Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
738/12.0TAMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: DECISÃO ADMINISTRATIVA
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Data do Acordão: 05/08/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 59.º DO REGIME GERAL DAS CONTRA-ORDENAÇÕES
Sumário: Tendo sido interposta, pela arguida, através do seu legal representante, impugnação judicial, ao abrigo do disposto no artigo 59.º do Regime Geral das Contra-Ordenações; não sendo exigível ao apresentante conhecimentos especiais de direito; constando do requerimento apresentado as alegações que fundamentam a sua pretensão e oposição à decisão da autoridade administrativa e as respectivas conclusões, não obsta à admissão da peça impugnatória o facto de esta estar (indevidamente) dirigida, com a denominação “alegações de defesa”, à autoridade administrativa.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I)

Relatório

1.                A Câmara Municipal da Marinha Grande, através da Divisão Jurídica e de Contratação Pública, lavrou auto de contra-ordenação à arguida, A..., L.da, melhor identificada nos autos, por alegada violação do disposto no n.º 5 do artigo 4.º do Decreto-lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-lei n.º 26/2010, de 30 de Março, que constitui contra-ordenação prevista e punível pelo artigo 98.º, n.º 1, alínea d), e n.º 4, do mesmo diploma legal.

No prosseguimento do processo de contra-ordenação n.º 40/CO/2012, a entidade administrativa – Câmara Municipal da Marinha Grande – proferiu decisão, em 25 de Julho de 2012 (fls. 26 a 31); aí, considerando que a arguida praticou a contra-ordenação que determinou a instauração do procedimento, aplicou à mesma uma coima no valor de € 2.000,00.

A arguida, notificada da decisão e não se conformando com a mesma, apresentou requerimento que denominou de “alegações de defesa” e, posteriormente, na sequência de notificação da entidade administrativa, apresentou novo requerimento que denominou de “impugnação judicial” – em circunstâncias que adiante melhor se explicitarão. Remetidos os autos a tribunal, onde deram origem ao processo n.º 738/12.0TAMGR, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande, aí foi proferido despacho rejeitando a interposição de recurso, por se entender – com referência ao segundo dos requerimentos antes mencionados – que o mesmo foi apresentado extemporaneamente.

2.                A arguida, não se conformando também com esta decisão, interpôs o presente recurso.

Na respectiva motivação, formula as seguintes conclusões:

(i) Em 01.08.2012 foi a ora Recorrente notificada da Decisão Final proferida pela Câmara Municipal da Marinha Grande, no processo de contra-ordenação n.º 40/CO/2012.

(ii) Em prazo para o efeito, diga-se, em 21.08.2012, e no exercício do seu direito de defesa, a ora Recorrente apresentou impugnação judicial dirigida à autoridade administrativa, da qual constavam alegações e conclusões, pese embora tenha, erroneamente, designado de “requerimento de alegações de defesa, da interessada”.

(iii) Sucede que, em vez de enviar os autos ao Tribunal, como deveria nos termos do artigo 62.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, a autoridade administrativa acusou a recepção do requerimento, através de Ofício, relativamente ao qual foi a ora Recorrente notificada em 29.08.2012.

(iv) Perante tal Ofício, com a epígrafe «Recepção do V/ “Requerimento de alegações de defesa” – Esclarecimentos», e atenta a sua ambiguidade, a ora Recorrente ficou na dúvida com o que pretendia a autoridade administrativa, se um mero esclarecimento do que queria a ora Recorrente com o chamado “requerimento de alegações de defesa” ou se era esta notificada para impugnar judicialmente a decisão administrativa, isto porque na sua notificação a autoridade administrativa não esclarece se considera como defesa o requerimento apresentado pela ora Recorrente.

(v) Deste modo, em 18.09.2012, a ora Recorrente apresentou requerimento, no qual não só esclareceu que visava com o primeiro requerimento exercer o seu direito de defesa, ou seja, impugnar a decisão administrativa, como também, e por mera cautela, reproduziu “ipsis verbis” o teor desse requerimento, mas agora designado de “impugnação judicial”.

(vi) Salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao proferir o despacho judicial a fls. 86, o qual não teve em atenção o primeiro requerimento enviado tempestivamente, a 21.08.2012, tendo como data de início de contagem do prazo a da primeira notificação (01.08.2012), com os esclarecimentos referidos nos artigos 1.º a 7.º do segundo requerimento.

(vii) Bem como, também não teve em atenção que a última notificação com epígrafe «Recepção do V/ “Requerimento de alegações de defesa” – Esclarecimentos» concede à ora Recorrente um novo prazo para requerer, e que não considera como defesa o primeiro requerimento.

(viii) Nesta interpretação, o segundo requerimento para interposição de recurso, único que o despacho recorrido considerou, deve ter-se também por tempestivo, começando o prazo a correr desde a sua notificação, ou seja, desde 29.08.2012.

(ix) Acrescente-se ainda que a Recorrente, no exercício de um direito que a lei lhe confere por si, agiu desacompanhada de defensor, na medida em que a lei não obriga a tal, daí as eventuais incorrecções na terminologia e na interpretação das notificações recepcionadas.

(x) Assim, e salvo melhor opinião, o Tribunal a quo violou o preceituado no número 3 do artigo 59.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, uma vez que, quer considerasse o primeiro requerimento como defesa, quer considerasse o segundo requerimento, ambos foram interpostos tempestivamente.

(xi) Bem como, o Tribunal a quo violou, ainda, o disposto no número 10 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

Termina requerendo que, com a procedência do recurso, se revogue o despacho recorrido, substituindo-o por outro que julgue tempestivo o recurso de impugnação interposto pela Recorrente, recebendo-o e determinando o prosseguimento dos Autos para apreciação dos fundamentos ali expostos.

3.1 O Ministério Público apresentou resposta, concluindo que na decisão recorrida não foram violados os artigos 59.º, n.º 3, do Regime Geral das Contra-Ordenações e 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa.

O recurso é intempestivo, pelo que deve ser rejeitado, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.

3.2 Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público, com vista nos autos, expressou o entendimento de que o requerimento que a recorrente intitulou de “alegações de defesa” e que deu entrada a 22.08.2012, claramente não é um recurso de impugnação e o recurso que apresentou a 19.09.2012 encontrava-se fora de prazo, e emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Notificada, a arguida reiterou a argumentação expressa na respectiva motivação e a pretensão aí formulada.

4.                Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

É pacífico – à luz do disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal – que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso, nomeadamente as que estão previstas no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Face às conclusões da motivação do recurso, importa apreciar, essencialmente, a seguinte questão:
§ Determinar se a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa se deve considerar tempestivamente apresentada pela arguida/recorrente, neste âmbito se apreciando as concretas razões por ela afirmadas.

II)

Fundamentação

1.                Factos relevantes.

Com interesse para a decisão a proferir, importa considerar os seguintes factos:

Determinada a instauração de processo de contra-ordenação contra a arguida, com fundamento nos factos que constam da informação de fls. 20 e 21, foi a mesma notificada por carta registada com aviso de recepção, nos termos documentados a fls. 20 e 21 (“informação 204/2012”), 23 (“acusação”), 24 e 25 (“termos da notificação”) e 25 verso (“aviso de recepção”).

Na alínea d) do ofício de notificação (documento de fls. 24) constava o seguinte: “A falta de apresentação de defesa implica, de imediato, decisão final (…)”.

A arguida, na sequência de tal notificação, nada disse ou fez, nomeadamente, não apresentou defesa escrita.

No prosseguimento do processo, a entidade administrativa – Câmara Municipal da Marinha Grande, na pessoa do respectivo Presidente – proferiu decisão, em 25 de Julho de 2012 (fls. 26 a 31); aí, considerando que a arguida praticou a contra-ordenação de que vinha acusada e que determinou a instauração do procedimento, aplicou à mesma uma coima no valor de € 2.000,00.

Na parte final da decisão consta:

«De harmonia com o disposto no art.º 58.º n.º 2 e 3, dos diplomas legais acima referidos, faz-se também saber que:

a) Esta condenação torna-se definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada, nos termos do art.º 59º dos mesmos diplomas, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento.

No caso de impugnação, o recurso poderá ser interposto pela arguida ou pela sua defensora. O recurso é feito por escrito e apresentado à Autoridade Administrativa que aplicou a coima, devendo constar de alegações e conclusões.

b) Em caso de impugnação judicial, o Tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso a arguida e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.

c) Na falta de tal impugnação, deverá V. Ex.ª proceder ao pagamento da coima e custas (…)».

A arguida foi notificada da aludida decisão em 1 de Agosto de 2012, nos termos documentados a fls. 32 e 32 verso, sendo subscritor do ofício que para o efeito lhe foi remetido (n.º 400/2012, constando como “Assunto: Processo de Contra-Ordenação n.º 40/CO/2012 – Decisão Final de aplicação de coimas e custas – Notificação”) o “Chefe da Divisão Jurídica e de Contratação Pública”.

Em 22 de Agosto de 2012 deu entrada na Câmara Municipal da Marinha Grande um ofício da arguida/recorrente, expedido no dia anterior (21 de Agosto de 2012 – teor de fls. 47), subscrito pelo respectivo gerente, dirigido à Câmara Municipal da Marinha Grande, ao cuidado do Chefe da Divisão Jurídica e de Contratação Pública, constando como “assunto: Requerimento de alegações de defesa”, do seguinte teor:

«Junto enviamos requerimento de alegações de defesa, solicitando a V. Exas. o favor de juntarem ao processo de Contra-Ordenação n.º 40/CO/2012, em que é Arguida A..., L.da.

Mais solicitamos a V. Exas. a devolução da cópia para carimbo, o que desde já agradecemos».

Com o ofício, a arguida remeteu requerimento igualmente subscrito pelo respectivo gerente, dirigido à Câmara Municipal da Marinha Grande, Divisão Jurídica e de Contratação Pública, onde afirma que, na sequência do ofício de notificação, vem apresentar as suas “alegações de defesa”, nos termos documentados de fls. 34 a 39, posto o que alega as razões pelas quais pretende que os autos sejam arquivados e ela própria absolvida, concluindo com a formulação de conclusões, sendo o requerimento acompanhado de dois documentos.

Em 23 de Agosto de 2012 foi remetido à arguida o ofício n.º 462/2012, constando como «Assunto: Processo de Contra-Ordenação n.º 40/CO/2012 – Recepção do V/ “requerimento de alegações de defesa” – Esclarecimentos», assinado pelo “Chefe da Divisão Jurídica e de Contratação Pública”, com o seguinte teor (fls. 48):

«Ex.mos Senhores

Tendo sido recepcionado nesta Câmara Municipal, em 22 de Agosto do corrente ano, documento subscrito por V. Exas., denominado “Requerimento de alegações de defesa” dirigido ao Chefe da Divisão Jurídica desta Câmara Municipal, vimos por este meio esclarecer V. Exas. que, tal como se encontra referido na decisão final proferida no âmbito do processo acima identificado, da qual V. Exas. foram notificados através do n/ofício n.º 400/2012, de 26.07.2012, nos termos legais na actual fase processual V.Exas. deverão efectuar o pagamento da coima e custas a que foram condenados ou proceder à impugnação judicial destas, nos termos referidos.

(…)»

Este ofício foi recebido pela arguida em 28 de Agosto de 2012, conforme teor de fls. 48 verso.

Em 19 de Setembro de 2012 deu entrada na Câmara Municipal da Marinha Grande requerimento da arguida/recorrente, expedido no dia anterior (18 de Setembro de 2012 – teor de fls. 51), subscrito pelo respectivo gerente, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal da Marinha Grande.

Aí, a arguida afirma que, «tendo sido notificada da Decisão Final de aplicação de coimas e custas, proferida em 25.07.2012, ao qual apresentou requerimento com “alegações e conclusões” em prazo, e tendo sido esclarecida mediante notificação datada de 23.08.2012 que o requerimento apresentado pautava-se por enfermidades como, denominação do requerimento errado e interposição do mesmo a órgão incompetente, a qual foi recepcionada a 29.08.2012, vem, proceder à sua rectificação e ao abrigo do disposto nos artigos 59.º e seguintes do Regime Geral das Contra-Ordenações (Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Setembro, na sua redacção actual, doravante RGCOC), apresentar petição e alegações de recurso de Impugnação Judicial».

Suscita a existência de fundamentos para a anulação do procedimento, requerendo que seja apreciado o “pedido de revogação (anulação) administrativa do presente processo contra-ordenacional, no prazo de cinco dias úteis, conforme se dispõe no n.º 2 do artigo 62.º do RGCOC, notificando-se a arguida dessa decisão revogatória”.

Para o caso de se entender não dever deferir tal pedido, requer que, “nos termos do previsto no n.º 1 do mesmo artigo 62.º, se digne proceder ao envio dos presentes autos ao Ministério Público do Tribunal da área territorial aqui competente, disso notificando a interessada”.

Com este requerimento, a arguida remeteu outro, igualmente subscrito pelo respectivo gerente, dirigido ao Juiz de direito do Tribunal Judicial da Marinha Grande, onde afirma que vem, nos termos dos artigos 59.º e seguintes do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, impugnar a decisão final do Presidente da Câmara Municipal da Marinha Grande.

Aí, começa por dar conta do envio, em 21 de Agosto de 2012, do requerimento anteriormente mencionado, na sequência da notificação da decisão da autoridade administrativa que a condenou na coima de dois mil euros, justificando o mesmo nos seguintes termos:

«Por forma a exercer o seu direito de defesa, a Arguida, ora Recorrente, apresentou Requerimento com “alegações e conclusões”, dentro do prazo mencionado na já referida Decisão Final (…).

Sucede que, mediante notificação datada de 23.08.2012, foi a Arguida, ora Recorrente, esclarecida pela Câmara Municipal da Marinha Grande, que o requerimento apresentado pautava-se por enfermidades como, denominação do requerimento errado e interposição do mesmo a órgão incompetente, a qual foi recepcionada a 29.08.2012 (…).

Pelo que, constatando a Arguida, ora Recorrente, que fez uma interpretação errónea da última parte da Decisão Final proferida pela entidade administrativa supra mencionada, o que desde já se penitencia, procede agora à sua rectificação, em igual prazo ao estipulado no artigo 59.º do RGCOC, a contar da data da recepção da última notificação (…)».

Nos artigos subsequentes deste requerimento, a arguida/recorrente reproduz os fundamentos e conclusões que já constavam no requerimento supra referido, expedido em 21 de Agosto de 2012, dirigido à Câmara Municipal da Marinha Grande, Divisão Jurídica e de Contratação Pública, onde afirma apresentar, na sequência do ofício de notificação, as suas “alegações de defesa”.

Perante este último requerimento, foi ordenada a remessa dos autos ao Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande – que promoveu a rejeição do recurso de impugnação por entender que foi interposto fora do prazo.

Foi então proferida a decisão recorrida, nos termos documentados a fls. 86 e com o seguinte teor (transcrição integral):

«Dispõe o artigo 59.º do R.G.C.O. no seu n.º 1 que “A decisão da autoridade administrativa que, aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial”.

Por seu turno resulta do n.º 2 do mencionado preceito que “O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor, estatuindo o n.º 3 que “O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões”.

Resulta, ainda, do artigo 60.º, n.º 1 do RGCO que “O prazo para impugnação da decisão administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados”.

Compulsados os presentes autos, verifica-se que a recorrente foi notificada da decisão administrativa no dia 1 de Agosto de 2012 (cfr. fls. 32 e 32 verso) e o requerimento de interposição de recurso foi remetido através de carta registada no dia 18 de Setembro de 2012 (cfr. fls. 51).

Verifica-se, portanto, que o recurso apresentado é extemporâneo, pois o prazo de 20 (vinte) dias já se encontrava ultrapassado.

Face ao exposto, determino a rejeição do presente recurso por extemporâneo».

2.                Enquadramento legal.

No âmbito das contra-ordenações, o respectivo regime geral, aprovado pelo Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e subsequentes alterações, estabelece como princípio, no seu artigo 50.º, sob a epígrafe “direito de audição e defesa do arguido”, que não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre, dando expressão às garantias afirmadas no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição.

Todas as decisões tomadas pelas autoridades administrativas serão comunicadas às pessoas a quem se dirigem; tratando-se de medida que admita impugnação, a comunicação revestirá a forma de notificação, que deverá conter os esclarecimentos necessários sobre admissibilidade, prazo e forma de impugnação – artigo 46.º do Regime Geral das Contra-Ordenações.

A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial; o recurso de impugnação judicial – que poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor – é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de vinte dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões, suspendendo-se nos sábados, domingos e feriados – artigos 59.º e 60.º do mesmo regime geral.

Admitindo a lei a intervenção directa do arguido, sem necessidade de constituição de defensor, impõe-se que se pondere que não é exigível a um leigo que saiba direito com o rigor que é imposto pelo ritualismo das contra-ordenações, ainda que com menor exigência dada a sua maior simplicidade e celeridade. E se é conveniente que o leigo que não seja conhecedor do direito seja assistido por defensor, não está o mesmo obrigado a constitui-lo nem a pedir a sua constituição.

Nesse enquadramento e sem prejuízo das exigências mínimas que a lei impõe, parece dever concluir-se que o “rigor” formal deve ser atenuado, minorado, nos casos em que é interveniente o próprio arguido.

Nos termos do artigo 63.º, n.º 1, o juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma; as exigências que determinam a rejeição do recurso, a que alude este preceito, são as indicadas no artigo 59.º, n.º 3, antes citado: o recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de vinte dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.

Fora destas duas situações, o recurso de impugnação judicial não pode ser rejeitado.

À luz do quadro legal que se deixa sumariamente enunciado será apreciada a pretensão do recorrente.

3.                No caso em apreciação, a arguida, notificada da decisão da autoridade administrativa que, considerando ter sido praticada a contra-ordenação, lhe aplicou a correspondente coima e dos procedimentos a adoptar (impugnação judicial a apresentar à autoridade administrativa que aplicou a coima ou pagamento desta), veio reagir, apresentando requerimento em que impugna a decisão, pretendendo que os autos sejam arquivados e ela própria absolvida.

O requerimento em causa é constituído pela afirmação das razões que justificam a pretensão da arguida e termina com a formulação de conclusões, nos termos estabelecidos pelo artigo 59.º, n.º 3, parte final, do Regime Geral das Contra-Ordenações.

O mesmo foi apresentado na autoridade administrativa dentro dos vinte dias subsequentes à notificação, cumprindo exigência da mesma norma, pelo que, considerando que o requerimento corporiza impugnação judicial, seria tempestivo.

Assim não se entendeu, ao que se vê, porque a arguida afirmou apresentar através do aludido requerimento as suas “alegações de defesa” e dirigiu o mesmo ao “Chefe da Divisão Jurídica e de Contratação Pública”, a concreta pessoa que subscreveu o ofício de notificação da arguida, com a comunicação da decisão da autoridade administrativa.

Daí o ofício remetido à arguida pelo mesmo “Chefe de Divisão”, em 23 de Agosto, cujos termos não expressam um entendimento linear: a afirmação de que, por esse meio, se vem esclarecer a arguida que, tal como se encontra referido na decisão final proferida no âmbito do processo em causa e da qual foi notificada, deverá efectuar o pagamento da coima e custas a que foi condenada ou proceder à impugnação judicial destas, nos termos referidos, é passível de induzir o entendimento da concessão de um novo prazo para a impugnação; daí que a arguida, também dentro dos vinte dias subsequentes a esta última comunicação, tenha apresentado novo requerimento que, sendo agora denominado de “impugnação judicial”, com explícita referência aos “artigos 59.º e seguintes do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas” e dirigido ao “Juiz de direito do Tribunal Judicial da Marinha Grande”, se traduz na exacta reprodução dos fundamentos e conclusões que já constavam no requerimento anteriormente remetido, em 21 de Agosto de 2012, onde se mencionava a apresentação de “alegações de defesa”.

Considerando exclusivamente este requerimento (expedido em 18 de Setembro de 2012) e reportando o mesmo à data em que se concretizou a notificação da arguida relativamente à decisão administrativa (1 de Agosto de 2012), é certo que a impugnação se mostra extemporânea, como se afirma no despacho recorrido.

Contudo, afigura-se que no caso em apreciação não pode ignorar-se o requerimento expedido em 21 de Agosto: apesar da incorrecta denominação de “alegações de defesa” e do facto de o dirigir, não ao juiz de direito a quem cabe a apreciação do recurso de impugnação, mas à entidade junto da qual o deveria apresentar, é pacífico que dele resulta que a recorrente pretende reagir à decisão proferida pela autoridade administrativa que a condenou no pagamento de coima, nos termos enunciados no artigo 59.º do Regime Geral das Contra-Ordenações.

Sem estar aqui a apreciar a bondade da argumentação expendida, é certo que a recorrente, pelo seu requerimento de “alegações de defesa”, está a impugnar a decisão condenatória. Sendo este facto incontroverso e mostrando-se o requerimento conforme às exigências formais enunciadas no artigo 59.º, não fica vedada a sua apreciação pelo erro decorrente de uma deficiente leitura da notificação e que se expressa no facto de se dirigir o requerimento à autoridade administrativa e não a quem efectivamente cabe apreciar a pretendida impugnação, na certeza de que, perante as disposições legais pertinentes (nomeadamente, artigo 61.º e seguintes do Regime Geral das Contra-Ordenações), não há dúvidas neste ponto. E, se dúvida houvesse, estaria a mesma esclarecida, perante os termos do requerimento de 18 de Setembro, remetido pela arguida na sequência da nova notificação que lhe foi feita e nos termos da qual parece ser-lhe deferida nova oportunidade para a tempestiva adopção de um dos procedimentos: proceder ao pagamento da coima e custas a que foi condenada ou à impugnação judicial destas, nos termos referidos na decisão proferida e que antes lhe fora comunicada.

Pelas razões explicitadas, entende-se que, tendo sido interposta impugnação pela arguida, por si, não lhe sendo exigível conhecimentos especiais de direito, constando do seu requerimento as alegações que fundamentam a sua pretensão e oposição à decisão da autoridade administrativa e a formulação de conclusões, não obsta à sua admissão o facto de dirigir o requerimento à autoridade administrativa e de o denominar de “alegações de defesa”.

Nestes termos, deve ser revogado o despacho que rejeitou o recurso e substituído por outro que admita a impugnação judicial e ordene a tramitação subsequente tendente ao conhecimento do mérito da referida impugnação.

III)

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes nesta secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em dar provimento ao recurso da arguida, revogando o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que admita a impugnação judicial e ordene a tramitação subsequente tendente ao conhecimento do mérito da referida impugnação.

Sem custas – artigo 513.º do Código de Processo Penal.

*

(Joaquim Correia Pinto - Relator)

(Fernanda Ventura)