Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
170/13.8TBSBG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: MURO DE DIVISÃO
PRESUNÇÃO DE COMUNHÃO
Data do Acordão: 04/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA – GUARDA – INST. LOCAL – SEC. CÍVEL – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1370º E 1371º C. CIVIL.
Sumário: I – O art.º 1371º do C. Civil, na linha do art.º 2337º do Código de Seabra, o qual, por sua vez, se inspirou no disposto no art.º 653º do Código Civil Francês, estabeleceu que os muros entre quintais de prédios urbanos se presumem comuns, não havendo sinal em contrário.

II - O estabelecimento desta presunção, tal como a admissibilidade da “expropriação por utilidade particular” da meação no muro, prevista no art.º 1370º do C. Civil, revela uma preferência do legislador por esta forma de domínio dos muros divisórios de prédios de igual natureza. A compropriedade destas construções é a melhor forma de harmonizar os interesses dos confinantes na sua utilização.

III - Podendo as presunções legais serem ilididas mediante prova em contrário - art.º 350º, n.º 2, do C. Civil -, a presunção de compropriedade estabelecida no art.º 1371º, n.º 2, do C. Civil, pode ser ilidida pela prova da aquisição de um direito de propriedade exclusiva sobre o muro, podendo essa prova resultar ainda da existência dos sinais referidos no n.º 3 do mesmo art.º 1371º, ou da circunstância referida no n.º 5 do mesmo artigo.

IV - Sendo verdade que a construção de um bem imóvel, através da celebração de um contrato de empreitada, constitui um modo de aquisição originária do direito de propriedade sobre a coisa a favor do dono da obra, sob a forma de uma acessão atípica, nos termos do art.º 1212º, n.º 2, do C. Civil, desde que o solo ou a superfície onde é construída a coisa seja propriedade deste, no caso dos muros divisórios, em que é incerto este último requisito (estes muros situam-se na linha divisória dos prédios), tal construção, só por si, não é suficiente para ilidir a presunção que consta do n.º 2 do art.º 1371º.

Decisão Texto Integral:


Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

Os Autores intentaram a presente contra os Réus, pedindo a condenação destes a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre um muro com a extensão de cerca de 14,50 metros e um metro de altura, a absterem-se da prática de actos que impeçam ou perturbem a posse sobre o mesmo e a condenação da segunda Ré na reposição das pedras de xisto por ela retiradas.

Para fundamentar a sua pretensão alegaram, em síntese, o seguinte:

- o muro, que descrevem quanto à sua composição, extensão, altura e configuração, é um muro de vedação da sua propriedade e que divide o seu prédio urbano do prédio dos Réus, servindo ainda se suporte das suas terras do logradouro /quintal, situadas em cota superior;

- foi o pai do Autor marido quem construiu tal muro, a suas expensas e faz parte integrante do seu prédio que adquiriu, na falta de outro título, por usucapião;

- há cerca de 20 anos o falecido F... ocupou parte desse muro, numa extensão de cerca de 4 metros e meio, nele fazendo uma construção, por mero consentimento do pai do Autor marido;

- e há cerca de dois anos, a segunda Ré, viúva do falecido F..., retirou pedras ali colocadas pelo Autor para a reconstrução do muro, alegando que o mesmo lhe pertencia em exclusivo e colocou-as no seguimento do troço do muro, para sul.

Os Réus contestaram e deduziram reconvenção, peticionando o reconhecimento de propriedade exclusiva de tal muro, alegando que o mesmo foi construído em 1957 pelos seus antecessores e desde então praticam no muro actos de posse nos termos e nas condições conducentes à sua aquisição por usucapião.

Concluíram, pedindo a improcedência da acção e a procedência da reconvenção com a condenação dos Autores a reconhecerem que os Réus são os únicos proprietários de um muro perpendicular à estrada nacional e com as características que enunciaram no art.º 56º da contestação.

Os Autores replicaram, mantendo no essencial o alegado na p. inicial, concluindo pela improcedência da reconvenção.

Veio a ser proferida sentença que julgou a acção e a reconvenção totalmente improcedentes, absolvendo os RR e Reconvindos dos pedidos.

Os Autores interpuseram recurso, formulando as seguintes conclusões:

...

Os Réus apresentaram resposta, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

1. Impugnação da matéria de facto

Da leitura das conclusões – art.º 6º e segs. - do recurso parece resultar que os Recorrentes pretendem ver alterada a decisão da matéria de facto. No entanto não concretizam qualquer ponto que pretendem ver modificado e, nem do cotejo do que das conclusões consta com a matéria julgada provada e não provada a sua concretização se mostra possível por ininteligibilidade.

Dispõe o art.º 640º do Novo C. P. Civil:

1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente  julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o se¬guinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 — O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º.

Como acima dissemos os Recorrentes não especificaram os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados não dando, desse modo, satisfação à exigência contida no n.º 1, a), do artigo acima transcrito.

Ora, não indicando os Recorrentes, em momento algum das suas conclusões os concretos pontos de facto que com a reapreciação da prova produzida pretendem que sejam alterados, nem sendo os mesmos descortináveis, não dando assim cumprimento ao ónus imposto pelo art.º 640º, n.º 1, a), do C. P. Civil, rejeita-se o recurso no que se refere à impugnação da decisão que fixou a matéria de facto provada.

2. Do objecto do recurso

Considerando o acima decidido e que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações cumpre apreciar a seguinte questão:

Os factos julgados provados permitem julgar a acção parcialmente procedente, reconhecendo o direito de propriedade dos Autores sobre 10,40 m do muro reivindicado?

3. Dos factos

Os factos provados são os seguintes:

1) Encontra-se registado a favor do Autor marido, casado com M..., através da Ap ... de 2010/11/02 e tendo como causa aquisitiva a partilha da herança por óbito de M... e E..., seus pais, o seguinte prédio: “prédio urbano constituído por casa de rés-do-chão e primeiro andar para habitação com a área coberta de 60 m2 e logradouro com a área de 168 m2 sito ao ..., inscrito na matriz urbana da ...

2) No dia 12/10/2010, no Cartório Notarial de ..., foi celebrada escritura de partilha por óbito de M... e mulher E..., na qual o prédio referido em 1) foi adjudicado ao filho, aqui Autor, J...

3) A casa de habitação descrita em 1) foi construída pelo pai do A., M..., no ano de 1955, numa zona onde a nascente não existia qualquer prédio urbano.

4) Desde então, os pais do A. marido e depois este e a respectiva família, vêm desde 1955 até hoje, sem qualquer interrupção, à vista de toda a gente e também dos RR., sem oposição de quem quer que seja, e na convicção de que de prédio próprio se trata e não ofendem direitos de terceiros, habitando a casa referida supra em 1) nela dormindo, tomando refeições, recebendo amigos e usufruindo do logradouro, nele guardando objectos e colheitas, cultivando produtos hortícolas no quintal, deles retirando proveito e utilidades e fazendo melhoramentos nos mesmos.

5) O prédio identificado em 1) confronta de nascente com um prédio urbano pertença dos RR, constituído por casa de rés-do-chão e primeiro andar para habitação, dependência coberta e logradouro, com a área total de 284m2, sita ... a confrontar com ... e com o prédio do A. referido em 1), que se encontra inscrito na matriz urbana ...

6) Entre o prédio referido em 1), do Autor, e o prédio dos RR. referido em 5) existe um muro de vedação com o comprimento superior a 20 metros no sentido norte-sul, que se inicia a norte, junto da Estrada / Rua dos Emigrantes, descrevendo depois a sul, no limite do prédio dos AA, um L, no sentido sul poente.

7) Tal muro divide a propriedade dos AA e RR (e também do vizinho J...).

8) O início desse muro, a norte, é constituído por uma pedra /poste em granito, no qual está assente o portão de casa dos RR.

9) Com exclusão desse poste em granito, todo o muro é constituído por pedras em xisto, sobrepostas umas nas outras.

10) Por cima desse muro, desde a Rua dos Emigrantes, sita a norte, numa extensão de cerca de 6,5 metros e ocupando metade do mesmo em largura, foi construída uma casa de habitação pertencente hoje a J...

11) O que sucedeu porque o pai dos AA. vendeu a M..., pai de ..., parte do seu prédio, sito a norte, em data não concretamente apurada mas há mais de 20 anos.

12) Quando esse vizinho J... estava a construir a sua casa, por volta de 1987/1988 o pai dos RR, F..., não permitiu que ele ocupasse toda a largura do muro, mas apenas metade, alegando que o muro era meeiro.

13) Tendo o vizinho deixado cerca de 20 cm de muro (largura) desocupado para o lado confinante com os RR.

14) Após a casa de habitação desse vizinho, está também parcialmente assente nesse muro, a casa dos AA, numa extensão de cerca de 4,05metros.

15) Tendo sido deixado livre, de largura do muro e na parte confinante com os RR, cerca de 26 cm.

16) De seguida à casa dos AA, no sentido norte-sul, existe uma parte desocupada do muro com cerca de 75 cm, e, após, existe sobre o muro, e ocupando-o em toda a sua largura, uma construção dos RR que hoje serve de garagem, a qual foi reconstruída há mais de 30 anos.

17) Antes da garagem, e ocupando já o muro na sua totalidade, existia um cabanal, construído pelo avô dos RR, por volta do ano de 1963.

18) De tal ocupação o falecido F... não pagou qualquer quantia ao pai do A. marido, relativo ao espaço ocupado ou despesas de construção do referido muro.

19) Após o termo dessa construção, o muro desenvolve-se no sentido norte-sul num comprimento de 10,40 metros, continuando, com as mesmas pedras, no sentido sul/poente delimitando o logradouro dos AA.

20) E divide os logradouros dos AA e RR.

21) Sendo constituído por pedras irregulares e salientes para ambos os lados, com uma altura, contada do solo do logradouro dos RR, de cerca de 0,85 cms.

22) Actualmente o logradouro dos AA, que serve de quintal, situa-se a uma cota superior da dos RR, sendo que o topo do muro, nessa parte, é coincidente com o nível do quintal dos AA.

23) E suportando ou sustentando, desde então, essas terras dos AA.

24) Nessa extensão de 10,40 metros inexiste qualquer construção, edificação ou apoios sobre o muro, tanto da parte dos AA como da dos RR.

25) Foi o pai do Autor marido que, por volta do ano de 1960, cerca de 2 anos após a construção da sua casa, mandou construir o muro com as pedras provenientes do Rio Côa.

26) E que pagou ao empreiteiro contratado para o efeito.

27) Logo após a construção do muro, o pai dos AA aterrou o seu logradouro com terra arável, com vista a aí fazer o quintal, nivelando desse modo e nessa altura o seu logradouro com o topo do muro.

28) Sendo que a terra, nessa parte, não tem as mesmas características da terra do logradouro dos RR.

29) Há cerca de dois anos, o A. marido, com intenção de reparar o muro, colocou em cima do mesmo algumas pedras de xisto que para ali transportou.

30) A segunda Ré, H..., retirou tais pedras alegando que tal muro lhes pertencia (a si e demais herdeiros de seu pai) em exclusivo.

31) Os antepassados dos Réus, mais concretamente o avô dos segundos Réus, D..., procedeu à elaboração de um projecto de construção de uma moradia, casa que hoje corresponde ao prédio identificado em 5), tendo para o efeito apresentado um projecto de construção no dia 13 de Julho de 1957.

32) Tendo para o efeito procedido ao pagamento das respectivas taxas de licenciamento de obras na Câmara Municipal do ...

33) De tais documentos consta o pagamento de uma taxa para a construção de um muro de 12 m.

34) Na planta apresentada para tal licenciamento, vem identificado um segmento que parte da Estrada Nacional ..., Km 1.200, em sentido perpendicular a essa estrada, junto à divisão dos prédios aqui em causa (entre o dos RR e do vizinho ... e dos AA) identificado com a letra M e o Km 1200.

35) Quer quando foi construído o cabanal, por parte dos antecessores dos RR, assente em toda a largura do muro em discussão, quer quando o mesmo foi reconstruido e adaptado para garagem, mantendo a mesma ocupação sobre o muro, inexistiu qualquer oposição ou reclamação por parte dos AA, ou dos seus antecessores.

4. O direito aplicável

Está em causa neste recurso a titularidade do direito de propriedade sobre parte de um muro que separa o quintal do prédio dos Autores do quintal do prédio dos Réus.

A sentença recorrida considerou que dos factos provados resulta que o muro pertence em compropriedade a Autores e Réus, pelo que julgou improcedente a acção.

Os Autores consideram que dos factos provados é possível concluir que a parte do muro que se encontra desocupada numa extensão de 10,40 metros é propriedade exclusiva dos Autores, pelo que a acção deve ser julgada parcialmente procedente.

O muro em causa tem na sua totalidade mais de 20 metros e é constituído por pedras em xisto, sobrepostas umas nas outras.

De norte para sul o muro inicia-se junto da Rua dos Emigrantes e começa por separar o prédio dos Réus de um prédio pertencente a J... que o adquiriu aos antecessores dos Autores, tendo aquele J... construído uma casa de habitação que, numa extensão de cerca de 6,5 metros, se apoia nesse muro, ocupando metade do mesmo em largura, ficando livre 20 cm para o lado que confina com o prédio dos Réus.

Após a casa de habitação de J... está também parcialmente assente nesse muro, o qual passa a separar o prédio dos Autores do prédio dos Réus, a casa dos Autores, numa extensão de cerca de 4,05 metros, estando livre, de largura do muro e na parte confinante com o prédio dos Réus, cerca de 26 cm.

De seguida à casa dos Autores, existe uma parte desocupada do muro com cerca de 75 cm de extensão.

Depois existe sobre o muro e ocupando-o em toda a sua largura, uma construção dos Réus que hoje serve de garagem.

Após o termo dessa construção, o muro desenvolve-se no sentido norte-sul num comprimento de 10,40 metros, dividindo os logradouros do prédio dos Autores e dos Réus, continuando depois, no sentido sul/poente, a delimitar o logradouro do prédio dos Autores.

Nessa parte o muro é constituído por pedras irregulares e salientes para ambos os lados, com uma altura, contada do solo do logradouro dos Réus, de cerca de 0,85 cms.

O logradouro dos Autores, que serve de quintal, situa-se a uma cota superior da dos Réus, sendo que o topo do muro, nessa parte, é coincidente com o nível do quintal dos Autores, sustentando as terras deste.

Nessa extensão de 10,40 metros inexiste qualquer construção, edificação ou apoios sobre o muro, tanto da parte dos Autores como da dos Réus.

Os Autores pretendem que seja reconhecido que são os proprietários exclusivos desta última parte do muro, tendo em atenção o sentido norte-sul, com a extensão de 10,40 metros.

Estamos perante um muro divisório entre quintais de prédios urbanos.

O art.º 1371º do C. Civil, na linha do art.º 2337º do Código de Seabra, o qual, por sua vez, se inspirou no disposto no art.º 653º do Código Civil Francês, estabeleceu que os muros entre quintais de prédios urbanos se presumem comuns, não havendo sinal em contrário.

Esta presunção visa superar as dificuldades em fazer a prova da propriedade sobre muros muito antigos e atende à forte probabilidade que essa propriedade seja comum, dada a identidade de interesses dos proprietários confinantes em relação ao muro, partindo-se do pressuposto que o muro foi construído com o contributo de ambos ou que um deles adquiriu posteriormente a meação no muro, nos termos anteriormente previstos no art.º 2328º do Código de Seabra e actualmente no art.º 1370º do C. Civil  .

O estabelecimento desta presunção, tal como a admissibilidade da “expropriação por utilidade particular” da meação no muro, prevista no art.º 1370º do C. Civil, revela uma preferência do legislador por esta forma de domínio dos muros divisórios de prédios de igual natureza. A compropriedade destas construções é a melhor forma de harmonizar os interesses dos confinantes na sua utilização  .

Com fundamento na prova de que foi um antecessor dos Autores que mandou construir o muro em causa, tendo pago ao empreiteiro contratado para o efeito; que o muro suporta as terras do quintal do prédio dos Autores, uma vez que o topo do muro é coincidente com o nível do quintal desse prédio; e que o muro, após separar o prédio dos Autores do prédio dos Réus, no sentido norte/sul, continua no sentido sul/poente, a delimitar o logradouro do prédio daqueles, os Recorrentes sustentam que está suficientemente demonstrado que a parte do muro sobre a qual não existe qualquer construção, que tem uma extensão de 10,40 metros lhes pertence com exclusividade.

Em primeiro lugar, cumpre salientar que, conforme resulta do disposto no art.º 1370º do C. Civil, é possível coexistirem direitos de propriedade distintos sobre partes do muro, quer quanto à sua extensão, quer quanto à sua altura, pelo que a pretensão recursória dos Autores, no sentido de lhe ser reconhecida a titularidade de um direito de propriedade sobre uma parte do muro, em extensão, é viável.

Em segundo lugar, podendo as presunções legais serem ilididas mediante prova em contrário - art.º 350º, n.º 2, do C. Civil -, a presunção de compropriedade estabelecida no art.º 1371º, n.º 2, do C. Civil, pode ser ilidida pela prova da aquisição de um direito de propriedade exclusiva sobre o muro, podendo essa prova resultar ainda da existência dos sinais referidos no n.º 3 do mesmo art.º 1371º, ou da circunstância referida no n.º 5 do mesmo artigo.

E se é verdade que a construção de um bem imóvel, através da celebração de um contrato de empreitada, constitui um modo de aquisição originária do direito de propriedade sobre a coisa a favor do dono da obra, sob a forma de uma acessão atípica, nos termos do art.º 1212º, n.º 2, do C. Civil, desde que o solo ou a superfície onde é construída a coisa seja propriedade deste, no caso dos muros divisórios, em que é incerto este último requisito (estes muros situam-se na linha divisória dos prédios), tal construção, só por si, não é suficiente para ilidir a presunção que consta do n.º 2 do art.º 1371º  , até porque, como lembrou Cunha Gonçalves  , o facto do preço da construção do muro ter sido pago apenas por um dos proprietários confinantes não significa que não possa ter existido uma comunhão convencional, consistindo a contribuição do outro proprietário na cessão gratuita do terreno, quando só o proprietário dono da obra tenha empenho e maior proveito em tal construção.

Daí que o facto de se ter provado que foi o pai do Autor marido que, por volta do ano de 1960, cerca de 2 anos após a construção da sua casa, mandou construir o muro com as pedras provenientes do Rio Côa, e que pagou essa construção ao empreiteiro contratado para o efeito, não é suficiente para se considerar ilidida a presunção estabelecida no artigo 1371.º, n.º 2, do C. Civil, e provada a existência de um direito de propriedade exclusivo sobre o muro por parte dos Autores.

Quanto à circunstância do muro servir de suporte às terras do quintal do prédio dos Autores, há que ter em consideração que esse dado não integra o numerus clausus dos sinais constante das alíneas do n.º 3, ou da previsão do n.º 5, do art.º 1371º do C. Civil, que não só excluem a presunção de comunhão como também fazem presumir que a propriedade do muro pertence exclusivamente a um dos proprietários confinantes, pelo que essa circunstância, mesmo que permitisse afastar a presunção de comunhão  , nunca poderia fazer presumir a existência de um direito de propriedade exclusiva sobre o muro  .

Na verdade, a presunção da existência de um direito de propriedade é uma presunção de direito  , pelo que só pode ser determinada pelo legislador, uma vez que as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal - art.º 351º do C. Civil -  e esta é restrita à prova da realidade dos factos, não podendo recair sobre a existência de situações jurídicas.

O mesmo sucede com a circunstância do muro em causa, após separar o prédio dos Autores do prédio dos Réus, no sentido norte/sul, continuar, com as mesmas pedras, no sentido sul/poente delimitando o logradouro dos Autores.

É um sinal que apesar de poder abalar a presunção de comunhão, não permite presumir a existência de um direito de propriedade exclusivo, uma vez que não se encontra entre os sinais a quem a lei, taxativamente, conferiu tal potencialidade e enumerou no art.º 1371.º, n.ºs 3 e 5, do C. Civil.

Assim, há que concluir que não foi efectuada prova de que o muro em questão fosse propriedade exclusiva dos Autores, pelo que o recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas do recurso pelos Autores.


Relatora: Sílvia Pires
Adjuntos: Maria Domingas Simões
Jaime Ferreira

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