Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3192/22.4T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO
REMUNERAÇÃO
RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO
Data do Acordão: 11/09/2022
Votação: U
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 23.º, N.º 1, E 30.º, DO ESTATUTO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL, APROVADO PELA LEI N.º 22/2013, DE 26-02, NA REDAÇÃO DA LEI N.º 9/2022, DE 11-01, E 32.º, N.º 3, DO CIRE
Sumário: I – Apesar de ao administrador judicial provisório nomeado em sede de PER ou de PEAP ser aplicável o regime jurídico dos arts. 32º a 34º, com as devidas adaptações (arts. 17º-C, n.º 4 e 222º-C, n.º 4), não é aplicável aos referidos processos a parte final do n.º 3 do art. 32º do CIRE, na parte em que se estabelece que a remuneração devida ao administrador judicial provisório, em sede de processo de insolvência, juntamente com as despesas em que ele incorra no exercício das suas funções, configuram encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo Cofre Geral dos Tribunais, na medida em que sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta;

II – Nos casos em que o PER ou o PEAP é encerrado em virtude do devedor ou os seus credores terem concluído antecipadamente pela impossibilidade de obter acordo de revitalização ou plano de pagamento, respetivamente, ou por ter decorrido o prazo legal de negociações sem que esse acordo ou plano tenham sido alcançados, e o processo seja encerrado por o insolvente não se encontrar numa situação de insolvência, ou estando-o, face à necessidade de instaurar processo de insolvência, nos termos acabados de enunciar, o CIRE nada diz quanto às custas do PER ou do PEAP, isto é, não contém norma equivalente à dos arts. 17º-F, n.º 11 e 222º-F, n.º 9. No entanto, ainda assim, não se está perante qualquer lacuna legislativa.

III – Nessas situações, as custas são a cargo do requerente do processo, isto é, os honorários e as despesas arbitradas ao administrador judiciário provisório, enquanto encargos do processo, são a cargo do requerente  que viu o PER ou o PEAP a improceder, não havendo, por isso, também, nesses casos, qualquer fundamento legal para que as quantias necessárias ao pagamento dessa remuneração e despesas sejam adiantadas pelo IGFEJ, salvo nos casos em que o requerente do PER ou do PEAP beneficie de apoio judiciário que o isente do pagamento de custas ou na modalidade de pagamento faseado.

IV – Não existe fundamento legal para o IGFEJ, IP, ser responsabilizado a título principal, como pretende o Apelante, pois nem sequer quando prevista a sua intervenção tal sucede - na insolvência aquela responsabilização apenas ocorre após serem esgotadas as disponibilidades da massa insolvente; ou seja, o IGFEJ, IP, apenas é, então, responsabilizado, sempre a título subsidiário e nos casos em que a lei prevê a existência de uma massa insolvente.


(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 3192/22.4TBCBR-A

 (Juízo de Comércio de Coimbra - Juiz 3)

(Processo Especial de Revitalização (CIRE)/honorários administrador)

Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

Resultado O... Unipessoal, Lda. intentou o presente processo especial de revitalização, tendo em vista a sua recuperação económica mediante aprovação de plano de recuperação.

Antes de esgotado o prazo negocial, a devedora comunicou não ser possível aprovar um plano de recuperação. Mais informou que tem a sua atividade paralisada, não tem trabalhadores ao serviço, clientes ou encomendas, pelo que não consegue liquidar os impostos correntes, e que a faturação existente não cobre sequer os custos fixos da atividade.

Encontra-se em situação de incumprimento generalizado, requerendo por isso que o processo seja convertido em processo de insolvência.

O Sr. Administrador Judicial Provisório publicitou o encerramento do processo negocial no portal Citius, e emitiu o parecer previsto no art. 17.º-G, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, no qual conclui que a devedora se encontra em situação de insolvência, e requereu que a mesma seja declarada insolvente.

A 1.ª instância, na parte com interesse para este recurso, proferiu a seguinte decisão:

“Assim sendo, e nos termos dos arts. 17.º-G, n.º 7, e 17.º-J, n.ºs 1, al. b), e 2, al. b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas: - Determino se extraia certidão da petição inicial, do requerimento da devedora de 06.06.2022, do parecer do Sr. Administrador Judicial Provisório e do presente despacho se autue essa certidão como processo de insolvência de pessoa coletiva (apresentação), o qual ficará afeto a esta unidade orgânica; criado o processo de insolvência, apense este PER e abra ali conclusão;

- Declaro encerrado o presente processo especial de revitalização, e consequentemente cessadas as funções do Sr. Administrador Judicial Provisório.

Nos termos do art. 23, n.º 1, do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, na redação aprovada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, o administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de € 2.000,00.

Aufere ainda, de acordo o art. 23.º, n.º 4, uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor, cujo valor corresponde a 10% da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5.

Sendo que o n.º 5 do art. 23.º estatui que, para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.

Dispõe o art. 222.º-C, n.º 6, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na redação dada pela Lei n.º 9/2022, que a remuneração do administrador judicial provisório é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que aquele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo devedor, sendo o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça responsável pelo seu pagamento apenas no caso de o devedor beneficiar de proteção jurídica na modalidade da dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo.

Por fim, o art. 222.º-C, n.º 7, estatui que, caso o devedor venha a ser declarado insolvente na sequência da não homologação de um acordo de pagamento, a remuneração do administrador judicial provisório e as despesas em que este tenha incorrido, que não sejam pagas, constituem créditos sobre a insolvência.

Estando-se, no caso, perante processo especial para acordo de pagamento em que não foi lograda aprovação do acordo e, assim, a recuperação da devedora, terá (apenas) o Sr.Administrador judicial provisório direito à remuneração fixa, de € 2.000,00.

Pelo exposto, fixo em € 2.000,00 o valor da remuneração do Sr. Administrador judicial provisório, sendo tal quantia suportada pela devedora e constituindo, caso não venha a ser pago, um crédito sobre a sua insolvência.

Notifique”.

Por despacho de 15 de julho de 2022 -  Ref.ª 42821852 -, a 1.ª instância, no seguimento de requerimento apresentado pelo Administrador Judicial, proferiu a seguinte decisão:

“Conforme referimos no antecedente despacho, o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça apenas é responsável pelo pagamento da remuneração do administrador judicial provisório no caso de a empresa beneficiar de proteção jurídica na modalidade da dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo, o que não sucede no caso.

Por outro, sendo a empresa declarada insolvente na sequência da não homologação de um plano de recuperação, a remuneração do administrador judicial provisório e as despesas em que este tenha incorrido, que não sejam pagas, constituem créditos sobre a insolvência.

Por lapso, no referido despacho fizemos referência ao art. 222.º-C, n.ºs 6 e 7, quando tal regime resulta do art. 17.º-C, n.ºs 6 e 7, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Destarte, por falta de fundamento legal para determinar o pagamento da remuneração do administrador judicial provisório pelo IGFEJ, indefere-se o requerido”.

O Administrador Judicial Provisório, AA, interpôs recurso de tal despacho - que lhe indeferiu o requerimento que o mesmo apresentara pedindo que a remuneração que lhe é devida seja paga pelo IGFEJ -, apresentando as seguintes conclusões:

1) No âmbito do PER não existe fase de apreensão e de liquidação de bens, pretendendo o legislador evitar essa apreensão e liquidação do património do devedor, pelo que neles não existe qualquer massa.

2) Nos casos em que no âmbito do PER ocorra a homologação judicial, respetivamente, do plano de recuperação ou de pagamento, o art. 17º-F, n.º 11, do CIRE, estabelecem expressamente que as custas do processo de homologação ficam a cargo do devedor.

3) Dir-se-á que apesar de não se desconhecer que no âmbito do PER não existe nunca massa insolvente que possa responder pelas custas do processo (incluindo-se nestas a remuneração devida ao administrador judicial provisório e a restituição das despesas que este suportou no exercício das suas funções, dado que se trata de encargos do processo – art. 529º, n.ºs 1 e 3 do CPC), pelo que, a ser aplicável aos mencionados processos o regime integral do n.º 3 do art. 32º do CIRE, teria de ser sempre o IGFEJ a suportar a liquidação dessa remuneração e despesas devidas ao administrador judicial provisório e demais encargos do PER.

4) O legislador, em relação ao qual se tem, por imperativo legal, de se presumir que consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, n.º 3 do CIRE), afastou, em caso de homologação do plano de recuperação ou de pagamento, aquele regime do art. 32º, n.º 3 do CIRE, ao estabelecer que as custas do processo de homologação no PER são sempre suportadas pelo devedor, mas já não o fez no caso do PER ser convertido em processo de insolvência, atenta a não homologação de um Plano de Revitalização.

5) Note-se que essa diversidade de regimes que é aplicável, por um lado, ao PER e, por outro, aos processos de insolvência tem na sua base a circunstância de se tratar de processos com pressupostos e com finalidades distintas, em que as funções do administrador judicial provisório não se confundem com as do administrador de insolvência.

6) Com efeito, quando o PER termina com a homologação, do plano de revitalização, existe norma expressa (arts. 17º-F, n.º 11 do CIRE) que determina que as custas do processo ficam a cargo do devedor.

7) No caso concreto, ou seja em situações, que o PER não é homologado e o processo é convertido em insolvência, a questão das custas do PER carece de ser resolvida de acordo com as regras gerais previstas no art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicáveis ao PER enquanto direito subsidiário, nos termos do art. 17º do CIRE.

8) Ou seja, nessas situações, as custas são a cargo do requerente do processo, isto é, os honorários e as despesas arbitradas ao administrador judiciário provisório, enquanto encargos do processo, são a cargo do requerente (assim como, reafirma-se, todas as custas), que viu o PER a improceder.

9) Acontece que estando a Devedora insolvente, a mesma não terá já condições de liquidar as custas do processo, até porque teriam as custas em divida de ser reclamadas no processo de insolvência, pela Fazenda Nacional, como qualquer outra divida da insolvente.

10) O aqui Recorrente não desconhece, haver quem defenda que os honorários do Administrador Judicial Provisório não deveriam ser adiantados pelo IGFEJ, fazendo diferente interpretação da norma supra citada.

11)Contudo a ser assim, teria o senhor Administrador Judicial Provisório que extraprocessualmente reclamar junto da devedora o pagamento da contrapartida do seu trabalho no processo, ficando dependente da vontade ou da disponibilidade financeira desta.

12) Nos casos em que o plano de revitalização não é aprovado ou, sendo, não é proferida sentença de homologação do mesmo, dando o Administrador Judicial Provisório parecer de que o requerido se encontra insolvente, como irá o Administrador Judicial Provisório cobrar os seus honorários e despesas?

13) Não podendo no caso concreto receber diretamente da Devedora, sob pena de favorecimento de credores, indevido e ilegal, outra solução não restaria ao aqui Recorrente que a de reclamar créditos no próprio processo de insolvência (nos termos do art. 128º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) e como crédito comum, atrás de todos os créditos privilegiados e garantidos que vierem a ser reconhecidos e ao lado dos outros créditos comuns, esperando que o produto da liquidação seja suficiente para satisfação dos honorários do serviço que prestou.

14) Acresce, que o aqui Recorrente não poderia aceitar a nomeação como Administrador da Insolvência no processo de insolvência, perdendo a remuneração e o trabalho que decorreriam dessa nomeação, sob pena de conflito de interesses, por se ver na posição de ter que reconhecer como Administrador da Insolvência um crédito que reclama como credor, ou seja, por ser ao mesmo tempo Administrador da Insolvência e credor.

15) Verifica-se assim uma discriminação gritante entre o Administrador Judicial Provisório e os restantes intervenientes processuais que são nomeados pelo tribunal para desempenhar funções num processo.

16) Peritos, tradutores, Administrador da Insolvência ou Administrador Judicial Provisório em sede de processo de insolvência, todos têm os seus honorários liquidados diretamente no próprio processo em que participem, sem necessidade de recurso a via judicial, na forma de outro processo, executivo ou de insolvência, sujeitando-se às vicissitudes, ao sucesso ou ao insucesso, normais para quem recorre ao tribunal.

17) Veja-se que até as testemunhas podem requerer diretamente ao processo onde tenham prestado depoimento o pagamento das despesas de deslocação e fixação de uma indemnização equitativa (cfr. art. 525º do Código de Processo Civil), sem necessidade de intentarem outro processo judicial para sua cobrança.

18) O Administrador da Insolvência em sede de insolvência recebe sempre os seus honorários diretamente do processo em que presta funções: ou retirando tal quantia das disponibilidades da massa insolvente - cfr. art. 29º, nº 1 da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro (Estatuto do Administrador Judicial) - ou na insuficiência desta, através do IGFEJ – cfr. art. 30º, nº 1 do mesmo diploma.

19) Também o Administrador Judicial que exerça funções como Administrador Judicial Provisório em processo de insolvência recebe sempre os seus honorários diretamente do processo em que presta funções: ou retirando tal quantia das disponibilidades da massa insolvente ou na insuficiência desta, através do IGFEJ – cfr. art. 32º, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

20) Desta forma, o legislador protegeu sempre o Administrador da Insolvência e o Administrador Judicial Provisório em processo de insolvência, servidor da justiça nomeado pelo tribunal, permitindo sempre que este obtenha o pagamento dos seus rendimentos e despesas diretamente do processo onde presta funções.

21) Terá querido o legislador que fosse diferente quanto aos Administradores Judiciais Provisórios em PER e PEAP, discriminando-os?

22) Haverá razão para essa discriminação?

23) O aqui Recorrente entende que não, atento o facto de em ambos os casos se tratarem de servidores da justiça nomeados pelo tribunal, para exercerem funções em processos judiciais, funções essas essenciais e imprescindíveis para o cumprimento do fim a que se destinam aqueles.

24) O nº 3 do artigo 32º do CIRE em apreço (sempre “com as devidas adaptações” aos presentes autos por força do art. 17º-C, nº 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas): “A remuneração do administrador judicial provisório é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que ele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça na medida em que, sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta”.

25) Qual a razão de ser da norma?

26) Cremos, salvo melhor opinião, ser a de garantir a remuneração do Administrador Judicial Provisório em sede de processo de insolvência (qualificando-a mesmo como um encargo compreendido nas custas do processo), que será sempre liquidada antes de findo o mesmo ou através das disponibilidades da massa insolvente ou, na ausência destas, através do IGFEJ.

27) Razão de ser semelhante, à que está na génese dos arts. 29º, nº 1 e 30º, nº 1 da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro.

28) Daí que, procurando interpretar o art. 32º, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, adaptando-o às especificidades do PER ou PEAP (por força dos arts. 17º-C, nº 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), se nos afigura ser de abolir a referência a “sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta”, que não pode ser aplicado a estes processos, pois estes não têm, por natureza, massa insolvente ou património semelhante que possa responder pelo pagamento dos honorários do senhor Administrador Judicial Provisório.

29) Consequentemente, os honorários e despesas do senhor Administrador Judicial Provisório constituirão um encargo compreendido nas custas do processo e serão suportados pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, tratandoo o legislador da mesma forma e a par do Administrador da Insolvência e do Administrador Judicial Provisório em processo de insolvência.

30) Aliás, só desta forma é que os honorários e despesas passam a constituir um encargo compreendido nas custas do processo, da responsabilidade daquele que, a final, vier a ser condenado nas custas processuais, ou seja, o Devedor.

31) Em face de tudo o exposto, será de concluir que por força do disposto no art. 32º, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, adaptando-o às especificidades do PER (nos termos dos arts. 17º-C, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), os honorários do Administrador Judicial Provisório deverão ser adiantadas pelo IGFEJ e após constituídas como um encargo a ser compreendido nas custas do processo, da responsabilidade daquele que foi condenado no pagamento destas.

32) Pelo que deverá a Apelação ser julgada procedente, e ser a remuneração fixada ao Administrador Judicial Provisório, seja suportado do IGFEJ, IP, compreendido nas custas do processo, da responsabilidade daquele que foi condenado no pagamento destas.

Termos em que pelo que se deixou dito, e que V. Exas. doutamente suprirão, revogando-se o Douto Despacho, e proferindo nova Decisão, suprindo as Nulidades invocadas, determinando que a remuneração fixada ao Administrador Judicial Provisório, seja adiantado pelo IGFEJ IP, farão como sempre Inteira e Sã Justiça”.

2. Do objecto do recurso

A quantia arbitrada a título de honorários ao administrador judicial provisório, pelas funções exercidas no âmbito do processo especial de revitalização ou processo especial para acordo de pagamento, pode ser adiantada pelo IGFEJ, I.P.?

A interrogação feita pelo Apelante:

“Nos casos em que o plano de revitalização não é aprovado ou, sendo, não é proferida sentença de homologação do mesmo, dando o Administrador Judicial Provisório parecer de que o requerido se encontra insolvente, como irá o Administrador Judicial Provisório cobrar os seus honorários e despesas?”

Vamos ás normas:

1.Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro (estabelece o estatuto do administrador judicial), na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 9/2022, de 11-01/ esta nova versão é de aplicar aos processos pendentes, excetuada a situação prevista no n.º 2 do seu artigo 10.º (o disposto nos artigos 17.º-C a 17.º-F, 17.º-I e 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com a redação introduzida pela presente lei, apenas se aplica aos processos especiais de revitalização instaurados após a sua entrada em vigor);

i. O administrador judicial tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas – artigo 22.º;

ii.O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2000 (euro) - Artigo 23.º “;

iii. Nas situações previstas nos artigos 39.º - Insuficiência da massa insolvente/ Para os efeitos previstos no n.º 1, presume-se a insuficiência da massa quando o património do devedor seja inferior a € 5000 -  e 232.º - Encerramento por insuficiência da massa insolvente - do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração do administrador da insolvência e o reembolso das despesas são suportados pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça.2 - Nos casos previstos no artigo 39.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a provisão a adiantar pelo organismo referido no número anterior é metade da prevista no n.º 8 do artigo anterior, sendo paga imediatamente após a nomeação.3 - Se o devedor beneficiar do diferimento do pagamento das custas, nos termos do n.º 1 do artigo 248.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o pagamento da remuneração e o reembolso das despesas são suportados pelo organismo referido no n.º 1, na medida em que a massa insolvente seja insuficiente para esse efeito. 4 - Nos casos previstos no artigo 39.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração do administrador da insolvência é reduzida a um quarto do valor referido no n.º 1 do artigo 23.º 5 - Para efeitos do presente artigo, não se considera insuficiência da massa a mera falta de liquide – artigo 33.º (Pagamento da remuneração do administrador da insolvência suportada pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça).

2.Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE);

i. Salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código (…) “As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores” – artigo 51.º n.º 1 al.b);

ii. A remuneração do administrador judicial provisório é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que aquele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo devedor, sendo o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça responsável pelo seu pagamento apenas no caso de o devedor beneficiar de proteção jurídica na modalidade da dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo - art.º 222.º-C, n.º 6;

iii. Caso o devedor venha a ser declarado insolvente na sequência da não homologação de um acordo de pagamento, a remuneração do administrador judicial provisório e as despesas em que este tenha incorrido, que não sejam pagas, constituem créditos sobre a insolvência - o art.º 222.º-C, n.º 7.

iv. A remuneração do administrador judicial provisório ( refere –se o legislador a nomeação de administrador judicialno âmbito do procedimento de insolvência/as medidas cautelares podem designadamente consistir na nomeação de um administrador judicial provisório com poderes exclusivos para a administração do património do devedor, ou para assistir o devedor nessa administração) é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que ele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça na medida em que, sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta – artigo 32.º n.º 3.

Este é, o lastro legislativo – o negrito é nosso - por onde tem de navegar o julgador na feitura da sua decisão.

Apreciando.

Com todo o respeito, que é muito, entendemos que a interpretação feita pelo julgador da 1.ª instância, é a que mais se adequa ao conjunto das normas supra - citadas.

Entendemos que os valores fixados a título de retribuição não podem ser adiantados/pagos pelo Instituto da Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, ficando exclusivamente a cargo dos devedores/massa insolvente.

 Resulta claro que o legislador, que alterou muito recentemente a problemática do papel/remuneração dos administradores judiciais - com a alteração introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11-1, o legislador pretendeu, de facto, compensar a degradação da remuneração do administrador judicial - durante cerca de vinte anos, o valor da remuneração fixa não foi objecto de qualquer aumento ou actualização/ o valor tabelar das despesas do administrador, que em 2004 era de € 500,00 (art. 26.º/6 da Lei 32/2004, de 22-7 e art. 29.º/8 do EAJ com a redação original), e diminuiu para 2 UC com as modificações introduzidas pelo DL 52/2019, de 17-4, no art. 29.º/8 do EAJ, não sofrendo qualquer alteração com a Lei nº9/2022, de 11-1 -, optando por aumentar significativamente a componente variável da sua remuneração-, se pretendesse impor ao IGFEJ o pagamento de tais remunerações, o teria feito, criando norma em que se previsse tal possibilidade.

Esta restrição não existiria se fosse intenção do legislador conceder tal direito ao administrador judicial provisório, que dispõe da faculdade de exigir o pagamento à entidade a quem prestou o serviço e, eventualmente, à massa insolvente na qualidade de credor, como poderá suceder no caso dos autos.

Como explica Acórdão da Relação do Porto de 27.06.2018, “...nos termos do disposto no art. 30º da Lei nº 22/2013 a remuneração do administrador da insolvência apenas é suportada pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça nas situações previstas nos arts. 39º e 232º do CIRE de insuficiência da massa insolvente, o que não sucede na situação “sub judice”.Aqui estamos perante um processo especial para acordo de pagamento previsto nos arts. 222º-A e segs. do CIRE em que não há insolvente nem massa insolvente, de tal modo que os responsáveis pelo pagamento das custas são tão-só os devedores requerentes, nos termos em que o é o devedor requerente da insolvência nos casos em que a insolvência não é decretada (cfr. art. 304º do CIRE)”.

Também o Acórdão da Relação de Lisboa de 9.02.2017, “...apesar da Lei n.º 22/2013 consagrar os estatutos de ambos os administradores judiciais, o art.º 30º restringe ao da insolvência o pagamento da remuneração pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça – e só nas situações previstas nos art.ºs 39º e 232º do CIRE, isto é, de insuficiência da massa insolvente”.

E no mesmo sentido, pronuncia-se o acórdão da Relação de Évora de 28.05.2015: “Nos termos do disposto no art. 30º da lei nº 22/2013, apenas a remuneração do administrador da insolvência é suportada pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, e nas situações (previstas nos arts. 39º e 232º do CIRE) de insuficiência da massa insolvente. No caso dos autos (processo de revitalização), em que não há insolvente nem massa insolvente, o responsável pelo pagamento das custas é apena e tão só o devedor requerente, nos termos em que o é o devedor requerente da insolvência nos casos em que a insolvência não é decretada (art. 304º do CIRE)” – estas decisões podem ser consultadas em www.dgsi.pt.

Ou seja, no âmbito do PER – Processo Especial de Revitalização -  ou do PEAP– Processo Especial para Acordo de Pagamento -  não existe norma que permita ao tribunal ordenar que a quantia arbitrada ao administrador judicial provisório, a título de honorários, seja paga pelo IGFEJ. As custas do PER e do PEAP são sempre a cargo do devedor/ou da massa insolvente (caso seja declarada a insolvência do requerente), não se estando, portanto, perante qualquer lacuna legislativa que se imponha superar.

O PER e o PEAP são processos bem distintos do processo de insolvência, uma vez que têm pressupostos e finalidades diferenciadas, posto que enquanto os dois primeiros visam, respetivamente, obstar que a empresa (no caso de PER) ou as não empresas (no caso de PEAP) que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, caiam numa situação de insolvência, mediante a celebração de acordo com os respetivos credores que possibilitem a respetiva reabilitação, o processo de insolvência tem subjacente uma situação de já efetiva insolvência do devedor, ou seja, que o devedor se encontre já numa situação impossibilitadora de cumprir as suas obrigações vencidas -  ou, tratando-se de pessoa coletiva e patrimónios autónomos por cuja dívidas nenhuma pessoa responda pessoal e ilimitadamente, por forna direta ou indireta, numa situação em que o passivo destas já seja manifestamente superior ao respetivo ativo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis .

Como decorrência dessa diversidade de pressupostos e de finalidades entre, por um lado, o PER e o PEAP e, por outro, o processo de insolvência, também as funções do administrador judicial provisório no âmbito do PER ou do PEAP não se confundam, sequer são equiparáveis, às do administrador de insolvência.

Apesar de no âmbito do PER e do PEAP não existir nunca massa insolvente que possa responder pelas custas do processo - incluindo-se nestas a remuneração devida ao administrador judicial provisório e a restituição das despesas que este suportou no exercício das suas funções, dado que se trata de encargos do processo – art. 529º, n.ºs 1 e 3 do CPC -, nada nos rigores da lei nos permite concluir a aplicação, aos mencionados processos , o regime integral do n.º 3 do art. 32º do CIRE – que teria de ser sempre o IGFEJ a suportar a liquidação dessa remuneração e despesas devidas ao administrador judicial provisório e demais encargos do PER ou do PEAP -.

O legislador, em relação ao qual se tem, por imperativo legal, de se presumir que consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados  - art.º 9º do Código Civil- , afastou, em caso de homologação do plano de recuperação ou de pagamento, aquele regime do art.º 32º, n.º 3 do CIRE, ao estabelecer que as custas do processo de homologação no PER e no PEAP são sempre suportadas pelo devedor, o que apenas pode significar que o regime desse n.º 3 somente é aplicável aos processos de insolvência, mas nunca ao PER ou ao PEAP.

De resto, em consonância com o que vem dizendo, a Lei n.º 22/2013, de 26/02, que aprovou o Estatuto do Administrador Judicial, apesar de no seu art.º 2º, n.º 2 estabelecer que o administrador judicial designa-se administrador judicial provisório, administrador de insolvência ou fiduciário, dependendo das funções que exerce no processo, restringe o pagamento da remuneração e do reembolso das despesas pelo IGFEJ, devidas ao administrador de insolvência às situações previstas nos arts. 39º e 232º do CIRE, ou seja, aos processos de insolvência, no caso de inexistência ou insuficiência de massa para proceder à liquidação da remuneração e reembolso de despesas.

Deste modo, no âmbito do PER e do PEAP, só existe fundamento legal para o IGFEJ adiantar/pagar a quantia necessária ao pagamento dos honorários e das despesas arbitradas ao administrador judicial provisório, nos casos em que o requerente/devedor litigue com apoio judiciário que o isente do pagamento de custas, em que por força do disposto nos arts. 19º, n.º 1 e 20º, n.º 2 do RCP, os encargos e as despesas para com terceiros são adiantas pelo IGFEJ, sem prejuízo de entrarem nas custas de parte e serem reembolsáveis, a final, pelo responsável pelo pagamento das custas.

Logo, dir-se-á que os distintos pressupostos e finalidades que presidem, por um lado, ao PER e ao PEAP e, por outro, ao processo de insolvência, assim como o distinto conteúdo funcional que se encontra acometido ao administrador judicial provisório no âmbito do PER e do PEAP e aquele que se encontra atribuído ao administrador de insolvência no âmbito do processo de insolvência, justifica plenamente que o legislador, em sede de custas, tenha expressamente previsto que as custas devidas no âmbito do PER e do PEAP, onde se inserem, a título de encargos, as quantias remuneratórias devidas ao administrador judicial provisório pelas funções exercidas no âmbito desses processos, incluindo as despesas que teve no exercício dessas funções, fiquem sempre a cargo do devedor; sem que dessa diversidade de regimes se descortine a propalada discriminação, a que alude o Apelante, sequer qualquer entorse ao princípio constitucional da igualdade  - art.º 13º da CRP- , mas antes uma aplicação rigorosa da lei vigente.

Neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 30.6.2022, pesquisável em www. dgsi.pt:

“Pelo exercício das suas funções, o administrador judicial provisório nomeado no âmbito do processo especial para acordo de pagamento, previsto nos artigos 222º-A e seguintes do CIRE, tem direito a remuneração, a qual é composta por uma parte fixa e por uma parte variável, esta apenas a atribuir no caso de ser aprovado o acordo de pagamento; o artigo 30.º da Lei n.º 22/2013 restringe ao administrador da insolvência o pagamento da remuneração pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, e só nas situações previstas nos artigos 39.º e 232.º do CIRE, isto é, de insuficiência da massa insolvente”.

Improcede, pois, o recurso.

À laia de conclusão:

(…).


3.Decisão
Assim, na improcedência do recurso, mantemos a decisão proferida pelo Juízo de Comércio de Coimbra - Juiz 3.

As custas ficam a cargo do apelante.

Coimbra, 9 de Novembro de 2022

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(Arlindo Oliveira - 1.º adjunto)

(Emidio Santos – 2.º adjunto)