Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1613/17.7T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVERES DE INFORMAÇÃO
ILICITUDE
NEXO DE CAUSALIDADE
CULPA GRAVE
PRESCRIÇÃO
CESSÃO DE CRÉDITO
Data do Acordão: 02/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 7, 304, 312, 314, 324 CVM, 227, 309, 563, 762 CC
Sumário: 1. - A violação culposa de deveres indeclináveis de informação a cargo de intermediário financeiro (um banco, parte apetrechada na negociação), no âmbito da atividade bancária, perante cliente investidor não qualificado e em deficit de informação, é fonte de obrigação indemnizatória pelo decorrente dano causado a esse cliente.

2. - Se a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabiliza a entidade emitente do produto, tal não impede que também se constitua em responsabilidade o respetivo intermediário financeiro que, no relacionamento contratual com aquele seu cliente, atue por forma a assumir também o reembolso do capital investido.

3. - Apurado que o banco intermediário financeiro propôs ao cliente, no âmbito da contratação, a aquisição de um produto com margem de risco – que aquele não subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do mesmo –, com a prestação de informação inexata/distorcida de garantia de reembolso do capital investido, em violação de elementares padrões de boa-fé na relação com o cliente, ocorre culpa grave do banco.

4. - Situação que afasta o curto prazo prescricional previsto no art.º 324.º, n.º 2, do CVM, sendo aplicável o prazo ordinário de prescrição (art.º 309.º do CCiv.).

5. - Se aquele cliente investidor transmitiu a terceiro a sua posição contratual/crédito, o que fez junto do banco intermediário, é ao cessionário/transmissário, que se vê, a final, privado do capital investido, que cabe o direito indemnizatório.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:



***

I – Relatório

P (…), com os sinais dos autos,

intentou ação declarativa de condenação, com a forma de processo comum, contra

B (…), S. A.”, também com os sinais dos autos,

pedindo que:

a) Seja o R. condenado a pagar ao A. o montante de € 300.000,00, correspondente ao capital que lhe foi entregue e garantido pelo banco, acrescido de juros vencidos, à taxa de 4% ao ano, contados desde 07/05/2015 (os que se venceram até 30/03/2017 no valor de € 22.783,56), e vincendos, até integral pagamento; subsidiariamente,

b) Seja declarado nulo qualquer documento subscrito pelo A., bem como de qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado os € 300.000,00, que lhe foram entregues pelo A., em obrigações subordinadas S( ...) 2006;

c) Seja declarada ineficaz em relação ao A. a aplicação que o R. tenha feito daquele montante;

d) Seja condenado o R. a restituir ao A. a quantia de € 300.000,00, acrescida de juros legais peticionados;

e) Seja o R., em qualquer caso, condenado a pagar ao A. a quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais.

Para tanto, alegou, em síntese, que ([1]):

- em 2006, o “B (…), S. A.” (doravante, B (…)), propôs ao pai do A. (leigo em matérias financeiras, com baixo nível de escolaridade e com perfil conservador quanto ao investimento do seu dinheiro), através da gestora de conta daquele, no quadro de relação grande de confiança entre banco e cliente, a subscrição de obrigações S (…) 2006, apresentando tal produto como uma aplicação, com prazo de 10 (dez) anos – reembolso integral na data de vencimento (maio de 2016), mas com possibilidade de levantamento do capital quando o cliente entendesse, mediante aviso com três dias de antecedência –, em tudo idêntica a um depósito a prazo com capital garantido pelo banco, rentabilidade assegurada e sem qualquer risco, o que levou o pai do A. a subscrever 6 (seis) obrigações S (…) 2006, no valor de € 50.000,00 cada uma, perfazendo um total de € 300.000,00;

- em novembro de 2009, o pai do A., acompanhado deste, dirigiu-se ao balcão da agência de ( ...) do banco, informando que pretendia levantar o dinheiro aplicado para o doar àquele filho, altura em que o A. foi informado tratar-se de produto com as caraterísticas de um depósito a prazo, com juros semestrais atrativos e garantia de capital e juros;

- comunicou ainda o banco que capital e juros seriam integralmente reembolsados ao tempo do vencimento, ou a qualquer altura, desde que mediante aviso com a antecedência de três dias, não transmitindo ao A. qualquer outra informação acerca da natureza do produto “Obrigações S (…)2006”, para além de afiançar a ausência de risco e perdas de capital;

- cedido o capital ao A. por seu pai, a funcionária do R. que intermediou a aplicação financeira bem sabia que o demandante não pretendia realizar operação financeira que colocasse em causa o capital investido e que este não tinha qualificação ou formação técnica que lhe permitisse conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos respetivos, exceto se lho explicassem devidamente, o que também não aconteceu;

- O A. deixou de receber juros referentes às obrigações em maio de 2015, tendo sido informado pelo R. que o mesmo não era responsável pelo pagamento, e não lhe foi restituído o capital nem há possibilidade de restituição (a “G (…)”, ex “S(…)”, encontra-se em insolvência, tendo as obrigações caráter subordinado);

- o A., ou o seu pai, nunca aceitaria uma tal vinculação se o R. lhe(s) tivesse explicado que o dinheiro a investir em Obrigações S (…) 2006 não tinha capital garantido pelo banco, o qual atuou mesmo de forma dolosa, violando deveres de informação, lealdade e confiança, e enganando o cliente e o demandante, no sentido de assumir e/ou manter uma aplicação feita, que aquele(s) não queria(m), caso conhecesse(m) as suas condições;

- nunca foi lido ao A. qualquer documento ou explicado o seu conteúdo, nem entregue folheto informativo ou qualquer cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas S(…) 2006 (como as referentes à liquidez e aos prazos de reembolso e de vencimento, que são essenciais), sendo nulo todo o negócio, à luz do regime legal das cláusulas contratuais gerais;

- com a sua atuação, o R., intermediário financeiro perante investidor, incorreu em responsabilidade contratual e colocou o A. em estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver o seu dinheiro, fruto de uma vida de trabalho do seu pai, impedindo-o de construir a moradia pretendida ou obrigando-o, para tanto, ao crédito bancário, com elevados juros.

O R. contestou, concluindo pela improcedência da ação, para o que impugnou diversa factualidade invocada pelo A. e alegou, quanto ao que ora importa, inexistir qualquer obrigação/responsabilidade da sua parte e ocorrer e, em qualquer caso, prescrição do crédito invocado.

O A., em resposta, concluiu pela improcedência das exceções invocadas e pela procedência da ação.

Dispensada a audiência prévia, saneado o processo – relegou-se para final o conhecimento da exceção da prescrição –, enunciados o objeto do litígio e os temas da prova, procedeu-se depois à audiência final, com produção de provas, seguida de sentença (incorporando decisão da matéria de facto e de direito), pela qual foi a ação julgada totalmente improcedente, com absolvição dos pedidos formulados.

Inconformado, apela o A., apresentando alegação e oferecendo as seguintes

Conclusões ([2])

(…)

O R. contra-alegou, juntando dois pareceres jurídicos e pronunciando-se sobre as questões suscitadas em sede de recurso, tudo para concluir pela total improcedência da apelação.


***

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([3]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, cabe decidir, sobre matéria de facto e de direito, quanto ao seguinte:

a) Se houve erro de julgamento quanto à decisão da matéria fáctica, implicando a alteração dessa decisão [al.ªs d), g), l), o), p) e t), do quadro de facto dado como não provado, a merecerem reversão para juízo positivo, de provado, eventualmente com alterações];

b) Se está, ou não, o R./Apelado constituído na obrigação de indemnizar;

c) Se ocorre prescrição do direito indemnizatório.


***

III – Fundamentação

          A) Da impugnação da decisão da matéria fáctica

O Apelante, no âmago da sua pretensão recursiva, manifesta inconformismo com a decisão da matéria de facto, visando a alteração dessa decisão, centrando-se nos factos das ditas al.ªs d), g), l), o), p) e t) do factualismo dado como não provado – a dever, a seu ver, ser agora julgado provado, alguns desses factos “com pequenas alterações” [conclusão 3.ª da apelação].

(…)

B) Quadro fáctico da causa

          Face às alterações operadas pela Relação, é a seguinte a factualidade julgada provada:

«1. O B (…)  S. A., era uma sociedade anónima, com o NIPC (…), sede inicialmente na Av. ( ...) na freguesia de ( ...) e, posteriormente, a partir de 8/11/2013, na Av. ( ...) , freguesia de ( ...) , a qual tinha por objeto, o exercício de atividades consentidas por lei aos Bancos.

2. O Banco B (…) S.A., é uma sociedade anónima, com o NIPC nº (…) sede na Av. A ( ...) , freguesia de ( ...) , que tem por objeto o exercício de atividades consentidas por lei aos Bancos, o qual, anteriormente, se encontrava matriculado na 1ª Secção da Conservatória do Registo Comercial do Porto sob a matrícula nº (…).

3. As sociedades bancárias descritas nos pontos 1 e 2 “supra”, viriam a fundir-se entre si no ano de 2012, dando lugar ao B (…) S.A. o qual passou a ser detentor de todo o património de ambos os Bancos, bem como de todos os respetivos direitos e obrigações.

4. O B (…) foi a instituição colocadora no mercado das obrigações emitidas pela S (…)S.A, sociedade esta, que até 11/11/2008 foi detentora de 100% do capital social do Grupo B (…)

5. O B (…), enquanto entidade incumbida de proceder à colocação destas obrigações, estava registado na CMVM, como intermediário financeiro.

6. O pai do ora A., de nome J (…), era cliente B (…) S.A., na agência de ( ...) , com a conta n.º (…)

7. Existia da parte do pai do A. para com o Banco B(…), atualmente denominado de B (…), aqui Réu, uma relação de grande confiança, extensiva aos funcionários do Banco, nomeadamente à gerente da agência de ( ...) , Srª Drª. (…), que na altura era a sua gestora de conta.

8. Em meados de Abril de 2008, a Dra (…) contactou telefonicamente o pai do A. para que o mesmo se deslocasse à agência do Banco B (…) de ( ...) .

9. Quando o pai do A. se deslocou à agência, pela referida funcionária do banco, foram-lhe apresentadas as “Obrigações S(…) 2006”,

10. … foi-lhe então transmitido pela Drª. (…) que, se tratava de uma aplicação com juros semestrais, indexados a uma taxa Euribor, com capital garantido.

10-A. E que, caso não quisesse esperar pela data do vencimento do produto, teria disponibilidade do capital, se viesse a necessitar dele, quando assim o entendesse, avisando a agência com uma antecedência de dois ou três dias ou, no máximo, uma semana [ADITADO].

11. A referida funcionária do banco que vendeu a aplicação era sabedor[a] de que o pai do A., não tinha formação técnica suficiente que lhe permitisse conhecer os diversos produtos financeiros e avaliar, por isso os riscos de cada um deles, exceto se lho explicassem devidamente.

12. A dita funcionária do banco B( ...) , tinha perfeito conhecimento de que o J ( ...) não estaria interessado em aplicar o seu dinheiro e qualquer produto que envolvesse risco, nomeadamente a possibilidade de perder capital.

13. Perante a descrição de tal produto tinha o capital garantido pelo Banco, com juros, o pai do A. que é uma pessoa, com apenas a 4ª classe, sem conhecimentos nas áreas de economias e com um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro e,

14. … confiando no aconselhamento prestado, pela funcionária do banco, ora Réu, bem como da seriedade e idoneidade do mesmo, em Abril de 2008, J (…), assentiu em investir o montante de € 300.000,00 (trezentos mil euros) que tinha nas suas poupanças, no produto denominado “ Obrigações S (…) 2006”.

15. Pelo que ficou o pai do A. detentor de 6 obrigações S(…)2006, no montante de 50.000,00, cada uma.

16. Tais obrigações tinham um prazo de vencimento a 10 anos, com possibilidade de C (…) a partir do 5.º ano.

17. Eram remuneradas com juros semestrais e postcipados (TANB), sendo o 1.º cupão com a TANB de 4,5%,

18. … os 9 (nove) cupões seguintes: à taxa Euribor a 6 meses acrescrida de 1,15%,

19. … e os restantes cupões: à taxa Euribor a 6 meses acrescida de 1,50%.

20. O reembolso antecipado (total ou parcial) podia ser por iniciativa da S (…)e a partir do 5.º ano (Call Option), mediante aprovação média do Banco de Portugal.

21. Conforme já era intenção do pai do A. há já algum tempo, em 28 de Novembro de 2009, o mesmo, acompanhado do A., dirigiu-se ao balcão da agência de ( ...) do B (…) S.A., informando que pretendia levantar o dinheiro aplicado por forma a dá-lo ao seu único filho, ora A., tendo sido atendidos pelo funcionário J (…)

22. … nesse momento, o pai do A. cedeu a este, todas as obrigações que havia subscrito,

23. … sem que lhe tivesse sido fornecida qualquer especificação ou folheto informativo acerca do mesmo, lido qualquer documento ou explicado o seu conteúdo, ou entregue qualquer cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas S( ...) 2006.

24. O A. recebeu juros semestrais até Maio de 2015.

25. No início de Setembro de 2015, foi o A. recebeu uma carta da G (…)através da qual lhe davam conhecimento de que aquela empresa se havia submetido a um Processo Especial de Revitalização e, a convidar o A. para participar nas negociações.

26. Na sequência de tal carta, o A. deslocou-se à agência do Banco Réu em ( ...) , agora denominado B( ...) , onde lhe terá sido dito, que o Banco agora já não era responsável pelo pagamento,

27. … o que deixou o A. indignado e preocupado,

28. E sem possibilidade de destinar o capital aplicado nas obrigações à construção de uma moradia, como havia planeado, sentindo-se, por isso, nervoso, ansioso e revoltado [ALTERADO].

29. A nível interno, o banco Réu indicava aos seus funcionários que a aplicação em apreço era como um depósito a prazo, ou seja, sem risco.».

E persiste julgado não provado:

«a) No circunstancialismo referido nos pontos 9 e ss., foi transmitido ao pai do autor que o prazo da aplicação era de 10 anos, ou seja até maio de 2016, e que o valor da aplicação era de € 50.000,00, referindo que era como se de um depósito a prazo se tratasse,

b) … bem lhe foi dito que se tratava de uma aplicação com rentabilidade assegurada.

c) Segundo a informação prestada pelo ora Reu, a aplicação financeira em causa, seria sempre integralmente reembolsada pelo banco na data do vencimento do produto, ou seja Maio de 2016, ou,

e) Na deslocação ao banco, referida no ponto 21 dos factos provados, foi o A. informado, pelo referido funcionário, que a aplicação que o seu pai tinha feito se tratava de um produto que tinha todas as características de um depósito a prazo, com juros semestrais bastante atrativos,

f) … que o capital investido e respetivos juros, estaria integralmente garantido á data do vencimento, ou quando ele assim o entendesse e sem qualquer limite ou condição.

g) Foi ainda garantido e assegurado ao A. que o produto em causa se tratava de uma aplicação segura, sem qualquer risco e de capital garantido,

h) … pelo que o A. poderia continuar com a aplicação, recebendo os respectivos juros semestrais, bastando para tanto o seu pai fazer a cedência do capital ao ora A.,

i) Mais lhe foi dito, pelo referido funcionário, que o capital e juros, na data de vencimento da aplicação financeira, lhe seria integralmente reembolsado, ou a qualquer altura, desde que avisasse a agência com a antecedência de três dias.

j) O funcionário do banco, ora Réu não transmitiu ao A. qualquer outra informação acerca da natureza do produto “Obrigações S( ...) 2006”, para além de afiançar a ausência de risco e perdas de capital.

k) Tais informações foram dadas ao autor na presença do seu pai, J (…), tendo o A. ficado convencido de que se trataria de um produto bastante rentável dada a seriedade que depositava na instituição, motivo pelo qual o ora autor manteve a aplicação e não levantou o capital e respetivos juros conforme lhe havia sido transmitido dessa possibilidade, bem como,

l) Nesta senda, o A. ficou convicto da garantia da aplicação em causa, e em momento algum o banco Reu o alertou para qualquer risco, face ao que lhe tinha sido dito e garantido.

m) O funcionário do réu referido no ponto 21, bem sabia que o A. não pretendia realizar qualquer operação financeira que colocasse em causa o capital investido, situação que lhe foi expressamente transmitida por este.

n) Mais sabia que também o A. não tinha qualificação ou formação técnica que lhe permitisse conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, exceto se lho explicassem devidamente, o que também não aconteceu, antes pelo contrário, também garantiu sempre o pagamento.

o) O A. nem sabia quem ou o que era a S(…), e sempre julgou que a designação constituía uma mera denominação de uma conta a prazo.

p) O A. estava convicto de que a aplicação que havia sido cedida era uma conta a prazo.

q) Se o A. supusesse que a aplicação se tratava de um produto de risco nunca teria aceite a sua cedência, mas antes teria o seu pai levantado o capital como era aliás a sua vontade.

r) No circunstancialismo referido no ponto 26, foi dito ao autor que a responsável pelo pagamento era a G ( ...) (ex S( ...) ) e que, o A. devia reclamar o seu crédito no processo de revitalização que a G (…) apresentara.

s) Se o A. tivesse tomado conhecimento que o produto que lhe foi apresentado, não era de capital garantido, ou mesmo que, apresentava algum risco, teria levantado o capital e respectivos juros na data em que foi feita a cedência do capital pelo seu pai, conforme possibilidade que havia sido dada pelo banco.

t) O A. tem andado num permanente estado de nervosismo, preocupação, ansiedade, stress e revolta por ter sido enganado por uma instituição financeira e pelos funcionários desta, em quem depositava confiança, receando perder todo o dinheiro contido na aplicação,

u) … facto esse que lhe tem causado insónias e muitas noites sem dormir.».

C) Matéria de direito

1. - Da obrigação de indemnizar do intermediário financeiro

1.1. - Na fundamentação jurídica da sentença recorrida, focada na qualificação da relação contratual pela qual ocorreu a inicial aquisição dos títulos em causa (obrigações subordinadas S (…) 2006) como traduzindo um contrato em atividade de intermediação financeira, por via do qual a instituição bancária habilitada (B(…)) promoveu a venda das identificadas obrigações, no âmbito de uma ligação contratual com o pai do A. (investidor), concluiu-se, porém, que o aqui demandante “adquiriu as referidas obrigações, em virtude de uma cedência efetuada pelo seu pai, a si”, âmbito em que (transmissão de pai para filho) o banco não exerceu qualquer atividade de intermediação financeira.

Refere o Tribunal a quo:

«O banco réu, limitou-se aqui a dar cumprimento a uma vontade a um cliente seu (pai do A.) de transmitir um ativo de que era titular a uma outra pessoa.

Termos em que, somos de entendimento que, nesta situação, em que o banco não agiu como intermediário financeiro, não se impunha ao Réu, o cumprimento dos “supra” aludidos deveres de informação, pelo que, não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade pela omissão de informação prestada ao A. relativa à aplicação financeira transmitida.

De resto, atenta a matéria de facto dada como provada, não se vislumbra que o banco tenha agido em violação do princípio da boa-fé contratual.

Pelo mesmo motivo, e não estando em causa a subscrição de um produto financeiro junto do banco réu, na qualidade de intermediário financeiro, não é aqui aplicável, o regime previsto no DL 446/85.

De igual forma, não se logrando demonstrar ter havido pelo banco réu, qualquer violação dos deveres de informação decorrentes da atividade de intermediação financeira para com o A., não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade civil contratual, improcedendo, igualmente, o pedido indemnizatório formulado a esse título, por não verificados os seus pressupostos legais.

Face ao exposto, as pretensões do Autor, terão, forçosamente de improceder.».

Ora, pode concorda-se que, no âmbito específico da dita transmissão/cessão (já em novembro de 2009) de pai para filho (do pai do A., enquanto inicial investidor, para este, enquanto cessionário das obrigações subscritas/adquiridas por seu pai), os factos provados não mostrem uma concreta intervenção do banco R. que possa configurar autónoma atividade de intermediação financeira (cfr. factos 21 e segs.).

Na verdade, apenas vem provado que o pai do A., acompanhado deste último, se dirigiu ao balcão da agência do R., informando pretender “levantar o dinheiro aplicado por forma a dá-lo ao seu único filho, ora A., tendo sido atendidos pelo funcionário J S ( ...) ”, altura em que, todavia, ocorreu a cessão de todas as obrigações para o A. (factos 21 e 22), por (mera) vontade de um cliente seu de transmitir um ativo de que era titular a outra pessoa.

E nem os factos provados mostram, por outro lado, que tenha havido nesse momento (novembro de 2009) qualquer violação de deveres de informação, ou outros, decorrentes da atividade de intermediação financeira.

Por isso, julgou o Tribunal recorrido improcedente a pretensão indemnizatória fundada em violação de tais deveres, com o que, porém, não se conforma o Apelante.

Este invoca agora, para tanto, que nesse mesmo momento o banco R. assegurou e garantiu ao A. que se tratava de capital garantido e sem risco, pelo que podia optar pela cedência, como veio a ocorrer, traduzindo um assumir de responsabilidade, para além de não ter sido entregue, nessa altura, qualquer documentação com a informação do produto.

Ora, esta invocação não tem respaldo na prova, a não ser quanto à ausência de entrega de especificação/folheto informativo, à não leitura de qualquer documento ou explicação do seu conteúdo e à não entrega de qualquer cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas S( ...) 2006 (facto 23).

Já quanto àquela garantia, a factualidade alegada a respeito consta do quadro fáctico não provado:

«e) Na deslocação ao banco, referida no ponto 21 dos factos provados, foi o A. informado, pelo referido funcionário, que a aplicação que o seu pai tinha feito se tratava de um produto que tinha todas as características de um depósito a prazo, com juros semestrais bastante atrativos,

f) … que o capital investido e respetivos juros, estaria integralmente garantido à data do vencimento, ou quando ele assim o entendesse e sem qualquer limite ou condição.

g) Foi ainda garantido e assegurado ao A. que o produto em causa se tratava de uma aplicação segura, sem qualquer risco e de capital garantido,

h) … pelo que o A. poderia continuar com a aplicação, recebendo os respectivos juros semestrais, bastando para tanto o seu pai fazer a cedência do capital ao ora A.,

i) Mais lhe foi dito, pelo referido funcionário, que o capital e juros, na data de vencimento da aplicação financeira, lhe seria integralmente reembolsado, ou a qualquer altura, desde que avisasse a agência com a antecedência de três dias».

Mas a não entrega nesse momento (o momento da cedência) de especificação/folheto informativo, a não leitura de qualquer documento ou explicação de conteúdo e a não entrega de cópia de clausulado (designadamente cláusulas contratuais gerais) sobre as obrigações, são justificáveis, se bem vemos, por não se estar então em fase de contratação entre banco e investidor, mas antes de cedência unilateral pelo investidor (subscritor das obrigações) a terceiro.

A fase negocial e de contratação para subscrição/aquisição (pelo pai do A.) já tinha ocorrido anteriormente, altura em que devia ser prestada pelo intermediário financeiro a informação legalmente exigida ao investidor, pelo que esse capítulo da contratação estava encerrado, apenas se tratando depois, como visto, da unilateral cessão pelo investidor a terceiro, que, por isso, se limitava a ingressar na posição contratual do cedente ou na titularidade do respetivo crédito, sem qualquer nova vinculação contratual (do cessionário) com a contraparte, apenas cabendo ao outro contraente consentir na transmissão ou, a entender-se que o caso é de transmissão de crédito, aceitá-la ou, ao menos, ser dela notificado (cfr. art.ºs 424.º e 583.º, n.º 1, ambos do CCiv.).

Não era, pois, exigível então a dita prestação informativa, a não ser que o banco tivesse optado por prestá-la de novo – o que não se prova in casu –, situação em que ficaria obrigado a um dever de informação exata e completa, com as legais consequências, mormente no discutido plano indemnizatório.

Não obstante, volta-se o A./Apelante, no seu acervo conclusivo, para o momento da inicial contratação (pelo seu pai), como se retira da leitura das conclusões 24 e segs., aquela que ocorreu em abril de 2008, quando o seu pai investiu os € 300.000,00 em “Obrigações S( ...) 2006”, tal como retratado nos pontos 8 a 15 dos factos provados.

E é aqui que invoca o Recorrente que os factos provados mostram claramente a intervenção do banco como intermediário financeiro perante o pai do A., enquanto investidor/adquirente das obrigações, no que tem razão.

Na verdade, nesse momento – abril de 2008 – o banco atuou na veste de intermediário financeiro ([4]), atraindo o seu cliente (pai do A.) a investir os seus € 300.000,00 naquelas obrigações, como realmente investiu, o que não teria feito sem a intervenção do R., que o chamou à sua agência para o efeito e o convenceu à vinculação contratual, em tão elevado montante patrimonial.

E também é verdade que o A. ingressou na posição que lhe foi transmitida por seu pai ([5]), com referência ao investimento efetuado, através de uma substituição de sujeitos num dos lados da relação estabelecida, tornando-se credor, termos em que é de admitir que ao A. assistem, efetuada a transmissão, os direitos e deveres que cabiam ao respetivo transmitente.

E é aqui que, de acordo com factualidade oportunamente alegada e no perspetivado âmbito provado, o A./Recorrente vem invocar a violação, ao tempo da inicial vinculação, do dever de informação pelo banco, enquanto intermediário financeiro, perante o investidor seu cliente (o transmitente para o A., em cuja posição este ingressou por força da cessão realizada).

Cabe, então, visto o material fáctico alegado e provado, verificar se, nesta perspetiva, ocorreu violação daquele dever de informação pelo banco, tudo no contexto relacional invocado nos autos.

Ora, na sequência da impugnação da decisão de facto, esse quadro factual foi, como visto, alterado pela Relação, estando provado que, para convencer o investidor (o pai do A.) a vincular-se – aplicando, de uma só vez, um capital de € 300.000,00, e não menos –, a referida Dr.ª A ( ...) , funcionária do banco, gerente de agência e gestora de conta do pai do A. (como tal, pessoa em quem aquele depositava a máxima confiança), lhe disse – prestando-lhe conselho – que tinha uma aplicação muito atrativa para ele, com uma taxa de juros semestrais favorável e com o capital garantido pelo próprio banco [factos 10 e 13].

Mais se provou, significativamente, que:

- foi prestada a informação ao cliente/investidor de que, caso não quisesse esperar pela data do vencimento do produto, teria disponibilidade do capital quando assim o entendesse, se viesse a necessitar dele, avisando a agência com uma antecedência de dois ou três dias ou, no máximo, uma semana, sem lhe explicar que tal só sucederia mediante transmissão das obrigações a outro investidor, caso houvesse interessado, e não por restituição do capital antes do final do prazo de dez anos [facto 10.-A];

- a dita funcionária do banco sabia que o cliente (pai do A.) não tinha formação técnica suficiente que lhe permitisse conhecer os diversos produtos financeiros e avaliar, por isso os riscos de cada um deles, exceto se lho explicassem devidamente [facto11], o que não ocorreu;

- e tinha ela conhecimento de que o cliente/investidor não estaria interessado em aplicar o seu dinheiro em qualquer produto que envolvesse risco, nomeadamente a possibilidade de perder capital [facto 12];

- foi só perante a descrição de se tratar de produto com capital garantido pelo banco, com juros, que o pai do A. – pessoa com apenas a 4.ª classe, sem conhecimentos nas áreas económicas e com perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro –, confiando no aconselhamento prestado pela funcionária do banco, bem como na seriedade e idoneidade do mesmo, assentiu em investir o montante de € 300.000,00 em “Obrigações S( ...) 2006” [factos 13 a 15];

- posteriormente, o pai do A., acompanhado do filho, dirigiu-se ao banco, informando pretender levantar o dinheiro aplicado por forma a dá-lo ao A., tendo sido atendido e convencido, em vez disso, a ceder as obrigações que havia subscrito ao filho, o que veio a ocorrer [factos 21 e 22].

Não foi prestada informação ao cliente (pai do A.), ao tempo da vinculação, nem este disso se apercebeu, como leigo na matéria, que se obrigava quanto a um produto financeiro subordinado, como o eram as ditas obrigações S( ...) 2006.

E ainda vem provado que, internamente, o banco – sendo a sociedade emitente do produto (S(…)) então detentora do B (…) (banco intermediário financeiro) – indicava aos seus funcionários que a aplicação/produto financeiro em causa era como um depósito a prazo, sem risco [factos 29, 10 e 13], como, assim, os depósitos no próprio banco, já que este afirmava, como visto, tratar-se de capital garantido pelo banco.

Quer dizer, as orientações e comunicações internas/superiores existentes no B(…), por este transmitidas aos seus funcionários nos respetivos balcões para cumprimento/observância, consistiam na afirmação da segurança e solidez da aplicação financeira em causa, assegurando que tinha um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio banco.

Assim, o pai do A. vinculou-se no convencimento de estar a investir numa boa aplicação, sem risco e com elevada rentabilidade.

Não pretendia aquele aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, o que era do conhecimento da funcionária do R. que com ele contactava (sua gestora de conta, em quem confiava), conhecedora do seu perfil conservador no que toca a aplicações do seu dinheiro, bem como sabia que, sendo pessoa com baixo grau de escolaridade, não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os respetivos riscos.

Perante este quadro fáctico apurado, não poderá, naturalmente, rejeitar-se liminarmente a imputação de se ter apresentado o banco R. como garante do pagamento daquele dinheiro/capital, pois que foi nessa veste que, declaradamente, se apresentou na negociação face ao cliente (pai do A.), através da respetiva gestora de conta, pessoa da máxima confiança daquele, mas ao serviço, logicamente, dos interesses do banco comercializador e, reflexamente, da sociedade emitente, a tal banco ao tempo umbilicalmente ligada.

Mas também quanto à matéria de não violação pelo intermediário financeiro dos deveres de prestação informativa a que estava adstrito o banco comercializador não poderemos acompanhar a perspetiva do Tribunal a quo.

Vejamos.

Desde logo, cabe notar que estamos perante relacionamento contratual em que de um lado está um banco, um profissional apetrechado no âmbito da sua atividade comercial, e do outro alguém posicionado, inicialmente, ao nível de um mero consumidor de produtos bancários/financeiros (mesmo se chamado ao estatuto de investidor), pessoa sem qualificação ou formação técnica quanto a tais produtos da complexa órbita financeira (por vezes até, como no caso, com baixo nível de escolaridade), o que logo mostra o existente desequilíbrio (significativo) de posições negociais, com marcado deficit de conhecimento/preparação do cliente (apesar de investidor, mas não qualificado) face à contraparte (intermediário financeiro), para além da sua ausência de contacto (e de conhecimento) da entidade emitente das obrigações ([6]).

Depois, não pode esquecer-se a relação, já enraizada entre as partes (o cliente e o seu banco), em que o pai do A. depositava grande confiança na sua gestora de conta, funcionária do banco que o ajudava (ou devia ajudar) nas suas necessidades de informação/esclarecimento (ou mesmo conselho), num âmbito até de proteção da contraparte, quanto a matérias técnicas que não dominava, como é o caso das aplicações financeiras – de inegável complexidade para o mero leigo, mormente se de baixo nível de escolaridade –, confiança essa a não poder ser traída, sob pena de ainda maior resultar o desequilíbrio de posições negociais das partes, com mais cavado deficit para o cliente impreparado e eventuais resultados danosos para a sua esfera patrimonial.

Em anteriores casos similares ao destes autos, temos vindo a aderir ao entendimento no sentido de o banco intermediário financeiro se encontrar investido no dever de “prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sobretudo perante um investidor não qualificado, e (…) as respeitantes a riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (art. 312º, nº 1, a), do CVM – alínea e) actual – e nº 2)” na medida em que sempre lidou com o cliente indicando-lhe ou dando-lhe a entender que era uma aplicação segura, com capital garantido no final da maturidade, como bem sabia não suceder, como de facto e infelizmente não sucedeu.

Podendo acontecer que, suportado ou alicerçado no conjunto de informações que lhe foram transmitidas, acerca da natureza e características do produto em causa – que se revelam não verdadeiras, por um lado, e omitindo os riscos da aplicação, por outro – e em desrespeito pelos deveres legais de boa-fé, diligência e lealdade e do dever de informação, o cliente tenha subscrito a aplicação, na convicção de se tratar de um produto seguro, de capital garantido, sem risco e, como tal, equivalente a um depósito a prazo no seu banco proponente (era este, in casu, o entendimento criado pelo banco aos seus trabalhadores bancários, através das diretivas/indicações internas que lhes fazia chegar, e que estes observavam nos seus postos de trabalho, assim envolvidos, mesmo que, eventualmente, sem consciência sua, numa expansão mercantil agressiva de produtos financeiros).

Nesta perspetiva, será possível concluir, em função das circunstâncias concretas, pela presença de conduta violadora de obrigações e deveres a cargo do intermediário financeiro e que dessa violação possa resultar a obrigação de indemnizar os danos causados, “seja ao abrigo do disposto no artigo 762.º, n.º 2, do CC, donde se exige às partes que actuem de boa-fé na execução do contrato, seja ao abrigo do artigo 227.º, n.º 1, no momento prévio à formação do contrato, donde se exige que as partes contratantes procedam segundo as regras da boa-fé”, na conjugação com o disposto no art.º 314.º, n.º 1, do CVM ([7]), sendo “determinante reter que, já na sua redacção originária (…), decorria do nº 2 do referido art.º 314º que «A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação». Com efeito, a responsabilidade do intermediário financeiro a que alude o artigo 314º do CVM, apresenta-se desde logo (embora não exclusivamente) como uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo artigo 798º do CC, sendo a causa de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos, definido no artigo 75º, nº 1 do regime jurídico das instituições bancárias, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31-12” ([8]).

Podendo acrescentar-se (na senda desta corrente jurisprudencial do STJ) que a declaração do Banco, segundo a qual «estava assegurado o reembolso do capital e dos juros, não comportando qualquer risco», interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais fixados no art. 236.º, n.º 1 do CC e que remetem para a percepção do declaratário médio ou normal, significa a assunção de um compromisso perante o cliente, segundo o qual o investimento não comportaria riscos para o capital investido e de garantia ao cliente do reembolso do capital, implicando assim uma assunção de responsabilidade. Neste sentido também se orientou o acórdão deste Supremo Tribunal, de 10-01-2013, (proc. n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1), relatado pelo Conselheiro Tavares de Paiva, segundo o qual «(…) trata-se de um quadro negocial, a que seguramente não é alheio todo o relacionamento contratual de confiança existente entre a autora e o banco Réu desenvolvido ao longo dos anos e que num contexto negocial do tipo do que vem provado, à própria luz do art. 236 nº 1 do CPC, não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual por parte do banco réu para com a autora traduzido precisamente naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados activos financeiros.)» (…)

A confiança do cliente, investidor não qualificado, nestas informações, deve ser protegida pela ordem jurídica, sob pena de se minar o valor colectivo da segurança jurídica.

Neste caso, sendo o prestador das informações um Banco, a questão da responsabilidade coloca-se com mais acuidade. O dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações e que induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé, pois o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objectivamente possuem (…).

As modalidades de responsabilidade civil aqui em causa são a responsabilidade civil pré-contratual ou culpa in contrahendo (art. 227.º do CC), porque nos preliminares do contrato o Banco informou o autor que estava garantido o retorno, e a responsabilidade civil contratual porque o Banco violou o compromisso assumido no acordo feito com o cliente (garantia de restituição do capital e dos juros) e executou o contrato, violando os deveres de boa fé (art. 762.º do CC)» ([9]).

E temos admitido, para casos similares, que:

«Relativamente ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade contratual decorrente do acordo de garantia do capital e de juros feito com o cliente, tem-se por verificada a ilicitude (atenta a violação do dever de informação e da garantia do capital e de juros) e a culpa (que se presume nos termos do art.º 799.º, n.º 1 do CC e 314º, n.º2 do CVM). Quanto ao nexo causal entre o facto e o dano, este não só se deve ter por abrangido pela presunção do art.º 799.º, n.º 1 do CC (…), como se encontra amplamente provado. Como tem salientado a jurisprudência, atendendo ao disposto no art.º 563º do CC, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano (…) está demonstrado quando em face dos sobreditos factos podemos concluir que se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, os autores não teriam investido naquelas aplicações (…).

Com efeito, resulta com clareza que caso os deveres de informação tivessem sido devidamente cumpridos os autores não teriam realizado tal aplicação de capital e, assim, não teriam sofrido os riscos e prejuízos subsequentes. Não se pode, pois, acompanhar o réu quando alega que a causa da desvalorização (e assim do prejuízo) foi a nacionalização do réu (ou de forma ainda mais abrangente a crise financeira de 2008), pois o prejuízo dos autores decorre da informação enganosa prestada. Assim, a inobservância dos deveres de informação pelo banco réu na aquisição dos produtos financeiros em causa, torna-o responsável pelos prejuízos causados aos autores, nos termos do art.º 314.º, n.º 1 do CVM.» ([10]).

Ora, cabe ainda dizer que, além dos mencionados arestos, esta Relação se vem pronunciando reiteradamente sobre a matéria ([11]) e até sobre casos semelhantes ao dos presentes autos, inclusive nesta mesma Secção.

Assim, o Ac. TRC de 12/09/2017, Proc. 821/16.2T8GRD.C1 (Rel. Moreira do Carmo), em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se (no relevante para o caso):

«(…) 5.- Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente assumir também o reembolso do capital investido;

6.- Provando-se que a gerência do Banco propôs aos AA uma aplicação financeira - a aquisição de obrigações da S (…) - com garantia do capital investido a que os AA deram a sua anuência, por se tratar de um produto comercializado pelo B (…) (detido a 100% pela referida S (…) em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido e rentabilidade assegurada, o Banco é responsável pelas obrigações assumidas no compromisso com o cliente: o reembolso do capital investido e os juros;

7. Além desta responsabilidade contratual, existe também responsabilidade pré-contratual por parte do Banco, em consequência da violação dos deveres não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no art. 304º, nº 1 e 2, do CVM, como sejam os ditames da boa fé, elevado padrão de lealdade e transparência, como também da violação dos deveres de informação a que aludem os arts. 7º, nº 1, e 312 nº 1, ambos do CVM, assim fazendo incorrer o banco réu na responsabilidade, a que alude o art. 314º, nº 1 do mesmo código, sendo certo, também, que o Banco não ilidiu a presunção legal de culpa do nº 2 do citado art. 314º (…), constituindo-se por essa via, igualmente, na obrigação de indemnizar os danos causados aos AA.».

Também, do mesmo modo, o Ac. TRC de 12/09/2017, Proc. 986/16.3T8GRD.C1 (Rel. Luís Cravo), em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:

«1 - Tendo o Banco intervindo como intermediário financeiro na comercialização das Obrigações ajuizadas [ S( ...) rendimento mais 2004 e S( ...) 2006], tinha ele, ao tempo dos factos, o primário e essencial dever de prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos nas operações a realizar [cf. art. 312º, al. a) do CVM …].

2 - Decorre do nº 2 do art. 314º do CVM, na mesma redacção, que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.

3 - Sendo certo que sujeito responsável pela indemnização em causa será o dito intermediário financeiro, pois que, não obstante a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido» ([12]) ([13]).

Não se vê razão, diga-se desde já, para discordar do posicionamento jurídico dos arestos citados (mormente, os do STJ e do TRC, diversos destes proferidos nesta mesma Secção e pelos aqui subscritores).

Pelo que, por economia de meios e em coerência, se adere ao enquadramento jurídico explanado nesses arestos antes citados.

O aqui A./Apelante sustentava o seu recurso, desde logo, na empreendida impugnação da decisão da matéria de facto, âmbito em que pretendia, como visto, que fosse dada como provada extensa matéria julgada não provada na sentença em crise, referente, essencialmente, ao relacionamento pré-contratual e contratual entre as partes, matéria essa com relevo para a condenação pretendida (em reversão da absolvição proferida na 1.ª instância, com que não se conforma o Recorrente).

E, como já visto, procedeu em parte aquela impugnação da decisão de facto, com a consequente alteração ao factualismo julgado provado.

Por isso, assentando o fundamento jurídico recursivo também naquela pretendida alteração da matéria de facto, de cuja alcançada concretização, na conjugação com a demais factualidade provada, emerge ter sido transmitida/veiculada garantia concreta pelo banco intermediário ao cliente (o pai do ora A./Apelante) aquando da vinculação por este quanto às obrigações (“subordinadas”) mencionadas (“S(…) 2006”), bem como não ter o R./Apelado, enquanto intermediário financeiro, apresentado à contraparte um quadro informativo exato e completo, o qual era necessário e legalmente imposto para uma decisão livre e esclarecida desta ([14]), antes lhe oferecendo informação errónea quanto às caraterísticas do produto – ao assegurar que era um produto sem risco, com garantia do capital pelo próprio banco, omitindo, pois, a necessária explicação quanto a tratar-se, como se tratava, de obrigações subordinadas, com os consequentes riscos, no concurso de credores, em caso de insolvência da entidade emitente/devedora  –, assim logrando obter dela a vinculação negocial que doutro modo (se na disponibilidade de um quadro informativo exato/verdadeiro/esclarecedor) não alcançaria, posto que se apurou que o cliente/investidor, se tivesse sido informado – como lhe era devido – e percebido que estaria a dar ordem de compra de obrigações subordinadas, cujo reembolso do capital não era garantido pelo B(…), não se teria vinculado em tal investimento, consegue o Apelante (cessionário das obrigações e respetivo crédito) alcançar as bases necessárias para a reversão do proferido e impugnado juízo absolutório.

Donde, ante o que vem provado – já antes explicitado –, que se deva ter por presentes, salvo todo o devido respeito por diverso entendimento, os fundamentos de facto e de direito para uma decisão condenatória, no tocante à existência de obrigação indemnizatória, ademais fundada em autorizada doutrina e jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, que, como visto, repetidamente se têm pronunciado sobre casos semelhantes.

Ocorre, pois, comprovação de violação pelo banco R., enquanto intermediário financeiro ([15]), de importantes deveres de informação – ou até de conselho – a que estava adstrito em sede de responsabilidade pré-contratual e contratual invocadas, matéria que, por demais desenvolvida na jurisprudência citada – para a qual se remete, nos trechos supra transcritos –, seria fastidioso aqui repetir.

As exigências da boa-fé negocial e de execução contratual – postulando a adoção de uma conduta honesta, correta e leal, mormente em casos, como o dos autos, de acentuado desequilíbrio de posições negociais e de forte deficit informativo de uma das partes (cliente leigo) perante a outra (banco) – e os deveres de informação e proteção da confiança do cliente (o pai do ora A./Apelante), também a cargo do R./Apelado – enquanto banco intermediário financeiro, interveniente na negociação (o interlocutor do pai do A.) nesse âmbito e emitente de informações –, impunham que este, dispondo, por sua vez, de um quadro de informação exato/adequado/coerente, o facultasse – sem omissões ou inexatidões/distorções – a tal seu cliente, para que este pudesse decidir de forma esclarecida e verdadeira/adequada.

Não o tendo feito, violou os deveres de informação que lhe competiam, não correspondendo às exigências da boa-fé objetiva no relacionamento com o cliente, o qual foi levado a decidir, em prejuízo dos seus interesses, perante um quadro erróneo que lhe foi transmitido.

Quadro erróneo esse conhecido do banco R./Apelado, tal como conhecia o perfil conservador do cliente, que acabou aliciado a adotar, investindo fortemente (e com decorrentes grandes perdas), um produto financeiro que merece, no contexto dos autos, a qualificação de aplicação de risco ([16]), na convicção, que lhe foi suscitada, de inexistência de tal risco, por lhe ter sido informado que se estava num plano de segurança financeira, garantido pelo próprio banco, como se fosse similar ao de um depósito a prazo – o R. sempre assegurou que a aplicação não comportava risco, havendo menção de garantia (que, na realidade, não existia) quanto ao (reembolso integral do) capital investido, gerando, assim, no cliente a convicção plena, mas errónea, na segurança dessa aplicação.

Ora, o pai do A./Apelante, caso soubesse – se tivesse sido esclarecido adequadamente, e não foi – que se tratava de produto de risco, nesta perspetiva, e que o capital não era garantido pelo banco (então B (…) e hoje B(…)), jamais o autorizaria, só podendo, pois, concluir-se que foi enganado, posto até que era do conhecimento da gerente da agência do R. que não era intenção daquele investir em produtos de risco e que lhe foi assegurado que se movia num campo sem risco de perda do capital, aliás muito elevado, de € 300.000,00.

Donde que haja de concluir-se – como na jurisprudência citada – que o R./intermediário financeiro já tinha, ao tempo, o dever básico, a que não correspondeu, de prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (cfr. art.º 312.º, n.º 1, do CVM).

Ora, se é certo que a culpa do intermediário financeiro se presume quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais, designadamente se originado pela violação de deveres legais de informação, tal culpa é in casu até uma culpa grave – como tal, efetiva –, por se ter provado que o R., através da sua funcionária (gerente da agência e gestora de conta do cliente), no âmbito de contrato de intermediação financeira, propôs ao cliente (pai do A.) a aquisição do produto financeiro mediante prestação de informação inexata/distorcida relativamente à garantia (de reembolso) do capital investido e decorrente ausência de risco (de perda), impondo-se, pois, a conclusão de que a conduta do banco é violadora das mais elementares exigências da boa-fé negocial, quanto à indeclinável conduta honesta, correta e leal perante os seus clientes ([17]).

Quanto ao nexo de causalidade relativamente ao intermediário financeiro (banco), apurado que está que o pai do A., enquanto cliente/investidor, não autorizaria a subscrição de um produto de risco, sem capital garantido pelo banco (ante a possibilidade de perda do capital), também deve concluir-se, face ao disposto no art.º 563.º do CCiv., pela verificação do nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano ocorrido (se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, com esclarecimento da real e cabal natureza/características da aplicação, aquele cliente, que não aceitava correr riscos financeiros, não teria investido naquele produto financeiro e, por consequência, não perderia, por esta via, o elevado capital investido).

Assim, o R./Apelante, enquanto intermediário financeiro interveniente na operação, responde pela indemnização do dano, não obstante a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilizar em primeira linha a entidade emitente do produto, posto que a responsabilidade é extensiva àquele intermediário financeiro se, no relacionamento contratual desenvolvido com o cliente, assumiu em nome desse relacionamento também o reembolso do capital investido ([18]).

Quanto à questão interpretativa, que usualmente é suscitada em casos como este, concorda-se com a jurisprudência citada: a declaração do R., segundo a qual estava assegurado o reembolso do capital (capital garantido pelo banco), não comportando qualquer risco, interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais fixados no art. 236.º, n.º 1 do CC e que remetem para a perceção do declaratário médio ou normal, significa a assunção de um compromisso perante o cliente, segundo o qual o investimento não comportaria riscos para o capital investido e de garantia ao cliente do reembolso do capital, implicando assim uma assunção de responsabilidade, um compromisso contratual do banco para com o cliente, em que este confiou, no sentido de garantir o reembolso do capital aplicado, confiança essa – da parte fragilizada na negociação (cliente/investidor não qualificado, em posição deficitária de informação) – a dever ser protegida ([19]).

2. - Da exceção da prescrição

Na sentença, pelo seu cariz absolutório, considerou-se, em coerência, prejudicada a matéria de exceção da prescrição.

Agora, porém, ante o sentido contrário da decisão recursiva, importa apreciar essa matéria de exceção, sabido estabelecer a lei (cfr. art.º 324.º, n.º 2, do CVM) que, salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócios em que haja intervindo nessa qualidade, prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos.

No caso dos autos, já se viu que o R./Apelante agiu com culpa grave, sendo que o prazo de prescrição do art.º 324.º, n.º 2, do CVM, não se aplica quando o intermediário financeiro atue com culpa grave, pois que em tal caso é aplicável o prazo ordinário de prescrição (de vinte anos).

Tal é quanto basta, sem necessidade de outras considerações, para se concluir pela improcedência da exceção da prescrição.

Em suma, procedendo a apelação, deve o R. ser condenado na restituição (ao aqui A., enquanto novo credor, por transmissão) do capital em causa (€ 300.000,00), assim procedendo, nesta parte, o pedido principal da ação, o que deixa prejudicado o subsidiariamente peticionado.

3. - Da remanescente fixação indemnizatória

Fixado já o montante do capital a restituir (aqueles € 300.000,00), haverão de acrescer-lhe os peticionados juros moratórios, à taxa supletiva legal de 4% ao ano, contados, porém, desde a citação e até integral pagamento ([20]).

Resta a peticionada indemnização por dano não patrimonial, no montante pretendido de € 5.000,00.

Nesta parte, apurada a conduta ilícita do R. (ao tempo, B (…)), com um verificado dano patrimonial, vem provado, agora quanto ao invocado dano não patrimonial, que o A./Recorrente tem estado impedido de usar o dinheiro aplicado nas obrigações referidas, o que lhe causou indignação e preocupação, bem como, na impossibilidade de destinar o capital aplicado à construção de uma moradia, como havia planeado, sentimentos de nervosismo, ansiedade e revolta (cfr. factos 27 e 28), e o que é compreensível, ante a dinâmica evolutiva dos factos e o elevado montante de capital envolvido.

Porém, não logrou o A. provar outras vertentes do invocado dano não patrimonial, mormente o atingimento da sua saúde (por via de um permanente estado de perturbação).

Ante o quadro fáctico apurado, sugestivo do relacionamento entre as partes, aqueles sentimentos de preocupação, nervosismo, ansiedade e revolta, causados pela impossibilidade de uso do dinheiro aplicado, traduzem já um dano – não patrimonial – com gravidade suficiente para merecer, em termos de reparação/compensação efetiva, a tutela do direito (embora sem o nível de gravidade que teria se tivesse atingido a saúde do lesado).

Tudo ponderado, afigura-se-nos adequado, em equidade (cfr. o disposto nos art.ºs 496.º, n.ºs 1 e 3, 494.º e 566.º, n.º 1, todos do CCiv.), fixar a indemnização ao A. no montante de € 2.000,00.

                                                 ***

IV – Decisão
Pelo exposto, no parcial provimento da apelação, revoga-se a decisão absolutória recorrida, condenando-se – em substituição do Tribunal a quo (art.º 665.º, n.º 2, do NCPCiv.) – o R./Apelado no pagamento, em sede indemnizatória, ao A./Apelante:
a) Do montante peticionado de € 300.000,00 (trezentos mil euros), acrescido de juros moratórios, à taxa supletiva legal de 4% ao ano, contados desde a citação e até integral pagamento;
b) Do montante reparatório, por dano não patrimonial, de € 2.000,00 (dois mil euros).
E absolvendo-se tal R. do demais peticionado.
Custas da ação e do recurso por A./Apelante e R./Apelado, na proporção do respetivo decaimento, dependente de simples cálculo aritmético.

                                                 ***

Coimbra, 12/02/2019

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.


Vítor Amaral (relator)

                    Luís Cravo
Fernando Monteiro

Sumário elaborado pelo relator (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - A violação culposa de deveres indeclináveis de informação a cargo de intermediário financeiro (um banco, parte apetrechada na negociação), no âmbito da atividade bancária, perante cliente investidor não qualificado e em deficit de informação, é fonte de obrigação indemnizatória pelo decorrente dano causado a esse cliente.

2. - Se a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabiliza a entidade emitente do produto, tal não impede que também se constitua em responsabilidade o respetivo intermediário financeiro que, no relacionamento contratual com aquele seu cliente, atue por forma a assumir também o reembolso do capital investido.

3. - Apurado que o banco intermediário financeiro propôs ao cliente, no âmbito da contratação, a aquisição de um produto com margem de risco – que aquele não subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do mesmo –, com a prestação de informação inexata/distorcida de garantia de reembolso do capital investido, em violação de elementares padrões de boa-fé na relação com o cliente, ocorre culpa grave do banco.

4. - Situação que afasta o curto prazo prescricional previsto no art.º 324.º, n.º 2, do CVM, sendo aplicável o prazo ordinário de prescrição (art.º 309.º do CCiv.).

5. - Se aquele cliente investidor transmitiu a terceiro a sua posição contratual/crédito, o que fez junto do banco intermediário, é ao cessionário/transmissário, que se vê, a final, privado do capital investido, que cabe o direito indemnizatório.


([1]) Segue-se, no essencial, por economia de meios, a síntese da decisão recorrida.
([2]) Que se deixam transcritas no aqui relevante.
([3]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([4]) Sendo, pois, já aplicável ao caso o CVM na redação dada pelo DLei n.º 357-A/2007, de 31-10, com entrada em vigor em 01/11/2007 (art.º 21.º desse DLei), estabelecendo, na comparação com a lei anterior, um mais rigoroso e pormenorizado regime de deveres de informação (e sua violação) a cargo do intermediário financeiro – cfr. art.ºs 312.º (com a epígrafe “Deveres de informação”), mormente n.ºs 1, al.ªs d) e e), e 2, 312.º-A, n.º 1 e segs., 312.º-B a 312.º-F, 313.º e 314.º.
([5]) Quer se perspetive o caso como de transmissão da posição contratual (art.ºs 424.º e segs. do CCiv.) ou apenas de um crédito (art.ºs 577.º e segs. do mesmo Cód.).
([6]) Como referido no Ac. TRP de 30/05/2018, Proc. 2382/17.6T8VNG.P1 (Rel. Aristides Rodrigues de Almeida), em www.dgsi.pt: «As obrigações são instrumentos financeiros que representam um empréstimo contraído junto dos investidores pela entidade que as emite (…). O adquirente das obrigações (obrigacionista) torna-se credor da entidade emitente do instrumento do valor representado pelo título, tendo o direito de que o valor que empresta seja, posteriormente, reembolsado, normalmente acrescido de um prémio ou um rendimento periódico (o juro), nos termos estipulados na data da emissão do valor mobiliário em questão. // Na negociação das obrigações deparamo-nos normalmente com uma dupla relação. A relação entre o investidor e a instituição financeira ao balcão da qual as obrigações são negociadas, a qual é essencialmente uma relação de informação geradora da vontade de ordenar a aquisição do instrumento e da obrigação da sua aquisição por conta do ordenante. E a relação entre o investidor e o emitente da obrigação que é essencialmente uma relação de crédito, ao fazer surgir entre o obrigacionista e o emitente uma relação creditícia por força da qual este é devedor e aquele é credor do valor representado pelo título das obrigações. // Se o banco não for ele mesmo o emitente das obrigações, o obrigacionista não é credor do banco. Não é ao banco que pode exigir o reembolso do empréstimo obrigacionista, apesar de ter sido a este que dirigiu a ordem de aquisição das obrigações. Tal direito tem de ser exercido contra o emitente das obrigações e só este responde pela satisfação do mesmo. Do banco, o obrigacionista apenas pode exigir responsabilidade (leia-se: uma indemnização) pelos danos que a actuação de intermediação financeira do banco lhe tenha causado».
([7]) Dispondo o seguinte, na redação aplicável: «O intermediário financeiro deve solicitar ao cliente informação relativa aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo de instrumento financeiro ou ao serviço considerado, que lhe permita avaliar se o cliente compreende os riscos envolvidos». E acrescenta o n.º 2: «Se, com base na informação recebida ao abrigo do número anterior, o intermediário financeiro julgar que a operação considerada não é adequada àquele cliente deve adverti-lo, por escrito, para esse facto».
([8]) Cfr. o Ac. STJ de 17/03/2016, Proc. 70/13.1TBSEI.C1 (Cons. Maria Clara SottoMayor), www.dgsi.pt, salientando-se ainda a seguinte passagem: «Trata-se de uma modalidade de responsabilidade civil que se situa numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, e que aqui qualificamos como responsabilidade contratual, aplicando-se em consequência o regime do art. 799.º do CC.(…) / A culpa na responsabilidade contratual presume-se, nos termos do art. 799.º do CC. Esta norma, segundo Menezes Cordeiro, contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa. ««Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa»» (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5.ª Edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 431-432). Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente a ««falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade»»» (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, ob. cit., p. 432). Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado. O responsabilizado só se liberará se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de excusa (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, ob. cit., p. 433). No domínio do direito bancário, a relação entre o Banco e o cliente é uma relação particular, em que as partes são levadas a confiar uma na outra. Sobretudo, o sujeito que se encontra na posição de cliente não profissional, e que não tem formação nem experiência na área financeira, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, ainda mais vulnerável, sobretudo, se as primeiras aplicações produziram rendimentos e ele é assim induzido a confiar ainda mais no produto. Gera-se assim uma situação em que os envolvidos descuram a preocupação de obter informações, pelos seus próprios meios. Esta realidade humana deve ser tutelada pelo Direito e, por isso, se cria uma situação que dá azo a obrigações específicas de informar a cargo do Banco, fruto de responsabilidade obrigacional, no caso de inobservância. (…)».
([9]) Cfr. o já citado Ac. STJ de 17/03/2016.
([10]) V. Acs. TRC, de 15/05/2018, Proc. 4019/16.1T8VIS.C2, e de 12/06/2018, Proc. 4394/16.8T8VIS.C2, com os mesmos aqui Relator e Exm.ºs Adjuntos, o primeiro deles disponível em www.dgsi.pt e o segundo, ao que se crê, ainda inédito.
([11]) Já no Ac. TRC de 09/10/2012, Proc. 1432/09.4T2AVR.C1 (Rel. Arlindo Oliveira), em www.dgsi.pt, se elegia o seguinte sumário: “Se as informações prestadas por um banco são inexactas, incompletas ou falsas e foram causais da celebração de um acto ou contrato, então terá aquele de ser responsabilizado pelos danos que assim causa, quer por via contratual quer extra-contratual”.
([12]) Ainda no mesmo sentido, para além do Ac. TRC de 23/01/2018, Proc. 3246/16.6T8VIS.C2 (Rel. Luís Cravo), em www.dgsi.pt, os seguintes arestos desta Relação: Ac. TRC de 16/01/2018, Proc. 3906/16.1T8VIS.C1 (Rel. Fonte Ramos), www.dgsi.pt, onde se concluiu que: «1. Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda ao intermediário financeiro (Banco), se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente assumir também o reembolso do capital investido e juros. // 2. Além desta responsabilidade contratual, existe responsabilidade pré-contratual por parte do Banco, em consequência da violação dos deveres não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro - nomeadamente os princípios orientadores consagrados no Código dos Valores Mobiliários (CVM), como sejam os ditames da boa fé, elevado padrão de lealdade e transparência -, como também da violação dos deveres de informação, assim fazendo incorrer o Banco Réu na responsabilidade prevista no art.º 314º, n.º 1 do CVM (…), sendo que, não ilidida a presunção de culpa do n.º 2 do mesmo art.º, incorre por essa via, igualmente, na obrigação de indemnizar os danos causados aos clientes (AA.).»; e Ac. TRC de 23/01/2018, Proc. 4327/16.1T8VIS.C1 (Rel. Fernando Monteiro), em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «1.O Banco intermediário financeiro tinha o dever de prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, nomeadamente as respeitantes aos riscos envolvidos nas operações a realizar (…). // 2.- A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação. // 3.- Provando-se que o Banco propôs ao autor uma aplicação financeira com garantia do capital investido e que este aceitou a mesma, nesse pressuposto e por se tratar de um produto comercializado pelo próprio Banco, este é responsável pelo compromisso assumido com o cliente. // 4.- Actua com culpa grave aquele Banco que oculta informação e desconsidera grosseiramente o perfil do cliente, que conhece há vários anos, colocando-lhe um produto financeiro que este não subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto. // 5.- O prazo de prescrição do art. 324º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, não se aplica quando o intermediário financeiro atue com culpa grave.».
([13]) Cfr., por fim, no mesmo sentido, o Ac. TRP de 11/04/2018, Proc. 984/17.0T8PNF.P1 (Rel. Carlos Querido), www.dgsi.pt – e demais jurisprudência ali citada –, com o seguinte sumário: «I- Provando-se que no âmbito de um contrato de intermediação financeira os funcionários do banco propuseram aos clientes a aquisição de um produto financeiro, prestando informação falsa relativamente, quer à equiparação do produto financeiro ao depósito a prazo, quer à garantia de reembolso do capital investido, haverá que concluir que a conduta do banco é violadora das mais elementares exigências da boa fé e da lealdade devidas aos seus clientes, previstas no artigo 304.º do CVM. // II- No contexto factual referido, o banco agiu com culpa grave, sendo por essa razão inaplicável o reduzido prazo prescricional previsto no n.º 2, do artigo 324º do CVM, antes se aplicando o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, previsto no artigo 309º do CC. // III- Conforme vem entendendo a jurisprudência, face ao disposto no art.º 563º do CC, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado aos autores está demonstrado quando, face à factualidade provada, podemos concluir que se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, os AA. não teriam investido naquele produto financeiro.».
([14]) Estamos no âmbito de um relacionamento intuitu personae, onde a qualidade das partes é essencial, com indeclináveis deveres de lealdade, correção e honestidade entre os contraentes, mormente da parte apetrechada relativamente à parte débil a nível informativo, para que o interesse contratual desta não resulte desnecessariamente frustrado, designadamente por quebra de expectativas/confiança suscitadas e defraudadas – não pode aqui esquecer-se a informação oferecida de se tratar de aplicação com garantia de reembolso (reembolso do capital garantido pelo próprio banco).
([15]) Papel atribuído – e bem – na sentença e que as partes não questionam, matéria em que, assim, inexiste controvérsia.
([16]) Tratava-se de “Obrigações subordinadas S (…) 2006”, com o inerente risco acrescido, decorrente de tal “subordinação”, em caso de insolvência, de si sempre possível em qualquer ramo da atividade humana, sem se poupar o próprio “mundo da finança” (como o mostra a história recente, de crise financeira, nacional e internacional), da entidade emitente – posição de inevitável desfavor dos credores subordinados no concurso face aos demais (pagamento apenas depois dos credores comuns). Ao que acresce, tratando-se de “obrigações”, a ausência de uma garantia como a decorrente, para os depósitos bancários, do Fundo de Garantia de Depósitos (já então existente e atuante).
([17]) Cfr. o aludido Ac. TRP.
([18]) A fonte da obrigação indemnizatória radica, assim, desde logo, na grave violação de deveres indeclináveis de informação à contraparte em posição de deficit informativo, com atropelo à boa-fé objetiva, ocasionando o dano ocorrido, pois que, se os deveres de informação (e até de esclarecimento e conselho) houvessem sido cumpridos, como se impunha, o dano não teria ocorrido, posto que o cliente não arriscaria no negócio que se veio a mostrar danoso. É esta, pois, a basilar causa geradora da responsabilidade do intermediário financeiro.
([19]) Tendo o Recorrente junto dois pareceres jurídicos, reproduzimos aqui o que foi escrito, a respeito, no recente Ac. TRC de 15/05/2018, Proc. 2339/16.4T8LRA.C1, em que foi Relatora a Exm.ª Desembargadora Maria João Areias e o aqui Relator foi 2.º Adjunto (aresto, ao que se crê, ainda inédito): «Quanto aos pareceres juntos (…), dispensamo-nos de qualquer análise mais aprofundada dos mesmos, porquanto, o primeiro, da autoria de António Pinto Monteiro, chegando a referir “que não há qualquer dever geral por parte do banqueiro de prestar informações”, nega a violação dos deveres de informação por parte do B( ...) , e o segundo, da autoria António Menezes Cordeiro, nem sequer se reporta à responsabilidade do intermediário financeiro, sendo que, ambos os pareceres são emitidos à margem das especificidades do caso em apreço, tendo sido emitidos para serem juntos a todos os processos respeitantes à responsabilidade do B( ...) pelo não reembolso dos credores obrigacionistas S( ...) 2006».
([20]) Apenas vem provado ter sido convencionado que seriam pagos juros semestrais e que tal pagamento ocorreu, até maio de 2015 [factos 10 e 24], desconhecendo-se o ocorrido posteriormente, sem esquecer, ademais, o disposto no art.º 805.º, n.ºs 1 e 3, do CCiv..