Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
117/11.6TBAMM.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
SOCIEDADE COMERCIAL
GERENTES
CREDORES SOCIAIS
Data do Acordão: 11/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JC CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.64, 78, 79 CSC, 342, 483, 487 CC
Sumário: 1. - Na ação indemnizatória direta e autónoma dos credores sociais contra os gerentes e administradores de sociedade devedora (art.º 78.º, n.º 1, do CSCom.) está em causa responsabilidade aquiliana, com o ónus probatório quanto a todos os requisitos legais da responsabilidade civil a caber, por isso, ao autor (art.ºs 483.º, n.º 1, e 342.º, n.º 1, ambos do CCiv.).

2. - Só haverá tal responsabilidade dos gerentes e administradores para com os credores sociais se ocorrer violação de disposições legais ou contratuais de proteção desses credores (disposições que visam a realização e conservação do capital social, a defesa da integridade do património social e a solvência da sociedade).

3. - Discutindo-se montante pecuniário que, pertença de sociedade declarada insolvente, se encontra – indevidamente – retido em conta titulada por gerente daquela, montante esse que só muito depois da declaração de insolvência veio à disponibilidade dela (massa insolvente), não pode concluir-se ter sido tal retenção que afetou a realização e conservação do capital social, a defesa da integridade do património social e a solvência da sociedade (há muito declarada insolvente).

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:



***

I – Relatório

K (…), Ld.ª e “E (…), S. A.”, ambas com os sinais dos autos,

intentaram ([1]) ação declarativa de condenação, então sob a forma de processo ordinário ([2]), contra

A (…), J (…), J (…), E (…) e J (…), todos também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação dos RR., solidariamente, no pagamento (às AA.) da quantia de € 176.394,44, acrescida de juros de mora desde a citação e até efetivo e integral pagamento, bem como de sanção pecuniária compulsória nos termos do art.º 829.º-A, n.º 4, do CCiv..

Para tanto, alegaram, em síntese, que ([3]):

- dedicando-se ao comércio por grosso de fruta e de produtos hortícolas, venderam, no exercício de tal atividade, à sociedade “G (…), Ld.ª” – de que as AA. eram as únicas fornecedoras –, no período compreendido entre 06 de março e 30 de junho de 2006, artigos do seu comércio, tendo sido acordado o pagamento pela adquirente das quantias de € 133.581,46 e de € 42.812,98;

- porém,  a sociedade adquirente, que nada pagou, veio a ser declarada insolvente em 09/03/2007, ao que não é alheia a conduta dos RR., seus gerentes, que fizeram suas quantias recebidas por tal sociedade, em obediência a um plano por todos elaborado, frustrando, assim, o interesse creditório das AA., às quais cabe um direito indemnizatório sobre os RR., que não foram gerentes conscienciosos, violando os deveres inerentes à gerência da sociedade “G (…)”, a que se encontravam vinculados, e ocasionando um dano no montante peticionado de € 176.394,44.

Os RR. contestaram, alegando que:

- a sociedade “G (..)” foi constituída em novembro de 2006, apenas para comercialização das maçãs da AA., e tendo a sua gerência sido exercida efetivamente apenas pelos RR. A (…) e J (…)

- a declaração de insolvência daquela sociedade deveu-se à imposição pelo gerente das AA. de condições contratuais desfavoráveis, o que lhe causou diversos prejuízos, sendo que as AA. retiveram parte das importâncias devidas por serviços prestados.

Concluíram pela improcedência da ação e, considerando que as AA. alegaram factos cuja falsidade conheciam, pela condenação destas como litigantes de má-fé.

Replicaram as AA.:

- invocando que os pagamentos alegados pelos RR. se reportam a faturas diversas das que estão em causa nos autos, bem como não terem elas qualquer responsabilidade na situação que determinou a declaração de insolvência, sendo que a sociedade “G (…)” nenhum serviço lhes prestava, pelo que nada tinham a pagar-lhe; e

- ampliando, em termos complementares, a causa de pedir, e concluindo pela improcedência da matéria de exceção e de litigância de má-fé.

Dispensada a audiência preliminar e proferido despacho de saneamento, foram enunciados os factos assentes e a base instrutória, sem reclamações, após o que as AA. apresentaram articulado superveniente, parcialmente admitido, alegando factos tendentes a demonstrar que os RR., na qualidade de gerentes da sociedade declarada insolvente, agiram de forma deliberada, no intuito de alcançarem a frustração de crédito das AA., do que resultou ampliação do quadro fáctico selecionado.

Procedeu-se depois à audiência final, com produção de provas, seguida de sentença – incorporando decisão de facto e de direito –, pela qual foi a ação julgada improcedente, com absolvição dos RR. do pedido ([4]).

Inconformadas, apelam as AA., apresentando alegação e oferecendo as seguintes

Conclusões ([5])

«(…)

Concluem pela procedência do recurso e da ação, por provada esta.

Os RR. contra-alegaram, pronunciando-se sobre as questões fácticas suscitadas em sede de recurso e concluindo pela total improcedência da apelação.


***

O recurso interposto foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor e aplicável na fase recursiva (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([6]) –, cabe decidir, sobre matéria de facto e de direito, quanto ao seguinte:

a) Se houve erro de julgamento quanto à decisão da matéria fáctica, implicando a alteração dessa decisão (invocado factualismo dado como não provado, a merecer juízo de “provado”);

b) Se estão os Apelados constituídos na obrigação de indemnizar.


***

III – Fundamentação

          A) Da impugnação da decisão da matéria fáctica

(…)

B) Matéria de facto

É, pois, a seguinte a factualidade provada a considerar:

«5.1 - As autoras são sociedades comerciais que se dedicam ao comércio por grosso de fruta e produtos hortícolas (alínea A dos factos assentes);

5.2 - A sociedade comercial “G (…)Lda.” NIPC (...) , constituída em 15/11/2005, tinha por objeto a produção e comercialização de produtos agrícolas (alínea B dos factos assentes);

5.3 - A sociedade “G (…), Ldª” foi declarada insolvente por sentença proferida em 9/3/2007, no âmbito do Proc. 280/06.8 TBAMM, que correu termos no Tribunal Judicial de Armamar (alínea C dos factos assentes);

5.4 - A referida sentença declarou aberto o incidente de qualificação com caráter limitado, não tendo sido requerido o complemento da sentença (alínea D dos factos assentes);

5.5 - Os réus eram sócios-gerentes da sociedade “G (…)”, detendo, cada um, uma quota social de € 1.000,00 (alínea E dos factos assentes);

5.6 - Na campanha de 2005/06, a 1ª autora celebrou um acordo com a “P (…)s, Lda.” NIPC (...) , pelo qual esta se obrigava a “prestar serviços à K (…) no âmbito da sua atividade executando a conservação, frigorífica, assim como a receção de maçãs até quatro mil toneladas” (alínea F dos factos assentes);

5.7 - Durante a mesma campanha, as autoras acordaram com a sociedade “G (…) Ldª” que esta procederia à revenda das maçãs adquiridas pelas autoras (alínea G dos factos assentes);

5.8 - Na sequência do referido em 5.7), a referida “G (…), Ldª” levantava o produto das autoras armazenado nas instalações da “P (…)” e procedia à sua venda pelo preço que entendesse mais conveniente (alínea H dos factos assentes);

5.9 - Na sequência do referido em 5.7), por informação prestada pela “G (…)”, a 1ª autora faturou um valor global de € 279.627,65 de produtos desta última vendidos por aquela (alínea I dos factos assentes);

5.10 - A “G (…)” efetuou pagamentos à 1ª autora no valor de € 146.046,19 (alínea J dos factos assentes);

5.11 - Na sequência do referido em 5.7), por informação prestada pela “G (…)”, a 2ª autora faturou um valor global de € 90.094,30 de produtos desta última vendidos por aquela (alínea K dos factos assentes);

5.12 - A “G (…)” efetuou pagamentos à 2ª autora no valor de € 47.281,32 (alínea L dos factos assentes);

5.13 - As autoras eram as únicas fornecedoras da “G (…)n” (alínea M dos factos assentes);

5.14 - Os réus A (…), J (…) e J (…) eram, nas datas supra-referidas, gerentes da “P (…), Lda.” (alínea N dos factos assentes):

5.15 - O pai do réu A (…) detinha uma quota de € 127.107.17 na “P (…)” (alínea O dos factos assentes);

5.16 - [O] cônjuge do réu J (…) detinha uma quota de € 50.842,47 da referida “P (…)” (alínea P dos factos assentes)

5.17 - O 4º réu (E (…)) detinha uma quota de € 25.421,73 (alínea Q dos factos assentes);

5.18 - Os 1º e 3º réus vieram a adquirir quotas da “ P (...) ” em 2009, em operação de aumento de capital (alínea R dos factos assentes);

5.19 - A “P (…)” foi declarada insolvente por sentença de 7/4/2006, proferida no âmbito do Proc. 74/06.0 TBAMM, que correu termos no Tribunal Judicial de Armamar, o qual veio a ser encerrado, em 9/1/2008, em face da aprovação de um plano de insolvência (alínea S dos factos assentes);

5.20 - Os réus não elaboraram nem apresentaram a registo as contas da sociedade “ G (...) ” no ano de 2006/2007 (alínea T dos factos assentes);

5.21 - Na declaração periódica de IVA, apresentada pela “G (…) Ldª”, relativa ao terceiro trimestre de 2007, esta solicitou um reembolso de IVA no valor de € 38.154,30, o qual foi inicialmente indeferido (alínea U dos factos assentes);

5.22 - Por carta datada de 24/2/2012, assinada pelo réu A (…)e um terceiro cuja identidade não se logra aferir, na qualidade de legais representantes da “G (…)Ldª”, foi solicitada a reapreciação do pedido de reembolso, com dispensa de prestação de garantia (alínea V dos factos assentes);

5.23 - Por despacho de 29/3/2010 da Diretora dos Serviços de Reembolsos foi autorizada a dispensa de garantia (alínea W dos factos assentes);

5.24 - Sendo que, em face da dispensa de garantia, por despacho de 12/7/2010 foi autorizado o reembolso, que foi ordenado a 16/7/2010, para a conta com o IBAN PT (…) que corresponde à conta bancária da C (...) , SA, detida pela “G (…) Ldª com o nº (…) (alínea X dos factos assentes);

5.25 - No dia 16/7/2010, foi creditada na conta bancária da “G (…), Ldª”, com o nº (…) sediada junto da C (...) , SA, a quantia de € 38.154,30 resultante de tal ordem de transferência (alínea Z dos factos assentes);

5.26 - No dia 12/8/2010, os réus E (…), J (…) e J (…)  emitiram uma ordem de transferência da dita quantia de € 38.154,30, depositada na conta bancária da “ G (...) , Ldª” com o nº (…), da C (...) , para uma outra contra bancária aberta no mesmo banco, com o NIB (…) titulada pelo réu E (…) e sua esposa, M (…) (alínea AA dos factos assentes);

5.27 - Os demais réus, A (…) e J (…) souberam de tal transferência e conformaram-se com a mesma (alínea AB dos factos assentes);

5.28 - Na sequência do referido em 5.7, a “P (…)” mantinha-se responsável pela calibragem, embalamento e conservação frigorífica das maçãs da autora “K (…), Ldª” (artigo 1º da base instrutória);

5.29 - A autora “K (…), Ldª” e a G (…) acordaram que as faturas apresentadas seriam pagas no prazo de 8 dias contados da sua emissão (artigo 3º da base instrutória);

5.30 - A autora “E (…) SA” e a G (...) acordaram que as faturas apresentadas seriam pagas no prazo de 45 dias contados da sua emissão (artigo 4º da base instrutória);

5.31 - A faturação da autora “K (…), Ldª” incluía o preço de referência, 10% do lucro da autora “K (…) 0,125 /kg do valor a pagar à “P (…)” e o IVA aplicável (artigo 5º da base instrutória);

5.32 - No exercício da atividade da “G (…)”, esta procedeu a vendas no valor de € 358.376,21 (artigo 6º da base instrutória);

5.33 - Os 2º, 3º e 4ºs réus nunca participaram em qualquer ato da vida da sociedade (G (…)), desconhecendo os seus negócios e contas (artigo 15º da base instrutória);

5.34 - O réu E (…) manteve em seu poder desde a ordem de transferência de 12/8/2010, a quantia de € 38.143,00 pertencente à G (…) (artigo 16º da base instrutória);

5.35 - Facto de que as autoras apenas tomaram conhecimento no seguimento das diligências probatórias ordenadas e documentos entretanto juntos aos autos (artigo 17º da base instrutória);

5.36 - Os réus A (…), J (..), J (…) e J (…)declararam em audiência de julgamento que a quantia de € 38.143,00 pertence à sociedade “G (…), Lda.” (artigo 19º da base instrutória).».

E resultou não provada a factualidade seguinte:

«- 2º, 6º (este apenas no segmento não transposto para os factos provados), 7º, 8º, 9º, 10º 11º, 12º, 13º, 14º, 18º da base instrutória».

                                                 *

C) Matéria de direito

Dos pressupostos do direito indemnizatório

1. - Consideram as Apelantes que incorreu em erro de julgamento, em matéria de direito, o Tribunal recorrido, ao ter julgado a ação indemnizatória improcedente, posto que, na ótica das AA./Recorrentes, estão demonstrados todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, ocorrendo responsabilidade civil de todos os RR..

Assim, o pressuposto das AA./Apelantes é o de estar devidamente demonstrado o facto ilícito e culposo – até doloso –, o dano e o nexo de causalidade, posto ter, na sua ótica, ocorrido apropriação pelos sócios de dinheiros exclusivamente pertencentes à sociedade, situação que desencadeou a insolvência em que aquela caiu e que impediu os pagamentos às credoras.

Ora, como visto, não se logrou provar tal apropriação, nem que tenha sido essa a causa da insolvência e da não liquidação/satisfação da dívida para com as AA..

Coisa diversa, é a transferência de fundos (reembolso de IVA) para conta bancária da titularidade de um dos sócios, transferência essa posterior à declaração de insolvência e por IVA também referente a período temporal subsequente à declaração de insolvência.

Não foi, pois, este o motivo da insolvência, por de ocorrência posterior ao evento insolvencial.

Assim, como referido na fundamentação de direito da sentença:

«(…) os factos apurados não autorizam a conclusão de que os réus se tenham apropriado de quaisquer quantias pertencentes à “G (…), da qual eram sócios gerentes (5.5) Efetivamente, ainda que o réu E (…) tenha mantido em seu poder a quantia de € 38.154, 30, correspondente a um reembolso de IVA da “G (…)” (cfr. factos enunciados sob os artigos 5.24, 5.25, 5.26, 5.34), o certo é que, à data de tal reembolso, já aquela sociedade tinha sido declarada insolvente (5.3). Consequentemente, não foi por esse facto que os créditos das autoras se frustraram, pois esse montante não poderia ter sido apreendido no processo de insolvência. Além disso, estando tal quantia, pertencente à extinta sociedade, agora disponível, poderá ser utilizada para os efeitos legais, designadamente para liquidar créditos ainda em dívida.

Consequentemente, revela-se improcedente o pedido de condenação dos réus na quantia de € 176.394,44, bem como o pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória, por não se reunirem todos os pressupostos da responsabilidade civil acima enunciados – desde logo a prática, pelos réus, de qualquer ato ou omissão ilícito.» ([7]).

Deverão, pois, as AA., através da via própria, querendo, diligenciar no sentido de aquela quantia, pertencente à extinta sociedade, mas agora disponível – inexiste motivo válido para estar/continuar depositada em conta particular de um dos (ex-)sócios e respetivo cônjuge –, ser utilizada para liquidar créditos ainda por satisfazer.

2. - Por outro lado, vem sendo entendido, jurisprudencialmente, que:

«IV - O art. 64.º do CSC não é, por si só, fonte de responsabilidade civil em face dos credores sociais, não sendo uma norma destinada à protecção destes.

V - É sobre o autor, enquanto credor social indirectamente prejudicado pela inobservância das supra referidas normas de protecção, que recai o ónus de provar os requisitos enunciados [da responsabilidade civil], os quais não se presumem – arts. 483.º, n.º 1, 487.º, e 342.º, n.º 1, do CC.

VI - Não tendo ficado demonstrado o nexo causal entre o acto ilícito consubstanciado na violação de uma norma destinada a proteger os credores sociais e o resultado danoso (insuficiência do património societário), isto é, que o dano decorreu da violação de uma norma de protecção (e não de quaisquer outras), não pode o administrador da sociedade ser responsabilizado ao abrigo do mencionado regime legal.

VII - A responsabilidade dos administradores a que alude o artigo 79.º do CSC – que é, igualmente, no que se refere aos terceiros, de natureza extracontratual – visa apenas os danos que incidem directamente no património destes, isto é, os que lhes sejam causados sem interferência da sociedade.

VIII - Os administradores – quer se esteja no âmbito de aplicação do disposto no art. 78.º, n.º 1, do CSC, quer se esteja no campo de aplicação do preceituado no art. 79.º do mesmo Código – não respondem perante os credores pelo mero incumprimento culposo das obrigações da sociedade, já que nesse caso apenas existirá responsabilidade contratual e esta apenas à sociedade poderá ser imputada» ([8]).

Também nesta Relação já houve pronúncia, no quadro da ação direta e autónoma dos credores sociais contra os gerentes e administradores, no seguinte sentido:

«Apenas a violação das “disposições legais ou contratuais” que visam a protecção dos credores sociais pode configurar a “ilicitude” geradora da responsabilidade dos gerentes e administradores para com os credores sociais (nos termos do art. 78.º/1 do CSC); ou seja, tem que estar em causa a violação de disposições que visam a realização e conservação do capital social, a defesa da integridade do património social e a solvência da sociedade (não configurando tal “ilicitude” a violação das chamados deveres legais gerais, das normas que se destinam a assegurar um ordenado funcionamento da organização social e que asseguram a maximização da eficiência produtiva da empresa).» ([9]).

No caso, como já enfatizado, o aludido montante que, pertença da extinta sociedade, se encontra – indevidamente – retido em conta titulada pelo dito gerente e cônjuge, só muito depois da declaração de insolvência veio à disponibilidade dessa referida sociedade (massa insolvente), pelo que não foi aquela retenção que afetou a realização e conservação do capital social, a defesa da integridade do património social e a solvência da sociedade (há muito declarada insolvente), no quadro da “responsabilidade aquiliana” a que aludem as Recorrentes (cfr. ponto jj das suas conclusões), com o ónus probatório quanto a todos os seus requisitos legais a caber às demandantes (cfr. art.ºs 483.º, n.º 1, e 342.º, n.º 1, ambos do CCiv.).

Em suma, não colhem as conclusões das Apelantes, devendo manter-se o decidido em 1.ª instância.

O recurso é, pois, improcedente.

                             

                                                 ***

IV – Decisão
Pelo exposto, negando-se provimento à apelação, mantém-se a decisão recorrida.
Custas da ação e do recurso pelas AA./Apelantes.

                                                 ***

Coimbra, 28/11/2017

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.


Vítor Amaral (relator)

                    Luís Cravo
Fernando Monteiro

Sumário elaborado pelo relator (cfr. art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Na ação indemnizatória direta e autónoma dos credores sociais contra os gerentes e administradores de sociedade devedora (art.º 78.º, n.º 1, do CSCom.) está em causa responsabilidade aquiliana, com o ónus probatório quanto a todos os requisitos legais da responsabilidade civil a caber, por isso, ao autor (art.ºs 483.º, n.º 1, e 342.º, n.º 1, ambos do CCiv.).

2. - Só haverá tal responsabilidade dos gerentes e administradores para com os credores sociais se ocorrer violação de disposições legais ou contratuais de proteção desses credores (disposições que visam a realização e conservação do capital social, a defesa da integridade do património social e a solvência da sociedade).

3. - Discutindo-se montante pecuniário que, pertença de sociedade declarada insolvente, se encontra – indevidamente – retido em conta titulada por gerente daquela, montante esse que só muito depois da declaração de insolvência veio à disponibilidade dela (massa insolvente), não pode concluir-se ter sido tal retenção que afetou a realização e conservação do capital social, a defesa da integridade do património social e a solvência da sociedade (há muito declarada insolvente).


([1]) Em 06/09/2011.
([2]) A que agora corresponde a forma comum.
([3]) Segue-se, no essencial, por economia de meios, a síntese da decisão recorrida.
([4]) Cfr. dispositivo de fls. 750, sendo a sentença datada de 05/04/2007.
([5]) Que se deixam transcritas na parte relevante.
([6]) Processo instaurado após 01/01/2008 (mas antes de 01/09/2013) e decisão recorrida posterior a 01/09/2013 (cfr. art.ºs 5.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, e 8.º, todos da Lei n.º 41/2013, de 26-06, e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 14-16, Autor que refere que, tratando-se de decisões proferidas a partir de 01/09/2013, portanto, após a entrada em vigor do NCPCiv., em processos instaurados a partir de 01/01/2008, se segue integralmente, em matéria recursória, o regime previsto no NCPCiv.).
([7]) Cfr. fls. 749, com itálico aditado.
([8]) Assim o Ac. STJ de 28/01/2016, Proc. 1916/03.8TVPRT.P2.S1 (Cons. Orlando Afonso), em www.dgsi.pt.
([9]) Cfr. Ac. TRC de 18/02/2014, Proc. 517/11.1TBGRD.C1 (Rel. Barateiro Martins), em www.dgsi.pt.