Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3881/14.7T8CBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: LEGITIMIDADE ACTIVA
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
Data do Acordão: 09/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO DE EXECUÇÃO _ J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECUSA POR ILEGITIMIDADE
Legislação Nacional: N.º 1 DO ART.º 631.º DO CPC
Sumário: I. De acordo com a regra geral consagrada no n.º 1 do art.º 631.º do CPC, só a parte principal que tenha ficado vencida pode recorrer.

II. Para se aferir da verificação do pressuposto “vencimento”, mais do que indagar a conduta da parte que precedeu a decisão, critério formal, importa verificar em que medida a mesma decisão lhe foi objectivamente desfavorável, ou seja, em que medida desatendeu a sua pretensão, que resultado -negativo- produziu na sua esfera jurídica (critério material).

III. Apesar de parte principal na causa, à executada falece legitimidade para recorrer do despacho que admitiu a intervenção principal de quem adquiriu do terceiro adquirente, que foi réu na acção de impugnação pauliana instaurada pela exequente e na pendência dela, por tal decisão nenhum gravame fazer àquela -gravame que se afere por um critério prático- no sentido de desfavorecer os seus interesses e/ou acarretar-lhe prejuízo.

Decisão Texto Integral:

I. Relatório

A..., Lda., com sede na Rua (...) , em Coimbra, instaurou acção executiva contra:

B... , Lda., com sede na Rua (...) , Leiria, e

C... , casado, gerente comercial, a residir na (...) , em Leiria, tendo em vista a cobrança coerciva da quantia de €200 869,82 e juros vincendos, dando à execução diversas letras de câmbio, aceites pela primeira executada e avalizadas pelo segundo.

Tendo os autos prosseguido seus termos, veio a exequente indicar à penhora os imóveis identificados no requerimento com a referência 15995283, os quais haviam sido objecto de venda à sociedade D... , SA, mediante contrato formalizado por escritura pública celebrada em 16 de Setembro de 2002.

O negócio de compra e venda celebrado entre a executada B... , Lda. e a sociedade D... , SA foi pela autora autonomamente impugnado em acção declarativa para tanto instaurada, processo que correu termos pelo então TJ da comarca de Leiria sob o n.º 5148/03.7 TBLRA.C1.

No âmbito da identificada acção veio esta mesma Relação de Coimbra a decidir, por acórdão de 20 de Novembro de 2012, transitado em julgado, “declarar ineficazes em relação à autora os contratos de compra e venda celebrados por escritura pública de 16 de Setembro de 2002, entre a 1.ª Ré B... Lda., e a 2.ª ré D... , SA”, descritos nas als. FF) e II) dos factos assentes, e ordenar a restituição desses imóveis de modo a que a autora se possa pagar à custa deles, podendo a autora executar os imóveis identificados no património da ré adquirente até ao limite do seu crédito” (cfr. acórdão aqui certificado de fls. 34 a 79).

Naquela acção declarativa, constatada a existência de contrato promessa de compra e venda celebrado entre a adquirente D... , SA e E... , tendo por objecto os bens identificados na referida escritura, requereu a aqui exequente e ali impugnante a intervenção principal provocada da promitente compradora, o que foi indeferido com fundamento na ilegitimidade da chamada.

O despacho assim proferido veio a ser confirmado pelo TR de Coimbra, ainda que com diversa fundamentação, aqui se tendo deixado consignado o entendimento de que “A promessa de venda sem eficácia real não pode ser objecto de impugnação pauliana. A procedência da acção contra o promitente vendedor permite ao autor (credor) executar os bens no seu património, mesmo que os tenha já prometido vender. Daí que não seja admissível o chamamento a juízo do promitente-comprador”.

A referida E... veio a adquirir por compra à sociedade D... SA os prédios prometidos vender identificados nas als. a) a d) e f) a j) do ponto 4. do requerimento com a Ref. 15995283, negócio titulado por escritura pública celebrada em 5/9/2005, encontrando-se pendente a acção de impugnação pauliana.

A mesma E... é nora dos sócios gerentes da executada B... , L.da, sendo casada com o 6.º réu naquela acção, F... .

Na sequência da nomeação agora efectuada pela exequente, após trânsito em julgado do acórdão, e que recaiu sobre tais bens, constatando a Mm.ª juíza “a quo” resultar das certidões juntas que todos os imóveis indicados, com excepção do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º 4574 (al. e) do requerimento supra referido, o qual se encontra registado a favor da ré), se encontram inscritos a favor de E... , que não foi demandada na aludida acção declarativa, consignou importar regularizar a instância executiva no que tange à legitimidade passiva. Nesta decorrência, ponderando ser admissível a aplicação analógica do disposto no art.º 54.º, n.º 2 do CPC, tendo em vista fazer operar por esta via a intervenção principal do terceiro (sub)adquirente nos autos de execução, concluiu no sentido de que “a aqui exequente terá que promover a intervenção nos presentes autos da proprietária dos prédios que pretende ver penhorados (e que não se encontram registados em nome da executada), caso o possa fazer à luz das considerações jurídicas que expusemos. Caso assim o pretenda, deverá fundamentar o pedido de intervenção principal a suscitar e só então poderão ser concretizadas as penhoras que pretende levar a efeito”, concedendo-lhe o prazo de 10 dias “para regularizar a instância nos termos indicados, se for esse o caso” (cfr. despacho exarado a 9/4/2014, Ref.ª 3898150).

Na sequência de tal notificação, e correspondendo ao convite, requereu a exequente a intervenção provocada de E... e de D... , SA, requerimento que veio a merecer por banda do Tribunal o despacho (com a Ref. 3927818) que se transcreve:

“A exequente veio requerer a intervenção provocada de E... e de D... - projectos imobiliários, SA, uma vez que pretende que sejam penhorados prédios que estão registados em nome destas duas intervenientes.

Invoca a procedência da acção de impugnação pauliana, na qual esta última foi ré, bem como o facto de na pendência da mesma terem sido transmitidos alguns dos prédios para a primeira.

Cumpre decidir.

Tal como já dissemos, nos presentes autos a exequente requereu o prosseguimento da excepção e da penhora de bens que indicou, na sequência da decisão proferida nos autos declarativos que corriam os seus termos e nos quais a aqui exequente peticionou a impugnação pauliana relativa a transmissões efectuadas pela executada.

Analisado tal acórdão, bem como as certidões prediais que foram juntas aos autos, verifica-se que os prédios elencados nas alíneas f) a j) estão registados em nome de E... e o prédio referido na al. e) em nome de D... …SA, ré na mencionada acção.

Por sua vez, a interveniente E... não foi demandada na referida acção declarativa, tendo a transmissão ocorrido durante a pendência de tal acção.

A legitimidade passiva na execução é atribuída em regra a quem no título figure como devedor. Porém, essa regra sofre excepções ou desvios, mesmo supervenientes.

Um desses desvios verifica-se quando o exequente pretenda que a execução incida sobre bens que são património de terceiro, tal como decorre do disposto no art.º 818.º e 616.º do CC, uma vez que a procedência da impugnação conduz a que os bens transmitidos possam ser executados, como se não tivessem saído do património do devedor. Daí que se venha defendendo na doutrina e na jurisprudência a aplicação do disposto no art.º 54.º, n.º 2 do CPC por analogia, fazendo-se operar, por via do mesmo, a intervenção principal provocada nos autos executivos do terceiro adquirente.

A intervenção de terceiros com direito a intervir na causa como associados de uma das partes justifica-se quando a pessoa em nome de quem os prédios estão registados tiver sido demandada nos autos de impugnação pauliana (o que se verifica relativamente à interveniente D... ... SA).

Justifica-se, igualmente, quando se verifique uma transmissão na pendência da acção de impugnação pauliana (o que se verifica relativamente à interveniente E... ), atento o disposto no art.º 271.º, n.º 3 do CPC).

Em face de todo o exposto, admite-se a intervenção principal provocada de E... e de D... , SA como associados da executada, com eles prosseguindo os autos executivos, de molde a que sejam penhorados os bens nomeados pela exequente, bens esses que foram objecto da acção de impugnação pauliana

Notifique”.

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Do decidido interpôs a executada B... , Lda., o presente recurso e, tendo produzido alegações, formulou a final as seguintes necessárias conclusões:

“A - A ora recorrente não se conforma com o Despacho produzido pela Douta Vara Mista de Coimbra que, na sequência da renovação da instância executiva por parte da recorrida A... , Lda., determinou: “Em face de todo o exposto, admite-se a intervenção principal provocada de E... e de D... , SA, como associados da executada, com eles prosseguindo os autos executivos, de molde a que sejam penhorados os bens nomeados pelo exequente, bens esses que foram objecto da acção de impugnação pauliana”

B - O Despacho em crise, no entendimento da Recorrente, padece de vícios que definitivamente o inquinam e a sua prolação é susceptível de causar danos irremediáveis e irreparáveis que, com a decisão que venha a ser proferida pelos Venerandos Desembargadores, urge evitar ou minimizar.

C - O objecto do presente Recurso é a admissibilidade da Intervenção Principal Provocada de E... - subadquirente de um prédio objecto de Impugnação Pauliana em que foram intervenientes/partes os aqui executados e D... , S.A. e a Exequente e ora recorrida, designadamente por força do disposto no art.º 271º do CPC, na sequência da dedução do Incidente da Intervenção Principal Provocada – e, consequentemente, da penhorabilidade dos imóveis por aquela adquiridos, bem como da sociedade D... , S.A. por, não se encontrar na titularidade da mesma o imóvel a que se faz alusão no despacho em crise.

D – Da factualidade com relevância destaca-se: i) A Recorrida e exequente instaurou acção Pauliana que incluía os imóveis posteriormente transmitidos a E... em 14.07.2003; ii) Desde Setembro de 2005 que E... possui registada a seu favor a aquisição dos prédios descritos pela exequente no seu requerimento de renovação da instância (als. a) a d) e f) a j) do ponto 4) do Requerimento de Renovação de Instância da Exequente e Recorrida e respectivo Documento n.º 3; iii) A Exequente/Recorrida em 09.12.2003 requereu, nos autos de Acção Pauliana, a intervenção principal provocada de E... , a qual veio a ser indeferida por ilegitimidade, decisão confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra contudo, não por ilegitimidade mas por se entender não ser admissível o chamamento a juízo do promitente-comprador – cfr. doc. n.º 4 junto com o Requerimento de Intervenção Principal Provocada deduzido nos presentes autos; iv) Até ao Requerimento de Intervenção Principal Provocada que desencadeou o despacho nesta sede em crise a Exequente/Recorrida não demandou, apesar de conhecer o negócio, por nenhuma forma, E... ; v) Quer a aquisição, quer os registos anteriores, foram efectuados sem qualquer prévio registo de ónus ou encargos e foi inclusivamente registado CPCV nos imóveis, denotador da transparência do negócio, vi) A Executada B... , Lda. e ora recorrente (e não a sociedade D... , S.A.) possui registada a seu favor a aquisição do prédio descrito pela exequente no seu requerimento de renovação da instância (als. e) do ponto 4) do Requerimento de Renovação de Instância da Exequente e Recorrida e respectivo Documento n.º 3;

E - Conforme supra se refere E... não teve intervenção no processo de Impugnação Pauliana face à decisão que naquele foi proferida no tocante à peticionada intervenção principal provocada.

F - Ora, destinando-se a acção executiva a obter o cumprimento duma obrigação, serão normalmente partes legítimas os sujeitos dessa obrigação (credor e devedor), é o que resulta do art.º 55.º n.º 1 do CPC (actualmente art.º 53.º do NCPC)

G - Nos presentes autos executivos E... (e D... , S.A.), porque quanto a eles requerida a intervenção principal provocada, não são devedores.

H - Na verdade, julgada procedente acção de impugnação pauliana, tendo por objecto o bem alienado pelo devedor a terceiro, é possível a execução desse bem no património do terceiro adquirente, podendo o credor mover logo a execução contra o adquirente dos bens, sem necessidade de fazê-los reverter ao património do alienante para aí os executar – art. 616º, n.º 1, do CC, por referência ao art.º 818.º do mesmo diploma legal.

I - Contudo, se tal poderá ser assim considerado relativamente à sociedade D... , S.A. porque assim foi decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra – cfr. doc. n.º 1 junto pela Exequente no Requerimento de Renovação da Instância Executiva, já o mesmo não se poderá admitir relativamente a E... porque não teve qualquer intervenção no processo de Impugnação Pauliana atendendo ao supra exposto.

J - Ora, em relação a E... não está demonstrada, para que os bens que lhe foram transmitidos possam ser executados, nenhuma destas situações i) quando sobre eles recaia direito real constituído para garantia do crédito exequendo, ou ii) quando tenha sido julgada procedente impugnação pauliana de que resulte para terceiro a obrigação de restituição dos bens ao devedor.

K - Na verdade, sem se atacar judicialmente o acto de transmissão operado pela dita sociedade a E... , não se vê como se possa fazer excutir o(s) bem(ns) por esta adquirido(s), pois que nenhuma obrigação tem a mesma, no presente, de restituir o bem, quer ao devedor, quer a D... e, ainda, à Recorrida e Exequente A... .

L - Como dizia o Prof. Vaz Serra, BMJ n.º 75, pág. 295 e RLJ, Ano 111, pág. 156, os subadquirentes adquiriram do verdadeiro titular do direito e, portanto, a sua aquisição não cai pelo simples facto de ser julgada procedente a acção contra o adquirente primitivo. Para que possam ser obrigados, é preciso que sejam por sua vez accionados e se verifiquem, quanto a si mesmos, os requisitos gerais da acção.

M - Ora, salvo melhor e Douta Opinião, o incidente de intervenção principal provocada não está funcionalmente vocacionado para a discussão da relação contratual estabelecida entre o adquirente D... , S.A. e a subadquirente E... , relação essa completamente estranha à demanda inicial.

N - Por outro lado, no entendimento da aqui Recorrente, contrariamente ao entendimento do Douto Tribunal, o regime previsto no art.º 271º, n.º 3 é, in casu, inaplicável porquanto é pressuposto da sua aplicabilidade tratar-se de uma “transmissão de coisa ou direito litigioso” - n.º 1 do art.º 271º, não tendo sido transmitido o direito ou a obrigação em causa, mas apenas o bem que funciona como garantia de pagamento, não se encontra preenchido o pressuposto da transmissão de coisa ou direito litigioso.

O - Assim, entende a recorrente que se impõe seja o despacho de admissão da intervenção principal provocada de E... revogado e substituído por outro que não admita essa pretensão.

P - Com esta decisão, no entendimento da recorrente, o Tribunal violou o disposto nos art.ºs 55.º, 821.º n.ºs 1 e 2 e 271.º, todos do CPC (actualmente e respectivamente 53.º, 735.º n.ºs 1 e 2 e 263.º, todos do NCPC) e ainda os art.ºs 818.º e 616.º n.º 1 do CC.

Q - Já no que respeita à sociedade D... , S.A., salvo melhor e Douta Opinião, da análise da Certidão Predial do imóvel descrito sob a ficha 4574 (cfr. doc. n.º 3 junto com o Requerimento de Renovação da Instância) é titularidade da aqui recorrente e não daquela sociedade, razão pela qual igualmente não deverá ser admitida a Intervenção principal Provocada da sociedade D... , S.A.”

Com tais fundamentos pretende a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que indefira o pretendido pela exequente e ora recorrida A... .

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Contra alegou a apelada e, fazendo notar que as conclusões formuladas pela recorrente são um decalque das alegações, assim tendo resultado incumprido o disposto no art.º 639.º do CPC, suscitou ainda, a título de questões prévias, a falta de legitimidade da recorrente e a irrecorribilidade do despacho posto em crise em sede de apelação autónoma, que entende não poder ter lugar, por não ser aplicável o disposto na al. h) do n.º 2 do art.º 644.º do CPC.

No tocante ao mérito do recurso, concluiu pela sua improcedência, pois a entender-se que o subadquirente de má-fé que adquire na pendência da acção de impugnação pauliana não fica vinculada pela decisão proferida, estaria encontrado o caminho para, pela via de sucessivas aquisições, defraudar, esvaziando de qualquer utilidade, as sentenças que viessem a ser proferidas.

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O recurso veio a ser admitido como apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo, à luz dos invocados art.ºs 627.º, n.ºs 1 e 2, 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 2, 637.º, n.ºs 1 e 2, 638.º, 644.º, n.º1, al. h), 645.º, n.º 2 e 647.º, n.º1, todos do NCPC.

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Questões prévias:

i. da violação do disposto no art.º 639.º do CPC

Defendeu a apelada a necessidade de formular convite à apelante no sentido de aperfeiçoar as conclusões formuladas.

Prevê efectivamente o n.º 3 do artigo 639.º que, no caso das conclusões se apresentarem deficientes, obscuras e/ou complexas, deve o relator convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou completá-las, isto sob pena de não conhecer do recurso, na parte que estiver afectada.

A lei fornece uma noção de conclusões -a indicação de forma sintética dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão- (cfr. n.º 1 do preceito que vimos analisando)[1].

Não obstante a clareza do comando legal, a verdade é que com grande frequência se regista um desvio, mais ou menos significativo, do apontado normativo, sucumbindo as partes à tentação de reproduzir em sede de conclusões a exposição feita ao longo das suas alegações, tantas vezes determinadas, cremos, pelo receio de ver excluída pelo Tribunal de recurso alguma questão ou argumento que pretendam ver apreciados.

Todavia, vimos entendendo que o convite ao aperfeiçoamento será indispensável apenas nos casos em que as conclusões apresentem deficiências ou obscuridades capazes de prejudicar a completa apreensão e delimitação do objecto do recurso, quer o cabal exercício do contraditório. O que não sucede, desde já se antecipa, no caso vertente.

Com efeito, concedendo que as conclusões formuladas poderiam ter sido sintetizadas, com eventual supressão de algumas delas, não há dúvida que a sua formulação permite delimitar com precisão o objecto do recurso, e assim foi aliás cabalmente entendido pela parte contrária, que contra-alegou com competência.

Deste modo, fazendo prevalecer o interesse da celeridade processual e porque não resultou perturbado o bom exercício do contraditório, abstemo-nos de formular à recorrente o sugerido convite ao aperfeiçoamento.

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ii. da (i)legitimidade da recorrente

Conforme resulta do antecedentemente exposto, arguiu a apelada a ilegitimidade da recorrente, uma vez que, em seu entender, não se verifica o requisito do vencimento, não se vislumbrando em que medida é que o despacho impugnado a possa prejudicar, directa e efectivamente.

Sob a epígrafe “Quem pode recorrer”, o art.º 631.º do nCPC confere legitimidade para tanto, para o que ora releva, “a quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido” (n.º 1 do preceito) e “às pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias”, categoria abrangida pela previsão do n.º 2.

Determina assim a regra geral que só a parte principal que tenha ficado vencida pode recorrer[2]. E como se afere este pressuposto subjectivo?

Tratando-se no caso vertente de uma execução, não há dúvida que partes principais na causa são exequente e executada, ou seja, as partes no recurso interposto. Mas terá a executada ficado vencida?

Conforme alerta o Sr. Conselheiro Abrantes Geraldes, mais do que indagar a conduta da parte que precedeu a decisão, critério formal, importa verificar em que medida a mesma decisão lhe foi objectivamente desfavorável, ou seja, em que medida desatendeu a sua pretensão, que resultado -negativo- produziu na sua esfera jurídica[3] (critério material).

No caso em apreço, tanto quanto resulta dos elementos constantes deste apenso, a ora recorrente não terá deduzido oposição à requerida intervenção da subadquirente E... , conduta precedente à prolação da decisão impugnada que, todavia, e como vimos, não constitui critério decisivo para aferir da legitimidade da parte recorrente. Não obstante, a verdade é que não vemos em que medida a decisão de admitir a intervenção nos autos da subadquirente dos bens causa gravame à apelante -gravame que se afere por um critério prático- no sentido de desfavorecer os seus interesses. Vejamos:

Tal como a recorrente não deixou de reconhecer, com o presente recurso pretende obviar à intervenção da subadquirente dos bens e, com isso, evitar que a penhora incida sobre eles. E aqui cabe perguntar: tendo o negócio de aquisição dos imóveis ora indicados à penhora sido celebrado entre a adquirente D... , SA e a chamada, a ele sendo aparentemente estranha a executada e aqui recorrente, que prejuízo poderá advir para si desta intervenção e subsequente penhora?

Por outro lado, e decisivamente, estranha à decisão que aqui viesse a ser proferida, no caso de improcedência do recurso, à interveniente não poderia obviamente ser negado o direito a impugnar a decisão que determinou o seu chamamento e eventual penhora que viesse a ser ordenada sobre os bens cujo direito de propriedade se encontra registralmente inscrito em seu favor e assim presuntivamente na sua titularidade, por nisso ter claramente interesse, por se tratar de decisões que afectam negativamente a sua esfera jurídica, o mesmo é dizer, que a prejudicam.

E por assim ser, evidenciada fica a ilegitimidade da recorrente, por não se encontrar negativamente afectada na sua esfera jurídica pela decisão que visa impugnar, prejuízo que antes se reflecte na esfera jurídica de outrem.

Pelo exposto, atenta a procedência da questão prévia suscitada, com fundamento na falta de legitimidade da recorrente, não poderá conhecer-se do objecto do recurso.

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III. Decisão

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 1ª secção cível deste Tribunal da Relação de Coimbra em não conhecer do objecto do recurso por ilegitimidade da recorrente.

Custas a cargo da apelante.

Maria Domingas Simões (Relatora)

Nunes Ribeiro

Helder Almeida

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Sumário

I. De acordo com a regra geral consagrada no n.º 1 do art.º 631.º do CPC, só a parte principal que tenha ficado vencida pode recorrer.

II. Para se aferir da verificação do pressuposto “vencimento”, mais do que indagar a conduta da parte que precedeu a decisão, critério formal, importa verificar em que medida a mesma decisão lhe foi objectivamente desfavorável, ou seja, em que medida desatendeu a sua pretensão, que resultado -negativo- produziu na sua esfera jurídica (critério material).

III. Apesar de parte principal na causa, à executada falece legitimidade para recorrer do despacho que admitiu a intervenção principal de quem adquiriu do terceiro adquirente, que foi réu na acção de impugnação pauliana instaurada pela exequente e na pendência dela, por tal decisão nenhum gravame fazer àquela -gravame que se afere por um critério prático- no sentido de desfavorecer os seus interesses e/ou acarretar-lhe prejuízo.

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[1] Conclusões, conforme explicava o Prof Alberto dos Reis, CPC anotado, vol. V, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra 1981,pág. 359, são “proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação”.
[2] Sr. Juiz Cons.º Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, 2. ª edição, pág. 66.
[3] Obra citada, págs. 66 a 68.