Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
40/11.4TASRE.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
APRECIAÇÃO DA PROVA
VALOR PROBATÓRIO
REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM
Data do Acordão: 05/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 127.º DO CPP
Sumário: I - Na apreciação e valoração da prova produzida em julgamento, a lógica resultante da experiência comum não pode valer só por si. Efectivamente, a realidade do quotidiano desmente muitas vezes os padrões de normalidade, que não constituem regras absolutas.

II - De outro modo, seríamos conduzidos, a coberto de um suposta “normalidade”, resultante da “experiência comum”, para um sistema de convenções apriorísticas, equivalente a uma espécie de prova tarifada, resultado que o legislador não quis e que a própria razão jurídica rejeita, pois equivaleria à definitiva condenação do princípio da livre apreciação da prova.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO:

Nestes autos de processo comum que correram termos pelo Tribunal Judicial de Soure, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferida sentença absolvendo o arguido A... da prática de 3 crimes de injúria, p. p. pelo art. 181º do Código Penal, bem como dos pedidos de indemnização formulados pelas demandantes B... , C... e D....

Inconformadas, as assistentes e demandantes B... e C... interpuseram recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1ª - Pela douta sentença proferida nos autos à margem identificados, a Mm. Juiz a quo julgou improcedentes, por não provados, quer a acusação, quer os pedidos de indemnização civil, e em consequência, absolveu o arguido de uma de outros, por se entender aí que os factos considerados provados não preenchem os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime injúrias (art. 181°, do Cod. Penal), tal como não integram os requisitos do direito indemnizatório, tal como não integram os requisitos do direito indemnizatório.

2ª - As recorrentes desde já se opõem frontalmente ao resultado interpretativo da prova produzida em julgamento pelo douto tribunal, pelos motivos que em seguida se invocará.

3ª - A decisão recorrida errou no julgamento da matéria de facto ao decidir como decidiu os factos não provados nas alíneas A), B), C), D), E), F), G), H), I), e J).

4ª - A esse respeito, devem ser modificados, sendo que os meios probatórios que impõem esta modificação decisória, quanto aos pontos supra são: Declarações do arguido A... (veja-se declarações do arguido, da audiência de julgamento de 19/09/2012, o qual se encontra gravado no sistema Halibus Media Studio, gravadas de 10:24:54h a 11:12:53h; Declarações da assistente B... (veja-se declarações/depoimento da assistente, da audiência de julgamento de 19/09/2012, o qual se encontra gravado no sistema Halibus Media Studio, gravadas de 11 :15:17h a 11 :48:34; Declarações da assistente C... (veja-se declarações/depoimento da assistente, da audiência de julgamento de 19/09/2012, o qual se encontra gravado no sistema Habilus Media Studio, gravadas de 12:01 :06h a 12:46:55h); Declarações da assistente D... (veja-se declarações/depoimento da assistente, da audiência de julgamento de 19/09/2012, o qual se encontra gravado no sistema Habilus Media Studio, gravadas de 12:48:09h a 13:24:21 h); Declarações da testemunha F... (veja-se declarações/depoimento da testemunha F..., da audiência de julgamento de 25/09/2012, o qual se encontra gravado no sistema Habilus Media Studio, gravadas de 09:41 :37h a 10:22:59h); Declarações da testemunha E... (veja-se declarações/depoimento da testemunha E..., da audiência de julgamento de 25/09/2012, o qual se encontra gravado no sistema Habilus Media Studio, gravadas de 10:23:44h a 11 :07:29h).

5ª - Na versão do arguido este nega ter proferido as expressões que são imputadas pelas assistentes, pese embora assuma ter entrado em confronto verbal com as mesmas, começando por dizer que "no dia 23 de Fevereiro do mesmo ano, por volta das 15 horas elas entraram as duas lá para casa ... e eu tinha sinalizado com a minha advogada que falasse para a minha sogra com educação para não estar lá, porque era chato, por causa da confusão do divórcio. Fui a casa, não as via, fui ao primeiro andar, estavam lá num quarto com a porta encostada. Eu abri a porta, não entrei no quarto e disse assim precisamente: Ouça lá você está aqui a fazer o quê? Você não tem casa para estar? Não sabe que isto anda complicado e vem para aqui complicar mais as coisas? A filha disse: a minha mãe precisa de apoio. Se precisa de apoio vai dá-lo em casa dela"; "Eu vi-as entrar, estava num terreno e vi-as a entrar, e esperei um bocado e fui ver e estavam as duas deitadas na cama as duas".

6ª - Salvo o devido respeito, sem prejuízo da tensão existente entre o arguido com a assistente C..., mercê do divórcio, a versão do arguido afigura-se pouco consentânea com as regras da normalidade social e da experiência comum, pois apesar quer o arguido, quer as assistentes e demais testemunhas inquiridas terem negado a existência de qualquer conflito anterior entre o arguido e a assistente B..., o certo é que o não poderá o Tribunal a quo, salvo melhor opinião, concluir que da parte do arguido esse conflito inexista, até porque o próprio arguido, apesar de dizer que pretendia "evitar ao máximo o conflito" afirma que "depois do divórcio já não estava bem disposto a aceitar essas maneiras de ser não é, porque eu não tenho de governar a minha sogra ela é reformada, tem a vida dela, eu estive dois anos a viver com o meu multibanco, as duas", "eu tinha que ter paciência para aguentar o frete"

7ª - A versão apresentada pelo arguido quanto à sua intervenção, não poderá lograr convencer o Tribunal da respectiva correspondência com a realidade, tanto mais que não se afigura minimamente compatível com a normalidade do acontecer, face à situação verificada. Perdoe-se-nos a sinceridade, mas perece-nos que toda a brilhante "montagem" de cenários levada a cabo pelo arguido, ofuscaram a verdade que sempre esteve presente.

8ª - Como não se convenceu o douto Tribunal a quo, dar como provado a matéria constante nas alíneas A), B), C), D), E), F), H), I, J) da sentença de que se recorre, perante as declarações/depoimentos das assistentes e testemunhas supra transcritos?

9ª - Das declarações da assistente B..., supra transcritas, decorre, sem margem para dúvidas, que o arguido, quando a mesma se encontrava no quarto deitada na cama com a filha, a assistente C..., após ter aquele aberto a porta se dirigiu a estas dizendo em "Tom rijo", "eu não quero aqui putas em minha casa, já da minha casa para fora, sua vagabunda, o que é que você vem fazer p'ra minha casa, sua vagabunda, sua pelintra, sua puta, eu vou buscar uma espingarda e acabo com esta merda toda; eu não quero putas aqui em casa, nem porcas, nem vagabundas; fora com as putas da minha casa para fora, não quero aqui vagabundas, nem porcas nem putas; putas, porca; pelintras que nem uma casa de banho tem"; que nessa altura a assistente C... se encontrava a falar ao telemóvel "quando eu estava deitada na cama, a minha filha estava ao telefone não sei com quem"; "ao telemóvel".

10ª - Das declarações da assistente C..., supra transcritas, decorre, sem margem para dúvidas, que o arguido, quando a mesma se encontrava no quarto deitada na cama com a mãe, a assistente B..., após ter aquele aberto a porta se dirigiu a estas dizendo num tom alto e agressivo "sua cabra, o que é que está a fazer naquilo que é meu, sua puta ... eu não quero nem putas nem cabras na minha casa, não quero cá putas; Isto aqui é meu, caralho, não quero aqui putas nem cabras; sua pelintra de merda para a minha mãe, tão pelintra e tão reles que nem uma casa de banho tem; pelintra, sua cabra, sua puta, se tivesse vergonha não vinha a minha casa; tu já não passas aqui o Natal, não tem aqui nada minha cabra de merda; levantei-me de repente ele desceu a escada a baixo sempre a repetir as mesmas coisas, e eu ao telemóvel com a senhora E...; já estava a falar com ela quando ele foi ao quarto", que se levantou e fui a trás do arguido "vim atrás dele e ela veio ouvindo a conversa sempre, a D. E... telefonou para outras vizinhas"; "Ele ficou lá no terraço':' "ele disse também quando estava lá a chamar os nomes a mim e á minha mãe, disse eu vou buscar a espingarda e dou um tiro nesta merda e acabo com isto tudo".

11ª - Das declarações da assistente D..., supra transcritas, decorre, sem margem para dúvidas que, "nesse dia estava em casa da D. F...com o meu marido e recebi um telefonema da D. E... a dizer para ir a casa da C... que o A... a estava a tratar mal a ela e á mãe e vim por ali acima".

12a - Do depoimento da testemunha F..., supra transcrito, decorre, sem margem para dúvidas que, "a D... estava ao pé de mim, recebe um telefonema da D. E...; eu ouvi bem o que a E... disse, que corresse ela se pudesse porque estava a ouvir para lá uns barulhos muito grandes com palavrões a insultar a D. C... e a D. B...; que ele lhe estava a chamar putas, cabras, ordinárias e reles, pronto e mais outros palavrões, que dizia outros palavrões".

13a- Do depoimento da testemunha E..., supra transcrito, decorre, sem margem para dúvidas que ligou à assistente C... e quando estavam a conversar "deparo-me com a voz do senhor José de forma agressiva a questionar o que é que você está aqui a fazer naquilo que é meu, vá daqui para fora, sua vagabunda, pelintra, não quero putas nem cabras aqui em minha casa, e tu minha cabra sais daqui para fora porque estás aqui uns dias apenas, não é como tu pensas, assim de uma forma muito agressiva. Vagabunda, porca, cabra, não quero putas nem cabras aqui na minha casa, naquilo que é meu, isto aqui é meu, e proferia também um palavrão que eu não sei se posso dizer, que é oh caralho, vão para o caralho, isto é meu caralho, disse isto repetidamente, muitas vezes", que na altura do telefonema as assistentes C... e B... estariam "no quarto", e que perante essa situação "pensei logo em ligar á D...ou à D. F...no sentido de irem lá prestar ajuda, liguei à D...que por acaso estava em casa da D. F...e disse olhe aconteceu isto assim assim, eu ouvi isto, por favor vá lá ver o que é que entretanto pode acontecer. Pronto e a D...disse não te preocupes que eu vou já para lá que eu até estou aqui em casa da Ti F..., mas vou já para cima".

14a - As declarações das assistentes B... e C..., não se relevando absolutamente coincidentes em todos os aspectos relatados, apresentam um fundo comum, relativamente ao qual revelaram coerência e objectividade. Aliás, sempre cumpre referir que de estranhar seria que, volvidos quase 2 anos sobre a data/prática dos factos, as assistentes se recordassem exactamente e de forma estritamente coincidente da globalidade do evento. Se assim fosse, naturalmente que sempre o Tribunal se veria confrontado com a possibilidade de percepcionar os respectivos discursos como preparados e destituídos de genuidade. As pequenas contradições entre as declarações prestadas em audiência não versam sobre o núcleo central do acervo táctico imputado ao arguido, mas em pontos circunstanciais. Aliás será de desconfiar se tudo batesse certo, mesmo o mais ínfimo pormenor.

15ª - Ora, pela nossa parte, temos por líquido que a prova produzida em audiência, conjugada com a restante prova constante dos autos, impunha que se desse como provados - e não como não provados - os factos aludidos em A), B), C), O), E), F), H).

16ª - Como não se convenceu o douto Tribunal a quo, dar como provado a matéria constante nas alíneas I) e J) da sentença de que se recorre, perante as declarações/depoimentos das assistentes e testemunhas supra transcritos?

17a - Ora, ouvidas na sua integralidade as declarações do arguido, das assistentes e os depoimentos das referidas testemunhas, contacta-se que eles são unânimes numa circunstância: a de que o arguido proferiu as expressões constantes na douta acusação, expressões essas dirigidas às assistentes B... e C..., mostrando­se coincidentes no núcleo central do acervo fáctico imputado ao arguido.

18a - Relativamente à circunstância de a testemunha E... se encontrar ao telefone com a assistente C..., quando se iniciou o evento em causa, sempre se dirá que o mesmo é confirmado pelas declarações da assistente D... e pelos depoimentos das testemunhas F... e E..., o que alias explica a deslocação da assistente D... ao local.

19ª - Atenta a natureza das expressões utilizadas, é francamente mais conforme com as regras da experiência comum que o arguido tenha usado as expressões em causa, no seio da discussão por si travada, com intenção de numa forma aguerrida e intensa de ofender a honra e consideração das assistentes B... e C....

20ª - O que nos leva a concluir pela razoabilidade face às regras da experiência comum que o art. 127°, do Cód. Penal manda atender na apreciação da prova, que o arguido proferiu tais expressões com intenção de ofender a honra e consideração das assistentes, o que conseguiu. Bem como que o arguido estava ciente que tal não lhe era permitido.

21ª - Das declarações da assistente B..., supra transcritas, decorre, sem margem para dúvidas que ficou tão nervosa, "que até hoje nunca mais tive saúde, porque nunca ninguém me tratou tão mal, nunca ninguém me chamou puta nem porca nem nada, de nada; fui sempre respeitada em toda a minha vida; fiquei muito magoada por me terem chamado esses nomes, só me apetece é chorar, chorar muito, muito mais na cama, quando me lembra; nunca mais esqueço; assustei-me muito, assustei-me muito, assustei-me", sentiu-se ofendida na sua honra e consideração e bom-nome "senti vergonha, muita, muita vergonha de me estarem a chamar assim nomes; nunca mais passa; a minha filha chorava".

22ª - Das declarações da assistente C..., supra transcritas, decorre sem margem para dúvida que "sinto que nunca mais fui a mesma pessoa, senti-me enxovalhada, a minha dignidade suja, ao chamar-me puta e cabra, nunca fui, nunca mais fui a mesma, tenho ido várias vezes ao médico, a minha mãe chega a ligar-me á uma hora da noite para saber se eu estou viva ou morta, com medo, e a dizer-me que não está bem, tenho ido várias noites para os Covões com a minha mãe; ele diz que qualquer dia faz uma asneira, já tudo tem medo".

23ª - Do depoimento da testemunha F..., supra transcrito, decorre sem margem para dúvidas que as assistentes B... e C... estavam "lavadas numa lágrimas, a D. B... branca como a cal, que nunca tinha sido na vida dela tão enxovalhada, tão insultada, e a D. C... da mesma forma, nervosas as duas, muito nervosas"; que se sentiram "muito ofendidas, muito, muito, ninguém as parava a chorar, nervosas, a tremer, a D. B... tremia toda, pronto, parece elas estavam ali muito, pronto, parece elas que tinham esquecido da vida toda e só se lembravam daquelas palavras; A D. B... foi sempre uma pessoa respeitada, sempre, não tinha nada, ninguém tinha nada para lhe apontar em toda a vida; nunca ninguém lhe faltou ao respeito; sempre foi muito trabalhadora ".

24ª- Do depoimento da testemunha E..., supra transcrito, decorre sem margem para dúvidas que as assistentes B... e C... se sentiram "muito ofendidas, a C... deixou de ser a mesma pessoas, perdeu o amor próprio, não queria sair de casa, muito triste; a forma de estar na vida mudou e eu questionava e ela dizia assim: olha filha então agora até puta sou, até cabra sou, sinto que as pessoas olham para mim, tenho vergonha de ir á rua; ela ficou muito ofendida e não consegue dar a volta; isola-se em casa, perturbações do sono, teve de fazer, faz medicação para dormir durante a noite, o amor próprio dela, a auto-estima, ela sair á rua sente, sente que as pessoas olham para ela, porque na aldeia estes assuntos são muito badalados; a D. B... também deixou de querer ir a minha casa, diz que sentia vergonha, que aquela terra para ela não fazia grande sentido ir lá, muito triste também".

25ª- Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo julgou incorrectamente os referidos factos, porquanto em relação aos mesmos foi produzida prova. Ao contrário do mencionado na douta sentença recorrida, as declarações das assistentes, e das referidas testemunhas mostram-se precisos e objectivos e coincidentes, tendo sido relatados os factos com genuidade, devendo merecer credibilidade. Por outro lado, o depoimento das testemunhas F... e E..., mostra-se coincidente com as declarações prestadas pelas assistentes, as quais foram peremptórias ao reproduzir com objectividade e precisão as expressões que o arguido A... se lhes dirigiu. E por outro lado, a versão apresentada pelo arguido quanto à sua intervenção, não poderá lograr convencer o Tribunal da respectiva correspondência com a realidade, tanto mais que não se afigura minimamente compatível com a normalidade do acontecer, face à situação verificada.

26ª- Efectivamente, toda a matéria carreada nos autos sofre do vício de unilateral exame crítico.

27ª- De toda a matéria pelas recorrentes ora vertida para vosso douto suprimento, mais que a assertividade com que o Tribunal a quo remeteu para uma não concordância absoluta no libelo acusatório, alicerçando a sua convicção na não produção de prova bastante que contraditasse a versão do arguido, outrossim deveria ter chegado a outro resultado probatório se imbuído em concordância com os elementares princípios constitucionais e direito penal.

28ª - A experiência "comum" exigiria, para não conferir credibilidade á versão das assistentes factos circunstanciais imprescindíveis, sozinhos ou cumulativamente que permitissem constatar sem margem de dúvida duas realidades com alcance muito distinto.

29ª- Desvalorizar essas provas, designadamente afirmando, no que se refere às assistentes, as versões que apresentaram revelaram-se pouco concretizadas e contraditórias entre si, e que o Tribunal não ficou persuadido da circunstância de que a assistente C... e a testemunha E... estavam ao telefone quando se iniciou o evento em causa, assim dando como não provados os factos referidos em A), B), O), E), F), H), I) e J), o Tribunal a quo errou notoriamente na apreciação da prova produzida e violou as normas do artº, 127°, do Cód. Proc. Penal.

30ª- Existe erro notório na apreciação da prova quando, considerado o texto da decisão recorrida, por si, ou conjugado com as regras de experiência comum, se evidencia um erro de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum ou do jurista com preparação normal. Ocorre o vício, quando se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica normal, revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados entre si, ou entre os provados e os não provados, ou traduzam uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, insustentável, e por isso incorrecta.

31a- Assim, tendo havido documentação da prova produzida em audiência, deve ser alterada de forma a ser dada como provada toda a matéria de facto constante das mencionadas alíneas, que aí se deu como não provada (art°. 431°, al. b), do Cod. Proc. Penal).

32a - Face às regras da experiência comum, a tudo o que se disse e ao quadro fáctico dos autos, não pode, deixar de concluir-se que o arguido cometeu os crimes de que foi acusado.

33a - Desta forma, resulta que o exame crítico às provas, além de deficiente, assenta em premissas erradas, ou pelo menos duvidosas. Isto na medida em que o Tribunal a quo enumerou os meios de prova que serviram para formar a sua convicção, mas cujo conteúdo por si valorado e pressuposto está em desconformidade com o verdadeiro conteúdo ou pressuposto dos meios de prova.

34a- A sentença encontra-se inquinada pelo vício do art. 410°, n.º 2, al. c), do Cod. Proc. Penal - um claro erro notório na apreciação da prova.

35a- A sentença recorrida incorreu em diversos erros notórios na apreciação da prova e erros de julgamento da matéria de facto, violando as mais elementares regras da experiência comum e os princípios do direito probatório, bem como em erro de julgamento da matéria de facto, devendo a matéria ser modificada, considerando-se provados os referidos factos nos termos propugnados.

36a - Entendemos, deste modo, que a prova produzida é consistente para se dar como provado:

- Nas circunst6ncias descritas em 1. dos tectos provados o arguido tenha entrado para o interior do quarto, dirigindo-se às assistentes proferindo as seguintes expressões: "O que é que você está aqui a fazer na minha casa?! Não quero aqui nem putas nem cabras, saiam daqui para fora suas putas. Não quero cá putas em minha casa, saiam fora da minha casa suas putas': sendo que isso mesmo resulta das declarações prestadas pelas assistentes na sessão de audiência de julgamento de 19/0912012 (gravadas no sistema integrado de gravação digital de 11:15:17h a 11:48:34h, de 12:01:06h a 12:46:55h, e de 12:48:09h a 13:24:21 h), e do depoimento das testemunhas F... e E... prestado na sessão de audiência de julgamento de 25/09/2012 (gravadas no sistema integrado de gravação digital de 09:41 :37h a 10:22:59h e de 10:23:44h a 11 :07:29h).

- O arguido se tenha dirigido a B... dizendo: "Isto é meu caralho! Sua pelintra, sua puta, sua porca, vagabunda, vai para o caralho, vai para aquilo que é teu", sendo que isso mesmo resulta das declarações prestadas pelas assistentes na sessão de audiência de julgamento de 19/09/2012 (gravadas no sistema integrado de gravação digital de 11 :15:17h a 11:48:34h, de 12:01:06h a 12:46:55h, e de 12:48:09h a 13:24:21h), e do depoimento das testemunhas F... e E... prestado na sessão de audiência de julgamento de 25/09/2012 (gravadas no sistema integrado de gravação digital de 09:41 :37h a 10:22:59h e de 10:23:44h a 11 :07:29h).

- O arguido se tenha dirigido a C... dizendo: UE tu minha cabra, vais estar aqui poucos dias, não é como tu pensas, oh caralho! Isto é meu caralho!", sendo que isso mesmo resulta das declarações prestadas pelas assistentes na sessão de audiência de julgamento de 19/09/2012 (gravadas no sistema integrado de gravação rngital de 11: 15: 17h a 11 :48:34h, de 12:01 :06h a 12:46:55h), e do depoimento da testemunha E... prestado na sessão de audiência de julgamento de 25/09/2012 (gravado no sistema integrado de gravação digital de 10:23:44h a 11:07:29h).

- Tais expressões tenham sido proferidas repetidamente e em voz alta, de forma séria e de modo a serem ouvidas por todos os que aí se encontravam ou passassem na rua, sendo que isso mesmo resulta das declarações prestadas pelas assistentes na sessão de audiência de julgamento de 19/09/2012 (gravadas no sistema integrado de gravação digital de 11 :15:17h a 11 :48:34h, e de 12:01 :06h a 12:46:55h), e do depoimento da testemunha E... prestado na sessão de audiência de julgamento de 25/09/2012 (gravado no sistema integrado de gravação digital de 10:23:44h a 11 :07:29h).

- Após, o arguido se tenha deslocado para um terraço da residência onde continuou a proferir aquelas expressões, sendo que isso mesmo resulta das declarações prestadas pelas assistentes na sessão de audiência de julgamento de 19/09/2012 (gravadas no sistema integrado de gravação digital de 11:15:17h a 11:48:34h, de 12:01:06h a 12:46:55h).

- Nas circunstancias descritas em 1. Da factualidade provada C... se encontrasse ao telefone com E..., sendo que isso mesmo resulta das declarações prestadas pelas assistentes na sessão de audiência de julgamento de 19/09/2012 (gravadas no sistema integrado de gravação digital de 11 :15:17h a 11 :48:34h, de 12:01 :06h a 12:46:55h, e de 12:48:09h a 13:24:21 h), e do depoimento das testemunhas F... e E... prestado na sessão de audiência de julgamento de 25/09/2012 (gravados no sistema integrado de gravação digital de 09:41 :37h a 10:22:59h e de 10:23:44h a 11 :07:29h).

- As referidas expressões tenham sido proferidas repetidamente e em voz alta, sendo que isso mesmo resulta das declarações prestadas pelas assistentes na sessão de audiência de julgamento de 19/09/2012 (gravadas no sistema integrado de gravação digital de 11 :15:17h a 11:48:34h, de 12:01:06h a 12:46:55h), e do depoimento da testemunha E... prestado na sessão de audiência de julgamento de 25/09/2012 (gravado no sistema integrado de gravação digital de 10:23:44h a 11 :07:29h).

- O arguido tenha agido livre, consciente e deliberadamente, com intenção de ofender a honra, consideração e bom-nome das assistentes, como logrou ofender, sendo que isso mesmo resulta das declarações prestadas pelas assistentes na sessão de audiência de julgamento de 19/09/2012 (gravadas no sistema integrado de gravação digital de 11: 15:17h a 11:48:34h, de 12:01:06h a 12:46:55h, e de 12:48:09h a 13:24:21 h), e do depoimento das testemunhas F... e E... prestado na sessão de audiência de julgamento de 25/09/2012 (gravadas no sistema integrado de gravação digital de 09:41 :37h a 10:22:59h e de 10:23:44h a 11 :07:29h).

- Sabia que as descritas condutas eram ilícitas e criminalmente puníveis e, ainda assim, e não se tenha abstido de as empreender, sendo que isso mesmo resulta das declarações prestadas pelas assistentes na sessão de audiência de julgamento de 19/09/2012 (gravadas no sistema integrado de gravação digital de 11:15:17h a 11:48:34h, de 12:01:06h a 12:46:55h, e de 12:48:09h a 13:24:21h), e do depoimento das testemunhas F... e E... prestado na sessão de audiência de julgamento de 25/09/2012 (gravadas no sistema integrado de gravação digital de 09:41 :37h a 10:22:59h e de 10:23:44h a 11 :07:29h).

37ª- Dispõe o art. 181º, nº 1, do Cód. Penal, parte da norma incriminatória que interessa aos autos "Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhes factos, mesmo sob forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias".

38ª- Elementos constitutivos do tipo objectivo do ilícito criminal em causa são a imputação de um facto, mesmo sob a forma de suspeita, ofensivo da honra de outrem, ou a expressão de palavras, igualmente ofensivos da honra e consideração de outrem, perpetrados de maneira directa, isto é, perante a vítima, bem como a ocorrência da lesão na honra ou consideração da vítima, elementos acrescidos do necessário nexo de causalidade adequada, nos termos previstos no art°. 10º, nº 1, do Cód. Penal, entre o resultado e o comportamento do agente. No que concretamente diz respeito ao tipo subjectivo do ilícito ou, mais correctamente, aos elementos subjectivos do tipo do ilícito, trata-se de um crime essencialmente doloso, a que basta, para uma plena imputação subjectiva, o dolo na sua modalidade de dolo eventual.

39ª- No caso sub judice, dúvidas não poderão restar de que a factualidade preenche todos os elementos descritos no que tange ao arguido.

40ª - Assim, o arguido praticou os crimes p.e p. pelo art. 181°, do Cod. Penal, pelo que, salvo o devido respeito, a douta sentença em crise violou, por erro de interpretação e de aplicação, o disposto nessa norma legal.

41ª- Os pedidos de indemnização civil deduzidos pelas assistentes/demandantes B... e C... foram julgados totalmente improcedentes, na medida em que a sentença recorrida considerou que não resultou da factualidade provada que o arguido tenha praticado os crimes de que vinha acusado, pelo que dando provimento ao presente recurso em matéria penal, deverão ser retiradas as devidas consequências quanto ao âmbito civil em causa.

42ª- Pejo que, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 410°, nº 2, al. c), e 426°, este a contrário, do Cod. Proc. Penal, devem esses factos ser considerados assentes.

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente (…)

            O M.P. respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.

            Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se pela procedência dos recursos.

            O arguido respondeu, pronunciando-se pela manutenção do decidido em primeira instância.

            Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

            Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.

            No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:

            - Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;

            - Erro notório na apreciação da prova;

            - Violação do princípio da livre apreciação da prova;

            - Deficiente exame crítico da prova.

           

                                                           *          *          *         

II - FUNDAMENTAÇÃO:

Na sentença recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos:

1. No dia 23.02.2011, cerca das 16hOO, quando C... e B... se encontravam no quarto da residência da primeira, sita na (...) Soure, surgiu o arguido - ex-cônjuge da assistente C... - que, após abrir a porta, dirigiu às mesmas palavras não concretamente apurada.

2. Após, o arguido saiu do quarto.

3. Advertida por E... para a situação supra descrita, D... dirigiu-se de imediato à residência de C....

4. Aí chegada, D... encontrou o arguido à saída do portão da residência, o qual, ao avistá-la, dirigiu à mesma palavras não concretamente apurada.

DOS PEDIDOS DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL

5. A assistente B... tinha 81 anos de idade à data dos factos.

6. À data dos factos a assistente C... tinha 61 anos, tendo sido casada com o arguido durante cerca de 39 anos, até à dissolução do casamento por divórcio.

7. Após o divórcio o arguido e a assistente C... continuaram a morar na casa de morada de família.

8. À data dos factos a assistente D... tinha 52 anos. Mais se provou que:

9. O arguido não tem antecedentes criminais registados.

10. Aufere cerca de € 660,00 de pensão de reforma.

11. Vive em casa própria, a qual se encontra integralmente liquidada.

12. Despende cerca de € 100,00 por mês em despesas médicas e medicamentosas.

13. De habilitações literárias tem a 4.ª classe.

            Relativamente ao não provado foi consignado o seguinte:

Com interesse para a boa decisão da causa não se provou que:

DA ACUSAÇÃO

A) Nas circunstâncias descritas em 1. dos factos provados o arguido tenha entrado para o interior do quarto, dirigindo-se às assistentes proferindo as seguintes expressões: "O que é que você está aqui a fazer na minha casa?! Vão para aquilo que é vosso! Não quero aqui nem putas nem cabras, saiam daqui para fora suas putas. Não quero cá putas em minha casa, saiam fora da minha casa suas putas. Vou chamar a Guarda. JJ

B) O arguido se tenha dirigido a B... dizendo: "Isto é meu caralho! Sua pelintra, sua puta, sua porca, vagabunda, vai para o caralho, vai para aquilo que é teu. 

C) O arguido se tenha dirigido a C... dizendo: "E tu minha cabra, vais estar aqui já poucos dias, não é como tu pensas, oh caralho! Isto é meu caralho":

O) Tais expressões tenham sido proferidas repetidamente e em voz alta, de forma séria e de modo a serem ouvidas por todos os que aí se encontravam ou passassem na rua.

E) Após, o arguido se tenha deslocado para um terraço da residência, onde continuou a proferir aquelas expressões.

F) Nas circunstâncias descritas em 1. da factualidade provada C... se encontrasse ao telefone com E....

G) O arguido tenha dirigido a D... as seguintes expressões: "O que é que queres daqui puta de merda, sua filha da puta, ordinária, reles. Isto aqui é meu, caralho, filha da puta, cabra. Podes vir. .. Não as tens perdidas ... Hás-de mas pagar. .. Olha o chofer. .. Não tens nada de me tratar por tu. .. Ainda mas pagas hoje!".

H) As referidas expressões tenham sido proferidas repetidamente e em voz alta.

I) O arguido tenha agido livre, consciente e deliberadamente, com intenção de ofender a honra, consideração e bom-nome das assistentes, como logrou ofender.

J) Sabia que as descritas condutas eram ilícitas e criminalmente puníveis e, ainda assim, e não se tenha abstido de as empreender.

DOS PEDIDOS DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL

K) As assistentes sejam pessoas pacíficas e respeitadoras.

L) As assistentes tenham ficado profundamente nervosas e perturbadas com as referidas condutas do arguido.

M) As assistentes B... e C... tenham temido pela sua integridade física e pela sua vida.

N) A assistente D... tenha temido pela sua vida e integridade física, e bem assim, pela vida e integridade física das assistentes B... e C....

O) As assistentes se tenham sentido humilhadas, impotentes, injustiçadas, angustiadas e revoltadas.

P) Tendo sido acometidas por crises de choro intensas e entrado em estado de choque.

Q) Estivessem inúmeras pessoas no local no momento em apreço, o que causou vergonha às assistentes.

R) Os factos se tenham tornado públicos.

S) A assistente B... seja uma pessoa séria e honesta, sendo estimada e respeitada por todos com quem se relaciona.

T) Antes desta situação a assistente B... fosse uma pessoa perfeitamente autónoma e independente, não padecendo de qualquer limitação de ordem física ou psíquica que a impedisse de levar uma vida normal.

U) A assistente B... fosse uma pessoa activa, sendo ela quem confeccionava as refeições, efectuava as limpezas e arrumações da casa, lavava, estendia e engomava a roupa, cuidava do jardim e de uma pequena horta de subsistência, bem como auxiliava e acompanhava diariamente a filha, C..., retirando de tudo isso enorme satisfação, prazer e realização pessoal.

V) Tivesse auto-estima e confiança e fosse extrovertida, sociável, comunicativa e desinibida no relacionamento com os outros.

W) Em virtude da conduta do arguido, a assistente B... tenha deixado de poder desenvolver as actividades domésticas e de lazer a que antes se dedicava.

X) Desde essa data, a assistente B... se sinta profundamente angustiada e infeliz, tendo-se tornado uma pessoa desmotivada, desinteressada pela vida, isolada e introvertida.

Y) A assistente B... apresente um humor instável, baixo e deprimido, tendo uma imagem negativa de si mesma e sentindo-se frustrada.

Z) A assistente B... seja constantemente assombrada por pensamentos negativos em relação ao presente e ao futuro, sendo regularmente confrontada com imagens dos factos, num quadro de autênticos "flash backs", revivendo, recorrentemente tudo o que aconteceu, o que lhe provoca situações de pânico.

AA) A assistente B... viva em constante estado de nervosismo, sobressalto e ansiedade, com medo de que as agressões de que foi vítima possam, a qualquer momento, repetir-se, tendo passado a sofrer de frequentes insónias e pesadelos.

AB) Esta situação tenha provocado na assistente B... sistemáticas crises de choro e grande descontrolo emocional.

AC) A assistente C... seja uma pessoa séria e honesta, sendo estimada e respeitada por todos aqueles com que se relaciona.

AD) Antes desta situação a assistente C... fosse uma pessoa perfeitamente autónoma, activa e independente, não padecendo de qualquer limitação de ordem física ou psíquica que a impedisse de levar uma vida normal, sendo ela quem confeccionava as refeições, efectuava as limpezas e arrumações da casa, lavava, estendia e engomava a roupa, cuidava do jardim e de uma pequena horta de subsistência, bem como auxiliava e acompanhava diariamente a mãe, B..., retirando de tudo isso enorme satisfação, prazer e realização pessoal.

AE) Antes desta situação, a assistente C... tivesse auto-estima e confiança e fosse extrovertida, sociável, comunicativa e desinibida no relacionamento com os outros.

AF) A assistente C... tenha deixado de poder desenvolver as actividades domésticas e de lazer a que antes se dedicava.

AG) Desde essa data, a assistente C... se sinta profundamente angustiada e infeliz, tendo-se tornado uma pessoa desmotivada, desinteressada pela vida, isolada e introvertida, e apresente um humor instável, baixo e deprimido, tendo uma imagem negativa de si mesma e sentindo-se frustrada.

AH) A assistente C... seja constantemente assombrada por pensamentos negativos em relação ao presente e ao futuro e regularmente confrontada com imagens dos factos, num quadro de autênticos "flash backs", revivendo recorrentemente tudo o que aconteceu, o que lhe provoca situações de pânico.

AI) A assistente C... viva em constante estado de nervosismo, sobressalto e ansiedade, com medo de que as agressões de que foi vítima possam, a qualquer momento, repetir-se, passando a sofrer de frequentes insónias e pesadelos.

AJ) Esta situação provoque na assistente C... sistemáticas crises de choro e grande descontrolo emocional.

AK) A assistente D... seja uma pessoa séria e honesta, sendo estimada e respeitada por todos aqueles com que se relaciona.

AL) Antes desta situação a assistente D... fosse uma pessoa perfeitamente autónoma e independente, auxiliando e acompanhando diariamente as assistentes B... e C..., retirando de tudo isso enorme satisfação, prazer e realização pessoal.

AM) A assistente D... tivesse auto-estima e confiança e fosse alegre, extrovertida, sociável, comunicativa e desinibida no relacionamento com os outros.

AN) Desde essa data, a assistente D... se tenha passado a sentir profundamente angustiada e infeliz, tendo-se tornado uma pessoa desmotivada e desinteressada pela vida, apresentando um humor instável, baixo e deprimido, uma imagem negativa de si mesma e sentindo-se frustrada.

AO) A assistente D... seja assombrada por pensamentos negativos em relação ao presente e ao futuro, sendo regularmente confrontada com imagens dos factos, num quadro de autênticos "flash backs", revivendo recorrentemente tudo o que aconteceu, o que lhe provoca situações de pânico e vivendo em constante estado de nervosismo, sobressalto e ansiedade, com medo de que as agressões de que foi vítima possam, a qualquer momento, repetir-se.

AP) A assistente D... tenha passado a sofrer de frequentes insónias e pesadelos.

AQ) Esta situação provoque na assistente D... sistemáticas crises de choro e grande descontrolo emocional.

Consigna-se que não foi considerada matéria conclusiva, de direito ou tida como irrelevante para a boa decisão da causa, designadamente a que se refere à prática de eventuais crimes relativamente aos quais não foi deduzida acusação.

A convicção do tribunal recorrido quanto à matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos:

A convicção do Tribunal em relação à factualidade apurada resultou do confronto crítico entre as declarações que o arguido e as assistentes prestaram em audiência de julgamento, com os depoimentos das demais testemunhas inquiridas, valorados em função das respectivas razões de ciência, hesitações, contradições e certezas demonstradas, tudo analisado à luz das regras da normalidade social, da lógica e da experiência comum.

Concretizando:

Da análise da prova produzida não resultaram dúvidas de que, nas circunstâncias descritas, o arguido e as assistentes se desentenderam, conforme foi admitido por todos os envolvidos e se encontra reflectido no relatório de ocorrência de fls. 152/153, elaborado pela GNR, datado desse mesmo dia.

No entanto, resultaram para o Tribunal sérias dúvidas quanto aos contornos que os aludidos desentendimentos assumiram.

Por um lado, o arguido, não obstante assumir ter entrado em confronto verbal com as assistentes, negou ter proferido as expressões que lhe são por estas imputadas.

Já no que se refere às assistentes, as versões que apresentaram revelaram-se pouco concretizadas e contraditórias entre si, não tendo logrado convencer o Tribunal da sua veracidade, como se passará a explicar.

Com efeito, podemos distinguir dois momentos distintos na dinâmica dos acontecimentos: um primeiro momento, que opôs o arguido às assistentes B... e C..., e um segundo momento que opôs o arguido à assistente D....

Ora, no que se refere ao primeiro momento, a prova apresentada traduziu-se nas declarações do arguido, das assistentes B... e C... e da testemunha E..., com quem alegadamente a assistente C... estaria ao telefone quando o arguido surgiu no quarto.

Antes de mais, importa salientar que o Tribunal não ficou persuadido desta circunstância, isto é, de que a assistente e a testemunha E... estivessem ao telefone quando se iniciou o desentendimento em causa. É que neste particular as versões das assistentes B... e C... não são coincidentes, sendo que a primeira apenas se refere a um telefonema após o arguido sair do quarto. Acresce que a própria C... entrou em contradição a este nível, começando por referir que esse telefonema apenas ocorreu após o arguido abandonar o quarto, para logo de seguida afirmar que já estava ao telefone com a referida testemunha quando o arguido chegou àquele local.

Não foi, no entanto, apenas essa circunstância a suscitar reservas quanto ao aludido telefonema. Na verdade, a mais do que se deixou dito, não denotou o Tribunal espontaneidade e segurança por parte da assistente C... e da testemunha E... na referência que fizeram a esse telefonema, falta de espontaneidade, aliás, bem patente na preocupação que ressaltou do depoimento desta testemunha em, sem mais, explicar a coincidência quanto ao momento da realização do telefonema.

Saliente-se que não se duvida da existência de um telefonema entre a assistente C... e a testemunha E... com referência ao propalado desentendimento, o que explica a deslocação da assistente D... ao local.

O momento em que esse telefonema teve lugar é que não resultou, na perspectiva deste Tribunal, esclarecido, ou seja, não ficou claro que a testemunha tenha efectivamente ouvido o arguido a dirigir quaisquer expressões às assistentes, sendo igualmente admissível que o propalado desentendimento lhe tenha sido posteriormente relatado pela assistente C..., sua amiga. Acresce que, perante a evidência do desconhecimento exacto da hora em que os factos tiveram lugar, também não se afigura possível afastar essa incerteza através de qualquer consulta aos registos telefónicos.

Sob outra perspectiva, sem prejuízo da tensão existente entre o arguido e a assistente C..., mercê do recente divórcio - que, como foi por todos os inquiridos assumido, não correspondeu à vontade da assistente, mas antes a um acto unilateral do arguido - a interpelação do arguido às assistentes, da forma rude e grosseira por estas descrita, afigura-se pouco consentânea com as regras da normalidade social e da experiência comum, sendo certo que tanto o arguido como as assistentes e, bem assim, as testemunhas inquiridas negaram a existência de qualquer conflito anterior entre o arguido e a assistente B..., de modo a explicar semelhante comportamento.

A circunstância de tanto as assistentes, como as testemunhas E... e F... terem reproduzido, de forma quase literal, o teor das expressões alegadamente dirigidas pelo arguido às duas primeiras assistentes não conduz a conclusão diversa, bem pelo contrário. É que se seria normal que as assistentes B... e C... guardassem uma memória viva desta situação, na parte em que as visou directamente, precisamente por terem sido as visadas pela situação, outro tanto não se pode dizer da assistente D..., que não assistiu a este primeiro momento em que se desenvolveram os factos, nem das testemunhas E... e F..., particularmente esta última, que o contacto que teve com a situação foi alegadamente através do que ouviu a testemunha E... dizer à assistente D... através do telefone.

Por último, se bem que se tenha procurado explicar as contradições detectadas entre a versão da assistente B..., desde logo quanto à circunstância de não ter esboçado qualquer reacção às palavras do arguido, como de forma peremptória referiu em audiência, e a versão da assistente C..., que mencionou a existência de uma troca de palavras entre todos, com a idade avançada da primeira, a verdade é que a mesma se apresentou perfeitamente lúcida em Tribunal, pelo que não se vê que exista o alegado fundamento para tais contradições.

Semelhantes reservas merece a versão apresentada pela assistente D... quanto aos contornos dos factos que a envolveram directamente.

Com efeito, a propósito deste desentendimento, o arguido e a assistente D... apresentaram igualmente versões divergentes, nenhuma delas tendo recolhido apoio bastante na demais prova produzida. É que a única pessoa que assistiu a estes factos, e apenas em parte, foi a assistente C..., a qual apenas confirmou que o arguido se dirigiu a D... aludindo a um "chofer", expressão que este confirma ter utilizado, mas já não às demais expressões que D... também referiu que lhe foram dirigidas.

Tal dissonância poder-se-ia eventualmente explicar pela circunstância da assistente C... apenas ter chegado ao local já no decurso dos factos. Sucede que o próprio relevo dado pela assistente D... à expressão "chofer" em detrimento de todas as demais expressões alegadamente usadas pelo arguido, não obstante o inegável carácter pejorativo destas alegadas expressões ("puta", "cabra"), não se afigura compatível com semelhante explicação.

Na formação da convicção do Tribunal ponderou-se ainda a parcialidade revelada pela generalidade das testemunhas relativamente às partes. Com efeito, os inquiridos, em particular as testemunhas de acusação, não conseguiram distanciar-se do posicionamento que assumiram no processo de divórcio que opôs o arguido à assistente C..., deixando transparecer a mágoa que sentem do arguido por este facto, por contraposição à empatia que lhe merece a assistente - sintomático disto mesmo foram os relatos das assistentes B... e D... e das testemunhas E... e F....

Acresce que as únicas testemunhas que revelaram distanciamento e isenção - ademais dos militares da GNR - não assistiram nem tiveram qualquer contacto directo com os factos (é o caso das testemunhas Horácio Branco, José Trigueiro e José Carlos, cujos relatos são compatíveis com qualquer das versões apresentadas, e da testemunha Joaquim dos Santos).

As testemunhas G... e H...o, além de não terem conhecimento directo dos factos, não conseguiram distanciar-se do relacionamento que mantêm com as partes, pelo que também os respectivos depoimentos não lograram trazer outros esclarecimentos acerca dos factos.

Por último, não pôde o Tribunal escamotear a circunstância de, conforme foi atestado de forma espontânea em audiência pelos militares da GNR I... e J..., terceiros desinteressados na causa, o relatório de ocorrência de fls. 152/153 não reflectir o quadro factual descrito pelas assistentes, desde logo ao nível do estado emocional dos envolvidos. Com efeito, como esclareceram os aludidos militares que se deslocaram ao local, caso tivessem sido confrontados de imediato com esse circunstancialismo, tendo notícia das descritas ofensas, o expediente elaborado teria sido necessariamente diverso (in casu, expediente de violência doméstica).

Da conjugação de todos estes elementos ficou, pois, o Tribunal numa situação de dúvida quanto aos reais contornos do sucedido no circunstancialismo vertente, não se antevendo a existência de outros meios de prova susceptíveis de remover essas dúvidas, conduzindo o Tribunal à certeza necessária para a condenação.

Ora, não provados os factos objectivos, nos termos supra expostos, resultaram necessariamente não provados os factos subjectivos, por indissociáveis e dependentes dos primeiros.

Do mesmo modo, também a factualidade atinente ao pedido de indemnização civil, com excepção da idade das assistentes e dos factos relativos ao casamento e divórcio do arguido e da assistente C..., relativamente à qual houve consenso, resultou prejudicada pela falta de prova da factualidade subjacente e que servia de suporte aos danos alegados. Sem prejuízo, também a este nível os relatos apresentados se revelaram frágeis e parciais, denotando uma exacerbação das consequências advenientes das pretensas condutas do arguido nada compatível com a natureza/gravidade dos factos e com o que nos dizem as regras da normalidade social. Aliás, sintomático disto mesmo é a similitude dos danos invocados por todas as assistentes, não obstante a diversidade de situações pessoais em apreço.

A ausência de antecedentes criminais resultou da análise do CRC de fls. 433.

A situação sócio-económica do arguido foi apurada com base nas suas próprias declarações, as quais, neste particular, se revelaram conformes com as regras da experiência comum, não resultando contrariadas por qualquer elemento constante dos autos, pelo que mereceram credibilidade.

                                                           *          *          *

            Vejamos então as questões suscitadas pelas recorrentes, começando pelo suposto vício do erro notório na apreciação da prova.         

            O vício invocado encontra sede legal no art. 410º, nº 2, al. c), do CPP. Conforme resulta do corpo do citado nº 2, aquele, como todos os restantes vícios previstos nas demais alíneas, pressupõe a possibilidade da sua determinação por recurso exclusivo ao texto da decisão recorrida ou através da conjugação desta com as regras da experiência comum sem que se deva admitir, pois, a consulta de outros elementos do processo. Assim, erro notório na apreciação da prova só existirá quando, por recurso exclusivo ao texto da decisão recorrida ou conjugado esse texto com as regras da experiência, “resulte evidente, por não passar despercebido ao comum dos observadores, uma conclusão sobre o significado da prova, contrária àquela a que o tribunal chegou a respeito dos factos relevantes para a decisão de direito” [1]. Contudo, erro notório com o alcance e sentido previsto na norma legal que acabámos de citar, não o vemos na decisão recorrida. As recorrentes vislumbram-no no facto de o tribunal não ter dado prevalência às declarações das assistentes para com base nelas considerar provados os factos que teve por não provados. Simplesmente, essa circunstância não traduz “erro notório”. A valoração da prova não é uma questão numérica, não depende do número de declarações ou depoimentos num sentido ou noutro; depende essencialmente da credibilidade e coerência de quem depõe e dos depoimentos prestados, analisados à luz das regras da experiência comum, sem dúvida alguma, mas com o precioso auxílio da oralidade e da imediação.

A par daquele vício, as recorrentes invocam a existência de erro no julgamento da matéria de facto, a sindicar por recurso à prova gravada. Começam por questionar a versão dos factos apresentada pelo arguido, imputando-lhe uma “brilhante montagem de cenários” que teria ofuscado a verdade, sustentando que essa versão não poderá prevalecer por não se afigurar compatível com a normalidade, face à situação verificada. Simplesmente, a lógica resultante da experiência comum não pode valer só por si. A realidade do quotidiano desmente muitas vezes os padrões de normalidade, que não constituem regras absolutas. De outro modo, seriamos conduzidos, a coberto duma suposta “normalidade” resultante da “experiência comum”, para um sistema de convenções apriorísticas, equivalente a uma espécie de prova tarifada, resultado que o legislador não quis e que a própria razão jurídica rejeita, pois equivaleria à definitiva condenação do princípio da livre apreciação da prova. Diga-se, de todo o modo, que as declarações do arguido em audiência se apresentam como coerentes. Ao longo do prolongado interrogatório a que foi submetido, o arguido manteve sempre a sua versão dos factos, sem abrir qualquer brecha na sua coerência. Em contraponto, as declarações prestadas pelas assistentes enfermam de algumas contradições a que não poderemos deixar de atribuir relevância. Assim, a assistente B... refere que o arguido lhe teria chamado “puta”, tanto a ela como à sua filha, quando deparou com ambas no quarto onde estava deitada, dizendo ainda que ele nunca antes a tinha tratado mal. Refere depois que a sua filha foi atrás do arguido pelas escadas abaixo, explicando que enquanto esteve no quarto, a filha não esteve a falar com ninguém, nas que quando descia as escadas já ia a telefonar. Por seu turno, a assistente C..., confirmando aquele comportamento do arguido, começa por dizer que o arguido, seu ex-marido, já tinha estado no quarto onde a assistente estava com a mãe e já tinha descido as escadas, quando a testemunha E... lhe ligou para o telemóvel, o que teria sucedido num momento em que ia atrás dele pelas escadas abaixo, enquanto o arguido continuava a chamar-lhe nomes. Confrontada com a coincidência do telefonema ter ocorrido nesse preciso momento, “compôs” as suas declarações e apresentou uma versão diferente, dizendo que já estava a falar com a E... quando o arguido chegou ao seu quarto, versão que no entanto é desmentida pelas declarações da sua mãe, de que antes demos conta. A assistente D..., por seu turno, disse que estava em casa da D. F...quando recebeu um telefonema da D. E... a dizer para ir a casa da C..., porque o A... a estava a tratar mal, bem como à mãe. A testemunha E..., no seu depoimento, relatou que estava a conversar ao telefone com a assistente C... e que no decurso da chamada, em determinada altura, ouviu o arguido, cuja voz reconheceu, a proferir expressões que percebeu serem dirigidas tanto à C... como à mãe desta, em tom agressivo, incluindo as palavras “putas” e “cabras”. A testemunha F..., por sua vez, deu notícia de que se deslocou a casa da D. C... e que a encontrou a ela e à D. B... sentadas no terraço, lavadas em lágrimas, muito nervosas, dizendo que nunca tinham sido tão enxovalhadas. Por seu turno, I..., militar da GNR que se deslocou ao local na ocasião a que nos reportamos e que não conhecia qualquer dos intervenientes, relatou que quando chegou ao local, o arguido relatou-lhe que havia um acordo entre ele e a sua ex-mulher no sentido de nenhum dos dois levar ninguém lá para casa e no entanto a ex-mulher tinha levado para lá a mãe. Ainda que o arguido denotasse estar incomodado com essa situação, não verificou qualquer estado de exaltação fosse por parte deste, fosse por parte da sua ex-mulher, que também se encontrava presente, ou por parte de outra senhora que ali se encontrava, assim como na ocasião não lhe foram relatados factos correspondentes a injúrias ou algo similar. Ou seja, o estado de espírito dos presentes na ocasião em que ali se deslocou não era minimamente consentâneo com o relato da testemunha F..., que disse ter encontrado a D. C... e a D. B... sentadas no terraço, lavadas em lágrimas e muito nervosas. A testemunha J..., também militar da GNR e que tal como a testemunha anteriormente referida se deslocou a casa do arguido na ocasião a que se refere a matéria de facto, confirmou aquele depoimento, esclarecendo, tal como o havia feito, aliás, a anterior testemunha, que se tivesse havido relatos de injúrias ou ofensas físicas teriam elaborado expediente de violência doméstica. Apenas elaboraram o relatório da ocorrência porque nada apuraram que justificasse outro tipo de expediente. Referiu a determinado passo que lhe pareceu que a D. C... estava a chorar, mas nem sequer tem a certeza disso (“não lhe sei precisar se estava a chorar”, respondeu a testemunha, perante a insistência sobre o tema).

Que dizer desta prova?

O que o conjunto dos meios de prova produzidos permitem aquilatar é que o episódio relatado teve lugar em data posterior ao divórcio do arguido e da assistente C..., a quem aquele imputa autoritarismo e comportamentos violentos para consigo. O arguido admite a discussão, mas nega as expressões injuriosas. As assistentes, denotando grande animosidade para com ele, relatam o episódio com algumas contradições. Os agentes da GNR que se deslocaram ao local não se aperceberam da existência de um estado de crispação entre os presentes nem recolheram nessa ocasião qualquer denúncia de que tivessem sido proferidas injúrias.

            A Mmª juiz do tribunal a quo, na valoração crítica da prova, deu nota das dúvidas com que se debateu, concluindo pela impossibilidade de ter como assentes todos aqueles factos que relegou para o acervo do não provado. E bem se compreendem essas dúvidas, pois no caso vertente, com os contornos da prova produzida em audiência, a consideração como provados dos factos que as recorrentes pretendem ver assentes implicaria um juízo temerário. De resto, bem vistas as coisas, o que as recorrentes questionam é a livre convicção do tribunal recorrido. O que as recorrentes pretendem, nos termos em que formulam a sua impugnação, é ver a convicção formada pelo tribunal a quo substituída pela convicção que elas próprias entendem que deveria ter sido a retirada da prova produzida, esquecendo, no entanto, que fora dos casos de renovação da prova em 2ª instância, nos termos previstos no art. 430º do CPP, o recurso relativo à matéria de facto visa apenas apreciar e, porventura, suprir eventuais vícios da sua apreciação em primeira instância. Não se procura encontrar uma nova convicção, mas apenas e tão-só verificar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do tribunal de recurso [2].

No caso vertente, a matéria de facto que se teve como provada em primeira instância tem suporte coerente na prova produzida, analisada de acordo com as regras da experiência comum, não se vislumbrando qualquer salto lógico ou afirmação temerária nas deduções subjacentes à sua análise crítica. Na verdade, o juízo que conduz à condenação não pode assentar num puro acto de fé. Por muito subjectiva que possa ser a apreciação a ele subjacente, fundada no princípio da livre apreciação da prova, terá sempre que assentar numa base suficientemente segura para permitir essa opção. Não a havendo, não há como ultrapassar a dúvida que necessariamente beneficiará o arguido. É precisamente nestes casos que intervém o princípio in dubio pro reo que, como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deve ser resolvido a favor deste, pois que o princípio in dubio pro reo se afirma como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal [3].

Consequentemente, o recurso improcederá necessariamente..

                                                           *          *          *

III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.

Por terem decaído integralmente no recurso interposto, condenam-se as recorrentes na taxa de justiça de 3 UC.

                                                                       *

                                                                       *

                                                                                 

                (Jorge Miranda Jacob)

                (Maria Pilar de Oliveira)


[1] - Entre outros, conferir, no sentido apontado, o Ac. do STJ de 22 de Abril de 2004, in “Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça”, ano XII, tomo 2, págs. 166/167.
[2] - No sentido apontado, veja-se o Acórdão desta Relação, de 29 de Setembro de 2004, in C.J., ano XXIX, tomo 4, pág. 210 e ss.
[3] - Cfr. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, pág. 213.