Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1247/06.1TAACB-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
REQUERIMENTO
Data do Acordão: 06/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGO 49.º DO CP
Sumário: Em consonância com a previsão do artigo 49.º do CP, o momento próprio para o condenado requerer a suspensão da pena de prisão subsidiária é o que se segue à prolação do despacho de conversão da multa e até ao trânsito em julgado desta decisão.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No processo comum singular nº 1247/06.1TAACB do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça o arguido A... foi condenado pela autoria de dois crimes de abuso de confiança p. e p. pelo artigo 205º, nºs 1 e 4 do Código Penal na pena única de 535 dias de multa à taxa diária de 15 euros, no montante de 8.25 euros.

O arguido não procedeu ao pagamento voluntário da multa e o pagamento coercivo não se mostrou possível.

Em 6.5.2011, depois de cumprido o contraditório foi proferido despacho determinado o cumprimento de pena de prisão subsidiária de 356 dias.

Notificado de tal despacho, o arguido veio requerer a suspensão da prisão subsidiária nos termos do artigo 49º, nº 3 do Código Penal.

Tal requerimento mereceu imediatamente, sem precedência de qualquer outro trâmite, o seguinte despacho, proferido em 16.6.2011:

"Indefiro o requerido por falta de fundamento legal.

Notifique"

Inconformado com o transcrito despacho, dele recorreu o arguido A..., rematando a correspondente motivação com as seguintes conclusões:

1 - O recorrente não se conforma com o D. despacho proferido nos autos em 16/06/2011, pelo qual o Tribunal "a quo" decidiu indeferir o requerimento em que o recorrente requer ao Tribunal a suspensão da execução da prisão subsidiária, por falta de fundamento legal.

2 - Decorre do disposto no artigo 49°/3 do C. Penal, que assiste ao arguido o direito de vir provar aos autos que o não pagamento da multa em que foi condenado lhe não é imputável, devendo o Tribunal nesse circunstancialismo apreciar e ponderar a suspensão da execução da prisão subsidiária.

3 - Tendo fundamento legal para o fazer, atento o disposto no artigo 49°, n° 3 do C. Penal e, bem assim, no artigo 61º/1, alínea b) do C.P.P., segundo o qual o arguido tem de ser ouvido pelo Tribunal sempre que deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte - como é manifestamente o caso da conversão da multa em prisão subsidiária.

4 - É após a conversão da pena de multa em prisão subsidiária que o arguido pode vir requerer a suspensão da execução, o que fez, porquanto anteriormente não havia pena subsidiária de prisão, mas somente pena de multa (nesse sentido a própria redacção do artigo 49°/3 do C. Penal).

5 - Pelo exposto, o D. despacho recorrido deverá ser revogado c substituído por outro que aprecie e se pronuncie sobre o pedido de suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, avaliando as provas alegadas.

6 - O D. despacho ora recorrido viola o disposto no n° 3 do artigo 49° do C. Penal, o artigo 61ª/1, alínea b) do C.P.P. e o artigo 32º, nºs 1 e 5 da C.R.P..

Termos em que se requer a V. Exªs que concedam provimento ao presente recurso, revogando o D. despacho ora recorrido, que deverá ser substituído por outro que aprecie se pronuncie sobre o requerimento apresentado pelo arguido/recorrente, designadamente, sobre o pedido de suspensão da execução da prisão subsidiária, como nos parece ser de JUSTIÇA!

Notificado, o Ministério Público respondeu, concluindo o seguinte:

1a - Vem o presente recurso interposto pelo arguido A... do douto despacho de fls. 757 que lhe indeferiu a suspensão da prisão subsidiária, nos termos do disposto no artigo 49°, nº 3, do Código Penal.

2a - Analisada objectivamente a pretensão do recorrente -- com o presente recurso -- datado de 6/07/2011 -- não pretende aquele recorrer do douto despacho de fls. 757 --, mas sim dos fundamentos constantes do despacho de fls 729 e 730, cujo trânsito em julgado já havia ocorrido no dia 7 de Junho de 2011.

Sem prejuízo da conclusão que antecede, sempre se dirá que:

3 - Dispõe o artigo 49°, nº 3, do Código Penal que "se o condenado provar que a razão do pagamento da multa não lhe é imputável, pode a suspensão da execução subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento dos deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou regras de conduta não forem cumpridos executa-se a prisão subsidiária; se o forem a pena é declarada extinta."

3a - O arguido é comercial exercendo a sua actividade num Stand explorado por uma sociedade por quotas unipessoal, da qual é o único sócio, obtendo um rendimento mensal variável entre os 4000,00 € e os 5000,00 €, tendo os encargos documentados nos Autos.

4a - Os proventos auferidos pelo arguido, abatidos dos seus encargos mensais, permitiam-lhe o pagamento da pena de multa em prestações;

5a - Já em 18 de Junho de 2010 havia sido deferido o pagamento da pena de multa em prestações, o que aquele não fez, sendo certo que também podia ter pedido atempadamente a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade, o que também não fez,

6ª - Não tendo procedido a esse pagamento e tendo sido determinado cumprimento da pena de prisão subsidiária, esses mesmos proventos permitem-lhe proceder ao pagamento da pena de multa pagamento esse que fará, de imediato, extinguir a mesma, pelo cumprimento.

7ª - Estes comportamentos omissivos apenas ao arguido são imputáveis, não podendo agora vir alegar que queria pagar mas não pode, atenta a sua situação económica.

8a - O não pagamento da pena ele multa por parte do arguido é-lhe, assim, culposo.

9a - Pelo que no douto despacho a quo se não violou qualquer norma legal.

Em consequência, deverá o presente recurso ser Julgado improcedente, devendo ser integralmente mantido o douto despacho a quo.

Decidirão conforme for de LEI e JUSTIÇA.

Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:

1. Resulta da tramitação dos autos que, o recorrente tendo sido condenado em pena de multa requereu o pagamento em 36 prestações iguais, mensais e sucessivas, invocando insuficiência de meios económicos suficientes para as suportar de imediato e integralmente.

Sobre este requerimento incidiu despacho que lhe deferiu, apenas, o pagamento em 5 prestações mensais e sucessivas, no montante, cada uma delas, de € 1.605,00.

O recorrente não recorreu deste despacho, nada requereu, nem pagou qualquer prestação.

Findo o prazo de pagamento das prestações, sem que o recorrente tivesse efectuado o pagamento, o Ministério Público perante a informação de fls. 668, 673 e 675, não instaurou execução pela multa e custas, atento o disposto no art.º 35°, n.º 4 do Regulamento das Custas Judiciais, e considerando que o arguido não requereu nos autos a substituição da multa por dias de trabalho a favor da comunidade, promoveu o cumprimento efectivo de 356 dias de prisão subsidiária (cfr fls. 688).

Notificado para alegar e provar as razões justificativas do não pagamento da multa, sob pena da mesma ser convertida em prisão subsidiária, o recorrente apresentou requerimento, a fls. 700 e 701, alegando as suas razões, requerendo que fosse julgado justificado o não pagamento e extinta a pena sobre o qual recaiu despacho, datado de 06.05.2011, constante de fls. 729 e 730, que apreciando as razões invocadas pelo recorrente as considerou injustificadas e determinou o cumprimento da prisão subsidiária pelo tempo correspondente a multa não paga reduzida a dois terços, ou seja, de 356 dias de prisão.

Notificado deste despacho, apresentou requerimento, a 24.05.2011, a fls. 734 a 747, alegando razões advenientes a justificar que não pagou a multa porque não quis, ou numa atitude de desrespeito ao tribunal, mas por impossibilidade total, e actual, por falta de meios ou recursos financeiros próprios que lhe permitam efectuar o pagamento da multa.

Foi sobre este requerimento que recaiu o despacho recorrido, constante de fls. 757, que é do seguinte teor "Fls. 734 a 747 e doc. de fls. 750 a 755: indefiro o requerimento, por falta de fundamento legal. Notifique."

2. Perante o que fica dito, o recorrente, ao contrário do que diz, foi ouvido sobre o motivo do não pagamento de qualquer prestação da multa, tendo, para o efeito, sido notificado para alegar e provar as razões justificativas do não pagamento da multa, tendo o tribunal, depois de analisar as razões expostas, concluído que a culpa pelo não pagamento era injustificado, indeferindo-lhe o requerimento e determinando a conversão da pena de multa em prisão subsidiária,

Assim, fica claro, que foi cumprido o princípio do contraditório.

Todavia, como resulta do n.º 1, do art.º 49° do CP, a prisão resultante da conversão não estando para com a multa numa relação de alternatividade, mas de subsidariedade, a prisão só pode ser cumprida depois de esgotados todos os outros meios de cumprimento de pena (artigo 489 a 491 do CPP).

Após a revisão de 1995 do CP abandonou-se a imposição de fixação da pena de prisão subsidiária da pena de multa não paga, pelo que a conversão faz já parte da execução da pena, porque só depois de verificada a impossibilidade da execução patrimonial, se aplica a prisão subsidiária, já que antes da conversão apenas existe a pena de multa, daí o n.º 3 do CP prever se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa (cfr. acórdão do STJ, de 27/02/1997, in BMJ, 464-429),

Nesta conformidade, só depois da conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária é que pode ser requerida a suspensão da execução, com fundamento de a falta de pagamento não ser imputável ao arguido (cfr neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. 2274/03, de 22/10/2003, do Relator, Dr. Fernando Jorge Dias, consultável em www.dgsi.pt).

No caso dos autos foi isso que aconteceu, tendo o requerimento do arguido sido indeferido sem que o despacho recorrido fundamente a sua decisão, com especificação dos motivos de facto e de direito, em violação da imposição do n° 5 do art.º 97° do Código Penal.

O despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação e inexistente enquanto acto decisório.

Os fundamentos do despacho de fls. 729 e 730, que procedeu à conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária, não podem ser dados como reproduzidos para justificar a falta de fundamentação sobre a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, ou considerar-se que objectivamente recorre dos fundamentos desse despacho, que transitou em julgado, pois a suspensão da pena de prisão está sujeita a pressupostos diferentes dos da conversão da pena de multa em prisão subsidiária, sendo também certo que, no requerimento em que requer a suspensão da pena de prisão, constam factos pessoais, familiares e económicos supervenientes aos alegados no requerimento de fls. 700 e 701, em que o recorrente requereu que fosse julgado justificado o não pagamento da multa e extinta a pena, factos que devem ser apreciados e julgados em decisão fundamentada.

3. Assim, sou de parecer que deve ser declarada a nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação, devendo a mesma ser substituída por outra que aprecie e decida fundamentadamente o requerimento do recorrente em que requer a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, dando-se, consequentemente, provimento ao recurso.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não ocorreu resposta.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos teve lugar conferência.

Cumpre apreciar e decidir.


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II. Apreciação do Recurso

Sendo objecto do recurso delimitado pelas conclusões da respectiva motivação a questão que deve ser apreciada consiste em saber se após a prolação do despacho que converte a multa em prisão subsidiária existe fundamento legal para pedido de suspensão dessa pena.

Apreciando:

Como verificamos, o arguido, depois de proferido despacho convertendo a pena de multa em que foi condenado em prisão subsidiária, veio requer a suspensão dessa pena o que fundou no disposto no artigo 49º, nº 3 do Código Penal.

O Mmº Juiz a quo indeferiu de imediato tal pretensão invocando para o efeito falta de fundamento legal.

Preceitua o artigo 49º, nº 3 do Código Penal que "se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, pode a execução da pena de prisão subsidiária ser suspensa (…)".

Se apenas existe pena de prisão depois da conversão da pena de multa em prisão, não oferece qualquer dúvida que o momento próprio para requerer a suspensão da pena de prisão subsidiária é o que se segue à prolação do despacho de conversão e até ao trânsito em julgado deste, como ocorreu no caso.

Ou seja, não só existe fundamento legal que permite requerer a suspensão da pena de prisão subsidiária, como o requerimento do recorrente foi efectuado no momento próprio.

Manifesto é, portanto, o demérito do despacho recorrido indeferindo liminarmente a pretensão do recorrente sem tramitar o respectivo incidente.

Não está em causa qualquer falta de audição do arguido como este alega (foi o próprio que suscitou o incidente) nem tão pouco trânsito em julgado sobre a questão suscitada, como é a tese do Ministério Público na 1ª instância, posto que a questão da suspensão não foi antes apreciada e mesmo que o fosse seria a destempo com a insusceptibilidade de no tempo próprio retirar ao arguido um direito que a lei lhe confere. Não é certamente essa a função do caso julgado.

Pelo exposto merece provimento o recurso interposto, devendo o despacho recorrido ser substituído por outro que admita o incidente suscitado e conheça do respectivo mérito.


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III. Decisão

Nestes termos e com tais fundamentos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido A..., revogando o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que admita o incidente suscitado e a final aprecie o mérito do requerimento formulado.

Não há lugar a tributação em razão do recurso.


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 (Maria Pilar Pereira de Oliveira - Relatora)
 (José Eduardo Fernandes Martins)