Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
303/16.2T8CLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: PREFERÊNCIA
CONFINÂNCIA
DESTINO DO PRÉDIO
Data do Acordão: 12/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - C.RAINHA - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1380, 1381 CC, LEI Nº 111/2015 DE 27/8
Sumário: 1.- Para excluir o direito de preferência, nos termos do art.1381º, a), do Código Civil, não basta provar uma intenção declarada, de destinação diferente para o prédio, sendo necessário demonstrar que ela é concretizável.

2. - Uma intenção de revenda, do prédio adquirido, não provoca qualquer alteração na sua natureza ou uma destinação diferente para o mesmo.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I (…)– Sociedade Unipessoal, Lda, instaurou ação contra B (…) e marido, J (…), M (…) , e marido, F (…), MC (…), e I (…) SA, peticionando:

a) Ser reconhecido à Autora o direito de preferência na compra do prédio rústico sito em (...) , concelho de (...) , composto por mato, com 12 400 m2, inscrito na respectiva matriz rústica sob o art. (...) , secção D, com valor patrimonial de €486,64 e descrito na Conservatória de Registo Predial daquele concelho, sob o nº (...) , daquela freguesia, substituindo-se ao Segundo Réu na aquisição do referido prédio, e, em consequência:

b) Ser o segundo Réu substituído pela Autora na titularidade do direito de propriedade e posse do referido prédio, mediante o pagamento do preço de alienação e respectivo IMT;

c) Serem os Réus condenados a entregar o identificado prédio à Autora, com todos os eucaliptos e respectiva madeira, conforme se encontrava na data em que foi celebrada a escrita de compra e venda;

d) Serem cancelados todos os registos que o segundo Réu, comprador, tenha feito a seu favor, em consequência da compra do referido prédio;

Alega a Autora, em síntese:

É proprietária do prédio confinante com o prédio rústico sito em (...) , concelho de (...) , composto por mato, com 12 400 m2, inscrito na respectiva matriz rústica sob o art. (...) , secção D, e descrito na Conservatória de Registo Predial daquele concelho, sob o nº (...) , daquela freguesia, prédio este vendido pelos Primeiros Réus à Segunda Ré, sem que tenha sido dado conhecimento à Autora das clausulas contratuais do projecto de venda.

A Segunda Ré não era proprietária de qualquer prédio confinante.

Citados os Réus, apenas a Ré I (…), SA, contestou, em síntese:

A Autora não pretendia e não pretende exercer qualquer actividade agrícola.

A Ré também não destinava o prédio a cultura alguma, mas sim à sua revenda.

O negócio da Ré é anterior à propriedade da Autora.

Replicou a Autora que a revenda referida não altera o destino dos prédios.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, nos seguintes termos:

a) Condena-se os Réus a reconhecerem o direito de preferência da Autora, na aquisição do prédio rústico sito em (...) , concelho de (...) , composto por mato, com 12 400 m2, inscrito na respectiva matriz rústica sob o art. (...) , secção D, com valor patrimonial de €486,64 e descrito na Conservatória de Registo Predial daquele concelho, sob o nº (...) , daquela freguesia;

b) Determina-se que a Autora substitua a Ré I (…), SA, na aquisição prédio rústico sito em (...) , concelho de (...) , composto por mato, com 12 400 m2, inscrito na respectiva matriz rústica sob o art. (...) , secção D, com valor patrimonial de €486,64 e descrito na Conservatória de Registo Predial daquele concelho, sob o nº (...) , daquela freguesia, efectuado através de escritura celebrada perante notário, em 19/10/2015, transferindo-se para a Autora a titularidade do direito de propriedade sobre o referido imóvel;

c) A transferência do direito de propriedade será feita mediante o pagamento à ré I (…) SA do preço de aquisição de oito mil euros, acrescido do IMT devido, já depositado à ordem dos presentes autos;

d) Em consequência determina-se o cancelamento do registo efectuado a favor da Ré II (…) SA da aquisição do prédio descrito – nomeadamente da AP 2805 de 2015/10/19;

e) Condena-se os Réus a entregar à Autora o prédio descrito em a) e b) no estado em que se encontrar.


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Inconformada, a Ré I (…), SA, recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

(…)


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            Não foram apresentadas contra-alegações.

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Questões a decidir:

A reapreciação da matéria de facto.

A data da compra pela Recorrente.

O destino dos prédios e a intenção negocial.


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            O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:

A) A propriedade do prédio rústico denominado (...) , sito em (...) , concelho de (...) , inscrito na respectiva matriz cadastral sob o art. (...) da Secção D, com a área de 13 200m2, descrito na Conservatória de Registo Predial de (...) sob o nº (...) , da mesma freguesia, composto de pinhal, a confrontar a Norte com (...) , a Sul com (...) e “ (...) , Lda, a Nascente com delimitação o concelho e a Poente com serventia, encontra-se registada a favor I (…)– Sociedade Unipessoal, Lda, por compra a (…), pela AP 3231 de 2015/03/20 (certidão de fls.5);

B) O prédio rústico descrito confronta do seu lado Norte com o prédio inscrito na matriz cadastral da freguesia de (...) sob o art. (...) (certidão de fls.15v);

C) Em 19/10/2015, perante Notário, B (..:) e marido, JJ (…), M (..:) e marido, F (…), MC (…) declararam vender e I (…), SA, declarou comprar o prédio rústico sito em (...) , concelho de (...) , composto por mato, com 12 400 m2, inscrito na respectiva matriz rústica sob o art. (...) , secção D, com valor patrimonial de €486,64 e descrito na Conservatória de Registo Predial daquele concelho, sob o nº (...) , daquela freguesia, pelo preço de oito mil euros (art.4º da petição inicial e certidão de fls.11v);

D) A propriedade do prédio rústico denominado (...) - (...) , sito em (...) , concelho de (...) , inscrito na respectiva matriz cadastral sob o art. (...) da Secção D, com a área de 12 400m2, descrito na Conservatória de Registo Predial de (...) sob o nº (...) /20150922, da mesma freguesia, composto de mato, a confrontar a Norte com herdeiros de (...) , a Sul com (...) , Lda, a Nascente com herdeiros de (...) e de Poente com o limite do concelho de (...) , encontra-se registada a a favor I (…) SA, por compra a B (…), M (…) e MC (…), pela AP.2805 de 2015/10/19 (certidão de fls.15v);

E) O prédio descrito em D) encontrava-se plantado de eucaliptos (art.13º da petição inicial);

F) A Ré procedeu à limpeza do terreno (art.72º da contestação);

G) A Autora procedeu ao depósito autónomo da quantia de €8 290,39


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A reapreciação da matéria de facto.

Estão em causa factos relativos ao destino dos prédios envolvidos, à intenção dos negócios e à data da aquisição pela Ré.

Para a reapreciação, a Recorrente invoca os documentos das compras, o seu registo social e o depoimento de (…)

Na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662, nº1, do CPC).

Este tribunal forma a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos impugnados. (Abrantes Geraldes, Recursos, 3ªedição, 2010, Almedina, pág.320.)

Lembremos também que a aplicação do regime processual em sede de modificação da decisão da matéria de facto conta necessariamente com a circunstância de que existem factores ligados aos depoimentos que, sendo passíveis de influir na formação da convicção, não passam nem para a gravação nem para a respectiva transcrição. É a imediação da prova que permite detetar diferenças entre os depoimentos, tornando possível perceber a sua maior ou menor credibilidade.

Ora, reapreciadas as provas documental e testemunhal apresentadas, apenas podemos dar razão à Recorrente no que respeita às declarações inseridas nos escritos de compra e venda.

As partes apresentaram estes documentos e não infirmaram as declarações neles apostas.

Assim, a prova é plena quanto às declarações (de ciência ou de vontade) atribuídas ao seu autor.

Mas a prova já não é plena quanto aos factos compreendidos na declaração, na medida em que os declarantes visavam com tais declarações apenas a definição da situação tributária da aquisição. (Arts.371º e 376º do Código Civil, respetivamente para cada um dos escritos.)

No caso, os compradores declaram que os prédios se destinam a revenda, tendo em vista à isenção do IMT (art.7º do código deste imposto).

A declaração, para o plano tributário, é equívoca no plano da concretização das intenções.

Sendo assim, a prova das declarações não é a prova da verdade das declarações, ou seja, a prova de que declararam que os prédios se destinavam a revenda não é prova plena deste destino efetivo.

Por outro lado, distinguindo o destino dos prédios e a intenção dos negócios, a prova daquela declaração (para revenda) não é a prova de que os prédios não se destinassem ao exercício de qualquer atividade agrícola ou à sua destinação originária.

Na revenda, salvo alteração entretanto operada, as partes tornam a vender aquilo que adquiriram, no caso, prédios rústicos com pinhal, mato e eucalipto. A revenda não modifica por si só o destino dos prédios.

Quanto à data da aquisição pela Recorrente, importa dizer que o depoimento de (…) revela um desconhecimento quase total dos termos do negócio, valendo, pelas exigências de forma legal (arts.220º e 875º do Código Civil) e de publicidade presentes no caso, o momento da formalização do negócio, conforme fixado em C).

A formalização do negócio é o elemento seguro que dispomos.

Pelo exposto, à exceção da prova das declarações e do registo social da Recorrente, não encontramos razões para alterar ou aditar outros factos.

Julgando parcialmente procedente a reapreciação pedida pela Recorrente, decidimos aditar os seguintes factos:

H) Nas aquisições em questão, as compradoras declararam que os imóveis adquiridos se destinam a revenda, com vista à isenção do IMT, por via do artigo 7º do código deste imposto.

I) Conforme o registo social da Recorrente, esta é uma sociedade comercial anónima, que tem por objecto social a “Compra e Venda de imóveis e revenda dos imóveis adquiridos para esse fim. Outros serviços de apoio prestados às empresas”.


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A data da compra pela Recorrente.

Esta questão fica resolvida pela decisão relativa à matéria de facto.

A data a considerar é a de 19.10.2015. (Lembremo que o tribunal recorrido considerou ainda não provado que “10) Após as normais negociações, a Ré I(…), SA, “fechou o negócio da compra do terreno” com os proprietários do mesmo em Janeiro de 2015.)

Sendo assim, em outubro de 2015, a Autora já era proprietária de prédio rústico confinante.


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O destino dos prédios e a intenção negocial.

Neste recurso já não se questiona a confinância do prédio da Autora e a área dos prédios envolvidos, inferior à unidade de cultura.

Estão em causa os arts. 1380º e 1381º, a), do Código Civil:

“Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade da cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.”

“Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura.”

A questão coloca-se ainda no âmbito do regime do emparcelamento rural, que se encontra atualmente regulamentado pela Lei nº111/2015, de 27/8, a qual revogou os Decretos Lei nº 348/88, de 25/10, e nº103/90, de 22/3.

O objetivo da lei é o de criar melhores condições para o desenvolvimento das atividades agrícolas e florestais, de modo compatível com a sua gestão sustentável nos domínios económico, social e ambiental, através da intervenção na configuração, dimensão, qualificação e utilização produtiva das parcelas e prédios rústicos, permitindo o emparcelamento ou a junção de terrenos rústicos, destinados à agricultura, de forma a possibilitar o aumento da rentabilidade e competitividade das explorações agrícolas.

Assim sendo, é pressuposto do direito de preferência a manutenção da rusticidade dos prédios e da sua cultura.

No caso, quando a Autora compra o pinhal de 13.200 m2 e declara que o destina a revenda não está, com esta declaração, a modificar a natureza do prédio e a destiná-lo a outro fim que não o seu. Apenas se pode admitir que a Autora pretenderá tornar a vender o que comprou, um pinhal.

O fim da aquisição não é equivalente ao destino do prédio em causa.

            Devemos notar que a Autora também tem como objeto social a atividade de silvicultura, exploração florestal e comércio de madeiras.

Devemos notar que o tribunal recorrido considerou não provado que “A Autora não pretende exercer qualquer actividade agrícola ou silvícola no terreno.”

Por outro lado, quando a Autora exerce a preferência, relativa a prédio com mato e eucaliptal (factos D) e E)), com a área de 12.400 m2, não se demonstra que não pretenda uma nova dimensão predial, mesmo que para revenda. Os prédios têm uma cultura afim que beneficiará com a sua junção.

É percetível que a Autora não exerce nos prédios uma atividade imobiliária.

Não se demonstra, portanto, que a Autora não destine os prédios à sua cultura.

Na falta de outra prova, e com o apoio de critérios de normalidade, deve prevalecer o que resulta da destinação originária dos prédios.

Questiona ainda a Recorrente que o prédio por si adquirido também se destinava à revenda e, em virtude da sua localização, a um fim urbano.

É entendimento dominante na jurisprudência que o facto impeditivo do direito de preferência terá de ser alegado e provado pela Ré adquirente. Esta terá de alegar e provar não só a sua intenção, de dar ao prédio outro destino que não a cultura, mas também que essa mudança de destino esteja praticada e seja permitida por lei.

(Ver acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 01.04.2014 (proc. 854/07), 19.02.2013 (proc. 246/05) e de 06.05/2010 (proc.537/02), disponíveis em www.dgsi.pt).

“A possibilidade de afectar um terreno de cultura a finalidade diferente deve depender, não do critério egoísta dos proprietários vizinhos, mas antes e apenas de uma decisão administrativa, tomada em função dos interesses gerais da colectividade, de acordo com os planos de ordenamento do território.”

“Se assim não fosse, ficaria na livre disponibilidade do adquirente a exclusão do direito de preferência com a simples manifestação de um desejo.”

No caso, a Recorrente não provou que fosse dar ao prédio outro fim, nomeadamente urbano, ou sequer que tal alteração de finalidade fosse legalmente possível. (Lembremos que o tribunal recorrido considerou não provado: 5) O terreno situa-se na zona identificada como Zona Industrial de (...) ; 6) O imóvel pode ser destinado a fim urbano, comercial ou industrial; 7) No prédio existe uma construção em ruína que a Ré pretende recuperar; 8) A Ré adquiriu o imóvel para recuperação da ruina existente, possibilidade de integração na zona industrial e futura revenda.)

Por tudo isto, não merece censura a decisão recorrida.


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Decisão.

Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

            Custas pela Recorrente, vencida (art.527º, nº 2, do Código de Processo Civil).

Coimbra, 2017-12-19


 Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator )

 António Carvalho Martins

 Carlos Moreira