando-se esta ao trânsito de veículos, enquanto via de comunicação terrestre afecta ao trânsito público, conforme definição do artº 1º v) do C.Estrada.

3. O artº 30 nº 1 do C.Estrada deve ser afastado quando se verificam outras situações, para as quais estão previstas regras especiais, e nelas se integram designadamente as contempladas no artº 31 do C.Estrada que, na sua al. c) estabelece que deve sempre ceder a passagem o condutor que saia de um parque de estacionamento.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

A Companhia de Seguros Fidelidade- Mundial, S.A. vem intentar a presente acção declarativa de condenação, emergente de acidente de viação contra o Estado Português – Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública, pedindo a condenação do R. no pagamento do montante de €5.727,80, acrescidos de juros legais, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Alega, em síntese, para fundamentar o seu pedido, que no dia 17/04/2008, em Coimbra, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula 64-09-VI conduzido por J (…) e o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula 21-46-OM, conduzido por P (…), pertencente ao Estado Português e afecto à Policia de Segurança Pública. A A. assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo matrícula 64-09-VI, por via de contrato de seguro celebrado com F (…), Lda., titulado pela apólice n.º 751506333. Após descrever a sua versão do acidente, que imputa a conduta culposa do condutor do veículo OM, a Autora indica discriminadamente o valor que despendeu na regularização do sinistro e que, por esta via, pretende ser reembolsada.

Foi citado o Ministério Público, em representação do Estado Português, que apresentou contestação, impugnando a versão do acidente trazida aos autos pela A., alegando uma outra, segundo a qual, a responsabilidade recai unicamente sobre a condutora do veículo VI. Vem ainda o R. deduzir reconvenção contra a A., peticionando a sua condenação no pagamento da quantia global de €27.091,16 correspondente ao valor da reparação de todos os danos patrimoniais resultantes do evento.

A A. apresentou réplica, pugnando pela improcedência da reconvenção.

Após remessa dos autos para o Tribunal competente, foi elaborado o despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e a que constitui a base instrutória, que se fixaram sem qualquer reclamação.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância de todas as formalidades legais, tendo sido dada resposta à matéria da base instrutória por despacho que não foi objecto de reclamação.

Foi proferida sentença que julgou improcedente o pedido formulado pela A., dele absolvendo o R. e julgou procedente a reconvenção, condenando a A. a pagar ao R. a quantia total de € 27.091,16 acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

Não se conformando com a sentença proferida vem a A. dela interpor recurso de apelação, pedindo a revogação da decisão e a condenação do R. no pagamento da quantia de € 5.727,80 e a absolvição da Recorrente do pedido reconvencional deduzido pelo R., apresentando as seguintes conclusões:

1ª - O Tribunal a “quo” face à prova produzida deveria devia ter respondido não provado à matéria dos quesitos 16º e 17º da Base Instrutória.

2ª- Os acessos aos estacionamentos e logradouros dos lotes 38, 38A e 38B fazem parte do domínio público municipal;

3ª- Tais acessos consistem em áreas de logradouro, estacionamento e acessos locais;

4.ª- O Art. 2º do Código da Estrada dispõe que “ o disposto no presente Código é aplicável ao trânsito nas vias nas vias públicas do domínio público do Estado … e das autarquias locais”-;

5ª - Sendo que o conceito de via pública nos é dado pelo art 1º al. v) do mesmo Código: ”via de comunicação terrestre afecta ao trânsito público”;

6ª- Deste modo, o que caracteriza a via pública é a liberdade de trânsito;

7ª- Está provado nos autos, que o local de onde provinha o veículo se caracteriza como um entroncamento e é do domínio público municipal com liberdade de trânsito (não se trata de via privada ou de uso exclusivo dos moradores);

8ª- Tratando-se de uma via daquela natureza (pública) – seja municipal ou nacional -, sujeita-se a todas as normas que disciplinam o trânsito, previstas no Código da Estrada, maxime o disposto no Art. 30º ( Cfr Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25/07/2007 – Livro 734- Fls 199);

9ª- Não pode o Tribunal reclassificar tal via como exclusivamente destinada a estacionamento de veículos e afastar o direito de prioridade do veículo VI, socorrendo-se para o efeito apenas das características próprias de acesso de onde provinha o VI - transpor o lancil e respectiva rampa, em alcatrão, que recorta o passeio ali existente;

10ª- O local onde ocorreu o acidente, não é um caminho particular, nem sequer um caminho público de terra batida:

11ª- Perante tais factos não se vislumbra a existência de razões especiais para retirar ou anular a aplicação da regra da prioridade de passagem prevista no Art. 29º e 30º nº1 do Código da Estrada .

12ª- A condutora do veículo seguro na Recorrente não exerceu o direito de prioridade de passagem de forma manifestamente abusiva em violação ao disposto no Art 334º do C.C.;

13ª- A condutora do veículo VI ao chegar ao entroncamento do acesso de onde provinha com a Rua D. Maria, travou, em observância das regras de prudência e precauções que constituem os normais deveres de diligência na condução;

14º - O único responsável pelo acidente a que se reportam os autos, foi condutor do veículo OM, por violação ao disposto 29º nº1 e 30º do Código da Estrada;

15ª-O Reconvinte - Estado Português -, não provou que todos os danos que sofreu (pagamento de vencimentos, consultas, medicamentos, tratamentos) foram consequência da lesão que o Agente (…) sofreu em consequência do acidente a que se reportam os autos;

16ª- Nos termos do Art. 563º do C.C. – Nexo de causalidade – “ a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”;

17ª- A decisão recorrida violou as disposições dos Arts 1º al.l) , al.v) e al.z), Art. 2º, Art 29º e Art. 30º do Código da Estrada, Arts. 483º, 562º, 563º do Código Civil, Art. 264º e 653º do Código de Processo Civil.

O R. vem apresentar contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas suas conclusões (artº 684 nº 3 e 685 A nº 1 do C.P.C.), salvo questões de conhecimento oficioso- artº 660 nº 2 in fine.

- do erro na apreciação da matéria de facto no que se refere à avaliação da matéria constante dos artº 16º e 17º da base instrutória;

- de pertencer ao veículo seguro na A. a prioridade de passagem de acordo com as regras previstas no artº 29º e 30º nº1 do Código da Estrada;

- de não estar provado que todos os danos sofridos pelo R. são consequência das lesões sofridas pelo Sr. Agente da PSP por força do acidente.

III. Fundamentos de Facto

- do erro na apreciação da matéria de facto no que se refere à avaliação da matéria constante dos artº 16º e 17º da base instrutória.

(…)

Pelo exposto, considera-se improcedente o recurso da matéria de facto interposto pela A., por não poder concluir-se por qualquer erro do tribunal “a quo” na avaliação dos elementos probatórios e decisão sobre a mesma.

São os seguintes os factos que resultaram provados, nos termos do disposto no artº 713 nº 2 e 659 nº 3 do C.P.C.:

1. No dia 17-04-2008, cerca das 9h45m, o veículo ligeiro de passageiros com matrícula 21-46-OM, pertencente ao Estado Português e afecto à Polícia de Segurança Pública, conduzido por P (…), Agente Principal da Polícia de Segurança Pública, circulava na Rua Infanta D. Maria, sentido Nascente/Poente (alínea a) dos factos assentes);

2. O veículo ligeiro de passageiros com matrícula 64-09-VI, conduzido por J (…), pretendia mudar de direcção à esquerda (sentido Poente/Nascente), a fim de prosseguir a sua marcha para a Rua Infanta D. Maria (alínea b) dos factos assentes);

3. O local onde ocorreu o acidente configura-se como uma recta de boa visibilidade (alínea c) dos factos assentes);

4. Os acessos aos estacionamentos e logradouros dos Lotes 38, 38A e 38B fazem parte do domínio público municipal (alínea d) dos factos assentes);

5. O tempo estava chuvoso e o piso molhado (alínea e) dos factos assentes);

6. O VI embateu com a sua frente lateral esquerda na frente lateral direita do OM (alínea f) dos factos assentes);

7. A autora celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel com F (…) Ldª, relativo ao veículo ligeiro de passageiros de marca “Mercedes” com matrícula 64-09-VI, titulado pela apólice n.º 751506333, contrato esse que garantia a cobertura de danos próprios, designadamente, os decorrentes “choque, colisão ou capotamento” (alínea a) dos factos assentes);

8. O veículo VI circulava no espaço que, partindo da Rua Infanta D. Maria, dá acesso ao Lote 38 B (resposta restritiva ao art. 1º da base instrutória);

9. A condutora do VI ao chegar ao entroncamento do acesso de onde provinha com a Rua Infanta D. Maria travou, mas porque o piso estava molhado, o veículo deslizou e foi embater no OM (resposta ao art. 5º da base instrutória);

10. A via, no local, é de traçado recto, com duas faixas de rodagem, uma em cada sentido, existindo, à direita (atento o sentido do OM), os acessos aos estacionamentos e logradouros dos Lotes 38, 38ª e 38B confinantes com a Rua Infanta Dona Maria (resposta ao art. 6º da base instrutória);

11.  Tais acessos consistem em áreas de logradouro, estacionamentos e acessos locais (resposta ao art. 7º da base instrutória);

12. Para aceder e/ou sair dos estacionamentos e logradouros dos Lotes 38, 38A e 38B, confinantes com a Rua Infanta D. Maria, torna-se necessário transpor o lancil e respectiva rampa, em alcatrão, que recorta o passeio ali existente, de acesso à Rua Infanta D. Maria (resposta restritiva ao art. 8º da base instrutória);

13. Na ocasião e local do acidente encontravam-se estacionados veículos nas bermas de ambos os lados, estando disponíveis para circulação em ambas as faixas 5,4 metros de largura (resposta ao art. 9º da base instrutória);

14. O veículo VI para passar a circular na Rua D. Maria tinha que transpor o lancil e respectiva rampa, que recorta o passeio ali existente, para acesso aos estacionamentos e garagens de que provinha e atravessar a faixa Nascente/poente, na qual circulava o OM (resposta ao art. 10º da base instrutória)

15. A condutora do VI entrou em deslize devido à chuva e ao declive dos acessos de que provinha (resposta ao art. 11º da base instrutória)

16. E não imobilizou a viatura que conduzia antes de entrar na Rua Infanta D. Maria (resposta ao art. 12º da base instrutória);

17. E foi embater no OM, apesar de este veículo se ter desviado um pouco para a esquerda (resposta ao art. 13º da base instrutória)

18. Em consequência do embate o VI sofreu danos, cuja reparação ascendeu a €5.727,80, que a autora pagou em 11/07/2008 (resposta ao art. 14º da base instrutória);

19.  Em consequência do embate o OM sofreu danos na parte da frente direita, que implicaram a colocação de diverso material, pintura e mão-de-obra, cuja reparação ascendeu ao valor total de €3.683,18 (resposta ao art. 15º da base instrutória);

20. O OM esteve imobilizado, em virtude da sua reparação, entre os dias 17 de Abril e 15 de Maio de 2008, período durante o qual a PSP não pode dispor dele (resposta ao art. 16º da base instrutória);

21. O valor diário do aluguer de um veículo sem condutor com as mesmas características ascende a €55,00 (resposta ao art. 17º da base instrutória);

22.  Em consequência do acidente A (…) sofreu traumatismo da coluna cervical, o que lhe acarretou uma Incapacidade Parcial Permanente para o trabalho de 10% e um total de 254 dias de baixa médica, bem como, a necessidade de se sujeitar a diversos exames, consultas e tratamentos (resposta restritiva ao art. 18º da base instrutória);

23. Durante os 254 dias de baixa médica o Estado Português pagou a A (…), a título de vencimentos, a quantia de €16.743,86 (resposta ao art. 19º da base instrutória);

24. E por consultas/juntas distritais no Comando a quantia de €320,67 (resposta ao art. 20º da base instrutória);

25. - E pagou €199,50 por 10 consultas de ortopedia, €19,95 por uma consulta de ortopedia, €99,77 por 5 consultas de neurologia e €117,76 por 2 electromiografias (resposta ao art. 21º da base instrutória);

26. E pagou a quantia de €132,67 com medicamentos, a quantia de €194,40 com as despesas relativas à urgência nos HUC no dia do acidente, a quantia de €1117,32 pelos exames efectuados na Clínica de Imagiologia Médica I (...), a quantia de €63,07 pelo cintigrama ósseo, a quantia de €43,04 com exames efectuados no Centro de Diagnóstico Radiolóqico G (...) e a quantia de €2.760,97 com tratamentos realizados no Hospital Militar Regional 2 (resposta ao art. 22º da base instrutória).

IV. Razões de Direito

- de pertencer ao veículo seguro na A. a prioridade de passagem de acordo com as regras previstas no artº 29º e 30º nº1 do Código da Estrada.

Invoca a Recorrente a contradição entre a matéria de facto dada como provada, a fundamentação da sentença e a decisão.

Refere que, a partir do momento em que está provado que o local de onde provinha o veículo seguro na A. é do domínio público municipal, tendo por isso liberdade de trânsito, são aplicáveis as regras do Código de Estrada e em concreto o artº 30, não podendo o tribunal reclassificar tal via como destinando-se exclusivamente ao estacionamento de veículos, socorrendo-se das características próprias do acesso. Conclui que não há razão para se afastar as regras de prioridade de passagem previstas nos artº 29 e 30 nº 1 do C. Estrada, nem para se concluir por uma situação de abuso de direito para se imputar à condutora do veículo seguro na A. a responsabilidade pelo acidente.

Reconduz-se a questão a apreciar, à averiguação do direito de prioridade de passagem, que a Recorrente afirma pertencer ao veículo segurado.

Vejamos se assim é começando por ver o que a este respeito regulam as regras do Código da Estrada com interesse para a questão.

Importa começar por ter em conta algumas das definições que nos são dadas logo no artº 1º do C. Estrada, em concreto nas alíneas l), v) e z), que dispõem o seguinte:

l) ”Parque de estacionamento” – local exclusivamente destinado ao estacionamento de veículos;

v) ”Via pública” – via de comunicação terrestre afecta ao trânsito público;

z) ”Zona de estacionamento” – local da via pública especialmente destinado, por construção ou sinalização, ao estacionamento de veículos.

Invoca a Recorrente os artº 29 e 30 nº 1 do C.Estrada.

O artº 29 reporta-se ao princípio geral da cedência de passagem, dispondo, no seu nº 1 que: “ O condutor sobre o qual recaia o dever de ceder a passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar, ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direcção deste.” Acrescenta o nº 2 que: “O condutor com prioridade de passagem deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito.”

Já o artº 30 estabelece a regra geral de cedência de passagem: “Nos cruzamentos e entroncamentos o condutor deve ceder a passagem aos veículos que se lhe apresentem pela direita.”

A decisão sob recurso considerou que a condutora do veículo seguro na A. não observou a regra estradal que lhe impunha que concedesse prioridade ao veículo do R., prevista no artº 31 nº 1 a) do C. Estrada. Dispõe esta norma, com a epígrafe “cedência de passagem em certas vias ou troços”, no seu nº 1 a) que: deve sempre ceder a passagem o condutor que saia de um parque de estacionamento, de uma zona de abastecimento de combustível ou de qualquer prédio ou caminho particular.

Não havendo dúvidas que a condutora do veículo seguro na A. se apresenta pela direita face ao veículo do R., a questão está pois em saber se o caso se integra na regra geral do artº 30º, considerando-se que a condutora do veículo seguro na A., ao apresentar-se pela direita tem prioridade de passagem; ou antes, se a mesma sai de um parque de estacionamento, devendo por isso ceder a prioridade aos veículos que circulavam na via.

Com interesse para esta questão, foram os seguintes os factos que resultaram provados: os acessos aos estacionamentos e logradouros dos Lotes 38, 38A e 38B fazem parte do domínio público municipal; o veículo VI circulava no espaço que, partindo da Rua Infanta D. Maria, dá acesso ao Lote 38 B; a condutora do VI ao chegar ao entroncamento do acesso de onde provinha com a Rua Infanta D. Maria travou, mas porque o piso estava molhado, o veículo deslizou e foi embater no OM; a condutora do VI entrou em deslize devido à chuva e ao declive dos acessos de que provinha e não imobilizou a viatura que conduzia antes de entrar na Rua Infanta D. Maria e foi embater no OM, apesar de este veículo se ter desviado um pouco; a via, no local, é de traçado recto, com duas faixas de rodagem, uma em cada sentido, existindo, à direita (atento o sentido do OM), os acessos aos estacionamentos e logradouros dos Lotes 38, 38ª e 38B confinantes com a Rua Infanta Dona Maria; tais acessos consistem em áreas de logradouro, estacionamentos e acessos locais; para aceder e/ou sair dos estacionamentos e logradouros dos Lotes 38, 38A e 38B, confinantes com a Rua Infanta D. Maria, torna-se necessário transpor o lancil e respectiva rampa, em alcatrão, que recorta o passeio ali existente, de acesso à Rua Infanta D. Maria; o veículo VI para passar a circular na Rua D. Maria tinha que transpor o lancil e respectiva rampa, que recorta o passeio ali existente, para acesso aos estacionamentos e garagens de que provinha e atravessar a faixa Nascente/poente, na qual circulava o OM.

A decisão sob recurso considerou que vindo o veículo seguro na A. de local de acesso ao estacionamento e logradouro dos lotes 38, 38A e 38B que, atentas as suas características pode ser considerado como um parque ou zona exclusivamente destinada ao estacionamento de veículos e acesso de pessoas aos logradouros e respectivos lotes, tornando-se necessário para aceder e/ou sair dos estacionamentos transpor o lancil e respectiva rampa de alcatrão, que recorta o passeio ali existente, o mesmo estava obrigado a ceder a prioridade ao veículo do R. que circulava na Rua Infanta D. Maria, nos termos do disposto no artº 31º nº 1 a) do C.Estrada.

Começa a Recorrente por invocar a existência de contradição na sentença quando refere que o estacionamento e logradouro de onde provem o veículo seguro na A. é do domínio público municipal, para depois reclassificar tal via como destinando-se exclusivamente ao estacionamento de moradores. Conclui que está perante duas vias ambas de natureza pública, devendo por isso neste caso funcionar a regra do artº 30 do C.Estrada.

Não se vislumbra, no entanto, qualquer contradição na sentença recorrida, na medida em que a mesma, através dos factos que resultam provados, qualifica o local como sendo do domínio público municipal, nunca nela se referindo que se trata de uma via privada, mas antes que se destina ao estacionamento de veículos. A própria sentença diz expressamente que o veículo seguro na A. provinha de um acesso público, logradouro dos lotes aí existentes e destinado ao estacionamento de veículos, situado à direita de uma via igualmente pública por onde circulava o veículo do R., concluindo que ao caso são aplicáveis as regras do Código da Estrada, designadamente as previstas nos artº 29 a 31 do C.Estrada.

Não há assim qualquer afastamento das regras do Código da Estrada, nem contradição na classificação de tal espaço como destinado ao estacionamento de veículos e não via pública, enquanto via de comunicação terrestre afecta ao trânsito público (al. v) do artº 1º do C.Estrada), na medida em que, de acordo com os factos apurados, tal espaço, atentas as suas características não é destinado ao trânsito de veículos, mas antes ao estacionamento de veículos, não deixando por isso de ser do domínio público.

A Recorrente é que confunde domínio público com via pública. Não há contradição na sentença recorrida quando refere que o veículo seguro na A. provinha de um espaço que, embora compreendido no domínio público municipal, é um parque de estacionamento, não o qualificando como via pública.

Na verdade, os factos apurados permitem caracterizar o acesso de onde o veículo seguro na A. provinha, como parque de estacionamento, na medida em que o mesmo sendo o logradouro de três lotes, ainda que se trata de um espaço do domínio público, se destina ao estacionamento de veículos. Até as suas características de acesso à via pública, que é a Rua Infanta D. Maria, apontam nesse sentido (sendo necessário transpor um lancil e respectiva rampa de alcatrão que recorta o passeio ali existente), como também o considerou a sentença sob recurso.

Por outro lado, os factos revelam que a condutora do veículo seguro na R. até terá pretendido dar a prioridade aos veículos que circulavam na Rua Infanta D. Maria, já que travou, ao chegar àquela via, mas porque o piso estava molhado, o seu veículo deslizou e foi embater no veículo do R., tendo entrado em deslize devido à chuva e ao declive do acesso de onde provinha.

A regra do artº 30 nº 1 do C.Estrada, que é uma regra geral que a Recorrente pretende ver aplicada ao caso, deve ser afastada quando se verificam outras situações, para as quais estão previstas regras especiais; entre estes casos estão as situações em que pode haver sinalização vertical em sentido diferente, e também as contempladas no artº 31 do C.Estrada que, designadamente, na sua al. c) estabelece que deve sempre ceder a passagem o condutor que saia de um parque de estacionamento.

Em face do exposto, verifica-se que nenhuma censura merece a sentença recorrida, ao concluir pela violação do artº 31 nº 1 a) do C. Estrada por parte da condutora do veículo seguro na A. ao não dar prioridade de passagem ao veículo do R. assim dando origem ao acidente.

Torna-se desnecessária a apreciação da imputação da responsabilidade no sinistro à condutora do veículo seguro na R., por comportamento abusivo, susceptível de integrar o instituto do abuso de direito previsto no artº 334 do C.Civil, ficando prejudicada tal questão.

Assim, já se vê que a sentença sob recurso fez uma adequada análise crítica dos factos, não merecendo censura por ter concluído pela violação do artº 31 nº 1 a) do C. da Estrada pela condutora do veículo seguro na A., considerando tal conduta como causal do embate ocorrido.

- de não estar provado que todos os danos sofridos pelo R. são consequência das lesões sofridas pelo Sr. Agente da PSP por força do acidente.

Alega a Recorrente que o valor peticionado pela R. a título de vencimentos, consultas, medicamentos, exames médicos e demais tratamentos realizados pelo lesado A (…), tenha sido pago devido a lesões por ele sofridas em consequência do acidente dos autos. Admite que tais valores foram pagos pela R., mas põe em causa o nexo de causalidade, referindo que a prova devia ter sido efectuada através de perícia médico- legal, que não foi requerida.

Em primeiro lugar, importa referir que a perícia médico legal não é, naturalmente, a única forma adequada de fazer prova de tais factos, de sorte, que a sua falta determine necessariamente a ausência da verificação do nexo de causalidade entre os danos sofridos e a sua imputação ao facto que os determinou.

Na verdade, a parte terá considerado a desnecessidade de tal avaliação em face de outros elementos probatórios que trouxe aos autos, designadamente documentais e testemunhais.

É certo que é ao R. enquanto reconvinte que incumbe fazer a prova de todos os factos constitutivos do seu direito, de acordo com o princípio geral do ónus da prova previsto no artº 342 nº 1 do C.P.C., cabendo-lhe também por isso fazer prova da existência do nexo de causalidade entre o acto ilícito e os prejuízos invocados- vd. neste sentido, Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 21/09/2006, in. www.dgsi.pt

O nexo de causalidade constitui um dos requisitos da obrigação de indemnizar, desde logo expressos no artº 483 do C.Civil que, a propósito da responsabilidade civil por factos ilícitos, dispõe que: “Aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação.”

            Temos assim que se torna necessária a verificação cumulativa de cinco requisitos, para que haja responsabilidade civil: o facto; a ilicitude; um vínculo de imputação do facto ao lesante; o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, vd. neste sentido, Antunes Varela, in. Das Obrigações em Geral, pág. 355 ss.

Tem assim que haver um nexo causal entre o facto e o dano, ou seja, um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se, à luz do direito, que o dano é resultante da violação.

Por seu turno, os artºs 562 a 572 C.Civil estabelecem o regime da obrigação de indemnizar, seja qual for a fonte de onde ela proceda e logo o artº 562 C.Civil, dispõe que a indemnização tem o objectivo de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, acrescentando o artº 563 com a epígrafe “nexo de causalidade”, que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

No caso em presença está provado e a Recorrente aceita, que o R. procedeu aos pagamentos que se apuraram a título de vencimentos, consultas, medicamentos, exames médicos e demais tratamentos realizados pelo lesado A (…). Põe em causa que tais pagamentos tenham sido feitos devido às lesões por ele sofridas em consequência do acidente dos autos.

Constata-se que ficaram provados os seguintes factos, com interesse para esta questão: em consequência do acidente A (…) sofreu traumatismo da coluna cervical, o que lhe acarretou uma Incapacidade Parcial Permanente para o trabalho de 10% e um total de 254 dias de baixa médica, bem como, a necessidade de se sujeitar a diversos exames, consultas e tratamentos; durante os 254 dias de baixa médica o Estado Português pagou a A (...), a título de vencimentos, a quantia de €16.743,86 e por consultas/juntas distritais no Comando a quantia de €320,67 e pagou €199,50 por 10 consultas de ortopedia, €19,95 por uma consulta de ortopedia, €99,77 por 5 consultas de neurologia e €117,76 por 2 electromiografias; e pagou a quantia de €132,67 com medicamentos, a quantia de €194,40 com as despesas relativas à urgência nos HUC no dia do acidente, a quantia de €1117,32 pelos exames efectuados na Clínica de Imagiologia Médica I (...), a quantia de €63,07 pelo cintigrama ósseo, a quantia de €43,04 com exames efectuados no Centro de Diagnóstico Radiolóqico G (...) e a quantia de €2.760,97 com tratamentos realizados no Hospital Militar Regional 2.

A avaliação dos elementos probatórios juntos aos autos permitiu ao tribunal recorrido considerar provada não só a existência de tais danos, mas também o nexo causal entre tais danos e a ocorrência do acidente. Tal decorre, desde logo, dos factos referidos que constam dos pontos 22 a 26 da sentença sob recurso e que correspondem às respostas aos artº 18º a 22º da base instrutória.

Ora, tais factos apurados permitem, sem margem para dúvidas, concluir que tais pagamentos só tiveram lugar por força da assistência prestada pelo R. ao lesado, Agente da PSP, seu funcionário, no seguimento e no tratamento das lesões por ele sofridas, no acidente dos autos. O nexo de causalidade resulta indubitavelmente e expressamente destes factos provados que a Recorrente não pôs em causa, tendo os pagamentos feitos pelo R. resultado das lesões sofridas pelo seu trabalhador no acidente em questão, que lhe determinou incapacidade para o trabalho e que o mesmo fosse submetido a exames médicos e tratamentos. Não se percebe por isso como é que a Recorrente refere que não resulta da prova produzida que o valor peticionado tenha sido pago devido as lesões sofridas em consequência do acidente, o que só pode resultar de uma leitura menos atenta dos factos provados.

Por outro lado, não importa aqui analisar a prova produzida que determinou a verificação de tais factos, na medida em que a Recorrente não põe em causa a apreciação da matéria de facto pelo tribunal “a quo”, no que se refere aos factos apurados com interesse para esta questão.

A resposta do tribunal a esta matéria de facto não foi impugnada pela Recorrente, permitindo a mesma concluir pela verificação do nexo de causalidade previsto no artº 563 do C.Civil e consequente obrigação de indemnizar.

Por tudo exposto, conclui-se que não merece qualquer censura a decisão sob recurso, confirmando-se a mesma na íntegra.

V. Sumário:

 1. Pode ser caracterizado como parque de estacionamento o acesso de onde o veículo seguro na A. provinha, na medida em que o mesmo embora se trate de um espaço do domínio público é o logradouro de três lotes destinado ao estacionamento de veículos.

2. Não se confunde domínio público com via pública, destinando-se esta ao trânsito de veículos, enquanto via de comunicação terrestre afecta ao trânsito público, conforme definição do artº 1º v) do C.Estrada.

3. O artº 30 nº 1 do C.Estrada deve ser afastada quando se verificam outras situações, para as quais estão previstas regras especiais, nas quais se integram designadamente as contempladas no artº 31 do C.Estrada que, na sua al. c) estabelece que deve sempre ceder a passagem o condutor que saia de um parque de estacionamento.

            VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pela A. confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique.

                                                           *

                                               Coimbra,

                                               Maria Inês Moura (relatora)

                                               Luís Cravo (1º adjunto)

                                               Maria José Guerra (2º adjunto)