Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1379/09.4TBGRD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: LEGITIMIDADE ACTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
LIVRANÇA EM BRANCO
Data do Acordão: 06/28/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 5.º DO DL 466/85, DE 25/10. ARTIGOS 30.º; 32.º; 77.º DA LULL
Sumário: O avalista que tenha tido intervenção no pacto de preenchimento da letra em branco, pode opor ao portador as excepções que competiam ao avalizado, com a condição de que se trate de título cambiário que ainda se encontre no âmbito das relações imediatas.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A..., casado, c.n. ..., residente no ... ..., B... , casada, c. n. ..., também residente no ... ..., C... , casado, c.n. ..., residente no ... ..., e D... , casada, c.n. ..., também residente no ... ..., todos executados nos autos principais, vieram deduzir as presentes oposições à execução constantes dos apensos A e B contra E... – Sucursal Operativa, NIF ..., com domicílio na ... Lisboa, exequente nos autos principais.

Alegaram todos os aludidos executados e opoentes, em suma, que a exequente não teria legitimidade para os autos principais de execução por não ser a entidade que consta da livrança que é título executivo como beneficiária da mesma nem justifica a sua posse por qualquer série de endossos. Por outro lado, teriam os executados assinado a livrança em causa estando a mesma em branco, presumindo-se que o seu preenchimento pela exequente teria sido em consonância com o contrato de crédito que serve de causa subjacente, sendo certo, contudo, que as cláusulas de tal contrato não teriam sido objecto de prévia negociação com os executados, que se teriam limitado a aceitá-las e subscrevê-las sem que as mesmas lhes tivessem sido explicadas, assim como não teriam os executados recebido cópia de tal contrato. Seriam assim nulas as cláusulas de tal contrato em apreço.

Pugnaram pela procedência das respectivas oposições, com a consequente absolvição do pedido executivo.

Depois de liminarmente admitida a oposição deduzida, foi dela notificada a exequente, que se apresentou a contestar as aludidas oposições à execução afirmando não existir qualquer ilegitimidade da sua parte, afirmando que irreleva a defesa apresentada pelos executados sobretudo quanto à validade do contrato subjacente e impugnando motivadamente a generalidade matéria alegada pelos executados e opoentes.

Concluiu pugnando pela improcedência das presentes oposições à execução.

Com dispensa de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, mediante o qual se decidiu proceder à apensação da oposição à execução deduzida no apenso B à presente oposição deste apenso A tramitando-se apenas neste último todos os termos posteriores de ambas mediante a prolação inclusive de um único despacho saneador para ambas, se decidiu pela improcedência da excepção deduzida pelos executados no sentido de ser a exequente considerada parte ilegítima para os autos principais de execução (considerando-se por isso tal exequente como parte legítima), e se procedeu à selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa sem que tivessem sido apresentadas quaisquer reclamações.

            Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fl.s 41 a 43, sobre que recaiu reclamação formulada pela exequente, que foi desatendida, cf. despacho de fl.s 44 e 45, já transitado em julgado.

Após o que foi proferida a sentença de fl.s 46 a 55, na qual se decidiu o seguinte:

“Pelo exposto, o tribunal julga a oposição à execução ao apenso A totalmente procedente, e a oposição à execução do apenso B parcialmente procedente e, em consequência, determina-se a extinção dos autos principais de execução quanto aos executados A..., B... e D..., determinando-se contudo o seu prosseguimento (apenas) contra o restante executado C....

            Custas da oposição à execução do apenso A pela exequente, e da oposição à execução do apenso B pela exequente e por o aí executado C... na proporção dos respectivos decaimentos, fixando-se os mesmos em 50% para a exequente e 50% para o aludido executado.”.

            Inconformada com a mesma, interpôs recurso a exequente-oponida, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 87), finalizando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1

A decisão proferida tem o seu Suporte no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo nº 2041/08, 3ª secção datado de 24/04/08, Acórdão este decorrente de situação com contornos manifestamente distintos da presente e no depoimento da única testemunha ouvida, testemunha essa funcionária da aqui Apelante.

2

Entende a aqui Apelante constarem dos autos elementos probatórios suficientes que levassem a uma conclusão distinta da adoptada.

3

A questão fundamental em apreciação é a que resulta do artigo 5º do Decreto-Lei 466/85 de 25 de Outubro, ou seja, a de saber se a comunicação a operada pela aqui Apelante foi adequada e atempada, ao seja, com a antecedência necessária ao conhecimento completo e efectivo dos aderentes/Apelados.

4

Encontra-se documentalmente comprovado nos autos que o original do contrato em discussão foi, previamente à sua subscrição/aval, entregue aos recorridos para que, individualmente, e, concordando com os seus termos, se dirigissem a um qualquer cartório notarial para efeitos de reconhecimento das assinaturas que no mesmo vieram a apor.

5

Contrato esse entregue aos Apelados e que na sua posse permaneceu pelo tempo que entenderam por conveniente até que se decidissem (ou não) pela sua subscrição, sendo certo que, o vieram a subscrever / avalizar com reconhecimento notarial das respectivas assinaturas sem que em momento algum tenham alegado o seu desconhecimento quanto a quaisquer das clausulas no mesmo apostas.

6

Tal facto, que se diga manifestamente ignorado e desvalorizado pelo Mmo Juiz “a quo” não é de somenos importância, uma vez que, entende a Apelante que, só por si, ao contrário do entendimento tido pelo Mmo Juiz “a quo” torna a situação presente totalmente distinta da decorrente da decisão invocada e proferida em Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto proferido no processo nº 2041/08, 3ª secção datado de 24/04/08.

7

A prévia entrega aos Apelados do original do contrato em discussão para que, concordando com respectivos termos, se deslocasse de modo livre e pessoal a um cartório notarial para efeitos de reconhecimento da sua própria assinatura foi manifestamente ignorada pelo Mmo Juiz “ a “quo” na decisão proferida.

8

A deslocação livre e voluntária dos Apelados na posse do original do contrato celebrado ao cartório notarial da ... para efeitos de reconhecimento notarial das respectivas assinaturas, só por si, indicia a sua perfeita consciência e efectivo conhecimento do teor do mesmo.

9

O contrato em apreço foi celebrado no ano de 2006 e pelo período de 12 meses ainda que prorrogável por iguais períodos por acordo de ambas as partes, o que sucedeu nos anos de 2007 e 2008 sem que pelos executados tenha sido invocado qualquer desconhecimento quanto ao clausulado do mesmo, o que apenas veio “convenientemente” a suceder aquando do seu incumprimento e em razão do procedimento judicial instaurado pela Apelante.

10

Todos estes factos – documentalmente comprovados - foram manifestamente ignorados pelo Mmo Juiz “a quo” na douta decisão proferida.

11

A decisão proferida ignora o teor do contrato celebrado e o seu reconhecimento notarial e sustenta-se única e exclusivamente no depoimento de uma testemunha a quem foi solicitado que depusesse com respeito a factos com mais de 4 anos de existência e que dificilmente poderia permitir a obtenção de depoimento de tal modo exacto e preciso que permitisse obter enquadramento susceptível de dar integral cumprimento ao que a este respeito estatui o Decreto-Lei 466/85 de 25 de Outubro, designadamente quanto aos seus artigos 5º e 6º.

12

Os Apelados em momento algum alegaram não terem entendido os termos e consequências do contrato subscrito, limitaram-se sim, a dizer que as respectivas cláusulas lhes não foram explicadas, e que se limitaram a subscreve-las e a aceitá-las.

13

O certo é que, encontra-se provado e documentalmente demonstrado que aos Apelados foi entregue o Original do Contrato subscrito previamente à sua efectivação subscrição e que nenhuma duvida quanto ao seu teor foi pelos mesmos suscitada durante o largo período em que o tiveram na sua posse.

14

O reconhecimento notarial voluntariamente operado pelos Apelados verificou-se em momentos distintos o que só por si demonstra que todos os apelados, indiscriminadamente, tiveram na sua posse efectiva o Original do contrato que vieram a subscrever.

15

Não obstante o depoimento da única testemunha ouvida não resultar que aos Apelados tenha sido inequivocamente entregue uma cópia do contrato celebrado, o certo é que, documentalmente provado foi a prévia entrega do original do contrato em apreço, facto igualmente ignorado pelo Mmo Juiz “a quo” na decisão proferida.

16

Encontra documentalmente provado e é certo, inequívoco e manifestamente ignorado pelo Tribunal “a quo” na douta decisão proferida que todos os Apelados tiveram, por tempo indeterminado, na sua posse efectiva, o Original do contrato que vieram a subscrever.

17

Nunca durante os 4 anos de vigência do contrato em discussão os Apelados suscitaram ou questionou a Apelante, quanto ao seu desconhecimento dos termos e consequências do contrato celebrado.  

18

O Mmo Juiz “a quo” na douta decisão proferida ignorou pois, factos documentalmente provados que, ao não terem sido devida e correctamente apreciados, sustentaram de modo indevido a decisão que veio a ser proferida em face do que estatui os artigos 5º, 6º e 8º do Decreto Lei nº 446/85.

19

Constitui título executivo da execução no âmbito da qual veio a ser deduzida correspondente Oposição e a ser proferida a decisão de que ora se recorre, não o contrato de Abertura de Crédito apreciado mas sim o título cartular – livrança - que titula as relações imediatas existentes entre os respectivos intervenientes, neste caso entre a Apelante e os executados /Apelados.

20

Ou seja, estamos perante um título de crédito, que se caracteriza pelas suas características de literalidade e abstracção.

21

Quer isto dizer que, o que está aqui em causa não é a relação jurídica subjacente à subscrição / aval dado pelos Apelados, porquanto, a partir do momento em que se estabelece a relação cambiária, tudo se passa como se a obrigação causal não existisse, tudo se passa como se a obrigação cambiária fosse uma obrigação sem causa.

22

E o certo é que, a livrança dada à execução enquanto título executivo não é posta em causa na douta decisão proferida.

23

Sequer o seu preenchimento abusivo foi alegado pelos Apelados.

24

Estamos pois perante uma obrigação cambiária e, nessa media, uma obrigação abstracta.

25

Os devedores / Apelados devem o montante aposto na livrança dada à execução  simplesmente porque apuseram nela a sua assinatura, sendo certo que esse é um facto inequívoco e pelos mesmos expressamente reconhecido.

26

Nesse sentido vidé Ac. Rl. nº 199110240050572 de 24.10.91 “Na execução baseada em livrança, a causa de pedir é constituída por esta, pelo que o exequente apenas tem de juntar a livrança com o requerimento inicial, não tendo, pois que juntar o documento donde conste a obrigação principal”

27

Nessa medida não alcança também por esta via e não tendo pelos Apelados sido invocado qualquer preenchimento abusivo da livrança dada à execução, em que medida, fundando-se a execução em título Livrança pode esta ter sido julgada extinta contra os Apelados D..., A... e B...

28

O Mmo Juiz “a quo” na douta decisão proferida ignorou factos documentalmente provados, com particular incidência no circunstancialismo de ter sido entregue de modo prévio aos apelados o original do contrato celebrado para efeitos de reconhecimento notarial das respectivas assinaturas em caso de concordância com os termos do mesmo, facto este que ao não ter sido devida e correctamente apreciado, sustentou de modo indevido a decisão que veio a ser proferida em face do que estatui os artigos 5º, 6º e 8º do Decreto Lei nº 446/85.

29

Ao julgar do modo que o fez a douta sentença aplicou mal o direito aos factos, violando o disposto nos artigos 5º, 6º e 8º do Decreto Lei nº 446/85 e no art. 6º, nº 1 do decreto Lei 359/91 de 21 de Setembro.

Nestes termos e nos mais de direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, por via dele, ser alterada a decisão proferida, substituindo-a por outra que, declare válido o contrato de abertura de crédito celebrado, assim se fazendo a costumada

JUSTIÇA.

            Não foram apresentadas contra-alegações.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.  

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a única questão a decidir é a de saber se os executados podem opor à exequente a falta de explicação das cláusulas do contrato de abertura de crédito referido nos autos.

           

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

A) No dia 22 de Dezembro de 2006, os executados C... e D... apuseram a sua assinatura como “mutuários” e os executados A... e B... apuseram a sua assinatura como “avalistas”, todos no acordo designado por “contrato de abertura de crédito – conta corrente (pessoas singulares)”, em que a entidade mutuante é “ E...”, tudo conforme consta de fls. 21 a 27, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

B) Os executados C... e D... apuseram a sua assinatura como subscritores da livrança dada à execução nos autos principais, que apresenta o valor de €62.788,75 e data de vencimento de 16 de Outubro de 2009.

C) E no verso da mesma livrança, os executados A... e B... apuseram a sua assinatura declarando dar o seu aval aos aludidos subscritores C... e D....

D) A livrança mencionada em B) e C) foi assinada por todos os executados C..., D..., A... e B... sem que dela constasse ainda o respectivo local e data de emissão, o valor, a importância ou a data de vencimento, tendo estes elementos sido apostos posteriormente pela exequente.

E) Tais assinaturas dos executados foram assim efectuadas em cumprimento da cláusula 11, als. a) e b) do acordo referido em A), segundo as quais, “Para garantia do bom pagamento de quaisquer obrigações ou responsabilidades emergentes do presente contrato, os mutuários entregam à E... uma livrança em branco por si subscrita, avalizada pelas restantes pessoas atrás identificadas.”, e “Em caso de falta de cumprimento do presente contrato, fica a E... desde já autorizada a preencher e descontar a referida livrança, pelo valor que lhe for devido, conforme o preceituado neste contrato, a fixar as datas de emissão e de vencimento, a designar o local de pagamento, bem como a proceder ao débito na conta de depósitos à ordem dos mutuários pelo valor devido a título de imposto de selo.”.

F) As cláusulas constantes do acordo referido em A) foram elaboradas e minutadas exclusivamente pela exequente, sem que tivessem sido objecto de prévia negociação com os executados, tendo-se estes últimos limitado a aceitá-las e subscrevê-las.

G) As cláusulas do acordo mencionado em A) foram previamente explicadas pela exequente ao executado C....

A estes há que acrescentar o seguinte, que resulta da análise da livrança junta, por fotocópia, a fl.s 106 e 107, aqui dada por reproduzida (o que se faz na análise crítica da prova apresentada e em conformidade com os artigos 659.º, n.º 3 e 713.º, n.º 2, ambos do CPC).

H) Consta igualmente do verso da livrança exequenda a assinatura de cada um dos executados C... e D..., precedidas da menção “Dou o meu aval aos subscritores”.

 

            A. Se os executados podem opor à exequente a falta de explicação das cláusulas do contrato de abertura de crédito referido nos autos.

Os opoentes fundamentam (na parte que agora interessa), a oposição à execução porque assinaram a livrança exequenda em branco, que foi preenchida em consonância com o contrato de crédito a que se refere, sem que as cláusulas constituintes deste contrato lhes tenham sido explicadas, o que as torna nulas, o que acarreta, por sua vez, que a livrança não pudesse ser preenchida com base nas mesmas.

Efectuado o julgamento, veio a dar-se como provado que “as cláusulas do acordo mencionado em A) foram previamente explicadas pela exequente ao executado C...”,tal como consta da al. G), dos factos dados como provados na sentença recorrida.

            Nesta, com base nesta falta de explicação, consideraram-se tais cláusulas como nulas, atento o disposto no artigo 5.º do DL 466/85, de 25/10 e, consequentemente, com excepção do que respeita ao executado C..., julgou-se a oposição procedente, determinando-se, quanto aos demais executados, que a execução não poderia prosseguir.

            Contra tal decisão se insurge a recorrente, aduzindo que se encontra comprovado nos autos que o exemplar do contrato foi entregue aos recorridos para que, cada um deles, fosse reconhecer notarialmente a respectiva assinatura, o que evidencia o seu conhecimento do teor das respectivas cláusulas, sem que jamais invocassem desconhece-las, para além do que, baseando-se a execução na livrança que tinham subscrito (facto, também, não posto em causa) e não tendo alegado o seu preenchimento abusivo, têm que assumir as responsabilidades daí decorrentes, designadamente, que sobre todos eles recai a obrigação de pagar a quantia exequenda.

            Efectivamente, aqui estará a resolução do problema, não pelo facto de a livrança em causa revestir autonomia e literalidade, uma vez que estamos no domínio das relações imediatas e em que, por isso, é lícito aos respectivos subscritores discutirem a relação subjacente, mas porque temos de analisar as consequências que advieram para os executados na qualidade de avalistas dos subscritores da livrança.

            Como se refere no Acórdão do STJ, de 13/04/2011, Processo 2093/04.2TBSTB-A L1.S1, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj, “tendo o avalista intervindo no pacto de preenchimento pode ele opor ao portador as excepções que competiam ao avalizado se o título cambiário estiver no domínio das relações imediatas”.

            Ora, no caso em apreço, a livrança ainda se encontra na esfera dos sujeitos cambiários que também são sujeitos das relações extracartulares, pelo que estamos no domínio das relações imediatas, do que resulta, pois, que os avalistas podem opor à exequente todas as excepções que o avalizado poderia invocar.

            No caso, o que o avalizado alegou foi que não lhe tinham sido previamente explicadas as cláusulas do contrato de abertura de crédito.

            Assim, resta-nos averiguar se os avalistas também podem opor à exequente tal excepção.

            E a resposta a dar a esta questão, não pode deixar de ser negativa, em função da natureza e função do aval.

            Nos termos do disposto no artigo 30.º da LULL, ex vi, como os demais a citar, seu artigo 77.º):

“O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval.

Esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra.”.

Acrescentando-se no seu artigo 32.º que:

“O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada.

A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.”.

            Seguindo os ensinamentos de Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Vol. III, Letra de Câmbio, edição policopiada, Universidade de Coimbra, 1975, a pág. 206, “o aval é o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra garante o pagamento dela por parte de um dos seus subscritores”.

            Reveste a natureza jurídica de uma garantia, garante a obrigação do avalizado. Seguindo, mais uma vez o autor e obra citada, a pág. 215, tal significa que “… o avalista fica na situação de devedor cambiário perante aqueles subscritores em face dos quais o avalizado é responsável, e na medida em que ele o seja.”.

            Daí concluir-se que a obrigação do avalista é materialmente autónoma da do avalizado ainda que formalmente dependente desta.

            Do que resulta, também, que o avalista não é sujeito das relações jurídicas existentes entre o portador e o subscritor da livrança, sendo o avalista apenas e tão só o sujeito da relação/obrigação cambiária do aval e que, por regra, só é invocável no confronto entre avalista e avalizado.

            Já no confronto entre o avalizado e o portador da livrança, o avalista não é sujeito de tal relação, pelo que não poderá defender-se com as excepções do avalizado, excepto no que ao aval directamente diga respeito, designadamente, no que concerne ao pagamento da quantia inscrita na livrança.

            Mas, já assim não será se o avalista tiver tido intervenção no pacto de preenchimento, na celebração do contrato que esteve na génese da livrança, caso em que terá a possibilidade de discutir e opor ao portador as excepções que competiam ao avalizado opor-lhe, desde que relacionadas com tal pacto de preenchimento, avultando a excepção do preenchimento abusivo, mas que poderão encerrar quaisquer excepções decorrentes da celebração do contrato que subjaz à relação cartular, ou seja, a relação subjacente ou extracartular, in casu, a aludida falta de explicação ao mutuário (e a eles próprios) das cláusulas do contrato de abertura de crédito.

            Assim, reiterando, desde que o avalista tenha tido intervenção no pacto de preenchimento, pode opor ao portador as excepções que competiam ao avalizado, com a condição de que se trate de título cambiário que ainda se encontre no âmbito das relações imediatas – neste sentido, para além do já citado, podem ver-se, a título de exemplo, os Acórdão do STJ, de 02/12/2008, Processo 08A3600 e de 11/02/2010, Processo 1213-A/2001.L1.S1, disponíveis no mesmo sítio do anterior.

            Como refere Abel Delgado, in Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, Anotada, 5.ª Edição (actualizada), Livraria Petrony, Lisboa, 1984, a pág. 82: “O contrato de preenchimento é o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação dos juros, etc.”.

            Ora, como se constata do contrato de abertura de crédito que se acha junto de fl.s 21 a 26 e 37, todos os executados foram intervenientes no contrato de abertura de crédito, na qualidade de avalistas dos subscritores, constando, também da livrança que deram aval aos subscritores (fl.s 107), pelo que é a estes se deve considerar ter sido dado o aval – cf. artigo 31.º IV, da LULL, pelo que do facto de terem tido intervenção no contrato de abertura de crédito, em cuja cláusula 11.ª se prevê a emissão de uma livrança em branco, subscrita e avalizada como descrito no item E) dos factos provados, se tem de concluir terem tido intervenção no pacto de preenchimento, pelo que podem fazer valer-se das excepções que competiam ao avalizado.

            O avalizado, relativamente a todos os avalistas, o executado C..., com quem foi negociado tal contrato de abertura de crédito, bem como todos os demais executados, vieram invocar a falta de explicação das cláusulas que fazem parte daquele contrato.

            No entanto, como resulta do item G), dos factos provados, tais cláusulas foram previamente explicadas pela exequente ao referido C....

            Assim sendo, cai por terra a fundamentação dos avalistas para não serem responsabilizados pelo aval que lhe deram, não obstante não se ter demonstrado que as mesmas não lhes foram, a eles (avalistas), explicadas.

            Isto porque, tal explicação tinha que ser dada ao beneficiário do contrato de abertura de crédito e não a eles na qualidade de avalistas, que eram estranhos ao contrato de abertura de crédito.

            Ou seja, os opoentes não lograram demonstrar a matéria fáctica em que faziam assentar a existência da excepção invocada – falta de explicação das cláusulas do contrato ao avalizado – pelo que permanece válido o aval que prestaram, com as consequências daí decorrentes e acima já assinaladas.

            Ao contrário do que invocaram, demonstrou-se que ao avalizado foram explicadas tais cláusulas.

            Por outro lado, outra excepção de que os avalistas se poderiam socorrer era a do preenchimento abusivo da livrança, o que não fizeram, já que aceitaram tê-la subscrito na qualidade de avalistas, bem como não alegam que tenha sido preenchida em desconformidade com o constante da cláusula 11.ª do contrato de abertura de crédito.

            Consequentemente, não pode subsistir a decisão recorrida, mantendo-se a responsabilidade cambiária de todos os executados, decorrente da subscrição e assunção da livrança junta nos autos, pelo que a execução poderá prosseguir os seus ulteriores termos contra todos os executados.

            Assim, não pode concluir-se que existiu preenchimento abusivo, pelo que, igualmente, tem o presente recurso de proceder.

Nestes termos se decide:

Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a sentença recorrida, na parte em que determinou a extinção da execução quanto aos executados A..., B... e D..., podendo a mesma prosseguir contra todos os executados.

Custas pelos apelados, em ambas as instâncias.


Arlindo Oliveira (Relator)
Emídio Francisco Santos
António Beça Pereira