Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
181/12.0TBANS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
NULIDADE
PROCESSO
OPORTUNIDADE DO SEU CONHECIMENTO
Data do Acordão: 09/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – POMBAL – SEC. CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: DECLARADA NULA
Legislação Nacional: ARTºS 186º, Nº 1, 200º, Nº 2, 577º, AL. B), 578º, 615º, Nº 1, AL. D), TODOS DO NCPC.
Sumário: I – A ineptidão da p. inicial determina a nulidade de todo o processo (art.º 186º, nº 1, do Novo C. P. Civil), configurando uma excepção dilatória de conheci­mento oficioso (art.º 577º, b) e 578º do mesmo diploma legal).
II - No entanto, pese embora a lei prescreva que o conhecimento desta nuli­dade é oficioso, quanto à ineptidão da p. inicial, conforme decorre claramente do art.º 200º, nº 2, do Novo C. P. Civil (tal como já resultava do anterior 206º, nº 2, do C.P.C. de 1961), impõe como limite temporal para o seu conhecimento o despacho saneador, quando o haja, ou a sentença final caso não tenha havido lugar àquele.

III - Estando ao tribunal vedado o seu conhecimento em momento proces­sual diverso, comete-se a nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, d), 2ª parte, do Novo Código de Processo Civil.

IV - A exigência de um impulso processual das partes, como manifestação do princípio do dispositivo, apenas tem sentido no que respeita às consequências da verificação de uma causa anulatória e não quanto à denúncia do concreto tipo de vício que afecta a sentença. Aí tem o tribunal de recurso inteira liberdade para o qualificar entre as diferentes alíneas do n.º 1 do art.º 615º do Novo C. P. Civil.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

Os Autores intentaram a presente acção com processo sumário, pedindo, inicialmente, que fossem declarados proprietários de 2/14 do prédio que identificam e a condenação dos Réus a absterem-se da prática de actos que perturbem, impeçam ou diminuam a posse que mantêm sobre ele e o cancelamento do respectivo registo de aquisição a favor do falecido M... e da Ré M...

Para fundamentar a sua pretensão alegaram, em síntese:

- são donos e possuidores de 2/14 de um terreno de pastagem com olivei­ras, pinhal e mato sito em ...

- esse prédio confronta ...

- apesar desse prédio se mostrar integrado num todo em termos registrais, o mesmo está delimitado com marcos e tem confrontações próprias e independentes, designadamente confrontando do seu lado a Sul e Poente com ... e do Norte e Nascente com a via pública.

- Os Autores adquiriram a propriedade da parcela do prédio em causa por sucessão testamentária da J..., a qual, por sua vez, tinha adquirido na sequência de partilha efectuada por óbito dos seus pais a parte correspondente a uma fracção de 4/12 do prédio, vindo mais tarde a vender 2/12 desse direito.

- Os Autores, por si e seus antecessores, pelo menos desde 1973 que cui­dam da parcela do prédio de forma pública, pacífica, contínua, sem qualquer oposição e na firme convicção de exercerem um direito próprio cuidam do prédio.

- Os Réus integraram aquele prédio na escritura de partilhas da herança deixada por M..., celebrada em 16.8.1997, a quem nunca pertenceu, conseguindo assim a Ré M... titular em seu nome aquela fracção no registo predial.

- Os Réus, apesar de admitirem que a parcela do prédio não lhes pertence, não regularizam a situação, razão da presente acção.

Os Réus contestaram, excepcionando a aquisição por usucapião da men­cionada parcela que alegam ter sido demarcada, autonomizada, destacada e separada fisicamente do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ..., e partilhada como 2/14 do mesmo, impugnando a factualidade alegada, deduzindo pedido reconvencio­nal e requerendo a intervenção principal provocada do lado passivo de M...

Os Autores responderam, impugnando a matéria referente à aquisição da parcela em causa por usucapião bem como a atinente ao pedido reconvencional.

Em representação da Ré M... foi citado nos termos do art.º 15, n.º 1, do C. P. Civil, então em vigor, o Ministério Público.

Foi admitida a intervenção principal passiva de M..., os quais citados nada disseram.

Foi elaborado despacho saneador e organizada base instrutória.

Os Autores ampliaram o pedido, tendo por despacho de 17 de Outubro de 2013 sido admitida tal ampliação do pedido, por se tratar de desenvolvimento do pedido anteriormente formulado sob a alínea c).

Após a realização do julgamento foi proferida sentença que julgou a acção nos seguintes moldes:

Pelo exposto, julgo verificada a excepção dilatória de nulidade de todo o processo, resultante da ineptidão da petição inicial, abstendo-me do conhecimento do mérito da causa  absolvendo da instância os Réus M..., J..., ... na qualidade de contitulares da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de M...

E a reconvenção:

Pelo exposto, julga-se a reconvenção totalmente improcedente e, em conformidade, absolvem-se os Autores-reconvindos A..., B..., M... dos pedidos contra eles deduzidos pelos Réus-reconvintes ...

Os Autores interpuseram recurso, formulando as seguintes conclusões:

1 – Contrariamente ao consignado, a petição não é inepta, estando perfei­tamente identificada a causa de pedir, propriedade dos A.A sobre uma faixa certa e diferenciada de um prédio (art.º 1º e 8º da Base Instrutória) e posse ilícita dos R.R, devendo os mesmos ser condenados a reconhecer a propriedade dos A.A sobre a mesma identificada e concretizada faixa de terreno.

2 – E assim não existe fundamento para a absolvição dos R.R da instância.

3 – Aliás os A.A ampliaram e adaptaram o seu PEDIDO, à conformidade dos autos e no tempo processual próprio e legal (art.º 273 nº 2 do C.P.C.)

4 - Assim, sempre tem de entender-se a sentença nula nos termos do pre­ceituado no art.º 615 alínea c) do C.P.C., uma vez que se nos afigura existir ambigui­dade e obscuridade tornando-se a decisão ininteligível, devendo assim a sentença ser reparada nos precisos termos do disposto no art.º 617 do C.P.C, tudo com as legais consequências, pois se entendeu a causa em relação aos R.R, também da mesma forma se tem de entender em relação aos A.A.

Mas se assim se não entender,

4 – E sempre revogada a aliás douta sentença, por erro de julgamento, face ao que dispõe o art.º 1316 do C.C. e mandando-se prosseguir os autos, nos termos do disposto nos art.º 495, 498 do C.P.C, na redacção anterior e 576º do mesmo código, para conhecendo-se da prova produzida pelos A.A, condenar-se os R.R no reconhe­cimento da propriedade dos A.A da faixa já referida e identificada nos autos, tudo com as legais consequências.

5 – A aliás douta sentença, violou além do mais, o disposto nos artºs 495 e 498 do C.P.C na redacção anterior, 576º e 617º do novo C.P.C. e art.º 1316 do C.C

Concluem pela procedência do recurso.

Não foi apresentada resposta.

1. Do objecto do recurso

Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações cumpre apreciar as seguintes questões:

- A sentença é nula nos termos do artigo 615.º, c), do Novo C.P.C., uma vez que é ambígua e obscura?

- A petição inicial não é inepta ?

2. Dos factos

Com interesse para a decisão deste recurso importa a consideração dos factos acima descritos.

3. O direito aplicável

3.1. Da nulidade da sentença

Os Autores pretendem que a sentença seja anulada na parte em que julgou inepta a petição inicial, absolvendo os Réus da instância, com fundamento em que a mesma é ambígua e obscura, porque se a posição dos Réus foi compreendida também o deveria ter sido a posição dos Autores.

Efectivamente, o art.º 615º, n.º 1, c), do Novo C.P.C., determina que é nula a sentença quando ocorre alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Apesar de não se revelar que a sentença recorrida padeça de qualquer um destes vícios, sendo a mesma perfeitamente compreensível, verifica-se uma situação que determina a sua nulidade, na parte em que absolveu os Réus da instância, com fundamento na ineptidão da petição inicial.

A ineptidão da p. inicial determina a nulidade de todo o processo (art.º 186º, n.º 1, do Novo C. P. Civil), configurando uma excepção dilatória de conheci­mento oficioso (art.º 577º, b) e 578º do mesmo diploma legal).

No entanto, pese embora a lei prescreva que o conhecimento desta nuli­dade é oficioso, quanto à ineptidão da p. inicial, conforme decorre claramente do art.º 200º, n.º 2, do Novo C. P. Civil (tal como já resultava do anterior 206º, n.º 2, do C.P.C. de 1961), impõe como limite temporal para o seu conhecimento o despacho saneador, quando o haja, ou a sentença final caso não tenha havido lugar àquele.

 No caso dos autos foi proferido despacho saneador e no mesmo não houve pronúncia expressa sobre a ineptidão da p. inicial, pelo que o seu conhecimento em momento processual posterior estava vedado ao tribunal, devendo essa nulidade julgar-se sanada e apreciar-se do mérito da causa, não existindo qualquer outra questão que a tal obste.

Neste processo conheceu-se da ineptidão da p. inicial na sentença, e, jul­gando-se a mesma verificada, não se conheceu do mérito da causa.

Ora, estando ao tribunal vedado o seu conhecimento no momento proces­sual em que o fez, cometeu-se a nulidade prevista no artigo 615º, n.º 1, d), 2.ª parte, do Novo Código de Processo Civil.

Apesar do Recorrente ter invocado a existência de vício diverso, como fundamento para a anulação da sentença, o tribunal de recurso pode determinar essa anulação com fundamento na existência de outro dos vícios previstos nas alíneas do n.º 1 do art.º 615º, pois, para a intervenção anulatória do tribunal de recurso, apenas se exige que a parte recorrente revele a sua vontade de ver a sentença anulada, não sendo permitida uma intervenção oficiosa neste domínio. A exigência de um impulso processual das partes, como manifestação do princípio do dispositivo, apenas tem sentido no que respeita às consequências da verificação de uma causa anulatória e não quanto à denúncia do concreto tipo de vício que afecta a sentença. Aí tem o tribunal de recurso inteira liberdade para o qualificar entre as diferentes alíneas do n.º 1 do art.º 615º do Novo C. P. Civil.

Assim sendo, deve declarar-se nula a sentença recorrida na parte em que absolveu os Réus da instância, com fundamento na ineptidão da p.i., ficando prejudi­cado o conhecimento da questão da existência da nulidade processual decorrente de ineptidão da petição inicial por contradição entre o pedido e a causa de pedir.

Por o processo não dispor de todos os elementos necessários que permitam proferir decisão nos termos prescritos pelo art.º 665º do Novo C. P. Civil, uma vez que não foram fixados os factos provados e não provados respeitantes à acção na sequência da prova produzida, deve determinar-se o prosseguimento dos autos, na sequência da referida declaração de nulidade parcial da sentença recorrida.

Decisão

Nos termos expostos, julgando-se procedente o recurso, declara-se nula a sentença na parte em que absolveu os Réus da instância do pedido formulado pelos Autores, com fundamento na ineptidão da p. inicial, determinando-se o prossegui­mento do processado.

Custas do recurso pelos Recorridos.

                                               Coimbra, 8 de Setembro de 2015.

Silvia Pires (Relator)

Henrique Antunes

Maria Domingas Simões