Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
397/11.7SAGRD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: PROCESSO SUMARÍSSIMO
OPOSIÇÃO
INTERVENÇÃO DE DEFENSOR
Data do Acordão: 05/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 63º, N.º 1 E 396º, DO C. PROC. PENAL
Sumário: Para os efeitos do disposto no n.º 4, do art.º 396º, do C. Proc. Penal, a oposição ou não oposição à aplicação da sanção (que, no último caso, equivale a uma declaração de culpa, ao menos em termos funcionais) é algo a decidir pessoalmente pelo arguido (ainda que sob conselho do defensor), podendo o defensor ser, nos termos legais, o único transmissor dessa decisão.

A significar que o defensor pode, representando o arguido, aceitar ou rejeitar as sanções propostas.

Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO

            1. No processo n.º 397/11.7SAGRD, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, recorre o Ministério Público do despacho da Mmª Juíza, datado de 25 de Janeiro de 2011, que decidiu NOS SEGUINTES MOLDES:

            «Nos presentes autos de processo sumaríssimo, a arguida, notificada nos termos e para os efeitos do art. 396°/1, al b), do Código de Processo Penal (CPP), veio deduzir oposição — cfr. ref. 592898 (fls. 61).

Conforme entendimento, crê-se que pacífico, da jurisprudência o processo deve ser reenviado, nos termos do art. 398°/1, do Código de Processo Penal (CPP), ao Ministério Público, a quem compete a notificação a que alude o art. 398°/2, do mesmo diploma legal (cfr., neste sentido, o acórdão da Relação de Coimbra de 14-04-2010, proc. n° 165/08.3GAFZZ.C1, o acórdão da Relação do Porto de 13-01-2010,  proc. n° 873/08.9PASTS-A.Pl, acórdão da Relação do Porto de 15-07-2009, proc. n° 536/08.5PASTS-A.P1, acórdão da Relação do Porto de 17-12-2008, proc. n° 0845884. acórdão da Relação do Porto de 17-12- 2008, proc. no 0845898, acórdão da Relação do Porto de 12-03-2008, proc. n° 0840052, acórdão da Relação do Porto de 14-02-2007, proc. n° 0616812 e acórdão da Relação de Lisboa de 20- 01-2009, proc. n° 11057/2008-5. todos in www.dgsi.pt).

Em face do exposto, determino o reenvio do processo ao Ministério Público, a fim de ser dado cumprimento ao disposto no art. 398°/1e 2, do CPP.

Notifique».    

2. A referência 592898 nos autos tem o seguinte teor:

«A...

ADVOGADO

Processo Sumaríssimo (artigo 392º do CPP)

Processo n.º 397/11.7SAGRD

1º Juízo

Exmº Senhor Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Guarda:

B..., nos autos à margem identificados, tendo sido notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 396º, nº 1 al. b) do C.P.P., vem comunicar a V. Ex. que se opõe à sanção proposta pelo Ministério Público, requerendo a V. Ex., consequentemente, se digne dar cumprimento ao disposto no artigo 398º do mesmo C.P.P.

O Defensor oficioso

(assinatura)

3. É o seguinte o teor do despacho judicial que antecede tal requerimento mencionado em 2.:

«O Tribunal é o competente.

Não há nulidades, ilegitimidades, excepções, questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer e susceptíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa.

Autuação correcta, com o processo sumaríssimo.

*

Por se verificar nenhuma das circunstâncias a que alude o art. 395°/1, do Código de Processo penal (CPP), nos termos do art. 396°, do mesmo diploma, determino o seguinte:

a) solicite à Ordem dos Advogados, através do SINOA, a nomeação de defensor oficioso à arguida (cfr. art. 2°/1, da Portaria n° 10/2008, de 03-01);

b) solicite à autoridade policial competente a notificação pessoal do requerimento apresentado pelo Ministério Público à arguida para, querendo e no prazo de quinze dias, se opor, devendo a notificação conter os elementos referidos no art. 396°/2, do CPP;

c) notifique o requerimento apresentado pelo Ministério Público e o presente despacho ao ilustre Defensor(a) Oficio(a) da arguida, que venha a ser nomeado(a)»

.

4. Recorre o Ministério Público, assim concluindo (em transcrição):

«1. O processo sumaríssimo surge como um processo célere, consensual, em que há uma renúncia antecipada ao exercício de direitos de defesa por parte do arguido.

2. O acordo do arguido é um pressuposto inultrapassável no processo sumaríssimo, pelo que a exigente regulamentação da sua notificação e a possibilidade da sua mera oposição são as suas garantias de defesa, num processo onde não existe produção de prova nem audiência de discussão e julgamento.

3. Remetendo-se o arguido ao silêncio, mas tendo o defensor oficioso nomeado, deduzido oposição em requerimento apenas subscrito pelo próprio, qual posição deve prevalecer?

4. Por despacho de 25.01.2012, a Mm.° Juiz, determinou (que estando a arguida notificada e tendo a mesma deduzido oposição), o reenvio do processo para tramitação sob a forma de processo comum, nos termos do disposto no n.°1 do artigo 398° do C.P.P, remetendo-se os autos a estes Serviços do Ministério Público.

5. O defensor oficioso manifestou oposição à sanção proposta pelo Ministério Público através de requerimento, apenas subscrito, pelo próprio, a 23.01.2012.

6. A arguida remeteu-se ao silêncio, não deduzindo oposição ao requerimento apresentado pelo Ministério Público.

7. Face ao exposto, entendemos no se encontrarem reunidos os pressupostos previstos no artigo 398° n°1 do C.P.Penal.

9. Entendemos, neste sentido de exigência, que o requerimento de oposição, sem qualquer margem de dúvida, deve expressar inequivocamente a vontade do arguido, pelo que, em oposição efectuada por defensor oficioso, o requerimento deve ser conjuntamente assinado pelo arguido e por este.

10. No caso em apreciação, deve prevalecer o silêncio da arguida.

Consequentemente, consideramos que o despacho proferido pelo Tribunal a quo padece de manifesta ilegalidade, por violação dos citados incisos legais, pelo que deve o mesmo ser alterado, determinando-se que o Mm.° Juiz de julgamento proceda á aplicação da sanção, nos termos do artigo 397º do Código de Processo Penal».

            5. Não houve respostas.

            6. A Exmª Juíza recorrida sustentou a sua decisão.

7. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido da procedência do recurso.

            8. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO

             

1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

             Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, a única questão a resolver consiste em saber se a oposição do arguido, nos termos do artigo 396º do CPP, em processo sumaríssimo, e perante o requerimento do MP com a proposta de sanção, deve ser exercida de forma pessoal, a significar que, existindo silêncio do arguido e uma expressa oposição relatada pelo seu defensor, deverá sempre aquele silêncio prevalecer.

                                                                       *

            2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

            2.1. Vem o Ministério Público recorrer do despacho judicial que considerou como válida a oposição do arguido à proposta de sanção do MP, em sede de processo sumaríssimo, veiculada em requerimento apresentado pelo seu defensor oficioso.

Nesse despacho judicial, omisso na sua fundamentação quanto à razão pela qual dá por validada tal oposição expressa pelo defensor do arguido (razões depois aventadas no despacho de sustentação), acaba por determinar «o reenvio do processo ao Ministério Público, a fim de ser dado cumprimento ao disposto no art. 398°/1e 2, do CPP».

O MP recorrente entende que não deveria ter sido validada tal oposição na medida em que a arguida, notificada pessoalmente, nada veio dizer, devendo prevalecer o seu silêncio, o qual só poderá ser interpretado como não oposição nos termos da cominação feita expressamente na referida notificação [artigo 396º/2 c) do CPP].

Já o despacho recorrido entende que tal declaração de oposição, veiculada pelo defensor da arguida, é válido e deve produzir os seus efeitos, para os termos do artigo 398º do CPP.


2.2. O Processo Sumaríssimo é uma das formas de processo especial previstas no Código do Processo Penal. a par do Processo Sumário e do Processo Abreviado e encontra-se previsto nos artigos 392º e ss do C.P.P.
Esta forma de processo mais célere e consensual[2] – numa altura em que se quer investir, mal, a nosso ver, num negócio de escolha de penas entre o tribunal e o agente do crime – teve uma enorme transformação pela revisão de 2007 do CPP[3].
Já pela Lei 59/98 de 25/8 foram introduzidas alterações a esta forma de processo que consistiram numa maior pormenorização da informação veiculada ao arguido, aquando da sua notificação pessoal, quanto aos seus direitos e quanto aos efeitos da sua oposição ou não oposição à proposta do MP.
São estes os normativos relevantes em causa (já resultantes da reforma de 2007 (Lei 48/2007 de 29/8):

Artigo 392º do C.P.P. (Quando tem lugar)

1. Em caso de crime punível com pena de prisão não superior a três anos ou só com pena de multa, o Ministério Público, quando entender que ao caso deve ser concretamente aplicada pena ou medida de segurança não privativas de liberdade, requer ao tribunal que a aplicação tenha lugar em processo sumaríssimo.

2. Se o procedimento criminal depender de acusação particular, o requerimento previsto no número anterior depende da concordância do assistente.

Artigo 396º do C.P.P.

1. O juiz, se não rejeitar o requerimento nos termos do número anterior:


a) Nomeia defensor ao arguido que não tenha advogado constituído ou defensor nomeado; e

b) Ordena a notificação ao arguido do requerimento do Ministério Público e, sendo caso disso, do despacho a que se refere o nº 2 do artigo anterior, para, querendo, se opor no prazo de quinze dias.

2. A notificação a que se refere o número anterior é feita por contacto pessoal, nos termos do art. 113º, nº 1, alínea a) e, deve conter obrigatoriamente:

a) A informação do direito de o arguido se opor à sanção e da forma de o fazer;
b) A indicação do prazo para a oposição e do seu termo final;
c) O esclarecimento dos efeitos da oposição e da não oposição a que se refere o artigo seguinte.

3. O requerimento é igualmente notificado ao defensor.

4. A oposição pode ser deduzida por simples declaração.

Artigo 397º do C.P.P. (Decisão)

1. Quando o arguido se não opuser ao requerimento, o juiz, por despacho, procede à aplicação da sanção, acrescentando condenação em custas, sendo a taxa de justiça reduzida a um terço.

2. O despacho a que se refere o número anterior vale como sentença condenatória e transita imediatamente em julgado.

3. É nulo o despacho que aplique pena diferente da proposta ou fixada nos termos do disposto nos artºs 394º, nº 2 e 395º, nº 2.

Artigo 398º do C.P.P. (Prosseguimento do processo)

Se o arguido deduzir oposição[4], o juiz ordena o reenvio do processo para a forma comum, equivalendo à acusação o requerimento do Ministério Público formulado nos termos do art. 394º.

            2.3. Pergunta-se agora: por ter exigido agora, de forma inequívoca, a notificação pessoal do arguido para os termos do artigo 396º do CPP, também se exigirá uma sua tomada de posição pessoal quanto ao requerimento/proposta do MP?

Ou seja, o defensor, apesar de notificado do requerimento em causa (artigo 396º/4 do CPP), não pode, por si só, veicular a posição da pessoa que defende?

            A lei é omissa e só por esforço interpretativo e dogmático chegaremos a uma conclusão.

Duas teses se degladiam, ambas com peso – a do MP recorrente (a exigir tal posição pessoal, sob pena de se ter de interpretar o silêncio do arguido como concordância) e a do tribunal recorrido (que não exige tal pessoalidade, bastando-se com a declaração assinada pelo defensor nomeado/advogado constituído).

Quid iuris?

2.4. A solução passa pela letra do artigo 63º do CPP que prescreve que:

«O defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido, SALVO OS QUE ELA RESERVAR PESSOALMENTE A ESTE».

            Estaremos, então, neste caso, perante um direito reservado pessoalmente ao arguido?

Paulo Pinto de Albuquerque responde negativamente na sua anotação ao CPP (p. 190), dando como exemplos de direitos reservados ao arguido, os «direitos previstos nos artigos 281º, n.° 1, al. a), 300.°, n.° 3, 334.°, n.° 2, 356.°, n.° 2, al. b), 357º, n.º 1, al.  a), e 359º, n.° 2, 415.°, n.° 1, 497.°, n.° 2) (...): o direito de estar presente na audiência de julgamento e no debate instrutório, o direito à imediação, o direito a um processo penal de estrutura acusatória e o direito ao recurso».

Como direitos não reservados ao arguido elenca os seguintes:

· o direito de renúncia ao decurso de um prazo (artigo 107.°, n.° 1, do CPP);

· o direito de renúncia à arguição de uma nulidade ou irregularidade (artigo 121.°, n.° 1, e 123.°, n.° 1, do CPP);

· o direito de oposição ao requerimento do MP no processo sumaríssimo (artigo 396.°, n.° 1, ai .a), e n.° 3).

 A anotação ao CPP Comentários e notas práticas, elaborado pelos Magistrados do MP do Distrito Judicial do Porto, CE, p. 1012, doutrina que «porque a notificação carece de contacto pessoal, e porque, não havendo oposição a condenação é inevitável, certa e definitiva, a oposição tem de ser um acto pessoal do arguido, não podendo ser deduzida apenas pelo defensor».

Tal posição é também defendida no Acórdão da Relação do Porto de 14/12/2011 (Pº 2842/10.0TAGDM.P1), embora com uma expressiva «nuance»: nesse aresto, discute-se um caso em que o defensor se vem opor à proposta sanção, referindo expressamente que o faz por não ter conseguido contactar o arguido, o que, convenhamos, faz toda a diferença.

Nessa situação do acórdão do Porto, sabemos que o defensor não veicula afinal qualquer posição do arguido, da pessoa que representa, apenas agindo, como aí se escreve, «para salvaguardar a sua responsabilidade profissional».

Veja-se aliás que a decisão aí recorrida já deixa expressa essa diferença:

«De acordo com a economia dos artº 396º e 397º do CPP a oposição à aplicação do processo sumaríssimo há-de ser expressão da vontade do arguido.

É certo que, estando o arguido representado por advogado, este, adentro dos seus poderes de representação, pode falar em nome do seu representado, sendo as suas também as palavras daquele.

Sucede que, in casu, a Il. defensora do arguido tomou a iniciativa de se opor à aplicação do processo sumaríssimo por se ter verificado a “impossibilidade entre o defensor nomeado e o arguido”, impossibilidade que “deriva da falta de contacto do arguido com o seu defensor, gerando, assim, por parte deste último, o desconhecimento do parecer do arguido acerca da pena cuja aplicação é requerida pelo Ministério Público”, concluindo pelo desconhecimento “da existência ou inexistência da sua concordância”.

Sucede que o arguido, regularmente notificado, nada disse, valendo o seu silêncio como não oposição.

No presente caso, em face da diversidade de posições entre o arguido e a sua Il. defensora, consideramos que deve prevalecer a daquele.

Isto porque, salvo o devido respeito, a posição que a Exma. advogada que subscreve o requerimento de fls. 88/89 tomou a iniciativa de adoptar não se inscreve em quaisquer poderes de representação, já que é a própria a admitir desconhecer qual fosse a vontade do arguido. Há aqui, pois, um “corte” entre a vontade do arguido e a representação desta por parte da sua Il. defensora.

Assim, há que chamar à colação as normas dos artºs 236º, nº 1 e 295º do CC e, sendo o declaratário da notificação efectuada pelo tribunal o próprio arguido e não a sua Il. defensora em arbítrio próprio, colher do seu silêncio as consequências a que o mesmo tende, ou seja, a não oposição à aplicação do processo sumaríssimo (artº 396º, nº 1, alªas a) e c) e 397º, nº 1 do CPP).

Situação diferente seria se a Il. defensora oficiosa do arguido, sem qualquer justificação, se opusesse a essa solução processual.

Nesse caso, confrontada a sua posição activa com a inércia do arguido, mas nada havendo que pusesse em causa a representação da sua vontade por parte daquela, teria o tribunal que a aceitar já que, como prática do Direito e depositária da defesa dos interesses do arguido, a sua posição teria que prevalecer. In casu, e pelos motivos já acima referidos, não pode este raciocínio ser posto em prátic.



            Ora, a nossa situação é essa, não havendo que nos leve a pensar que não houve contacto entre defensor e arguida.

            No requerimento de fls 23 temos um defensor nomeado pelo tribunal que, nomeado em 5/1/2012, vem, em 23/1 (num lapso de tempo que faz presumir que houve «conversações»), declarar que a arguida, notificada pessoalmente em 12/1, se opõe à sanção proposta pelo MP.

            Se assim é, não nos convence a tese da Ilustre Colega do Porto, ao parecer generalizar a obrigatoriedade de posição pessoal do arguido neste jaez, e já não só nas situações paralelas à que se discute no aresto.

Estamos, pois, do lado do despacho recorrido.

            Nesse acórdão de 2011, deixou-se escrito:

            «Ora, daqui decorre, que a oposição prevista neste artigo tem de ser ou pessoal ou emanada da sua vontade pessoal, é o que decorre da conjugação da exigência de notificação pessoal, com as particulares exigências dessa notificação. Sendo que, no entanto, se nos afigura compatível com esta oposição pessoal, porque emanada da sua vontade, a oposição efectuada por mandatário judicial constituído pelo arguido, ou a oposição efectuada por defensor inequivocamente emanada da vontade do arguido como acontece, por exemplo quando tal oposição é manifestada em requerimento conjuntamente assinado pelo arguido e por este, como em regra, e na prática, ocorre nos tribunais de primeira instância».

            Entendemos, todavia, que nem sequer será necessária a tal declaração conjunta, como exige o aresto, bastando a declaração assinada por um defensor/mandatário, emanada da vontade pessoal da pessoa que ele representa, desde que seja notória a comunicação havida entre ambos.

O que parece ser o nosso caso.

O defensor é o sujeito processual através do qual (ou com o auxílio do qual) pode, e nalguns casos deve, ser exercida a função defensiva do arguido.

Nessa função defensiva, costuma efectuar-se a distinção entre “actos de assistência” e “actos de representação”[5].

Nos primeiros, incluem-se “os actos que o arguido tem de praticar pessoalmente e relativamente aos quais o defensor apenas o auxilia, o assiste e os que são por lei reservados ao defensor”.

Os segundos consistem nos actos “que podem ser praticados pelo arguido ou pelo seu defensor, em sua substituição”.

A propósito destes actos passíveis de se reconduzirem ao conceito de “actos de representação”, o legislador, no art. 63°/1, do CPP, atribuiu expressamente ao defensor legitimidade para exercer os direitos que a lei reconhece ao arguido, ressalvando apenas aqueles que expressamente sejam reservados pessoalmente ao próprio e, acrescenta-se, aqueles que por natureza apenas podem ser praticados pelo arguido.

Nos actos que, por natureza, apenas podem ser praticados pelo arguido incluem-se, salvo melhor entendimento, os actos que material ou estruturalmente apenas podem ser praticados pelo próprio e os actos pelos quais o arguido prescinde de direitos processuais fundamentais.

Entendemos, na linha de Paulo Pinto de Albuquerque, que o direito de oposição ao requerimento do MP, em processo sumaríssimo não bule com direitos processuais fundamentais.

Como tal, na linha do despacho de sustentação, partindo das premissas enunciadas e consagradas no art. 63°/1, do CPP, ou seja, que o defensor pode praticar todos os direitos que a lei reconhece ao arguido, ressalvando apenas aqueles que expressamente sejam reservados pessoalmente ao próprio e aqueles que por natureza apenas podem ser praticados pelo arguido, considera-se, salvo melhor entendimento, que o direito de oposição em análise não se inclui em nenhuma destas excepções.

De facto, não está expressamente previsto na lei que este direito apenas pode ser exercido pelo próprio arguido.

E se fosse assim tão essencial, a lei tê-lo-ia dito – e não se confunda a obrigatoriedade da notificação pessoal do arguido com a forma de declaração de oposição em causa.

Estamos em campos diversos, não sendo defensável que se retire da legal exigência de notificação pessoal a ulterior e descabida exigência de declaração assinada pelo próprio arguido.

O que interessa é que ele teve conhecimento pessoal das consequências do seu eventual silêncio ou oposição.

Quanto à forma de fazer chegar essa sua posição ao foro competente, nada indica que seja exigível que venha ele assinar o dito requerimento/declaração.

A declaração a que alude o art. 396°/4, do CPP, não consubstancia qualquer consagração expressa dessa reserva, pois destina-se apenas a facilitar o exercício do direito de oposição.

Também a natureza do direito não impõe o exercício exclusivo pelo próprio, pois, material ou estruturalmente, este direito pode ser exercido por terceiro, uma vez que se exerce através de uma declaração escrita, e, para além disso, não implica a renúncia a direitos processuais fundamentais.

Note-se que os únicos “benefícios” que o arguido irá perder com o exercício do direito de oposição, consubstanciam-se nos seguintes:

· evitar a sujeição à audiência de julgamento;

· e evitar o risco de ser condenado em penas superiores.

Sucede que estes “benefícios” ou vantagens do processo sumaríssimo não corporizam direitos fundamentais processuais, com assento constitucional.

Na realidade, a lei fundamental não reconhece ao arguido o direito de evitar a sujeição à audiência de julgamento, mediante a aplicação da forma sumaríssima do processo comum, quando há indícios suficientes da prática de um crime.

Também não lhe reconhece o direito fundamental de ser condenado numa pena mais baixa com fundamento no seu acordo.

Como tal, considera-se não existir qualquer razão para excluir o direito de oposição da regra geral consagrada no art. 63°/1, do CPP.

Haverá ainda que notar que, atenta a regra ínsita no art. 63°/2, do CPP, prevalece sempre, em último caso, a vontade do arguido, em caso de divergência entre a vontade deste e a do seu defensor.

Nesta nossa situação, ler o silêncio da arguida como aceitação da sanção proposta pelo MP, apesar de haver uma expressa oposição de quem ao representa nos autos, é a solução menos garantística – aqui o defensor não está renunciar ou desistir de nada, antes pelo contrário.

A exigência de ser pessoal coloca-se não tanto para exercer direitos de defesa ou oposição, mas antes de aceitação e renúncia, o que se afigura mais lógico - até porque o silêncio do arguido pode ser consequência lógica e natural de se considerar representado pelo defensor.

A tese defendida no recurso – mais formal - é a de que o defensor, em actos que não sejam de defesa técnica, é um mero transmissor da vontade do arguido.

Ora, se assim fosse, porque existiria o nº 2 do artº 63º do CPP?

Tanto mais que, para Pinto de Albuquerque, o que conta para temporalidade da retirada de eficácia ao acto do defensor deve ser o momento em que este tomou conhecimento do acto, defendendo, no seu Comentário (p. 191), que se não tomou conhecimento do acto antes da decisão, a retirada de validade ainda assim é eficaz.

Em consequência do exposto, só há que considerar que a tese da validade da oposição assinada unicamente por defensor – claro que sempre poderá ser assinada pelos dois[6] - se ajusta mais ao regime do artº 63º nº1 e 2 do CPP, não prevalecendo o silêncio da arguida que sempre poderá ter confiado na diligência processual do seu defensor, sendo extremamente gravoso para si ver-se condenada «de preceito» quando, afinal, nunca quis aceitar tamanha sanção!

Mesmo na dúvida entre saber se houve ou não concordância entre arguido e defensor, deve prevalecer a resposta positiva, salvo quando resulta clara e inequivocamente dos autos(como na situação do Porto), que a não há!

Remataremos dizendo que a oposição ou não oposição à aplicação da sanção (que no último caso equivale a uma declaração de culpa, ao menos em termos funcionais), é algo a decidir pessoalmente pelo arguido (ainda que sob conselho do defensor), podendo o defensor ser, nos termos legais, o único transmissor dessa decisão.

É, aliás, essa a tese que Henriques Gaspar, em artigo publicado  na obra «Jornadas de DPP – o novo CPP», CEJ, Almedina, p. 375, parece defender, ainda face ao texto legal anterior à da reforma  do CPP de 1998 - aí se escreve que «o defensor pode, representando o arguido, aceitar ou rejeitar as sanções propostas».

2.5. Como tal, só há que validar o despacho recorrido, FAZENDO improceder o recurso.

            III – DISPOSITIVO

           

1. Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em julgar não provido o recurso intentado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, mantendo na íntegra o despacho recorrido.

            2. Sem custas.


Paulo Guerra (Relator)

  Alberto Mira



[1] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).
[2] Na linha do opinado por Costa Andrade, em Jornadas de DPP – Consenso e oportunidade, Almedina, p. 356-357, trata-se de um processo que se reconduz às ideias de ressocialização, consenso, celeridade, simplificação e eficácia.
[3] A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto introduziu, no regime do processo especial sumaríssimo previsto no Código de Processo Penal, as alterações que se passam a explicitar, tendo como base trabalhos de auditores do CEJ, aquando da passagem do relator por aquela Escola de Formação, na veste de docente:
2.1. Alargamento do seu âmbito de aplicação
A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto alargou o âmbito de aplicação desta forma processual, permitindo-se, agora, a dedução de requerimento para a aplicação de pena não privativa da liberdade em processo sumaríssimo em caso de crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos (na anterior versão a moldura penal não poderia exceder os 3 anos) – n.º 1 do art. 392º do Código de Processo Penal.
Acresce que o n.º 1 do art. 392º do CPP prevê a possibilidade do arguido requerer a aplicação de pena em processo sumaríssimo (embora nada o impedisse de o fazer anteriormente, continuando o MP a não estar vinculado ao requerido).
Decorre do mesmo dispositivo que, não sendo a tramitação sob esta forma processual requerida pelo arguido, este tem de ser ouvido pelo MP previamente à apresentação do requerimento.
Esta exigência permite, desde logo, ficar a saber-se se é conhecido o paradeiro do arguido no processo. Pode também permitir ao MP, numa fase inicial do processo, aferir da adequação desta forma processual, bem como da disponibilidade do arguido para aceitar a aplicação de pena em processo sumaríssimo. Por outro lado, pode o MP aproveitar para recolher elementos que lhe permitam a determinação da pena a aplicar.
Acompanhando a posição defendida por Sónia Fidalgo, dir-se-á que não nos repugna uma interpretação menos exigente deste preceito, de forma a permitir que a audição do arguido possa ser feita pelos órgãos de polícia criminal, no âmbito da delegação de competências prevista na lei.
Nesta audição, não sendo exigível que lhe seja indicada a pena cuja aplicação se irá propor, deve-lhe ser explicado a possibilidade de lhe ser aplicada uma pena não privativa da liberdade num processo em que não lhe vai ser exigida a presença em audiência de julgamento, perante um juiz.
2.2. Inadmissibilidade da intervenção de partes civis
Mantém-se a inadmissibilidade da intervenção de partes civis, mas agora consagra-se expressamente a possibilidade de reparação nos termos do disposto no artigo 82.º -A Código de Processo Penal e nos estritos pressupostos aí previstos – art. 393º do mesmo código.
2.3. Dever de concretização das sanções e da quantia exacta a atribuir a título de reparação
O n.º 2 do art. 394º do Código de Processo Penal prevê, agora, que o Ministério Público termina o requerimento indicando, para além das sanções concretamente propostas, a quantia exacta a atribuir a título de reparação, nos termos do disposto no artigo 82.º -A, quando este deva ser aplicado.
2.4. O reenvio para outra forma processual
O juiz, nos casos de rejeição do requerimento ou oposição do arguido, reenvia o processo para outra forma que lhe caiba (e não apenas para a forma comum) – n.º 1 do art. 395º e n.º 1 do art. 398º, ambos do Código de Processo Penal. Neste caso, quem deverá proceder à notificação do arguido – os serviços do MP ou da secção judicial?
Paulo Pinto de Albuquerque: o MP deverá notificar o arguido para que este possa exercer o seu direito à instrução.
No mesmo sentido decidiu o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 12 de Março de 2008, em cujo sumário se pode ler que o reenvio do processo sumaríssimo, previsto no art. 398º do Código de Processo Penal, significa a devolução do processo ao Ministério Público, a quem compete determinar a outra forma de processo. E cabe aos respectivos serviços a notificação ao arguido do requerimento/acusação.
Por outro lado, consagrou-se, agora, aquilo que já vinha sucedendo na prática: ordenado o reenvio, o arguido é notificado da acusação, bem como para requerer, no caso de o processo seguir a forma comum, a abertura de instrução – n.º 2 do art. 395º do Código de Processo Penal.
2.5. A rejeição do requerimento pelo juiz e a fixação de sanção diferente da proposta pelo Ministério Público
O juiz poderá rejeitar o requerimento quando entender que a sanção proposta é manifestamente insusceptível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (onde anteriormente se previa a discordância da sanção proposta) – alínea c) do n.º 1 do art. 395º do Código de Processo Penal.
Actualmente, para a fixação de sanção diferente da proposta pelo Ministério Público, o juiz necessita da concordância do arguido e do Ministério Público (na anterior versão, bastava o consentimento deste último – n.º 2 do art. 395º do Código de Processo Penal) – art. 395º n.º 2 do Código de Processo Penal.
Sónia Fidalgo suscitou uma questão relativa a esta norma: saber se esta concordância pressupõe a notificação prévia do arguido (atento o disposto no n.º 2 do art. 395º e na alínea b) do n.º 1 do art. 396º do Código de Processo Penal). Ponderando o regime na sua globalidade, critica a opção do legislador quando exige, nesta fase, o consentimento do arguido. Com efeito, como se argúi na citada intervenção, se no momento em que é questionado, o arguido concordar com a sanção proposta pelo juiz, o processo prosseguirá e, nos termos da alínea b), n.º 1, do art. 396º, o arguido será notificado, desta vez por contacto pessoal, do despacho do juiz onde constará a sanção por este proposta (com a qual o arguido concordou previamente) para, querendo, o arguido se opor no prazo de 15 dias!.
Talvez por essa razão Paulo Pinto de Albuquerque conclui que o juiz deve ouvir previamente o MP, mas não tem de ouvir previamente o arguido, pois a concordância manifesta-se na sua não oposição ao despacho judicial.
2.6. Novo impedimento do juiz – alínea e) do art. 40º do Código de Processo Penal
2.7. O crime de violação de imposições, proibições ou interdições – art. 353º do Código Penal
Importa, outrossim, referir o artigo 353.º do Código Penal que dispõe, sob a epígrafe violação de imposições, proibições ou interdições, o seguinte: quem violar imposições, proibições ou interdições determinadas por sentença criminal, a título de pena aplicada em processo sumaríssimo, de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
Dir-se-á que finalmente se prevê uma consequência legal para os casos em que o arguido, condenado numa sanção não privativa da liberdade no âmbito de processo sumaríssimo, não cumpra essa sanção.
Maria João Antunes refere a este propósito que é de aplaudir que o legislador tenha colmatado a lacuna legal, mas levanta dúvidas quanto à adequação da consequência prevista, atentas as finalidades que se visam alcançar.
Sónia Fidalgo, no âmbito da sua intervenção nas Jornadas de Revisão do Código de Processo Penal, defendeu que o ilícito criminal em causa apenas se preenche quando em causa esteja o não cumprimento de uma sanção não privativa da liberdade diferente da pena de multa. Vejamos porquê.
Ora, o crime supra identificado visa assegurar o cumprimento de sanções impostas por sentença criminal que não possuam qualquer outro meio de assegurar a sua eficácia, sendo o bem jurídico protegido a não frustração de sanções impostas por sentença criminal.
Assim, conclui Sónia Fidalgo que, quando a pena aplicada em processo sumaríssimo seja a pena de multa principal que depois não for paga, a consequência a aplicar será a prevista no art. 49º n.º 1 do CP – pagamento coercivo por via da execução patrimonial (art. 491º do CPP) e, como “ultima ratio”, a conversão da multa não paga em prisão subsidiária.
Desta forma, o não cumprimento de uma pena de multa aplicada em processo sumaríssimo não conduz à prática de qualquer crime, mas já se preencherá o tipo do art. 353º do CP se for aplicada outra pena de substituição não privativa da liberdade.

[4] Sobre esta disposição legal, importa referir que caso o arguido se oponha ao requerimento do Ministério Público, deve o juiz remeter os autos para a forma comum, valendo o requerimento do Ministério Público como acusação.
Esta acusação deve ser notificada aos interessados pelos serviços do M.P. onde foi elaborado o requerimento, nos termos do art. 283º, nº 5 do CPP., de modo a poderem aqueles com legitimidade para tal requererem a abertura da instrução.
Neste sentido vejam-se os Acórdãos da Relação de Lisboa no Processo n.º 28435, de 25.06.02, no Processo 20075, de 18.03.03 e no Processo 3516/2003, da 3ª Secção, publicados e podendo ser consultados no site da DGSI (www.dgsi.pt/).
O Acórdão da Relação de. Guimarães de 06.01.03, in CJ XXVII, tomo I, pp. 299, opina também que:
“1. Deduzindo o arguido oposição ao requerimento acusatório do Ministério Público em processo sumaríssimo, deve o juiz reenviar os autos para processo comum, remetendo-os para o efeito ao Ministério Público, para que este proceda à notificação da acusação ao arguido.
2. É que, se os enviasse directamente para julgamento, o arguido, apesar de não concordar com o requerimento acusatório em processo sumaríssimo, tinha obrigatoriamente que sujeitar-se a um julgamento em processo comum sem lhe dar a possibilidade de requerer a instrução o que representava a eliminação de uma garantia de defesa.”
Tendo o Ministério Público tramitado o processo como processo sumaríssimo, a impossibilidade de notificação ao arguido da sanção proposta nos termos do art. 396º, nº1, al. b) por desconhecimento do seu paradeiro, inviabiliza que o processo prossiga naquela forma especial, devendo proceder-se também neste caso ao reenvio para a forma comum, sob pena de o processo se arrastar eternamente na forma sumaríssima.
Neste sentido, veja-se o Ac. R.L., de 11.10.01, in CJ XXVI, tomo 4, pp. 143, ou o Ac. R. Guimarães de 6 de Setembro de 2004, publicado e podendo ser consultado no site da DGSI. (www.dgsi.pt/).

[5] Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Volume 1, Verbo, 2000, pág. 306-309.

[6] E claro que relevaria sempre a posição do arguido, caso houvesse, em exemplo académico, duas diferentes declarações do arguido e do seu defensor, em sinais contrários.