Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
477/03.2TBVNO.C3
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: DELIBERAÇÃO SOCIAL
ANULAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
GRAVAÇÃO DA PROVA
NULIDADE
MATÉRIA DE FACTO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 10/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OURÉM 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 58, 63, 222, 223, 228 CSC, 334 CC, 155, 195, 456 CPC
Sumário: 1 -Perante divergência anterior, o NCPC - artº 155º nº4 do CPC – optou, pela tese de que a falta ou a deficiência da gravação deve ser invocada no prazo de dez dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada - e não nas alegações -, sendo que tal nulidade atípica deve ser arguida logo na 1ª instancia, e devendo o arguente, para a sua concessão, demonstrar a sua essencialidade.

2 - Os atos pretéritos consubstanciadores do abuso de direito, nas modalidades do venire contra factum proprium e do tu quoque, têm de estar numa relação de causa-efeito e adequação com a atuação posterior que pode clamar tal abuso.

3 - Assim, se a sociedade recusa, ilegalmente, a presença de notário na assembleia requerida por sócio, a anulação desta daí decorrente não pode ser acobertada/sanada, ex vi do abuso de direito do sócio naquelas modalidades, com o fundamento de postura contraditória e, bem assim, violação do seu dever de dar preferência à sociedade na cessão da quota, pois que estes factos nada têm a ver ou não estão diretamente conexionados com aquela ilegalidade, a qual até se coloca a montante dos mesmos.

4 – A convicção sobre a verificação de artigos da BI que encerrem matéria algo conclusiva e com laivos de subjetividade tem de ser alicerçada numa prova mais forte e inequívoca do que a necessária para a prova de factos de jaez mais conciso e preciso.

5- Considerando que a condenação por má fé implica não apenas uma afetação económico-financeira, como um desmerecimento a nível pessoal, marcante e inquinador, o convencimento sobre a verificação da mesma implica uma prova mais acutilante e intensa, a qual, assim, alcandore a uma convicção de certeza ou quase certeza.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.
AO (…), AJ (…), LA (…), HN (…) e MM (…) ,instauraram contra M (…) Filhos, Lda  ação declarativa, de condenação, com processo ordinário.

Pediram:
Sejam anuladas as deliberações tomadas na assembleia-geral da sociedade ré, no dia 16 de Fevereiro de 2003;
A condenação da ré a reconhecer como eficaz a transmissão da quota no valor nominal de € 150.000,00 operada entre os autores e a sociedade J (…) S.G.P.S, S.A., pela escritura de aumento do capital social da referida sociedade.
Para o efeito, alegaram, em síntese:
A ré é uma sociedade por quotas com o capital social de € 600.000,00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Ourém, sob o nº (...), constituída por escritura de 29 de Março de 1956;
O autor AO (…) é viúvo de JM (…) e os autores AJ (…), LC (…), HN (…) e MM (…) , filhos do autor AO (…)e de JM (…) e seus únicos e universais herdeiros;
JM (…) era titular, em comum com o autor AO (…) de uma quota com o valor nominal de € 150.000,00 na sociedade ré;
Por escritura pública datada de 19 de Dezembro de 2002 os Autores procederam ao aumento de capital da sociedade anónima «J (…), SA» com sede na (...), Loures, através da realização de entradas em espécie e em dinheiro;
Nessa escritura foi integrada a quota que os autores detinham na ré;
Por carta entregue em 6 de Janeiro de 2003 os autores deram conhecimento à ré da escritura de aumento do capital social da J (…) S.A.;
Por carta registada com aviso de recepção expedida em 31 de Janeiro de 2003 foi convocada assembleia-geral extraordinária da Ré, para ter lugar no dia 16 de Fevereiro de 2003.
Esta convocatória foi enviada apenas ao autor AO (…) motivo pelo qual, os autores AJ (…), LA (…), HN (…) e MM (…)não compareceram a tal assembleia-geral;
Existe insuficiência da convocatória, na medida em que  em tal assembleia estava em causa a alienação da quota dos autores na ré, que o único autor convocado não tinha poderes para deliberar, porque os restantes contitulares da quota não lhe tinham conferido poderes de disposição;
A acta da mencionada assembleia-geral não foi lavrada por notário, contrariamente, ao que havia sido requerido pelo autor AO (…), em tempo oportuno.
O autor AO (…) foi ilegalmente impedido de participar na discussão e na votação da ordem dos trabalhos, quando sendo representante comum dos demais contitulares da quota, apenas estava impedido de votar o ponto dois da convocatória, em virtude de não ter poderes de disposição.
No que se refere à negação do consentimento da ré para a integração da quota de que os autores são contitulares no capital social da J (…) S.A., porque não se tratou de uma cessão de quotas, mas apenas de um acto de transmissão entre vivos, a validade e eficácia de tal transmissão verifica-se, independentemente desse consentimento, porque, por aplicação do disposto no art. 228º nº 3 do CSC, bastava e basta a mera comunicação do acto, à ré.
Em todo o caso, sempre seria eficaz perante a ré, em virtude de esta não ter apresentado por escrito a proposta de amortização da quota a todos os autores, sendo certo que nenhum dos autores participou na deliberação, seja porque nem sequer foram convocados, seja porque o único autor convocado, foi impedido de participar na deliberação.
Por fim, a proposta de amortização sempre se teria de considerar omitida, na medida em que não obedeceu aos requisitos legais, concretamente, o previsto no art. 231º nº 2 al. d) do CSC.

Contestou a ré.
Disse, nomeadamente, e no que para o que ora interessa:
Com a cessão de quota de que eram contitulares na ré, para a sociedade J (…)S.A., os autores afastaram, à revelia da lei e do pacto social e do conhecimento ou consentimento da sociedade ré, qualquer possibilidade de a ré, no futuro, se opor à entrada de novos sócios, estranhos à sociedade, quer o direito de preferência dos restantes sócios da ré, numa futura transmissão dessa quota.
E esse aumento de capital social consubstancia uma verdadeira e própria cessão de quotas.
No caso vertente, é aplicável o nº 2 do art. 228º do CSC, que exige o consentimento da sociedade quanto à cessão a estranhos de quotas da mesma sociedade, além do que foi violado o pacto social da ré, cuja cláusula quinta estabelece a preferência a favor dos sócios da ré, em caso de cessão de quotas a estranhos;
A convocatória foi enviada apenas ao autor AO (…), porque este último, além de contitular da quota, era o representante comum dos restantes autores e, por aplicação do nº 2 do art. 222º do CSC, o dever de convocação mostra-se cabalmente cumprido.
Além disso, não estava em causa a alienação da quota, porque o que foi submetido à deliberação foi apenas a discussão e aprovação de uma proposta de amortização da quota a apresentar aos autores.
A acta não tinha de ser elaborada por notário, porque o autor AO (…) não endereçou o correspondente pedido em tempo útil, uma vez que o quinto dia útil seguinte ao da data em que tal pedido foi remetido à ré, foi o dia 17 de Fevereiro de 2003, ou seja, um dia depois da realização da assembleia geral, sendo certo que o nº 7 do art. 63º do CSC alude a cinco dias úteis antes da data da assembleia geral.
O pretenso impedimento do autor AO (…) em participar nos trabalhos da assembleia-geral da ré em 16 de Fevereiro de 2003 é a demonstração cabal da má-fé com que os autores litigam.
Além disso, o autor AO (…), ao afirmar, contrariamente ao que havia dito momentos antes do início dos trabalhos e ao que constava de carta dirigida à ré, mais de um ano antes, nos termos da qual havia sido nomeado representante comum dos restantes autores, que se encontrava naquela assembleia, a título pessoal e que não representava os outros autores, colocou-se, voluntariamente, em posição de não poder votar.
Por isso, não deve poder prevalecer-se de uma situação que ele próprio criou, sob pena de abuso de direito.
A proposta de amortização foi válida e eficazmente apresentada, quer porque o autor AO (…) é o representante comum de todos os autores, nos termos do art. 222º nº 2 do CSC, quer porque essa proposta não está sujeita a qualquer formalismo, podendo ser verbal, desde que seja receptícia e a verdade é que foi logo comunicada, no dia da assembleia geral, ao mesmo autor A (...);
Pediu:
A improcedência da ação e  a condenação de todos os autores em multa e indemnização à ré, como litigantes de má-fé, em montante não inferior a € 5.000,00 e, cumulativamente, a condenação do autor A (...), também como litigante de má-fé, em multa e indemnização à ré, em montante nunca inferior a € 5.000,00.

Os autores replicaram.
 Reiterando a sua posição e pugnando pela sua absolvição do pedido de condenação como litigantes de má-fé e pedindo a condenação da ré em multa e indemnização como litigante de má-fé.

2.
Prosseguiu o processo os seus termos, tendo a final, sido proferida sentença que:
-Julgou a acção não provada e improcedente e, em consequência, absolveu a ré de todos os pedidos.
-Condenou cada um dos autores, como litigantes de má-fé, na multa equivalente a 7 Ucs.
-Determinou a notificação de ambas as partes, nos termos e para os efeitos previstos no art. 457º nº 2 do CPC, para efeitos de fixação do montante da indemnização devida à ré, com fundamento na litigância de má-fé dos autores.

3.
Inconformados recorreram os autores.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)

Contra-alegou a ré pugnando pela manutenção do decidido, nos seguintes termos:
(…)
4.
Por Acordão desta Relação foi a sentença anulada e ordenada a repetição do julgamento para apreciação do artº 6º da BI com a seguinte redação:
«Antes da realização da assembleia geral de 16 de Fevereiro de 2003,  o autor AO (…)  assumiu-se perante os restantes sócios da ré como representante comum dos contitulares da quota dos autores?»  
 
Foi repetido o julgamento tendo  o teor de tal artigo sido dado como provado.

E tendo sido proferida sentença na qual foi decidido:
«Termos em que julgo a presente acção não provada e improcedente e, em consequência, absolvo a ré de todos os pedidos. Condeno cada um dos autores AO (…), AJ (…), LA (…), HN (…) e MM (…)como litigantes de má-fé, na multa equivalente a 35 UCs.
Condeno os autores AO (…), AJ (…), LA (…), HN (…) e MM (…)como litigantes de má-fé, a pagarem aos Ilustres Mandatários da ré, a quantia global de € 40.954,20, devidas por honorários – art. 457º nº 1 al. a) do CPC.»

5.
Mais uma vez inconformados recorreram os autores:
Terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)

Contra-alegou a ré pugnando pela manutenção do decidido.
6.
Sendo que, por via de regra: artºs 635º e 639º-A  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são, lógica e metodologicamente, as seguintes:

1ª- Nulidade processual por deficiente gravação dos depoimentos.
2ª -  Nulidade da sentença nos termos do artº 668º nº1 als.c) e d) do CPC.
3ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.
4ª-  Procedência do pedido.
5ª - Inexistência de má fé dos autores.

7.
Apreciando.
7.1.
Primeira questão.
No domínio do CPC na sua redação pretérita era entendido que a deficiente ou inexistência da gravação da prova  prevista no D.L. n.º 39/95 de 15/2  constituía nulidade processual secundária – artº 201º - a arguir mediante reclamação, perante o tribunal de 1ª instância, mantendo-se, porém, se indeferida, no âmbito do recurso para a Relação. – Acs. do STJ de 23-10-2008, dgsi.pt, p.08B2698  e de 13-01-2009, p. 08A3741.
Quanto à oportunidade de tal arguição entendia-se ser aplicável o disposto no artº 205º.
E no atinente à sua tempestividade, hoc sensu, existiam duas orientações no STJ.
Uma  defendia  «estar em tempo a arguição operada nas alegações de recurso de apelação» «pois é da normalidade da vida forense que as partes não vão pedir a audição de todo o material áudio para verificar da perfeição técnica da gravação, a não ser no momento da elaboração da sua alegação para dela fazerem constar os concretos meios probatórios em que fundam a sua discordância…» - cfr, entre outros, o AC do STJ de 29.04.2014, p. 1937/07.1TBVCD.P1.S1 (proferido em caso ainda no domínio de aplicação da lei anterior)
Para outra o prazo de arguição do vício de deficiência de gravação, era de dez dias  - art. 153º nº 1 do CPC - e iniciava-se imediatamente após o termo da audiência de discussão, ou, pelo menos, após a data de entrega à parte da cópia da gravação.
Pois que se entendia que a parte devia então diligenciar, dentro do aludido prazo, pela audição dos registos magnéticos, presumindo-se um comportamento negligente da mesma parte - ou do respetivo mandatário - caso não efetuar esta audição.  – cfr. Ac. do STJ de 22-02-01 Revista nº 3678/00-7ª.
A lei atual veio  tomar o partido deste último entendimento.
Pois que estatui: «a falta ou a deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de dez dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada» - artº 155º nº4 do CPC.
Naturalmente que esta opção teve na sua génese o fito que enformou a reforma, qual seja, o de uma maior celeridade processual.
No caso vertente os recorrentes alegam que pediram cópia das gravações para prepararem as alegações de recurso.
Tal cópia foi-lhes concedida em 24.02.2014 – fls 1157.
Depois disso foi proferido despacho de aperfeiçoamento no sentido de os recorrentes juntarem, com o seu requerimento de interposição de recurso, as respetivas alegações, como manda a atual legislação que já se aplica ao caso.
E, neste largo lapso de tempo, eles não arguiram a nulidade.
O que, como se viu, tinha, desde logo e em primeira mão, de ser feito na primeira instancia.
Consequentemente e como defendem os recorridos, esta sua pretensão alcança-se como extemporânea.
Mas mesmo que assim não fosse, há que ter presente que a nulidade apenas poderia ser atendida se influísse no exame e decisão da causa.
É o que dimana da aplicação da regra geral do artº 195º do CPC e é consignado na própria legislação especial do cit. DL o qual no seu artº 9º estatui: «Se em qualquer momento se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra impercetível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade.»
Ou seja, apenas se justifica a repetição quando a deficiência, objetivamente, implique a impercetibilidade do que ficou dito, ou na totalidade, ou na parte que o recorrente aduz e que reporta como essencial para a fundamentação da sua pretensão de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Na verdade: «importa saber se a parte imperceptível é essencial para o apuramento da verdade (de acordo com o citado artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 39/95) havendo que considerar que esse pressuposto deve ser afirmado pelo recorrente, que tem de aduzir razões para de tal convencer o Tribunal» - Ac.do STJ de 02.02.2010, p. 1159/04.3TBACB.C1.

In casu constata-se que efetivamente os depoimentos da sessão de 12.11.2013 não estão totalmente reproduzidos.
Porém tal sessão destinou-se apenas a efetivar a acareação das testemunhas que operaram depoimentos antagónicos quanto ao cerne da audição: se o Amaro antes do inicio da assembleia se apresentou como representante dos contitulares da quota ou em nome individual.
E ouvidas as partes gravadas delas se retira que as testemunhas  se limitaram, no essencial, a reiterar o que já nas sessões anteriores tinham afirmado.
Assim se concluindo pela inocuidade da deficiência para a boa decisão da causa.
Aliás nem o recorrente explicita cabalmente a necessidade/essencialidade de tais esclarecimentos, acabando, ele próprio, por impugnar a  resposta dada ao artº 6º da BI, com base nos depoimentos das suas testemunhas que pugnaram pela sua tese e, determinantemente, alicerçado em prova documental, qual seja, a ata da assembleia em causa.

7.2.
Segunda questão.
Os recorrentes reiteram a sua pretensão de ver a sentença declarada nula por contradição e infundamentação.
E aduzindo os mesmos argumentos já expostos no anterior recurso.
Esta questão foi já apreciada no Acordão precedente desta Relação que anulou a sentença, e que consta no processo.
Estamos, assim, perante caso (questão) julgada.
No entanto, para que dúvidas não restem, reitera-se aqui, em sumula, o ali decidido, a saber:
«Inexistem os apontados vícios.
A sentença encontra-se fundamentada.
 De facto, com prova e carreamento para a decisão, do acervo factual dado como provado.
E de jure, com consideração de tal factualismo, a sua subsunção nas normas legais tidas como pertinentes e a  interpretação destas tida por mais curial.
Analisado o discurso argumentativo e conclusivo e fazendo a sua analise em conjugação e concatenação com o acervo factual  invocado e dado como apurado bem como com a decisão proferida, facilmente se conclui que inexiste qualquer erro ou vício lógico ou silogístico entre os fundamentos e a decisão, antes pelo contrário: o julgador entendeu que os factos que ele invocou, naturalmente porque tido como assente e apurado, não permitiam imputar à ré a responsabilidade que lhe era assacada pelos autores e, lógica e consequentemente, concluiu pela  sua não responsabilização, absolvendo-a do pedido e, inclusive, condenando aos autores como litigantes de má fé.
Finalmente, inexiste omissão ou excesso de pronúncia já que às únicas e essenciais questões que se levantam nestes autos – saber se devem ser anuladas as deliberações da ré   e  ser esta condenada a reconhecer como eficaz a transmissão da quota– o tribunal emitiu decisão final expressa e inequívoca, concluindo no sentido negativo.
Perspectiva diferente é saber se tal pronúncia é a mais curial e consentânea com os factos provados, os dispositivos – legais e contratuais – pertinentes e a melhor  interpretação que de tais factos e normas deve ser feita.
Ou seja, o cerne do problema não se prende com a nulidade da sentença mas sim com o (de)mérito do decidido, isto é, com a sua (i)legalidade.»

7.3.
Terceira questão.
7.3.1.
Há que considerar que no nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607º nº 5º do CPC.
Perante o estatuído neste artigo pode concluir-se, por um lado, que a lei não considera o juiz como um autómato que se limita a aplicar critérios legais apriorísticos de valoração.
Mas, por outro lado, também não lhe permite julgar apenas pela impressão que as provas produzidas pelos litigantes produziram no seu espírito.
 Antes lhe exigindo que julgue conforme a convicção que aquela prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.
Na verdade prova livre não quer dizer prova arbitrária, caprichosa  ou irracional.
Antes querendo dizer prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente, posto que em perfeita conformidade com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.
7.3.2.
Não obstante há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.
Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.
Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, dgsi.pt, p.03B3893.
 Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.
Nesta conformidade  - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade, e, até, falibilidade, vg. no que concerne á decisão sobre a matéria de facto.
Mas tal é inelutável e está ínsito nos próprios riscos decorrentes do simples facto de se viver em sociedade onde os conflitos de interesses e as contradições estão sempre, e por vezes exacerbadamente, presentes, havendo que conviver - se necessário até com laivos de algum estoicismo e abnegação - com esta inexorável álea de erro ou engano.
O que importa, é que se minimize o mais possível tal margem de erro.
O que passa, tendencialmente, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.
7.3.3.
Nesta perspetiva importa atentar, na sequência de basta jurisprudência, que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas, nem pode significar a desvalorização da sentença de 1ª instância, que passaria a ser uma espécie de "ensaio" do verdadeiro julgamento a efetuar pelo Tribunal da Relação.
Na verdade é da decisão recorrida que tem sempre de se  partir, porque, apesar de o tribunal de recurso operar uma apreciação autónoma e própria, ele, no rigor dos princípios, não julga, nesta matéria, ex novo, pois que não pode alicerçar-se em todas decorrências e benefícios oriundos da produção imediata e direta da prova, máxime a testemunhal.
Por conseguinte, e como dimana do DL 39/95 de 15.02: «A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto... Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido»
Isto porque tal constituiria quasi uma desconsideração, por suspeição e/ou incompetência, do julgador de 1ª instancia e ainda: «injustificada sobrecarga que adviria para o tribunal de recurso e, até, o indesejável surgimento de situações em que o meio impugnatório só é utilizado com intuito de mera dilação processual» - Ac. do STJ de  14.01.2009, p. 08S934.
Nesta conformidade, ao recorrente  não basta operar um uma divergência com o decidido (porque, afinal, quem julga é o juiz), mas antes invocar e convencer de um inadmissível erro judicial, oriundo da inaceitável apreciação probatória operada.
O que passa, não apenas pela referencia genérica aos meios probatórios produzidos, os quais, em tese e em abstrato, até podem apontar no sentido diverso do decidido, mas antes por uma análise e dilucidação  dos mesmos que, em concreto, possam convencer da bondade da sua pretensão – cfr. Ac. da RC de 29-02-2012, proc. nº 1324/09.7TBMGR.C1.
7.3.4.
(…)
Assim e versus o expendido na decisão, existe prova suficiente para permitir que a resposta dada não seja totalmente negativa, mas antes devendo ser restritiva/explicativa, com o seguinte teor:
Provado que No início da assembleia geral o autor AO (…) constatando a não presença de notário, requereu, a partir da leitura dos documentos de fls. 34 a 36, a interrupção dos trabalhos e a marcação de uma nova assembleia.
7.3.5.
Decorrentemente, os factos a considerar são os seguintes:
A ré é uma sociedade por quotas com o capital social de € 600.000,00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Ourém, sob o nº (...), constituída por escritura de 29 de Março de 1956 (alínea A) da matéria assente);
Nos termos da cláusula quinta do pacto social da ré, «é livre a cessão de quotas entre os sócios; para estranhos a cessão no todo ou em parte fica dependente do direito de preferência dos restantes sócios, ou de qualquer deles, nos termos seguintes:
«a) quando qualquer sócio desejar ceder a sua quota – no todo ou em parte – avisará os restantes por carta registada com aviso de recepção, na qual indique o nome do pretendente e o preço da cessão;
«b) se no prazo de vinte dias, a contar da data da recepção da carta, nenhum dos sócios desejar usar da preferência, bastando para tal não responder, fica o cedente livre para efectuar o contrato com o pretendente, nos termos da proposta;
«c) se qualquer sócio desejar a opção, fá-lo-á pelo preço da proposta, devendo no prazo de cinco dias, a contar da comunicação, entregar ao cedente um sinal correspondente a dez por cento do mesmo preço e fixando-se desde logo um prazo, que ficará escrito, para a efectivação do negócio;
«d) se o sócio pretendente não entregar o sinal naquele prazo, fica o cedente imediatamente liberto de compromisso e poderá realizar o seu contrato com o estranho, o mesmo sucederá se o adquirente não efectivar o negócio no prazo marcado;
«e) se qualquer dos contraentes, havendo sinal passado, se negar, haverá perda do sinal ou restituição em dobro, conforme o caso;
«f) se mais que um sócio desejar a opção haverá licitação partindo da base da proposta e a quota será atribuída – no todo ou em parte – ao que mais der, aplicando-se o regime de sinal a prazos acima estabelecido» (pacto social da ré, junto por certidão a fls. 93 e seguintes e arts. 60º e 195º da contestação); O autor AO (…) é viúvo de JM (…) e os autores AJ (…), LA (…), HN (…) e MM (…)filhos do autor AO (…)e de JM (…) e seus únicos e universais herdeiros (alínea B) da matéria assente);
JM (…) era titular, em comum com o autor AO (…) de uma quota com o valor nominal de € 150.000,00 na sociedade ré (alínea C) da matéria assente);
Todos os autores são gerentes da ré (alínea J) da matéria assente);
Em 7 de Junho de 2001 os autores comunicaram por escrito à ré que designavam como representante comum dos titulares da quota junto da sociedade ré o autor Ao (…) (alínea I) da matéria assente);
Por escritura pública datada de 19 de Dezembro de 2002 os Autores procederam ao aumento de capital da sociedade anónima «J (…), SA» com sede na (...), Loures, através da realização de entradas em espécie e em dinheiro (alínea D) da matéria assente);
Na escritura referida em D) foi integrada a quota que os autores detinham na ré (alínea E) da matéria assente);
Consta da escritura referida em D): «Que pela presente escritura e em execução das deliberações tomadas na mencionada assembleia geral realizada em 28 de Março do corrente ano aumentam o capital da aludida sociedade para seis milhões quatrocentos e cinquenta mil euros integralmente subscrita e realizada parte em dinheiro e parte pela transferência de bens, pertencentes a eles outorgantes (accionistas), quer em nome próprio quer em comum, e sem determinação de parte ou de direito, pela forma seguinte (…)
d) A quantia de quatrocentos e onze mil e seis euros a realizar pela transferência para a sociedade de uma quota no valor nominal de cento e cinquenta mil euros no capital da sociedade comercial por quotas M (…)Filhos, Lda» (…) quota esta à qual é atribuído o valor de quatrocentos e onze mil e seis euros e pertencente em comum e sem determinação de parte ou direito aos accionistas AO (…), AJ (…), LA (…) e MM (…)  (alínea F) da matéria assente);
A J (…), S.A., matriculada sob o nº 505169940 na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, é uma sociedade anónima, tendo por objecto a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, constituída com o capital social de € 6.500.000,00 representado em seis milhões e quinhentas mil acções com o valor nominal de € 1,00 cada, nominativas, sendo o Conselho de Administração presidido pelo autor AO (…) e constituído por dois vogais, os autores LA (…)  e o autor HN (…) estando a transmissão de acções, entre vivos, a favor de terceiros, dependente do consentimento da sociedade, através de deliberação da assembleia geral tomada por maioria qualificada de 66% do capital social e os accionistas não alienantes gozam do direito de preferência na sua alienação (pacto social e certidão do registo comercial da sociedade Jular junto aos autos, a fls. 526 a 542 e arts. 6º e 7º da petição inicial);
Com o aumento do capital referido em D), os autores aglutinaram todas as participações sociais de que eram titulares (resposta ao nº 2 da base instrutória);
Por carta entregue em 6 de Janeiro de 2003 os autores deram conhecimento à ré da escritura referida em D) (alínea T) da matéria assente);
Tendo os autores entregue uma cópia do texto que ficou a constar da escritura (resposta ao nº 3 da base instrutória);
Por carta registada com aviso de recepção expedida em 31 de Janeiro de 2003 foi convocada assembleia-geral extraordinária da ré, para ter lugar no dia 16 de Fevereiro de 2003, com a seguinte ordem de trabalhos:
1. Deliberar sobre a cessão da quota indivisa dos herdeiros da falecida sócia, JM (…), realizada por escritura pública de 19 de Dezembro de 2002, conforme carta e cópia entregue em mão própria por aquele, no dia 6 de Janeiro, à gerência da nossa sociedade.
2. Deliberar sobre a eventual recusa de consentimento à cessão enunciada no ponto anterior, e discussão sobre o conteúdo da proposta a apresentar àqueles sócios, nos termos previstos no art. 231º do Código das Sociedades Comerciais (alínea G) da matéria assente);
A convocatória referida em G) apenas foi enviada ao autor AO (…) (alínea H) da matéria assente);
O autor AO (…) através de carta entregue em mão na sociedade, no dia 8 de Fevereiro de 2003 (sábado) requereu que a acta da assembleia-geral referida em F) fosse lavrada por notário (alínea L) da matéria assente);
Os autores AO (…) e AJ (…) compareceram no dia e hora designada para a realização da assembleia-geral (alínea M) da matéria assente);
Antes da realização da assembleia-geral de 16 de Fevereiro de 2003, o autor AO (…)assumiu-se perante os restantes sócios da ré como representante comum dos contitulares da quota dos autores (resposta ao nº 6 da base instrutória);
No início da assembleia geral o autor AO (…) constatando a não presença de notário, requereu, a partir da leitura dos documentos de fls. 34 a 36, a interrupção dos trabalhos e a marcação de uma nova assembleia.
No início dos trabalhos, o autor AO (…) informou a Presidente da Mesa da Assembleia-Geral comunicando que vinha participar na mesma assembleia em nome próprio, ficando a constar da acta: apresentou-se ainda o senhor AO (…) que declarou estar presente em seu nome próprio e que não representava os herdeiros de J (…) apesar do documento assinado por todos os herdeiros de Júlia e que se encontra arquivado na nossa sociedade indicando o Senhor A (…) como representante destes herdeiros (alínea N) da matéria assente);
Consta ainda da mesma acta: A Presidente da mesa depois de auscultada a assembleia quanto à legitimidade do Senhor AO (…) para estar presente nesta reunião em nome próprio decidiu que apenas poderia ser aceite a presença do referido sócio, caso viesse na qualidade de representante dos herdeiros de Júlia qualidade que o próprio não aceitou. Foi decidido pela Presidente com o acordo unânime de todos os sócios presentes ou representados não aceitar que o mesmo senhor participasse nesta reunião em nome próprio sendo apenas concedido ao mesmo o direito a estar presente, mas não a votar nem a deliberar, dado não ser detentor de nenhuma quota em nome próprio nesta sociedade (alínea O) da matéria assente);
E antes ainda de se dar inicio à discussão da ordem de trabalhos, a Presidente da Mesa esclareceu que sem prejuízo das conversações havidas com o Sr. AO (…) relativamente ao seu pedido para estar presente um notário na presente assembleia, e independentemente de não ter sido assegurada a presença requerida, considera que, para além da ordem de trabalhos não obrigar a tal formalidade, não estão em causa quaisquer direitos essenciais de quem quer que seja, que possam ser postos em causa com a ausência de tal entidade (alínea P) da matéria assente);
Com a atitude referida em N) o autor AO (…) colocou-se numa posição de impedimento da sua participação na assembleia-geral (resposta ao nº 4 da base instrutória);

Não se encontrava presente nenhum notário para lavrar a acta (alínea Q) da matéria assente);
A ré deliberou não consentir a cessão e amortizar a quota dos autores pelo valor de € 411.006,00 (alínea R) da matéria assente);
A recusa do consentimento para a cessão referida em D) e a proposta de amortização realizada pela ré foram comunicadas ao autor AO (…) no dia 16 de Fevereiro de 2003 (alínea S) da matéria assente).

7.4.
Quarta questão.
Os recorrentes pugnam pela procedência da sua pretensão com base em vários argumentos ou razões, a saber:
- Falta de Notário para elaborar a acta;
- Vício constante da proibição do sócio AO (…) em participar na discussão da causa (não quanto ao impedimento do exercício de voto);
- Falta de condições e prazo de pagamento na proposta da amortização da quota o que viola o disposto no C.S.C.;
- Falta de notificação, aliás não impugnada na contestação, a todos os titulares da quota a amortizar quanto à proposta da amortização da mesma;
- Falta de convocatória a todos os herdeiros de JM (…) face à ordem de trabalhos mencionar a existência de uma possível deliberação sobre actos que implicam, direitos de disposição não contidos no mandato de representação junto aos autos e , aliás, já expirado.
Na sentença a julgadora pronunciou-se, profusa e doutamente, sobre as espécies de vícios que podem ser assacados às deliberações sociais concluindo, curialmente e na senda de doutrina e jurisprudência unanimes, que o regime regra é o da anulabilidade.
Mais aduziu, com citação de doutrina e jurisprudência atinentes, que devem distinguir-se duas espécies de vícios, quais sejam  os vícios de procedimento e os vícios de conteúdo.
Assim:
«No tocante à invalidade das deliberações sociais, há que proceder ao “distinguo” entre o procedimento deliberativo – sucessão de actos, ou processo de formação, conducente a alcançar um efeito – e a deliberação em si mesma – conteúdo, ou mérito, do acto produzido pelo acto colegial.
«Ali encontram-se os vícios de procedimento que equivalem às nulidades processuais, enquanto que aqui estão os vícios de conteúdo, equiparáveis aos do mérito do acto jurídico» (Ac. do STJ de 11.01.2011, in http://www.dgsi.pt).
«No vício de procedimento o que está em causa é como se chegou a certa deliberação, seja qual for. No vício de conteúdo, aquilo que se sanciona é o que se deliberou, independentemente do modo por que se chegou a essa deliberação» (Pedro Maia, Deliberações dos Sócios, in “Estudos de Direito das Sociedades”, p. 186 e ss.)»
Seguidamente concluiu que inexiste qualquer irregularidade na convocatória para a assembleia.
Para tanto expendeu que, para atos correntes ou de mera administração:
«No que se refere às comunicações dirigidas pela sociedade aos respectivos sócios e quando estes sejam contitulares de uma única quota, rege o art. 222º nº 2 do CSC, que considera cabalmente cumprido esse dever de comunicação, quando a mesma for dirigida apenas ao representante comum ou, na falta deste, a um dos contitulares.»
E que, consubstanciando, ou podendo descambar, o ponto 2 da ordem de trabalhos - quando permitia a proposta de amortização desta quota, pois que tal implicaria a saída dos autores do núcleo dos sócios da  ré -  na pratica de atos de disposição, e sabendo o 1º autor que não tinha poderes para tal enquanto representante comum: «, tinha o dever, como mandatário dos seus consortes, de lhes comunicar a realização dessa assembleia, por imposição dos deveres de informação, resultantes do mandato, nos termos do art. 1161º al. c) do CC.
Por isso, se não informou …«sibi imputet»…se informou os seus contitulares na quota e estes decidiram, nem comparecer, nem conferir ao seu representante comum os necessários poderes de disposição para votar a proposta de amortização da sua quota, «sibi imputet»…
«A notificação do representante do sócio, enquadrada no âmbito da representação voluntária, equivale à notificação deste, atento o disposto pelo artigo 262º nº 2 do Código Civil» (Ac. do STJ de 08.02.2011. No mesmo sentido, Ac. do STJ de 20.09.2013, ambos in http://www.dgsi.pt).»
Outrossim se corrobora esta argumentação.
Efetivamente não estando apurado que a qualidade de representante comum dos contitulares não lhe atribuía poderes de disposição e que esta não atribuição não era do conhecimento da sociedade ré, a comunicação da data da assembleia bastava-se com a notificação do representante.
E devendo este diligenciar, se entendesse que a assembleia podia deliberar sobre matérias previstas no artº 223º nº 6 do CSC, no sentido de comunicar aos restantes contitulares.
Assim se cumprindo, razoável e equitativamente, a distribuição, entre a ré e o 1º autor, do dever/ónus de comunicação.

Já no atinente à (in)existência de vício pela falta de notário para presenciar a reunião e redigir a ata, concluiu no sentido da sua verificação, qual seja, a anulabilidade, nos termos do art. 58º nº 1 al. a) do CSC.
Para tanto expendeu (sic) que qualquer sócio pode requerer a presença de notário, nos termos do  artº 63º nº7 (hoje, nº6)  do CSC, o qual estatui:
« As actas são lavradas por notário, em instrumento avulso, quando, no início da reunião, a assembleia assim o delibere ou ainda quando algum sócio o requeira em escrito dirigido à gerência, ao conselho de administração ou ao conselho de administração executivo da sociedade e entregue na sede social com cinco dias úteis de antecedência em relação à data da assembleia geral, suportando o sócio requerente as despesas notariais.»
A elaboração da ata por notário tem a vantagem de lhe atribuir valor probatório acrescido, pois que de documento particular passa a assumir o cariz de documento autentico.
A tal pretensão não obstando a objeção da ré de que, feito tal requerimento em 08 de fevereiro de 2003, o prazo só começou a contar-se a  partir de  terça feira dia 11,  ex vi do disposto artº 279º al. b) do CC, o qual prevê é que, na contagem do prazo, não se inclui o dia em que ocorrer o evento que determina o seu início.
Pois que, tendo tal requerimento sido entregue em mão no  sábado, dia 08, e não nos encontrando perante um ato processual ordenado judicialmente, o primeiro dia do  dies a quo é segunda feira, dia 10, pelo que o prazo terminou no dia 14, antes da assembleia do dia 16.
Mais aduzindo, e bem:
«uma vez recebido tal tipo de requerimento, por qualquer sócio e desde que observada a antecedência legal, a sociedade fica, imediatamente, vinculada a providenciar pela vinda do Notário… não lhe incumbindo definir qualquer ordem de prioridade ou de importância acerca dos assuntos a deliberar que, em seu critério, exijam a forma autêntica da acta ou apenas a de documento particular…
Mas… para evitar o uso abusivo desta exigência…a anulabilidade só poderá ser decretada, se resultar demonstrado que a mesa da assembleia geral não providenciou…pela vinda do Notário ou se, de forma deliberada, veio mesmo a impedir a sua comparência»
Mostrando-se, assim, inadmissível a alegação da Presidente da Mesa que« relativamente ao …pedido para estar presente um Notário na presente assembleia, e independentemente de não ter sido assegurada a presença requerida, considera que, para além da ordem de trabalhos não obrigar a tal formalidade, não estão em causa quaisquer direitos essenciais de quem quer que seja, que possam ser postos em causa com a ausência de tal atitude (alínea P) da matéria assente)…
É que, tal proposta de amortização implica a saída dos autores do núcleo de sócios da ré, caso fosse aceite…Neste contexto, será caso de interrogar a que é que, então, a ré atribui importância essencial…  foi a própria ré, através da presidente da mesa da assembleia geral que, na acta em que foram tomadas as deliberações cuja anulação agora se pretende, confessou não ter havido qualquer diligência, por parte da ré, no sentido de obter a intervenção do Notário…
Injustificada que se mostra, pois, a omissão da elaboração da acta por Notário, seria caso de decretar a anulação da deliberação social da ré, tomada em assembleia-geral extraordinária, realizada naquele dia 16 de Fevereiro de 2003.»

Não obstante entendeu que tal não pode verificar-se porque o autor A (…) atuou com abuso de direito nas modalidades do venire contra factum proprium e do tu quoque.
Expendendo, aliás doutamente, quanto a estas duas figuras, em súmula:
O «venire contra factum propium» é a violação drástica do princípio da confiança e ocorre, quando alguém exercita determinado direito em contradição com uma sua conduta anterior, assumida ou anunciada, em que, fundadamente, a outra parte tenha confiado, desde que objectivamente adequada a despertar noutrem a convicção fundada de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira, nela investindo, em conformidade, as suas expectativas e até o seu capital.
…apenas em circunstâncias especiais, essa contradição integrará o «venire contra factum propium», ou seja, desde que reunidos, cumulativamente, os seguintes pressupostos, reclamados pela tutela da confiança: a situação objectiva de confiança, o investimento da confiança e a boa fé subjectiva de quem confiou.
«.Esta variante do abuso do direito equivale a dar o dito por não dito, radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, pois pressupõe duas atitudes espaçadas no tempo, sendo a primeira (factum proprium) contraditada pela segunda atitude, o que constitui, atenta a reprobabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e de correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pela boa fé. A proibição de comportamentos contraditórios é de aceitar quando o venire contra factum proprium atinja proporções juridicamente intoleráveis, traduzidas em chocante contradição com o comportamento anteriormente adoptado pelo titular do direito»…
Trata-se de uma a figura que é manifestação de tutela da confiança das pessoas e que assenta num modelo de quatro proposições, válido em geral:
«1ª – Uma situação de confiança, que pode, em regra, ser expressa pela ideia de boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que está nessa situação sem ter violado os deveres de cuidado que ao caso cabiam;
«2ª – Uma justificação para essa confiança, que requer que esta se tenha alicerçado em elementos razoáveis, susceptíveis de provocar a adesão de uma pessoa normal;
«3ª – Um investimento de confiança, que exige que a pessoa a proteger tenha, de modo efectivo, desenvolvido qualquer actuação baseada na própria confiança, actuação essa que não possa ser desfeita sem prejuízos inadmissíveis;
«4ª – A imputação da situação de confiança, que implica a existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado. Ao proteger-se a confiança de uma pessoa vai-se, em regra, onerar outra, implicando que esta outra seja, de algum modo, a responsável pela situação criada.
Já o “tu quoque” visa impedir que alguém que tenha adoptado uma conduta ilícita, tire partido dessa situação, prevalecendo-se dela, para impor à contraparte o acatamento das consequências daí resultantes.
«A fórmula tu quoque (também tu!) exprime a regra geral pela qual a pessoa que viole uma norma jurídica não pode depois, sem abuso: ou prevalecer-se da situação daí decorrente; ou exercer a posição violada pelo próprio ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada»
«Trata-se de um caso de violação do dever de honeste agere que é eticamente inaceitável para o Direito (turpitudo sua non allegare) e que pode, com êxito, ser contrariado pelo exceptio doli».
Nesta conformidade entendeu que o A. A (…) atuou com abuso de direito.
Desde logo na modalidade do venire, por:
«se assumir, num primeiro momento, antes da realização da assembleia …como representante comum …e, logo de seguida, aquando do início dos trabalhos de discussão da ordem dos trabalhos …ter anunciado à presidente da mesa que, afinal apenas ali estava em nome próprio, propondo-se intervir a título meramente individual.
…se o autor AO (…) não queria continuar a ser representante comum dos seus contitulares, deveria ter informado a sociedade ré, com a antecedência necessária…
Isto, se tivesse agido com a transparência e a lealdade que se lhe impunham em relação aos restantes sócios e à própria sociedade ré.
Mas essa não era a prioridade do autor AO (…).
Como resultou da discussão e da causa, concretamente das respostas aos nºs 4 e 5 da base instrutória, esta foi a forma que encontrou para se colocar, de forma livre e deliberada, em posição de não poder intervir na deliberação …ter um pretexto para vir impugnar judicialmente as deliberações que viessem a ser tomadas, concretamente, para vir invocar a falta de convocatória dos restantes autores e, também, o pretensamente ilegal impedimento que a ré lhe impôs de participar activamente na assembleia-geral de 16 de Fevereiro de 2003, que, foi, aliás, o que o autor AO (…) veio fazer na presente acção, assim como todos os restantes autores.
… o que também não pode é querer, faltando à verdade e omitindo um facto essencial, concretamente, o de que renunciou à sua qualidade de representante comum, no início da assembleia, ver anulada uma deliberação, com fundamento em ter sido impedido de nela participar e de a votar, quando foi ele próprio quem se colocou nessa situação…»
E, depois, na modalidade do tu quoque:
Isto porque:
«A cessão de quotas, foi celebrada em violação do contrato de constituição desta sociedade, mormente da sua cláusula quinta que prevê o direito de preferência dos sócios, em caso de transmissão de quotas a terceiros…
Apresentaram-lhes os factos como já consumados, com a entrega de uma carta, em 6 de Janeiro de 2003, na qual os autores deram conhecimento à ré da escritura referida em D), com uma cópia do texto que ficou a constar dessa escritura.
E com esta atitude, adoptaram um comportamento ilícito, quer porque é contrário ao disposto no art. 228º nº 2 do CSC, quer porque violador das cláusulas de preferência estabelecidas no contrato de constituição da sociedade ré…
E foi prevalecendo-se deste comportamento contrário à lei e ao pacto social que os autores querem agora ver anulada uma deliberação social tomada pela ré, no exercício do direito de recusa do consentimento que o mesmo art. 228º do CSC lhe confere, apenas porque a acta não foi redigida por um notário, quando a única consequência realmente relevante, emergente desta omissão, é a de que a acta, em vez de ter a força probatória plena de documento autêntico, tem a força probatória própria de um documento particular e, de resto, a veracidade dos factos que nela estão relatados nem sequer foi posta em crise, nesta acção, ao passo que, a consequência da anulação das deliberações tomadas pela ré, em 16 de Fevereiro de 2003, implicaria a produção plena dos efeitos daquele aumento de capital social, ou seja, a sua oponibilidade à ré.
Se os autores fossem bem sucedidos, nos seus pedidos, alcançariam o seu objectivo de verem declarada a eficácia da cessão de quotas, ou aumento de capital social realizado, através da escritura pública de 19 de Dezembro de 2002, o que implicaria que sócia da ré passaria a ser a Jular, S.G.P.S, S.A., quando este negócio jurídico está sujeito a consentimento da ré que, no caso, até foi rejeitado…»
(sublinhados nossos)
Mas, se, em tese e em teoria, os pressupostos das referidas figuras consubstanciadoras do abuso de direito se mostram curialmente fixados, já não se pode acompanhar, sdr., o entendimento de que eles têm aplicação no caso concreto.
Na verdade entre tais pressupostos e os factos de um caso concreto tem de existir uma relação de dependência, de causa-efeito, ou, numa outra perspetiva, de correspondência e adequação.
Ora bem vistas as coisas tal relação não se verifica in casu.
A atitude algo ziguezagueante e, até, como supra se expendeu, meandrosa, do Amado, bem como o não cumprimento do dever de os autores darem preferência à ré na cessão da quota, nada, ou pouco – insuficientemente pouco – têm a ver com sua pretensão de ver a assembleia assistida e a respetiva ata redigida por notário.
Em função da dicotomia supra acertadamente invocada, qual seja, a diferenciação/autonomização entre vícios vícios de procedimento na convocação da assembleia  e os vícios de conteúdo das deliberações nela tomada, é evidente que o vício presente  quadra na primeira categoria.
E, como bem invocam os recorrentes, tal vício coloca-se a montante de outros que possam ter-se verificado no âmbito da assembleia.
Nesta conformidade os mesmos não se confundem nem se interpenetram.
São autónomos e valem por si, de tal sorte que a verificação de um vício procedimental acarreta as respetivas consequências legais as quais não podem ser obstaculizadas pelo confronto da relevância e consequências das deliberações tomadas com uma outra e qualquer, diversa e autónoma,   atuação do insurgente que invoca o vício formal/processual.
Não tem, assim cabimento a argumentação de que com tal arguição os autores pretendem a anulação das deliberações e que as consequências desta anulação são muito superiores às que decorrem da não presença do notário.
Se pretendem não poderiam pretender – sendo certo que de jure novit curia -  porque, efetivamente, com este fundamento da ilegal não presença do notário, e como acertadamente se menciona na decisão, apenas pode decorrer que a realização da assembleia, ela própria, qua tale,  independentemente da (i)legalidade das deliberações nela tomadas, seja anulada – artº 58º nº 1 al. a) do CSC.
 E não que as deliberações nela tomadas sejam declaradas nulas ou anuladas.
Certo é que aquela consequência acarreta que estas deliberações, mais do que declaradas nulas  ou anuladas, sejam inexistentes, porque inconcretizada se deve ter a assembleia que as pode produzir e a respetiva ata que as pode comprovar.
Mas tal é uma decorrência inelutável do primeiro e primitivo vício que não pode ser chamada à colação para se concluir pela existência do abuso de direito, pois que, como se viu, inexiste entre os factos aduzidos para alicerçar este abuso e a prévia e pertinente atuação do autor qualquer relação, ou, pelo menos, relação com adequação e magnitude bastante, para se poder concluir por tal abuso.
Ademais a pretensão dos autores e a sua relevância não pode ser apoucada, porque minudente.
Na verdade se o autor assim o pretendeu é porque não tinha confiança no modo como a assembleia podia ser conduzida e na fidedignidade da ata relativamente ao que nela se pudesse passar e deliberar. Assistia-lhe, pois, o direito de os trabalhos da assembleia fossem tutelados e fiscalizados por entidade idónea.
Nesta conformidade a  sua pretensão é legitima e tem magnitude.
Pois que se atém à busca de uma maior fidedignidade dos atos da assembleia e, assim, à acrescida proteção dos direitos dos sócios bem como à sua mais fácil adstrição aos possíveis deveres, atentas as deliberações tomadas e a lei aplicável aos assuntos respeitantes ao teor das mesmas.
E não se compreendendo a postura da ré em não diligenciar pela presença do notário, com a justificação  e o entendimento – ilegais, como bem se diz na sentença – de que a ordem de trabalhos não obrigava a tal formalidade e não estavam  em causa quaisquer direitos essenciais de quem quer que seja, que possam ser postos em causa com a ausência de tal entidade.
Se ela estava de boa fé, e até porque as despesas notariais sempre seriam suportadas pelo requerente, não se alcança porque motivo não anuiu ao impetrado.
E nem relevando, determinantemente, o facto de se ter provado que por  se dizer em nome individual, o autor AO (…) colocou-se numa posição de impedimento da sua participação na assembleia-geral.
Na verdade, tudo visto e sagazmente interpretado, não custa acreditar que tal atitude e pretensão do autor tenha tido na sua génese e com ela tivesse gizado o fito de, por precisamente não ter confiança na legalidade e lealdade do que ali se viesse a deliberar e a consignar, pretender adiar a assembleia.
O que - até certo ponto e porque, como se viu, a não presença do notário consubstanciou uma prévia atitude ilegal da ré -, se não justifica a sua atitude, pelo menos concede-lhe um elevado grau de compreensão e condescendência.

7.5.
Quinta questão.
7.5.1.
Certo é que a redação dada ao artº 456º do CPC pelo DL329-A/95 de 12.12. alargou o âmbito da aplicação do instituto da litigância de má fé, pois que nele abarcou não apenas os casos de atuação dolosa como também os de atuação gravemente negligente.
Sendo que, inclusive, e como se plasma no preâmbulo de tal diploma: «Como reflexo do princípio da cooperação e dos deveres que lhe são inerentes, permite-se, sem quaisquer limitações, a condenação como litigante de má fé da própria parte vencedora, desde que o seu comportamento processual preencha alguma das previsões contidas no nº2 do artº 456º…»
Tal alargamento teve, naturalmente, em vista, restringir os casos de litigância  maliciosa ou  altamente temerária, pretendendo incutir nas partes a necessidade de uma sã atitude processual, pautada e norteada por uma atuação o mais clara e linear possível, sem subterfúgios, truques e mentiras.
E sendo certo que a jurisprudência era amplamente magnânima na condenação a tal título, criou-se uma convicção de impunidade que levava a colocar ou a contestar em juízo casos de total insustentabilidade, ou, pior, distorcidos ou falseados na sua génese factual.
Com os inerente prejuízos para o sistema da justiça e, outrossim, para os próprios sujeitos processuais vitimas de tal atuação.
Importa, pois, na sequência do atual desígnio legislativo, impor uma cultura de rigor nesta matéria, com os inerentes benefícios, a todos os títulos e níveis, dai advenientes.
Não obstante há que apreciar e decidir com as cautelas e precauções necessárias.
E devendo os tribunais serem prudentes na condenação a este título, porque tal implica não apenas uma censura e afetação económico-financeira a nível processual, como um desmerecimento a nível pessoal marcante e inquinador da honestidade e probidade presumivelmente insertas na esfera jurídica pessoal do normal cidadão - cfr. Ac. do STJ de 15.10.2002, dgsi.pt,p.02A2185.
Assim, para a condenação como litigante de má fé não basta a simples impugnação per positionem da versão de uma das partes sempre que a versão oposta à alegada seja provada.
Nem pode confundir-se com a manifesta improcedência da pretensão ou oposição deduzida.
O fundamento ético do instituto exige que se conclua por um desrespeito pelo tribunal, pelo processo e pela justiça, imputável subjetivamente ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata) - Ac. da Relação do Porto de 20.10.2009, p. 30010-A/1995.P1
Destarte e dada a relatividade da verdade judicial decorrente, designadamente, das várias interpretações e correlativas soluções jurídicas que podem incidir sobre um determinado complexo factual «a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual…» - Ac. do STJ de 11.12.2003, dgsi.pt, p.03B3893.
Tal prudência e cautela são ainda necessárias para  se evitarem condenações injustas, designadamente quando assente em provas, como a testemunhal, cuja inveracidade/ falibilidade é frequente.
Nesta conformidade: «Para a condenação como litigante de , exige-se que o procedimento do litigante evidencie indícios suficientes de uma conduta dolosa ou gravemente negligente, o que requer grande cautela para evitar condenações injustas, designadamente quando «assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico.
 Tal é exigência legal que deflui imediatamente, como corolário, do axioma antropológico da dignidade da pessoa humana proclamado pelo artº 1º da nossa Lei Fundamental, pois ninguém porá em causa o carácter gravoso e estigmatizante de uma condenação injusta como litigante de -fé.
É esta dignidade, proclamada legal, constitucional e supranacionalmente, impeditiva de que a simples impugnação per positionem da versão de uma das partes seja considerada como integrando a «mala fides» sempre que a versão oposta à alegada seja provada, antes se exigindo que ela seja imputável subjectivamente ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes se exigindo a negligência grave, grosseira (a faute lourde do direito francês ou a Leichtfertigkeit do direito alemão).» -  Ac.  do STJ de 28.05.2009, p.09B0681.
7.5.2.
No caso vertente a Srª Juíza, mais uma vez douta e profusamente, explanou estes princípios/requisitos para a condenação/absolvição a este título.
Tendo, vg., expendido:
«A condenação como litigante de má fé assenta num juízo de censura incidente sobre um comportamento inadequado à ideia de um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de direito» (Ac. do STJ de 13.03.2008, in http://www.dgsi.pt).
A má fé processual tem, pois, uma conotação acentuadamente ética, por contraposição à boa fé, não prescindindo do dolo ou negligência grave.
É imperioso que a oposição entre a versão alegada e a que resultou provada, seja imputável subjectivamente ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, «ou seja, que tenha havido uma alteração intencional ou, pelo menos, consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes se exigindo a negligência grave, grosseira (a faute lourde do direito francês ou a Leichtfertigkeit do direito alemão)» (Ac. do STJ de 28.05.2009, in http://www.dgsi.pt e Selma Pereira Santana, Negligência Grosseira (autonomia material), Quid Juris, pág. 67 e segs).
A litigância de má fé, a má fé processual «é, actualmente, uma má fé ética, encontrando os seus limites ou contraponto na boa fé ética…»
  E concluiu que os autores merecem tal condenação com a seguinte argumentação:
«…os autores …de modo flagrante e sem qualquer pudor, vieram afirmar factos pessoais, perfeitamente cientes de que os mesmos não correspondem à verdade e omitindo outros de que, igualmente, não podiam deixar de ter conhecimento, por lhes dizerem respeito ou por terem sido praticados por eles próprios.
Foi o caso da invocação da ilegalidade cometida pela ré em impedir o autor AO (…) de participar da discussão e votação do ponto um da ordem dos trabalhos da convocatória da assembleia, partindo do pressuposto de que tinha a qualidade de representante comum de todos os autores, quando este último sabia que renunciou a essa qualidade, logo no início dos trabalhos da assembleia-geral.
E esse facto era, também do conhecimento dos restantes autores, já que foram eles próprios quem juntou a cópia da acta da assembleia-geral, em cujo decurso foram tomadas as deliberações que pretendem ver anuladas (cfr. fls. 27 e seguintes).
A este propósito é bem ilustrativa a comparação entre o que os autores alegaram nos arts. 39º e 40º da petição inicial e o que consta das alíneas N) e O) da matéria assente,…
Mas, mais uma vez sdr., não se corrobora este entendimento.
A questão tem de ser decidida, essencial e determinantemente, em função dos factos provados e não provados que foram considerados/selecionados pelo juiz.
Assim sendo verifica-se que a decisão assentou, nuclearmente, na posturado do  autor A (…) na assembleia em concatenação com o alegado pelos autores na pi.
O que se reporta, mais uma vez, à qualidade representativa do A. A (…), ou seja, se ele se “representava” apenas a si mesmo ou representava também os restantes contitulares da quota.
Certo é que, conforme já supra se aduziu, a postura do autores neste particular foi mais ou menos  incoerente ou tortuosa.
Foi-o  desde logo, ao longo do processo, vg. nos articulados.
Mas aqui atuaram à vista de toda a gente e, logo, com hipóteses de serem contraditados.
E, depois, foi-o no dia da realização da assembleia em que, num primeiro momento, o A (…) se assumiu como representante comum, e, num segundo momento, apenas em nome individual.
Ora aqui, tudo visto e sagazmente interpretado, tem, como outrossim supra já foi ventilado, de se conceder, ou, ao menos, admitir, a forte possibilidade de que a atitude do autor foi assumida, como um ato último e quiçá de desespero, para adiar a assembleia.
Reitera-se que o autor pretendia que nela estivesse um notário o que indicia que ele, efetivamente, não tinha confiança no que ali se ia passar.
Como se viu, ao autor assistia jus a essa presença, direito este que foi injustificadamente violado pela ré.
Não se alcança, nem a ré o aduz, motivo ou fundamento bastante e razoável, para  acobertar tal não presença.
A não ser que a ré, por motivos que só ela sabe, não estivesse interessada em tal presença.
Aliás, a presença de um notário, pessoa com conhecimentos jurídicos, não apenas certamente permitia uma melhor condução dos trabalhos e um aconselhamento dos presentes no sentido de tomarem posições de acordo com as normas legais pertinentes e as suas posturas e vinculações precedentes, como, outrossim, faria prova plena das deliberações  e o demais acontecido na assembleia, o que, em caso de litígio, certamente permitiria uma melhor fixação factual, mais rigorosa e conforme à verdade,  do que, porventura, terá acontecido in casu, com base em prova essencialmente testemunhal e, quiçá, comprometida.
Por outro lado, e bem vistas as coisas, a postura incoerente do autor não acarretou consequências  prejudiciais gravosas, vg. para a ré, pois que a assembleia acabou por se realizar.
E realizar com diminuição do exercício dos direitos  sociais dos autores, como a ré fez constar, e bem face à postura do A (…), em ata. Pelo que, se alguém foi, desde logo, prejudicado com a contradição do Amaro, foram os autores.
Nesta conformidade se concluindo que aqui é que seria caso para dizer que condenar os autores como litigantes de má fé, com as consequências pessoais infamantes daí advenientes e as materiais atinentes - vg. com indemnização a favor da ré -,  constituiria, pelo menos nesta estrita vertente material e considerando a postura da ré, como um abuso de direito desta, pelo menos na modalidade do tu quoque
Pois que a postura do Amado na assembleia teve na sua génese um facto ilícito cometido pela ré: a não convocação de notário para nela estar presente, como tinha sido requerido pelo autor.
O que, repete-se, não se compreende, até porque, como se disse, os custos atinentes teriam de ser suportados pelo impetrante.
E não sendo de descurar que as pessoas físicas envolvidas são quase todas parentes e da mesma família, dizendo-nos a experiencia comum que, nestes casos e principalmente no âmbito de envolvimento negocial/empresarial, as suas atitudes podem até ser exacerbadas – para o bem e para o mal – por razões mais emocionais do que racionais, o que, tudo, clama para elas uma certa compreensão e condescendência.
Mas, como se disse, nem esta figura de ultima ratio para a consecução da justiça necessita de ser convocada.
 Pois que os factos apurados não permitem, com certeza ou uma margem de plausibilidade acrescida – a qual, como se viu e pelos motivos expostos, é necessária nesta matéria  - a imputação ao autor de um juízo ético-jurídico de censura com a intensidade bastante para sustentar a convicção,  ainda dentro da margem de álea em direito permitida - a qual, neste âmbito é mais  restrita -, de que ele atuou com má fé para a consecução de um fito ilegal e iníquo, e, assim, meridianamente inaceitável/intolerável.

8.
Sumariando.
I -Perante divergência anterior, o NCPC - artº 155º nº4 do CPC – optou, pela tese de que a falta ou a deficiência da gravação deve ser invocada no prazo de dez dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada - e não nas alegações -, sendo que tal nulidade atípica deve ser arguida logo na 1ª instancia, e devendo o arguente, para a sua concessão, demonstrar a sua essencialidade.
II - Os atos pretéritos consubstanciadores do abuso de direito, nas modalidades do venire contra factum proprium e do tu quoque, têm de estar numa relação de causa-efeito e adequação com a atuação posterior que pode clamar tal abuso.
II - Assim, se a sociedade recusa, ilegalmente, a presença de notário na assembleia requerida por sócio, a anulação desta daí decorrente não pode ser acobertada/sanada, ex vi do abuso de direito do sócio naquelas modalidades, com o fundamento de postura contraditória e, bem assim, violação do seu dever de dar preferência à sociedade na cessão da quota, pois que estes factos nada têm a ver ou não estão diretamente conexionados com aquela ilegalidade, a qual até se coloca a montante dos mesmos.
III – A  convicção  sobre a verificação de artigos da BI que encerrem matéria algo conclusiva e  com laivos de subjetividade tem de ser alicerçada numa prova mais forte e  inequívoca do que a necessária para a prova de factos de jaez mais conciso e preciso.
V - Considerando que a condenação por má fé implica não apenas uma afetação económico-financeira, como um desmerecimento a nível pessoal, marcante e inquinador, o convencimento sobre a verificação da mesma implica uma prova mais acutilante e intensa,  a qual, assim, alcandore a uma convicção de certeza ou quase certeza.

9.
Deliberação.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso e, consequentemente, anular a realização da assembleia de 16.02.2003, com as legais consequências.
Mais se absolvendo os autores da condenação como litigantes de má fé.

Custas pela ré.

Coimbra, 2014.10.14.


Carlos Moreira ( Relator )
Anabela Luna de Carvalho
Moreira do Carmo