Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3383/20.2T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: EMBARGO DE OBRA NOVA
OBRA
NÃO CONCLUSÃO DA OBRA
PREJUÍZO
Data do Acordão: 04/20/2021
Votação: MAIORIA COM VOTO DE VENCIDO PARCIAL
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUIZO L. C. DE COIMBRA – JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 362º, Nº 1, E 376º, Nº 1, E 397º DO NCPC.
Sumário: I - Se a parte discorda com o decido, tal não constitui nulidade, vício formal, mas antes invocação de ilegalidade, atinente a erro substancial.
II - A decisão sobre a matéria de facto apenas pode ser censurada, máxime quando alcandorada determinantemente em prova pessoal, quando os meios invocados pelo recorrente não apenas indiciem ou sugiram, mas antes imponham tal censura.

III - No embargo de obra nova a obra apenas assume este jaez quando não seja a essencial reprodução ou a repetição de facto anterior.

IV - No atinente ao requisito não conclusão da obra, esta deve considerar-se concluída, mesmo que faltando alguns trabalhos, estes, atento o cariz e fito da mesma, possam ser taxados de secundários ou complementares.

V - No tangente ao requisito prejuízo, urge - atento o cariz urgente dos procedimentos e a sua ratio de apenas acudirem a situações de inequívoco periculum in mora e a postergação ou mitigação neles do contraditório e da produção de prova, e sob pena de se banalizar/abusar do recurso a estes meios, com os inconvenientes daqui advenientes - que o embargo se reporte a obras relevantes, vg., que impliquem uma modificação substancial da coisa, e, por aplicação do requisito do procedimento cautelar comum – artºs 362º, nº 1 e 376º, nº 1 do CPC - , que o dano seja grave e dificilmente reparável, existindo assim urgência em atalhar ao mesmo.

VI- Assim, se na fachada de prédio é colocado um painel publicitário que é, na sua dimensão e finalidade, essencialmente igual a outro já antes existente no mesmo espaço, e estando, aquando do embargo extrajudicial, já colocado, faltando apenas apertar alguns parafusos e eletrificá-lo, o embargo, e a sua ratificação, são de indeferir, pois que a obra não é nova, já estava essencialmente concluída, e o prejuízo não é o bastante nem existe periculum in mora que justifiquem a providência.

Decisão Texto Integral:





ACORDAM NO TRIBUNAL DA  RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

I..., S.A., intentou contra D..., LDA e P..., LDA.  procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova.

Requereu que seja ratificado o embargo extrajudicial efetuado pela Requerente, com efeitos retroativos ao dia 01.09.2020.

As Requeridas deduziram oposição.

Na qual invocaram a intempestividade da providência, a deficiência do embargo extrajudicial e, por falta dos  seus pressupostos legais,  a improcedência  do pedido de ratificação e, ainda, peticionando a condenação da requerente como litigante de má fé.

A requerente respondeu à oposição.

Reiterando a sua posição inicial e impetrando a condenação da requerida P..., LDA como litigante de má fé.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Em face do exposto e sem outras considerações julgo a providência requerida improcedente por não provada e, consequentemente, da mesma absolvo as Requeridas».

3.

Irresignada recorreu a requerente.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

...

Contra alegaram as requeridas pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

...

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º, e 685-A º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas  são as seguintes:

1ª -  Nulidade da sentença – artº 615º nº1 al. d) do CPC.

2ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

3ª -  Procedência da providência.

5.

Decidindo.

5.1.

Primeira questão.

Clama a recorrente que a sentença é nula,  por omissão de pronuncia, pois que a sentença recorrida é totalmente omissa quantos aos factos que enumera, os quais considera relevantes para a boa decisão da causa.

Como é consabido, as nulidades  da sentença previstas no artº 615º do CPC, são meros vícios formais, «handicaps» intrínsecos à própria sentença, em si mesma considerada, que afetam a validade/idoneidade/virtualidade da sua idiossincrasia, enquanto, essencial e primeiro, instrumento jurídico comunicante do processo, o qual se pretende logicamente escorreito e conforme ao objeto do processo tal como delineado pelas partes.

E nada tendo a ver e/ou se confundindo com a maior ou menor curialidade, ou o erro, do, de direito e juridicamente, interpretado e decidido quanto a tal objeto.

Pois que, neste caso, não nos encontramos apenas no mero âmbito  formal da emissão/prolação/publicitação da sentença/acórdão, linear e formalmente adequado ao objeto dos autos, mas antes estamos no domínio do jurídico perspetivado ao quid substantivo/material, campo este que apenas  admite censura  se ao mesmo puder ser  assacada ilegalidade.

Prescreve o nº 1, al. d) de tal preceito que a sentença é nula quando:

 «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

Este segmento normativo conexiona-se com o estatuído nos arts. 154º e 608º do mesmo diploma, ou seja, com o dever do juiz administrar a justiça proferindo despachos ou sentenças sobre as matérias pendentes – artº 152º - e com a necessidade de o juiz dever conhecer das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.

E, bem assim,  de resolver todas as questõese apenas estas questões, que não outras, salvo se de conhecimento oficioso - que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – artº608º.

Porém, como é consabido e constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, não se devem confundir «questões» a decidir, com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes.

A estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas às pretensões formuladas e aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir – cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, 2005, p.228; Antunes Varela in RLJ, 122º,112 e, entre outros, Acs. do STJ de 24.02.99, BMJ, 484º,371 e de 19.02.04, dgsi.pt.

No caso vertente, e versus o entendido pela recorrente, inexiste o aludido vício.

Na verdade, na sentença o tribunal a quo pronunciou-se, de facto e de direito, e emitindo decisão final sobre tais aspetos.

O Tribunal pronunciou-se sobre os factos que considerou relevantes e, destes, sobre os que considerou provados e não provados, aduzindo a fundamentação que entendeu necessária e pertinente.

Por conseguinte, o tribunal cumpriu o disposto no artº 607º, nº 4 do CPC.

Se cumpriu bem ou se cumpriu menos bem, não é questão de nulidade da sentença, nos termos sobreditos, mas antes, no caso de ter cumprido mal, de violação deste segmento normativo e, assim, de ilegalidade do decidido.

E  esta ilegalidade, como a recorrente, ademais, acaba por concretizar, ataca-se mediante a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a qual pode ser alterada por este tribunal ad quem, nos termos do artº 662º do CPC.

5.2.

Terceira questão.

5.2.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido - artº 607º, nº 5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.2.2.

Finalmente, e como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve o recorrente efetivar uma análise concreta, discriminada – por reporte de cada elemento probatório a cada facto probando - objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas – cfr., neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

5.2.3.

O caso vertente.

Pretende a recorrente a prova dos seguintes factos:

- que a colocação de novo anúncio em 1-9-2020 implicou novas furações. - As Requeridas não têm autorização da Requerente para efectuar obras no prédio identificado em 1. (artigo 8º RI). - Esta missiva foi efectivamente recepcionada por essa Requerida, no dia 22.07.2020 (artigo 14º RI). - A fachada não tinha qualquer painel publicitário e a requerente pretendia manter a fachada sem painéis publicitários (artigo 14º RI). - A colocação do painel na fachada provoca danos na mesma (artigo 19º RI). - No dia 01 (um) de Setembro de 2020 (dois mil e vinte), pelas 16h45, as Requeridas ordenaram a colocação de um painel publicitário na fachada do prédio arrendado, sem a autorização da Requerente e contra as ordens dela (artigo 20º RI). - Faltava proceder à sua montagem (artigo 22º RI). - A obra que está a ser edificada pelas embargadas provoca danos na fachada, furando-a, causando infiltrações, danificando o reboco e a tinta, e tapando parte da fachada e das varandas do primeiro andar, causando, deste modo, danos no edifício propriedade da Embargante (artigo 33º RI). - Os danos na fachada (cfr. art. 10, 19 e 33), designadamente aqueles causados pelos furos (infiltrações, reboco e tinta danificados), fragilizam a estrutura de alvenaria, quantificando-se os mesmos em €10.000,00 (dez mil euros) (artigo 2º requerimento 21.09.2020). - Exigirá, a reparação dos furos / buracos, reposição da impermeabilização da fachada, pintura total ou parcial da fachada em função da eficiência das tentativas de reposição da cor, por forma a cor da fachada ficar homogénea (artigo 3º requerimento 21.09.2020).

O tribunal a quo fundamentou as respostas na prova produzida, analisando-a e valorando-a.

Mais concretamente, expendeu:

«Quanto à testemunha ..., engenheiro civil a quem a Requerente terá pedido um levantamento de danos na fachada do prédio e de soluções para os reparar, veio o mesmo indicar tais danos, os trabalhos necessários para os reparar e o valor do orçamento apresentado.

Quanto aos factos que mereceram resposta negativa, tal resultou da ausência de prova sobre essa factualidade, pela parte à qual a mesma incumbia, atentas as regras do direito probatório material.»

Já a recorrente pugna pelo deferimento desta pretensão invocando os depoimentos de parte do seu legal representante, ..., os depoimentos das testemunhas  ... e as fotografias juntas sob doc. 2 e 3 com as oposições das Requeridas e sob  os docs. 4 e 5 juntos  com o requerimento de 25.09.2020.

Foi apreciada a prova.

Dilucidemos.

Facto: - que a colocação de novo anúncio em 1-9-2020 implicou novas furações.

A prova produzida convence deste facto.

A prova pessoal pronunciou-se nesse sentido, afirmando que no local existem perfurações antigas que não foram usadas.

A prova documental corroborou tal pronúncia.

Outros factos provados – 12 e 15 – reiteram tal  jaez corroborante.

As leis da física e da lógica  apontam ainda que assim tenha sido: não sendo a estrutura que suporta o novo anúncio exatamente igual à anterior, muito dificilmente haveria coincidência que permitisse o aproveitamento das anteriores furações.

Facto:-As Requeridas não têm autorização da Requerente para efectuar obras no prédio identificado em 1.

Considerando que o momento/data da existência, ou não, de autorização da requerente para as requeridas efetuarem obras no prédio, se reporta a 01.09.2020, data em que estas  colocaram o reclamo, este facto probando dimana do facto provado 16, pois que, como deste consta,  em 17.07.2020 a requerente negou tal autorização.

E ainda que este facto provado fosse já suficiente para se concluir que a obra foi feita sem autorização – pois que não se provou que no ínterim que medeou entre julho e setembro a autorização sobreviesse – a prova deste facto torna a posição da requerente mais assertiva e inequívoca, pelo que, e porque ele também foi afirmado pela prova pessoal,  tal prova deve/pode ser concedida.

Facto - - Esta missiva foi efectivamente recepcionada por essa Requerida, no dia 22.07.2020 (artigo 14º RI).

Vale aqui, mutatis, mutandis, o dito quanto ao ponto anterior.

Efetivamente do ponto 16 já ressuma tal receção.

E esta é indiciada suficientemente pelos documentos  - registo e aviso de receção - invocados pela requerente.

Facto -  A fachada não tinha qualquer painel publicitário e a requerente pretendia manter a fachada sem painéis publicitários.

Dos factos provados 10, 11, 13 e 14, dimana que em 10.09.2020 inexistia qualquer painel publicitário.

No entanto, mais uma vez para que dúvidas não restem, e porque, de todo o processo emerge que a requerente não queria no locado, naquele tempo, qualquer painel publicitário, concede-se a prova deste facto.

 Com uma precisão, é que a inexistência de painel publicitário, verifica-se naquela data, e não desde sempre, como parece dimanar da redação proposta (já tinha existido antes, como ressuma dos factos provados).

Facto - No dia 01 (um) de Setembro de 2020 (dois mil e vinte), pelas 16h45, as Requeridas ordenaram a colocação de um painel publicitário na fachada do prédio arrendado, sem a autorização da Requerente e contra as ordens dela (artigo 20º RI).

Tal como alega a recorrente, o teor deste facto, na parte em que se refere à execução da obra, já consta no facto 18; e, no atinente à falta de autorização da requerente, dimana de outros dados como provados, quais sejam, os 11, 13, 14, 16, 20,  21, 23 e 25.

Ademais, o seu  legal representante  confirmou-o.

Porém, e mais uma vez para que possíveis dúvidas  se dissipem concede-se a prova autónoma do mesmo, nos seguintes termos: «A colocação do painel verificou-se sem a autorização da Requerente e contra as ordens dela»

Facto -  Faltava proceder à sua montagem

Este facto está, na sua essencialidade relevante, já provado no ponto 20.

Sendo, assim, redundante,  a sua prova não pode ser concedida.

Factos restantes, atinentes aos danos da obra e ao custo da sua reparação.

O depoimento de parte do representante da requerente, e, inclusive, a testemunha ..., sua funcionária, porque, aquele, a depor em causa própria e, ambos, a defenderem interesses, que,  direta ou indiretamente, de algum modo e/ou em certa medida, também são os seus – e sem que com esta asserção se queira por em crise a sua honestidade e probidade - , vale o que vale, ou seja, muito pouco.

E apenas podendo relevar decisivamente se alcandorados em razão de ciência inatacável e/ou forem corroborados por outros elementos de prova.

Ora da restante prova produzida, vg. do depoimento da testemunha ..., engenheiro que foi contratado pela requerente para avaliar a intervenção e os  danos da mesma, do que resulta, com certeza ou forte plausibilidade, é que para a execução da obra  foram feitos furos na fachada da prédio que provocaram o desprendimento de pedaços das cantarias.

Tudo o mais alegado, vg. as infiltrações e o preço da reparação dos danos, não ficou provado, pois que a própria testemunha ..., apesar de admitir aquelas, coloca-as apenas como uma possibilidade e ninguém foi capaz de, convincentemente, concretizar um valor.

5.2.4.

Por conseguinte, e no parcial deferimento desta pretensão, os factos a considerar são os seguintes, indo a negrito os aditados:

...

5.3.

Terceira  questão.

5.3.1

No tribunal recorrido foi decidido com invocação do seguinte, essencial, discurso argumentativo:

«…da factualidade provada resulta que a Requerente, sabedora de que era a 2ª Requerida que explorava o estabelecimento comercial de restauração instalado no locado, lhe reconheceu o direito de ter o anúncio publicitário afixado na parede da fachada do imóvel de que é proprietária, ao solicitar-lhe a respectiva remoção, para realizar obras de requalificação do prédio, no ano de 2014 ou 2015, e permitir-lhe a  respectiva recolocação. Tal reclamo aí permaneceu até data não concretamente apurada de Maio ou Junho de 2020, tendo a 2ª Requerida procedido à respectiva remoção e substituição, algumas semanas/meses depois, por outro reclamo publicitário, de dimensões equivalentes ao anterior.

Conforme refere Abrantes Geraldes, tem sido entendimento jurisprudencial restringir o embargo às obras relevantes, excluindo as meramente secundárias, os acabamentos ou os aproveitamentos de obras anteriores. A novidade que entra na qualificação do procedimento implioca que apenas possam ser embargadas obras que impliquem uma modificação substancial da coisa e não se traduzam em meras modificações superficiais ou na mera reconstrução de uma situação preexistente – ob. Cit., pág. 228.

Não se considera, assim, que o trabalho embargado consistisse em “obra, trabalho ou serviço novo”, mas sim na substituição de um reclamo por outro, consistindo a obra na furação da parede da fachada (tese da Requerente) ou na fixação do anúncio às furações pré-existentes (tese das Requeridas). A tal não obsta a circunstância de terem decorrido algumas semanas sem qualquer anúncio colocado na fachada do imóvel, colocação essa que terá sido atrasada pela perfuração acidental da canalização de água e subsequente reparação.

De resto, não se afigura legítima a proibição dirigida pela Requerente (à 1ª Requerida) na carta de 17-7-2020, que poderia configurar-se como um venire contra factum próprio.

É certo que os trabalhadores que a 2ª Requerida incumbiu de colocar o reclamo publicitário danificaram o edifício. Contudo, embora responsabilizando a 2ª Requerida perante a Requerente e obrigando-a a reparar os danos a que (por si ou por meio de comissário) deu causa, o acto de colocação do mencionado reclamo não é, em si mesmo, causa adequada à ocorrência de danos na fachada ou na estrutura do edifício. Ou seja, tal colocação não implica a danificação do edifício a qual terá ocorrido acidentalmente e que dará lugar à reparação pelo responsável.

Tampouco se provou que a respectiva colocação afecte a usufruição dos inquilinos/hóspedes dos andares superiores durante a noite.»

Perscrutemos.

5.3.2.

Nos termos do artº 397º do CPC:

«1 - Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente.

2 - O interessado pode também fazer diretamente o embargo por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar.»

Vemos assim que o embargo de obra nova depende da verificação, cumulativa, de vários requisitos, dos quais sobressaem a necessidade de se tratar de obra, trabalho ou serviço, novo, não concluído, e que cause ou ameace causar prejuízo.

No atinente ao requisito novidade.

A obra apenas assume o jaez de nova quando:

«não seja a reprodução ou a repetição, pura e simples, de facto anterior. (…) Se um indivíduo reconstrói um prédio urbano sem alterar os limites nem a estrutura da obra primitiva, é claro que o embargo não tem razão de ser»  - Alberto dos Reis in CPC Anotado, Vol II, 3ª edição, pág. 63.

No caso vertente tal cariz não está presente.

Ainda que nas semanas anteriores no prédio não estivesse colocado o painel publicitário – sem se saber o motivo concreto, mas sem que se tenha apurado que as requeridas dele desistiram - certo é que o estabelecimento, nos largos anos precedentes, sempre teve um igual ou muito similar.

Assim, e independentemente de pequenas diferenças de pormenor que possam existir entre o anterior painel e o colocado em 01.09.2020, quer no teor da mensagem do painel, quer, até, na (não) exata coincidência na sua colocação na superfície da fachada do prédio, certo é que estes pormenores são irrelevantes para -  quer considerando a igual ou muito semelhante mensagem publicitária que o anterior painel e o presente pretendem difundir, quer o essencialmente mesmo local e  área ocupada pelos mesmos -, que se possa considerar que o painel presente constitui obra nova.

Antes, pelo contrario, se podendo e devendo concluir que ele apenas representa uma mera reprodução ou repetição do anterior.

Assim sendo, ademais, e desde logo a montante da análise da natureza de obra nova, tendo o reclamo sempre existido no âmbito de um válido e assumido contrato de arrendamento e com a anuência dos anteriores locadores e da própria requerente, é no mínimo discutível, que a requerente possa invocar  que lhe assiste o direito a não ver colocado o painel em causa e que, colocado ele, este direito foi violado.

Antes, inclusive, se afigurando mais defensável que é antes às requeridas que assiste jus, quer por força dos direitos e deveres dimanantes do contrato, quer, porventura, como se aduz na sentença, ex vi do chamamento da figura do venire contra factum próprium,  a continuarem a ver implantado na fachada, como sempre esteve -  ao menos nos seus essenciais e determinantes contornos físicos, e de ocupação de espaço da fachada -, o reclamo.

No tangente ao requisito da não conclusão da obra.

Entende-se que a obra se deve considerar concluída quando, tendo-se verificado ou estando em marcha a realização  do prejuízo, este já não possa ser aumentado pela prossecução daquela, nem eliminado pela sua suspensão.

Assim, a obra deve considerar-se concluída, mesmo que faltando alguns trabalhos, estes, atento o cariz e finalidade da mesma, possam ser taxados de secundários ou complementares – cfr. Acs. da RP de 28/5/85, C.J. ano X, tomo III, pág.250, da RP de  10/1/2002, e da RC de 13.01.2004, p. 3200/03, estes in dgsi.pt.

No caso sub judice, vistos e interpretados os factos provados, é, outrossim, de concluir que a obra, aquando do embargo extrajudicial, já estava concluída.

Efetivamente, no caso vertente apurou-se que:

 19…o painel publicitário estava colocado na fachada do edifício, sobre o r/c.

E que:

20- Faltava afixar o mesmo e montar a respectiva instalação eléctrica, que consistia na ligação de dois focos, um de cada lado do painel.

Vemos assim que a obra, quer em si mesma considerada, quer nos efeitos – publicitários – que dela se pretendiam, já estava concluída.

A inexistência de iluminação não retirava ao reclamo o seu cariz publicitário e pouco lhe acrescentaria.

 Ademais, o remate final da sua completa e cabal fixação e a própria instalação elétrica que faltavam, não eram conditio sine qua non para consecutir tal jaez e estes efeitos, ao menos na sua essencialidade relevante.

Finalmente, se a estes factos juntarmos a alegação da própria requerente que as requeridas, para a fixação do painel, fizeram perfurações novas que danificaram a fachada,  e assentando o seu pedido de indemnização nestes prejuízos, conclui-se que o embargo da obra, e, por maioria de razão, a sua presente ratificação, em nada contribui para evitar tais prejuízos.

Por último, mas não de somenos, antes pelo contrário, o requisito prejuízo.

Tem este conspeto dilucidativo a ver com a aplicação, ou não, a esta providência, de um dos requisitos do procedimento cautelar comum, o periculum in mora, ou seja, da necessidade, ou não, de o requerente alegar e provar indiciáriamente o fundado receio de que o seu direito sofrerá lesão grave e de difícil reparação, se não for de imediato tutelado pela providencia peticionada.

Quanto a este ponto a doutrina e a jurisprudência encontram-se divididas.

Para uns:

 «o requisito do receio de "lesão grave e dificilmente reparável" contemplado no artigo 381º, n. 1 do CPC para as providências cautelares não especificadas não é aplicável às providências especificadas, designadamente ao embargo de obra nova … em relação a cada uma das providências especificadas, a lei prevê determinados fundamentos, respeitantes ao dano causado ao direito do requerente…; por isso, a aplicação subsidiária prevista no citado artigo 392º, n. 1 não abrange aquele fundamento; em particular com referência ao embargo de obra nova, o "prejuízo" confunde-se com a própria violação do direito do requerente ou da sua posse e a função essencial da providência é o julgamento antecipado (embora provisório), de modo a evitar-se que aquela violação perdure por período mais ou menos longo» - Ac. do STJ de  29-06-99, p. 99A48 dgsi.pt.

  Ou seja, o prejuízo não carece de valoração autónoma, pois de alguma forma já está ínsito na ofensa do direito, o prejuízo consiste exatamente nessa ofensa, não sendo necessário alegar a existência de perdas e danos, por o dano ser jurídico.

Desde que o facto tem a feição de ilícito, porque contrário à ordem jurídica concretizada num direito de propriedade, numa posse ou fruição legal, tanto basta para que haja de considerar-se prejudicial para efeitos de embargo de obra nova - cfr. ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, vol 2º, pág.63 e sgs., MOITINHO DE ALMEIDA, Embargo ou Nunciação de Obra Nova, pág.30,; Ac RC de 8/1/91, C.J,  1º, .42,  Ac. RE de 29/11/2001, C.J,5º,253  e Ac. RP de 23.02.2012, p. 1543/11.6TBMCN.P1 in dgsi.pt.

  Já para outros a instauração de uma providência cautelar não pode ter como fundamento apenas meros incómodos, ou meras ofensa normativas e formais, mas, antes concretas desvantagens, destruição, diminuição ou desvalor, em suma, um dano ou prejuízo objetivo, efetivo, verdadeiro, real, in natura, grave, substancial e dificilmente reparável – Cfr. Batista Lopes, in Procedimentos Cautelares, p.141, cit. por A. Geraldes, Temas, 4º, 246 e Ac. RE de 02.12.1982 e 19.04.1990, BMJ, 324º, 637 e 396º,457; Ac. RP de  03-06-2004, dgsi.pt, p.0433091 e da RC de 02-10-2007,dgsi.pt,  p.  554/04.

Na verdade, e no que concerne à presente providência:

«tem sido entendimento jurisprudencial restringir o embargo às obras relevantes, excluindo as meramente secundárias…a “novidade” que entra na qualificação do procedimento implica que apenas possam ser embargadas obras que impliquem uma modificação substancial da coisa e se não traduzam em meras modificações superficiais…a obras que, embora não sejam necessariamente permanentes, se caracterizem por uma certa estabilidade» - cfr. A. Geraldes, Temas, 2ª ed., 4º, 244.

  Propendemos para esta última tese.

  Vejamos.

  Com as providências cautelares visa-se alcançar uma decisão provisória do litígio, quando ela se mostre necessária para assegurar a utilidade da decisão, o efeito útil da ação definitiva a que se refere o artigo 2.°, n° 2, do CPC; ou seja, a prevenir as eventuais alterações da situação de facto que tornem ineficaz a sentença a proferir na ação principal, que essa sentença (sendo favorável) não se torne numa decisão meramente platónica - A. Varela, Manual de Processo Civil, pág. 23.

  Efetivamente:

 «Os procedimentos cautelares constituem instrumentos processuais destinados a prevenir a violação grave ou de difícil reparação de direitos, derivada da demora natural de uma decisão judicial, donde que seja necessário, em primeiro lugar, que o requerente do procedimento cautelar justifique, mesmo de forma sumária, o seu direito»  - Ac. da RC de  18-10-2005, p. 2692/05, dgsi.pt.

Ou, noutra perspetiva ou nuance:

«Os procedimentos cautelares são meios expeditos que têm por fim assegurar os resultados práticos da acção, evitar prejuízos graves ou antecipar a realização do direito, conciliando, na medida do possível, o interesse da celeridade com o da ponderação, mas não podendo as partes pretender torná-los em substitutos do procedimento comum como forma rápida de realização dos seus interesses.»  - cfr. Alberto dos Reis, in BMJ, nº 3, pág. 35.

(sublinhado nosso)

  Assim sendo, e  em sede de procedimentos cautelares comuns, entende-se, no que tange à lesão ou prejuízo, que apenas as lesões graves e de difícil reparação ou irreparáveis merecem a tutela provisória.

Consequentemente, ficam afastadas do círculo de interesses acautelados por ele, ainda que irreparáveis ou de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo modo que são excluídas as lesões graves mas facilmente reparáveis - Cfr. António Abrantes Geraldes, Temas - III Vol. 3ª ed. pág. 101.

Até porque nos procedimentos cautelares o risco de decisões injustas, porque dissociadas da realidade substancial, decorrente, da possível postergação do contraditório e das menores exigências em termos probatórios, é sempre maior do que em sede de ações definitivas – cfr. Aut. e ob. cits. p. 111.

Ora estas considerações, que se têm por assentes na doutrina e jurisprudência, aplicam-se às providencias nominadas.

Pois que, nos termos do artº 376º, nº 1 do CPC:

«Com exceção do preceituado no n.º 2 do artigo 368.º, as disposições constantes desta secção são aplicáveis aos procedimentos cautelares regulados na secção subsequente, em tudo quanto nela não se encontre especialmente prevenido».

Ou seja, importa, para o afastamento dos princípios atinentes ao procedimento cautelar comum, que tal afastamento seja a solução inequivocamente mais defensável, face aos elementos lógico e teleológico da hermenêutica jurídica, na perspetivação e enquadramento da natureza e finalidades da globalidade dos procedimentos cautelares.

E sendo certo que tal génese, natureza, essência e finalidade primordial – assegurar o efeito útil da ação definitiva - de todos as providencias é, senão a mesma, pelo menos idêntica ou similar.

Destarte, entendemos que tal afastamento não se verifica no embargo de obra nova no concreto ponto que nos ocupa.

Já que o artº 397º continua a exigir que a ofensa do direito resulte de uma obra, trabalho ou serviço que lhe cause ou possa causar prejuízo.

Isto é, não releva uma qualquer ofensa, mas antes a ofensa de que resulte prejuízo.

Naturalmente que este prejuízo, no âmbito de uma qualquer providência cautelar, como seja a presente, não pode ser um qualquer  e minudente prejuízo, quer na vertente qualitativa, quer na quantitativa.

Naquela é óbvio - sob pena de retornarmos a uma desfazada e anquilosada jurisprudência dos conceitos - não basta uma mera lesão jurídica, pairando formal e abstratamente, mas antes se deve exigir uma real, efetiva e objetiva lesão in natura.

Nesta, - sob pena de se banalizar o presente procedimento cautelar, fomentando-se o recurso abusivo ao mesmo, com todos os inconvenientes daí advenientes, designadamente para a economia de meios – pois que ao procedimento, por via de regra segue-se a ação definitiva – e  a consecução da justiça material - pois que, como se disse,  por via de regra, aqui o contraditório não é exercitado  e os meios probatórios são escassos – não basta um qualquer despiciendo ou minudente dano, lesão ou prejuízo, mas antes um prejuízo relevante e, na perspetiva das possibilidades das partes, rectius do requerido, irreparável ou de difícil reparação.

Só assim se justificando o chamamento desta – como, regra geral, de qualquer outra – providência, a qual tem cariz excecional e apenas pode ser usada em situações de urgência e cabal necessidade, quando a ação de que é dependente não possa, atempadamente, apreciar e tutelar – pelas vias normais e com plena igualdade de armas dos litigantes – o pedido do autor.

  Efetivamente e como já resulta do supra exposto, há que ter em conta que:

 «Nas providências cautelares o risco de decisões injustas, decorrente das menores exigências em termos probatórios, é sempre maior do que em sede de acções definitivas, o que pode acarretar graves consequências, maxime nas de cariz antecipatório as quais excedem a natureza simplesmente cautelar ou de garantia, aproximando-se de medidas de índole executiva, pois que garantem, desde logo e independentemente do resultado que se obtiver na acção principal, um determinado efeito.» - Cfr. Ac. da RL de 30-05-2006, p. 2562/2006-1,  in dgsi.pt, de que o presente também foi relator.

  Este entendimento sai ainda reforçado se atentarmos no disposto no artº 401º do CPC  o qual, já depois de embargada a obra, admite  a possibilidade da autorização da sua continuação, a requerimento do embargado, em dois casos :

   - quando se reconheça que a demolição restituirá o embargante ao estado anterior à continuação;

   - quando se apure que o prejuízo resultante da paralisação da obra é consideravelmente superior ao que poderá advir da sua continuação.

  Ou seja, do embargo de obra emerge um conflito de interesses traduzido no interesse do dono da obra na sua continuação e no interesse do embargante na sua suspensão.

E no confronto entre os dois prejuízos - o resultante da suspensão da obra e o resultante da continuação -, isto é, entre as vantagens emergentes da providência e os prejuízos que dela podem advir para o embargado, deve prevalecer o interesse mais valioso.

Tanto assim que se se concluir que o prejuízo do requerido é mais relevante, deve ser-lhe permitida a continuação da obra, desde que preste caução.

Este preceito – artº 401º -  e não obstante a não aplicação do nº 2 do artº 368º aos procedimentos especificados imposta pelo artº 376º, nº 1, consubstancia-se, como uma exceção a esta exceção, ou seja – e no que ao embargo de obra nova concerne – como uma repristinação deste segmento normativo, posto que condicionado à prestação de caução.

Ora se a aferição da magnitude do prejuízo dos litigantes releva nesta fase já avançada do processo, mal se compreenderia que ela não tivesse qualquer relevância logo no seu início, quanto mais não seja para se fazer uma triagem relativamente aos casos em que são alegados danos cuja irrelevância ou minudência não justifique este procedimento excecional e urgente, indeferindo-se os mesmos liminarmente e, assim, se ganhando em termos de racionalização dos meios e da sua adstrição ao julgamento daqueloutros que efetivamente clamam aquela urgência.

  No caso vertente, este requisito, a irreparabilidade do prejuízo, ou, ao menos, a sua magna gravidade que tenha virtualidade e força bastantes para fazer despoletar um procedimento urgente, apreciado com limitações processuais e probatórias, mas que pode já ter efeitos, por vezes graves e/ou, até, irreversíveis, na esfera jurídica de uma partes, não se encontra, meridianamente, presente.

Quer porque não foi provado, quer porque nem sequer foi alegado em termos concretamente quantificados, no requerimento inicial.

Este é, claramente, um caso em que a fattispeccie que lhe subjaz não assume, a todos os títulos, magnitude e gravidade bastantes para que se possa deitar mão, sem o banalizar, e com todos os riscos que encerra, do procedimento cautelar do embargo de obra nova.

Antes a ação principal e definitiva se assumindo - , com emergência  nela de todas as suas exaustivas garantias processuais em temos de exercício do contraditório e de apresentação de probatória -, o palco  adequado para dirimir e fixar os direitos e deveres dos litigantes.

Improcede o recurso.

6.

Sumariando – artº 663º, nº 7 do CPC:

I - Se a parte discorda com o decido, tal não constitui nulidade, vício formal, mas antes invocação de ilegalidade, atinente a erro substancial.

II - A decisão sobre a matéria de facto apenas pode ser censurada, máxime quando alcandorada determinantemente em prova pessoal, quando os meios invocados pelo recorrente, não apenas indiciem ou sugiram, mas antes imponham tal censura.

III - No embargo de obra nova, a obra apenas assume este jaez quando não seja a essencial reprodução ou a repetição de facto anterior;

IV - No atinente ao requisito não conclusão da obra, esta deve considerar-se concluída, mesmo que faltando alguns trabalhos, estes, atento o cariz e fito da mesma, possam ser taxados de secundários ou complementares. 

V - No tangente ao requisito prejuízo, urge -  atento o cariz urgente dos procedimentos e a sua ratio de apenas acudirem a situações de inequívoco periculum in mora e a postergação ou mitigação  neles do contraditório e da produção de prova, e sob pena de se banalizar/abusar d/o recurso a estes meios, com os inconvenientes daqui advenientes -  que o embargo se reporte a obras relevantes, vg., que impliquem uma modificação substancial da coisa,  e, por aplicação do requisito do procedimento cautelar comum – artºs  362º, nº 1 e 376º, nº 1 do CPC - , que o dano seja grave e  dificilmente reparável, existindo assim urgência em atalhar ao mesmo.

VI- Assim, se na fachada de prédio é colocado um painel publicitário que é, na sua dimensão e finalidade, essencialmente igual a outro já antes existente no mesmo espaço,  e estando, aquando do embargo extrajudicial, já colocado, faltando apenas apertar alguns parafusos e eletrificá-lo,  o embargo, e a sua ratificação, são de indeferir, pois que a obra não é nova, já estava essencialmente concluída, e o prejuízo não é o bastante nem existe periculum in  mora que justifiquem a providência.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a sentença no que tange ao não decretamento da providência, e continuando o processo nos termos decididos quanto ao recurso da decisão interlocutória.

Custas deste recurso pela recorrente.

Coimbra, 2021.04.20.


Voto de vencido parcial

Concordo com o decidido.

Mas discordo quanto aos fundamentos, concretamente quanto ao 3º fundamento, espelhado no ponto V do sumário, pois no meu entendimento não é necessário que o prejuízo previsto no art. 397º nº 1, do NCPC, "seja grave e dificilmente reparável".

Moreira do Carmo