Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1240/14.0YLPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: ARRENDAMENTO
PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
SUSPENSÃO
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
Data do Acordão: 04/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - PORTO DE MÓS - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 1083 CC, 17-E CIRE
Sumário: Se a notificação judicial se faz para a resolução do arrendamento e pagamento de rendas, com indemnização, podendo o devedor obstar àquela se pagar no prazo de um mês, a pendência do processo especial de revitalização a favor daquele, naquele prazo, deve determinar a suspensão do mesmo (prazo e pagamento), por razões idênticas às que estão subjacentes ao art.17º-E do CIRE.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

C (…)  intentou contra Cerâmica (…) Lda., procedimento especial de despejo, apresentado no Balcão Nacional do Arrendamento, convolado para processo declarativo especial, visando o despejo do prédio descrito na matriz predial da freguesia do (...) , Porto de Mós, sob o art. 3704.º, indicando como fundamento a resolução do contrato de arrendamento efetuada nos termos do disposto no nº 3 do artigo 1083º do Código Civil.

A requerida apresentou oposição, pretendendo que seja dada sem efeito a resolução, porquanto à data da notificação pela requerente, para pagamento das rendas em dívida, apenas eram exigíveis as referentes ao ano de 2013, as quais pagou integralmente, acrescidas da indemnização moratória de 50%.

A requerida pediu a suspensão do processo nos termos e para os efeitos do disposto no art. 17.º-E do CIRE, uma vez que requereu Processo Especial de Revitalização, no qual foi proferido despacho de admissão liminar.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença a julgar resolvido o contrato de arrendamento e a condenar a requerida a entregar o locado à requerente, livre e devoluto de pessoas e bens.


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Inconformada, a requerida recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

A- Atendendo quer aos Factos Provados em 3 e 4 – “renda paga em dinheiro na residência do senhorio no final de cada ano”; “em prestações com referência às “rendas mensais” com periocidade não concretamente determinada” – quer aos Factos não Provados em 9 a) e b) – “o valor das rendas passará a ser efectuado mensalmente”; “vencendo-se cada uma das rendas no 1º dia útil do mês imediatamente anterior àquela a que disser respeito”, quer ainda à motivação em que o Tribunal se baseou – “…No entanto, não se demonstrou a periodicidade concreta com que esses pagamentos eram efectuados. As testemunhas (…) referem apenas que os pagamentos eram efectuados à medida da disponibilidade da requerida, esclarecendo ainda a testemunha (…) que tal procedimento pretendia evitar que no mês de Dezembro a sociedade tivesse de despender um montante tão elevado de uma só vez. Ora, tal explicação tem a sua razoabilidade, porquanto decorre das regras da experiência comum”; “…Concluindo, no que respeita à alteração do valor da renda e ao seu pagamento prestacional por parte da autora, ambas as partes estão de acordo, restringindo-se, assim, o litígio a saber se o pagamento da renda em prestações mensais era devido face a um acordo expresso nesse sentido entre senhorios e inquilina, ou se era apenas tolerado pelos primeiros em benefício da segunda.”; “…Ou seja, nem a requerente apresentou prova de que os senhorios e a requerida acordaram no vencimento das rendas no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito em derrogação do que havia sido inicialmente estipulado no contrato escrito, nem a requerida provou ter acordado com os senhorios que esse pagamento apenas seria feito através de “pagamentos prestacionais” de acordo com a sua disponibilidade financeira e de liquidez na sequência das dificuldades económicas que atravessava e, por isso, tolerados pelos senhorios.”; “…também não podemos retirar, sem quaisquer reservas que as partes quiseram revogar a cláusula prevista no contrato de arrendamento quanto ao vencimento da renda, conforme acima se discorreu quanto à periodicidade dos alegados “pagamento prestacionais da renda”, não poderia o Mmo Senhor Juiz “a Quo” considerar como indevidamente considerou

que por existir mora superior a dois meses de renda é permitido ao senhorio a resolução do contrato de arrendamento através de mera comunicação à parte contrária (nos termos do disposto no Artº 1084º do Cód.Civil) e consequentemente condenar como condenou a Requerida ora Recorrente ver resolvido o contrato de arrendamento objecto dos presentes autos e a entregá-lo de imediato à Requerente ora Recorrida.

B- Desde logo porque na situação em apreço o pagamento da renda estipulada pelas partes era anual e não mensal (apenas foi concedido à Requerida ora Recorrente para maior facilidade desta a faculdade do pagamento do valor anual das rendas ser efectuado em prestações), não se pode concluir que existe mora igual ou superior a dois meses no pagamento da renda e que consequentemente é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento nos termos do citado Artº 1083º nº 3 do Cód.Civil.

C- Míster era que as rendas devessem ser obrigatoriamente pagas mensalmente e não anualmente conforme contratado, dado, a verdadeira génese e espírito do legislador quando no acima citado Artº 1083º nº 3 do Cód.Civil refere “…em casos de mora igual ou superior a dois meses de renda…”, se reportar apenas aos contratos em que os pagamentos das rendas devem de ser efectuados mensalmente, e não anualmente.

D- Assim, na situação “sub judice” para que o senhorio pudesse validamente resolver o contrato de arrendamento com base naquele dispositivo legal, indispensável era que a Requerida ora Recorrente se encontrasse em mora com duas ou mais anuidades de renda, o que não sucede, por à data em que foi resolvido só se encontrar vencida uma anuidade de rendas, razão porque deveria o Mmo Senhor Juiz “a Quo” ter julgado procedente a Oposição deduzida pela Requerida ora Recorrente, ordenando em consequência a extinção do Processo Especial de Despejo peticionado pela Requerente ora Recorrida por indevida resolução do contrato de arrendamento em epígrafe, sob pena de se violar o disposto no Artº 1083º nº 3, 1084º nº 2 ambos do Cód.Civil e Artº 15º do NRAU.

E- Sem conceder, sempre se dirá ainda, atento não só a matéria fáctica dada como provada e não provada nos presentes autos, mas também e sobretudo os factos referidos pelo Mmo Senhor Juiz “a Quo” na motivação do Tribunal, mormente em V do presente requerimento de alegações que aqui se dão por integralmente por reproduzidos, não pode senão considerar-se que a atitude da Requerente ora Recorrida, ao resolver o contrato a que os presentes autos se reportam com base na falta de pagamentos mensais de rendas, quando bem sabia que tal apenas foi por ela facultada à Requerida ora Recorrente, e que não constituía qualquer obrigatoriedade desta (atente-se não só aos factos “ut supra” referidos constantes na motivação da D.sentença como também ainda aos recibos das rendas juntos aos autos pela própria Requerente e ao facto daquela por dificuldades económicas financeiras se encontrar pendente do PER), constitui um nítido e autêntico abuso de direito, abuso de direito este que ora se invoca para os devidos e legais efeitos – Artº 334º do Cód.Civil – apesar da sua apreciação poder ser feita oficiosamente por estar em causa um princípio de interesse e ordem pública conforme vasta jurisprudência (neste sentido vidé entre outros Ac.S.T.J. de 9.10.79 in BMJ 290º - 352).

F- De igual modo sem conceder, sempre se dirá também ainda que por: a)- O locado a que os presentes autos se reportam, se destinar ao uso para exploração e parqueamento de inertes destinados à actividade do inquilino (vidé contrato de arrendamento junto pela própria Requerente), b)- Se encontrar também demonstrado nos autos que a Requerida ora Recorrente se encontrava em Processo Especial de Revitalização (PER) cujo despacho a que alude o disposto no Artº 17º C do CIRE foi proferido no dia 18.03.2014, ou seja, na pendência do prazo para a R. impedir a consolidação da resolução comunicada pelo senhorio em 6.03.2014, deveria o Mmo Senhor Juiz “a Quo”, nos termos do disposto nos Artº 17º-E e Artº 85º, 88º e 108º do CIRE, estes últimos aplicáveis à situação em apreço sob pena de ser assim posta em causa a finalidade e natureza do processo de revitalização da Requerida, ora Recorrente, estatuído no Artº 17º-A do CIRE, conforme refere João Labareda em anotação a este dispositivo legal “…Mas a

circunstância de o processo de revitalização não ser uma espécie nem modalidade do processo de insolvência não afasta, também, a possibilidade de, quando necessário e apropriado, se aplicarem àquele normas que a este directamente respeitam. Impõem-no as normais regras de hermenêutica e da integração de lacunas (legis)…” (SIC), suspender de imediato o presente Processo Especial de Despejo e ordenar a sua apensação ao suspender de imediato o presente Processo Especial de Despejo e ordenar a sua apensação ao PER (Processo Especial de Revitalização) da Requerida, ora Recorrente.

G- Aliás, porque a Requerida foi notificada em 6.03.2014 para no prazo de 30 dias pagar à Requerente as rendas em dívida, prazo este que terminou após a prolação do D.despacho proferido no identificado processo do PER, deveria de igual modo ser suspenso o prazo constante daquela notificação judicial avulsa, suspensão esta que por não ter sido ainda decretada, importa a nulidade de todos os actos que nela se pratiquem enquanto durar a suspensão, conforme refere João Labareda nas anotações 3 e 5 do Artº 17º-E e 4 do Artº 88º do acima citado CIRE anotado de João Labareda, nulidade esta que ora se invoca para os devidos e legais efeitos, mormente para contrariamente ao decidido na D.sentença ora recorrida, ser considerado válido e eficaz porque atempado os depósitos das rendas acrescidas de 50% feitos pela Requerida a favor da Requerente ao abrigo do disposto no Artº 1041º do Cód.Civil.

H- Deverá assim revogar-se a D.sentença ora recorrida substituindo-a por outra que julgando procedente a Oposição deduzida pela Requerida ora Recorrente, ordenando em consequência a extinção do Procedimento Especial de Despejo peticionado pela Requerente ora Recorrida, ou quando assim se não entender ordenar-se a sua imediata suspensão, sob pena de se violar o disposto nos Artº 334º, 1038º, 1041º, 1079º, 1083º, 1084º todos do Cód.Civil, Artº 15º, 15º, 15º-D e 15º-E do NRAU e Artº 17º-E, 85º, 88º e 108º todos do CIRE.


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Contra alegou a Autora, defendendo a intempestividade do recurso, ultrapassado o prazo de 15 dias para as alegações, por se tratar de processo urgente, e defendendo também o acerto da decisão recorrida.


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            Questões a decidir:

            A tempestividade do recurso.

            O vencimento das rendas.

            Conferência da resolução assente no atraso do pagamento das rendas (art.1083º, nº3, do Código Civil).

            A influência do processo especial de revitalização na referida resolução.

            O abuso de direito.


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            Os factos provados foram os seguintes (não impugnados):

1. Por escritura pública datada de 13.06.2011 e constante de fls. 19-26, a requerente recebeu em doação de J (…) e A (…) o prédio urbano sito em (...) , (...) , freguesia de (...) , concelho de porto de Mós, descrito na Conservatória de Registo Predial de Porto de Mós na ficha 3.958 e inscrito na matriz sob o art. 3.704º.

2. Por documento particular datado de 31.03.2006, assinado pelos outorgantes, e que faz fls. 27 dos autos, J (…) e mulher A (…), declararam dar de arrendamento a Cerâmica (…) Lda. o prédio acima identificado, pelo prazo de 20 anos, com início em 01.04.2006, para exploração e parqueamento de inertes destinados à actividade do inquilino.

3. Mais declararam os outorgantes que «A renda é no valor de € 500,00 pago em dinheiro na residência do senhorio no final de cada ano».

4. A partir de Agosto de 2009, a requerente passou a pagar aos senhorios a renda correspondente ao valor de 500,00€ mensais.

5. Desde essa data, a requerida pagou a renda fixada nos termos do facto provado n.º4 em prestações, com referência às “rendas mensais”, com periodicidade não concretamente determinada.

6. Por notificação judicial avulsa apresentada a juízo no dia 18.02.2014, a requerente requereu a notificação à requerida da resolução do contrato de arrendamento acima identificado por falta de pagamento das rendas correspondentes aos meses de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2013 e Janeiro e Fevereiro de 2014, interpelando-a para proceder ao pagamento das rendas em dívida acrescidas de 50% do valor das mesmas a título de indemnização de acordo com o disposto no art. 1041.º do CC.

7. A requerida foi notificada no dia 06.03.2014.

8. A requerida, nos dias 15, 22 e 28 de Maio de 2014, procedeu ao pagamento dos valores referentes ao ano de 2013 em falta, acrescidos de indemnização de 50% do respectivo valor.

9. No dia 18.03.2014 foi proferido despacho de admissão liminar do processo especial de revitalização da aqui requerida Cerâmica (…) Lda.


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A tempestividade do recurso.

Considera-se a sentença notificada à requerida no dia 26.01.2015.

O art. 638.º, n.º1, do Código de Processo Civil, preceitua que o prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º2 do artigo 644.º e no artigo 677.º.

Não sendo aplicáveis, no caso, os arts. 644.º n.º2 e 677.º, a decisão quanto à intempestividade do recurso depende da qualificação do procedimento especial de despejo como processo urgente.

A Autora sustenta que a natureza urgente do procedimento decorre, quer da sua razão de ser (mecanismo para agilizar e tornar mais célere a desocupação do locado), quer das seguintes características processuais: prazo reduzido para a oposição (15 dias), a realização da audiência final em 20 dias após a distribuição,

sendo apenas considerado como motivo de adiamento os casos de justo impedimento, o carácter urgente dos atos a praticar pelo juiz e a não suspensão dos prazos durante as férias judiciais.

Porém, apesar de tudo isto, em lado algum da lei se diz expressamente que o procedimento tem natureza urgente.

Atribuir urgência a atos específicos seria inútil caso se entendesse que o procedimento (globalmente) é urgente.

A lei nada excecionou quanto ao prazo de interposição do recurso, excecionando apenas o efeito a atribuir ao mesmo: meramente devolutivo (art. 15.º-Q do NRAU, redacção da Lei 31/2012), ao contrário do disposto no art. 647.º n.º3 al. b) do Código de Processo Civil.

Em conclusão, entendemos que a lei garantiu a celeridade através de específicas previsões, sem atribuir urgência ao processo.

Sendo o prazo geral de recurso de 30 dias, e não aplicável a exceção de 15 dias, este recurso é tempestivo.


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O vencimento das rendas.

Para a completa compreensão desta questão e dos factos assentes em 3 a 5 importa lembrar que ficou por provar:

“Em Julho de 2009, foi acordado entre as partes que o valor a pagar pela renda do prédio identificado no facto provado n.º1 passaria a ser efectuado mensalmente.”

“Vencendo-se cada uma das rendas no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito.”

Importa também lembrar a motivação respetiva do julgador de que a requerente não apresentou prova de que os senhorios e a requerida acordaram no vencimento das rendas no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito em derrogação do que havia sido inicialmente estipulado no contrato escrito.

O ónus da prova da alteração contratual cabe à Autora.

Neste contexto, se também ficou por provar a periodicidade das prestações da renda, a única conclusão segura quanto ao vencimento em questão só pode ser a do inicialmente estipulado no contrato escrito, ou seja, a do vencimento no final de cada ano.

Esta conclusão afasta a consideração da mora relativa à renda de 2014.

Vejamos agora como tratar a mora relativa à renda de 2013.


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Conferência da resolução assente neste atraso (art.1083º, nº3, do Código Civil).

Nos termos do disposto no art. 1079.º do Código Civil, o arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei.

Atualmente, no domínio da Lei 6/2006 (alterada pela Lei 31/2012), e de acordo com o novo art.1083.º do Código Civil, os factos fundamento de resolução são indicativos, tendo sido introduzido um conceito genérico de incumprimento como fundamento de resolução do contrato.

No art.1083.º referido, seu n.º3, presume-se a inexigibilidade da manutenção do arrendamento ao senhorio quando exista mora do arrendatário superior a dois meses.

Neste caso, a resolução pode operar por comunicação à contraparte.

Ao abrigo do n.º3 do art. 1084.º desta lei, pode o arrendatário obstar à eficácia daquela resolução se puser fim à mora no prazo de um mês.

Ora, conforme os factos provados em 6 a 8, a Ré foi interpelada pela senhoria através de notificação judicial avulsa no dia 6.03.2014, para proceder ao pagamento das rendas em falta, acrescidas de 50% do valor das mesmas a título de indemnização, de acordo com o disposto no art. 1041.º do Código Civil, sob pena de resolução do contrato de arrendamento.

Considerando que a renda de 2013 já estava atrasada por dois meses, para obstar à resolução deveria a Ré ter procedido ao pagamento do valor em falta, acrescido de 50%, no prazo de um mês após a notificação, ou seja até 6.04.2014.

Ao contrário do defendido pela Ré, a lei considera relevante um atraso de 2 meses no pagamento da renda. O incumprimento, por força desta relevância ou  gravidade, torna inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento.

A conclusão D da Recorrente leva ao absurdo da senhoria dever aguardar um ano por 2 rendas anuais.

A Ré procedeu ao pagamento nos dias 15, 22 e 28 de Maio de 2014 (facto assente em 8), fora do prazo de um mês já referido.


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A influência do processo especial de revitalização (PER) na referida resolução.

            O art. 1º do CIRE (na redacção dada pela Lei nº16/2012) diz-nos:

“2. Estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17º-A a 17º-I”.

Estipula o art.17º-A do CIRE (Finalidade e natureza do processo especial de revitalização): “O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização”.

O artigo 17º-E, nº1, do CIRE prescreve que “A decisão a que se refere a alínea a) do nº3 do art. 17º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.

É objectivo do PER colocar a recuperação do devedor no centro das finalidades do processo, em detrimento da liquidação imediata do seu património, para satisfação dos credores.

É no âmbito dele que o art. 17-E, nº 1, do CIRE estabelece que se suspendam, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade às de cobrança de dívida.

Na interpretação do preceito deve intervir de forma decisiva o sentido teleológico da norma.

Neste sentido, a jurisprudência que vemos como maioritária entende que o artigo em questão se aplica não só às acções executivas para pagamento de quantia certa como também às declarativas que visem a condenação do devedor numa quantia pecuniária. (ver nesta Relação, de 3.3.2015, no proc.1075/13, de 27.2.2014, no proc.1112/13, da R.Lisboa, de 5.6.2014, no proc. 171805/12 e de 18.6.2014, no proc.899/12, todos em www.dgsi.pt.)

O legislador não distinguiu o tipo de ações.

Depois, a finalidade do PER (possibilitar a recuperação económica do devedor) ficaria comprometida se qualquer credor pudesse continuar a exigir judicialmente os seus créditos.

O acordo, depois de homologado judicialmente, vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações com o devedor (art. 17.º-F, n.º 6, do CIRE). Assim, permitir que uma ação prosseguisse contra o devedor seria privilegiar o respetivo credor, em face dos demais.

C.Fernandes e J. Labareda defendem que, não referindo o preceito quais as acções que se suspendem e extinguem, nem o que deve entender-se por “cobrança de dívidas”, a paralisação aqui determinada deve abranger todas as acções para a cobrança de dívidas e não apenas as executivas, incluindo-se, assim, “as acções declarativas condenatórias” e também “acções com processo especial e procedimentos cautelares”. (CIRE Anotado, 2ª edição)

A suspensão dos processos traduz-se numa forma de protecção do devedor, que fica com a faculdade de tentar a recuperação da empresa, liberto de todas as tentativas dos credores se fazerem pagar e da pressão do mercado que o levou à insolvência.

Por seu lado, o procedimento de despejo assenta em comunicação à Ré para pagar a renda em atraso e com a cominação da resolução do arrendamento.

A notificação judicial avulsa é pressuposto do procedimento (art.9º, nº7, a), do NRAU).

Este procedimento é convolado para processo declarativo especial, no caso de apresentação de oposição.

A resolução pode ficar sem efeito se o arrendatário pagar a renda e a indemnização, no prazo de um mês (art.1084º, nº3, do Código Civil).

Inutilizar a resolução pressupõe pagar estes valores.

No dia 18.3.2014, data do despacho de admissão liminar do processo especial de revitalização da Requerida, doze dias depois da notificação judicial avulsa, a resolução ainda não está consolidada. (No caso do acórdão citado pela Autora, da R.Porto, de 9.7.2014, no proc.834/14, no sítio digital referido, ocorre uma prévia resolução consolidada.)

É na pendência do PER que o referido prazo corre contra o arrendatário.

Não afastando a responsabilidade deste, o PER permite ao mesmo a recuperação da empresa, liberto de todas as tentativas dos credores se fazerem pagar de imediato.

Esta recuperação só fará sentido com a salvaguarda do ativo gerido pelo devedor. O locado diz respeito à atividade empresarial da Requerida.

A suspensão daquele prazo de 30 dias faz todo o sentido porque o mesmo serve como impedimento do direito à resolução e porque a ação da Requerida passa por pagar valores pecuniários de imediato.

Sendo certo que o mesmo ocorre em fase extrajudicial, ela não deixa de ser um processo simplificado, admitido por lei para substituir termos judiciais mas que pode ser controlado em processo judicial. A notificação judicial avulsa é ainda um ato processual (subsecção v, do capítulo II, do título I do Livro II do Código de Processo Civil, art.256º) e, como vimos, pressuposto do procedimento de despejo em certos casos.

Se a notificação avulsa se faz para a resolução do arrendamento e pagamento de rendas, com indemnização, podendo o devedor obstar àquela se pagar no prazo de um mês, a pendência do processo especial de revitalização a favor daquele, naquele prazo, deve determinar a suspensão do mesmo (prazo e pagamento), por razões idênticas às que estão subjacentes ao art.17º-E do CIRE.

Se assim é, como entendemos correto, e porque em Maio de 2014, quando ocorrem os pagamentos (facto assente sob o nº8), o PER ainda está pendente (em 10.10.2014 assim está-informação de fls.118), e o prazo suspenso, tais pagamentos servem à extinção da resolução.


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            O abuso de direito.

            Neste instituto estamos perante posições jurídicas contrárias aos valores estruturantes do sistema jurídico.

            É um limite indeterminado ao comportamento jurídico, que passa pelos conceitos de fim, de bons costumes e de boa fé.

            Trata-se de um conceito indeterminado, que carece de um processo de concretização para melhor aplicar a justiça ao caso concreto.

            Há, assim, necessidade de surpreender grupos típicos de comportamentos abusivos frente a "um universo informe de comportamentos inadmissíveis" - M. Cordeiro, Boa Fé, 1997, página 719.

            Têm sido considerados grupos típicos: a exceptio doli, o venire contra factum proprium, as inalegalidades formais, a suppressio e a surrectio, o tu quoque e finalmente o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.

            No caso, se a lei procura conformar as diferentes posições jurídicas, num equilíbrio entre a resolução e a sua adequada extinção, em limites aceitáveis, não vislumbramos como pode ocorrer aquele abuso.

            Economicamente, a Autora recebe os valores a que tem direito e apenas foi sujeita a um atraso excecional, por força de um PER, também excecional.


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Decisão.

            Julga-se o recurso procedente, revoga-se a decisão recorrida e, julgando não resolvido o contrato de arrendamento, absolve-se a Ré do pedido de despejo.

            Custas pela Autora, em ambas as instâncias.

Coimbra, 2015-4-21


 Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator )

Luís Filipe Dias Cravo

 António Carvalho Martins