Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1580/12.3TBPBL-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: DUPLA CONFORME – TRÂNSITO EM JULGADO DO ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
Data do Acordão: 06/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JC CÍVEL DE LEIRIA – J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: ARTºS 628º, 671º E 672º NCPC.
Sumário: Em situações de existência de dupla conforme, o trânsito em julgado da decisão final só ocorre depois de decorrido o prazo legal de que dispõe a parte vencida para interpor recurso, de revista excecional, para o STJ.
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. Por acórdão proferido nesta Relação foi confirmada a sentença proferida (em 15/07/2014) na ação declarativa nº. 1580/12.3TBPL (que, sob a forma de processo ordinário, correu inicialmente termos na extinta a Comarca de Pombal e depois, na sequência da entretanto ocorrida reforma da organização judiciária, na Instância - hoje Juízo - Central Cível da atual Comarca de Leiria) que havia julgado improcedente essa ação instaurada pelos aí autores/recorrentes, J... e mulher C..., contra a ré, M..., Lda, e outra, condenando ainda os primeiros no pagamento das custas processuais.
Acordão esse - proferido sem qualquer voto de vencido ou fundamentação essencialmente diferente da sentença proferida em 1ª. instância, e do qual não veio a ser arguida qualquer nulidade ou pedido de reforma do mesmo, nem interposto recurso – que foi notificado às partes (na pessoa dos seus ilustres mandatários), através de documento elaborado e certificado via Citius em 25/03/2015 (e remetido em 26/03/2015).
2. Em 12/05/2015 aquela ré remeteu aos autores (e ao tribunal) nota discriminativa e justificativa das suas custas de parte.
3. Não tendo os AA. pago a quantia que a ré lhe apresentou a título de custas de parte, esta última instaurou contra os primeiros execução visando obter deles o pagamento coercivo dessa quantia.
4. A tal execução deduziram os AA./executados oposição mediante a apresentação dos presentes autos de embargos.
Com fundamento na caducidade do direito da exequente a ser reembolsada da quantia exequenda, pedem a extinção da instância executiva.
Para tanto, e em síntese, alegaram que devendo, nos termos disposto no artº. 25º RCP, as partes que tenham direito a custas de parte remeter para o tribunal e para a parte vencida a respetiva nota discriminativa e justificativa até cinco dias após o trânsito em julgado, acontece que tendo o referido acórdão desta Relação transitado em julgado no dia 17/4/2015 (decorrido 10 dias após o inicio, em 07/04/2015, do contagem desse trânsito, sem que as partes dele tenha reclamado, arguindo a sua nulidade ou pedindo a sua reforma), e tendo a aludida nota sido apresentada no dia 12/05/2015, verifica-se que a mesma foi apresentado fora do referido prazo legal, que no caso havia terminado em 22/04/2015, sendo portanto extemporânea a sua apresentação.
5. Na sua contestação que deduziram a tais embargos, a exequente defendeu, em síntese, a tempestividade da nota de custas de parte que apresentou, por entender que o referido acórdão desta Relação apenas transitou em julgado em 07/05/2015, tendo, assim, aquela sua nota de custas sido apresentada dentro do prazo legal estipulado para o efeito, pelo que terminou pedindo a improcedência dos embargos, com o prosseguimento da execução.
6. No despacho saneador o sr. juiz a quo, considerando que o estado dos autos já lho permita fazer, conheceu do mérito da causa, tendo no final decidido julgar improcedentes os embargos, e ordenado o prosseguimento da execução.
Decisão essa que, em síntese, assentou no facto ter considerado, à semelhança do já defendido pela exequente, que sendo o referido acórdão desta Relação (não obstante a existência de dupla conforme) suscetível ainda, quando proferido, de dele ser interposto recurso de revista excecional (à luz do disposto no artº. 672º do CPC), e que tendo-se iniciado a contagem do prazo legal 30 dias estipulado para o efeito 07/04/2015, o seu trânsito só veio a ocorrer em 07/05/2015, e daí que a nota de custas de parte tenha sido apresentada pela ré/ora exequente em tempo, não tendo, por consequência, caducado o direito da exequente receber a quantia referente a tais custas.
7. Inconformados com tal sentença, os executados/embargantes dele apelaram, tendo concluído as suas alegações desse seu recurso nos seguintes termos:
...
8. Não foram apresentadas contra-alegações.
9. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
II- Fundamentação
A) De facto.
Com relevância e interesse para a apreciação e decisão do presente recurso, devem ter-se como assentes os factos que se deixaram descritos no Relatório que antecede (extraídos das peças processuais e documentais que integram os presentes autos e ainda do acordo de partes).
B) De direito.
Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, fine, aqui aplicáveis ex vi 852º do nCPC).

Da leitura das conclusões das alegações de recurso dos executados/apelantes - tal como, aliás, decorre do que supra se deixou exarado – constata-se que a única verdadeira questão que aqui nos cumpre apreciar e decidir traduz-se em saber da tempestividade ou não da nota de custas de parte apresentada pela ré/ora exequente aos autores/ora executados/embargantes.

A resposta a essa questão, está, in casu, unicamente dependente da data que se considere ter transitado em julgado o sobredito acórdão desta Relação (pois que, como deflui do que se deixou exarado no Relatório, é aí que se centra tão só o nó de discordância que motivou o presente recurso, com o tribunal a quo e a exequente/embargada alinhados numa mesma posição a esse respeito e em detrimento daquela perfilhada pelos executados/embargantes/apelantes).

Apreciemos, pois.

Decorre do estipulado no artº. 25º, nº. 1, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), e naquilo que para aqui importa, que, até cinco dias após o trânsito em julgado da decisão final, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal e para a parte vencida a respetiva nota discriminativa e justificativa.
As partes (na pessoa dos seus ilustres mandatários) foram notificadas do sobredito acórdão proferido por este Tribunal de Relação (cuja decisão, que pôs termo ao processo, se veio a revelar ser final) através de documento elaborado e certificado via Citius em 25/03/2015 (e remetido em 26/03/2015).
Notificação essa que, face ao estatuído no artº. 248º do CPC, se deve presumir como tendo sido efetuada no dia 30 de abril de 2015 (dado que o 3º. dia útil seguinte ao da elaboração do documento coincidiu com o fim de semana).
Sendo assim, dado que o dia seguinte coincidiu com o período das férias judiciais da Páscoa que se estendeu até ao dia 06/05/2015 (cfr. artº. 28º da LOSJ), o prazo para a prática de qualquer ato processual pelas partes iniciou-se no dia seguinte, ou seja no dia 07/04/2015 (cfr. artº. 138º, nº. 2, do CPC - diploma ao qual nos referiremos sempre que doravante mencionarmos somente o normativo sem a indicação da sua fonte).
É assim claro que no caso (e nisso há completo consenso, mas que aí termina, das partes e do tribunal a quo) o prazo para trânsito em julgado do referido acórdão proferido por esta Relação se iniciou naquele dia 07/04/2015, a questão que se discute é quando ele terminou e, por consequência, quando ocorreu o seu trânsito.
Grosso modo, diz-se que uma decisão judicial se torna definitiva quando transita em julgado.
E quando é que transita em julgado?
A resposta é-nos dada pelo artigo 628º ao estatuir que “a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação”.
A figura do trânsito em julgado é imposta, sobretudo, por razões de certeza e segurança nas relações jurídicas.
O referido preceito visa, assim, determinar, com rigor, o momento a partir do qual transita em julgado uma decisão judicial, isto é, quando essa decisão se torna, para o mundo jurídico, definitiva.
De tal normativo resulta que uma decisão judicial só possa considerar-se transitada em julgado depois de decorrido o prazo legalmente previsto para a interposição do recurso ou, não sendo admissível, para a arguição de nulidades ou dedução do incidente de reforma.
Contudo, conforme discorre o conselheiro Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 30”), “importa diferenciar os casos em que a decisão é ou não passível de recurso ordinário:
a) Quando é susceptível de recurso ordinário, o trânsito em julgado depende, em primeiro lugar, do facto de se encontrarem esgotadas as possibilidades de interposição desse recurso em cujas alegações deve ser integrada a arguição de nulidades da sentença ou a reforma quanto a custas e multa (arts. 615º, nº. 4, e 616º, nº. 3)
b) Quando seja insusceptível de recurso ordinário, o trânsito em julgado ocorre com o esgotamento do prazo para a arguição de nulidades da sentença ou dedução do incidente de reforma, nos termos dos arts. 615º, nº. 4, e 616º (e dos arts. 666º e 685º quando estejam em causa acórdãos da Relação ou do Supremo, respectivamente).” (sublinhado nosso).
Posto isto, e revertendo-nos para o caso sub júdice, verifica-se que o sobredito acórdão desta Relação configura, com a sua decisão, uma situação de dupla conforme (cfr. artº. 671º, nº 3), o que impediria - nos termos desse normativo e por não ocorrer nenhuma das situações elencados no nº. 2 do artº. 629º - que dele fosse interposto de recurso revista normal.
Porém, e não obstante tal, sempre existiria a possibilidade legal de os autores, como parte vencida, virem a interpor, dessa decisão e no prazo de 30 dias contados da notificação da mesma, recurso de revista excecional para o STJ que, como se sabe, é um recurso ordinário (cfr. disposições conjugadas dos artºs. 627º, nº. 2, 629º, nº. 1, 638º, nº. 1, e 671º, nº. 3 – fine – e 672º, nº. 1, do CPC). Saber se no caso em apreço se verificariam ou não os concretos pressupostos elencados para tal nas als. a), b) e c) do nº1 do artº. 672º isso é outra questão que, só mais tarde, e dele depois dele ser interposto, competiria ao STJ indagar, através da formação de juízes conselheiros nomeados especificamente para o efeito (nº 3 do artº. 672º), mas até lá sempre teria que se contar com a possibilidade, legalmente prevista, de vir a ser interposto esse recurso de revista excecional, devendo, por isso, os autos sempre ficar a aguardar o decurso daquele prazo legal previsto para esse efeito.
Pelo que só após o decurso desse prazo (sem que os AA., como parte vencida, dela tenham vindo interpor recurso excecional de revista) é que se deve considerar a referida decisão do dito acórdão desta Relação como transitada em julgado (cfr. artº. 628º, nº1, do CPC). Neste sentido vide, ainda, por todos, Ac. do TRL de 16/03/2017, proc. 587/08.0TVLSB.L2-2, disponível in www.dgsi.pt. e Ac. desta Relação e Secção de 12/09/2017, proc. 518/08.TBANS.C1, proferido por este mesmo coletivo de juízes).
Sendo assim, à luz dos fundamentos de facto e de direito que se deixaram expostos, a decisão do referido acórdão transitou em julgado em 07/05/2015, pelo que tendo a ré/ora exequente apresentado a nota discriminativa e justificativa das suas custas de parte em 12/05/2015 ter-se-á de concluir que o fez tempestivamente, ou seja dentro do prazo legal de 5 dias estipulado para o efeito (artº. 25º, nº1, do RCP), e por isso não caducou o seu direito ao reembolso do quantitativo das mesmas.
Termos, pois, em que se decide negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida da 1ª. instância.

III- Decisão
Assim, em face de tudo o exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença da 1ª. instância.
Custas pelos executados/apelantes (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).
Coimbra, 05-06-2018
Isaías Pádua
Manuel Capelo
Falcão de Magalhães