Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
399/05.2GBTNV.C3
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR OLIVEIRA
Descritores: COMPARTICIPAÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
CO-ARGUIDO
Data do Acordão: 02/01/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TORRES NOVAS - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 402º E 403º, DO C. PROC. PENAL
Sumário: Em casos de comparticipação, a decisão condenatória transita em julgado, em relação a cada co-arguido, logo que, em relação ao mesmo, a sentença não seja susceptível de recurso ou reclamação.
Decisão Texto Integral: I. Relatório

No processo comum colectivo 399/05.2GBTNV do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas os arguidos A... e B... foram condenados:

- como co-autores materiais de um crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 204º, nº 2 alínea e) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão para cada um deles;

- o arguido B... como autor material de:

- um crime de furto qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204.º, n.º 1, alínea f), ambos do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;

- um crime de furto qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 203º e 204º, n.º 2, alínea e), na pena de 3 (três) anos de prisão;

- um crime de furto qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 203º e 204º, n.º 2, alínea e), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;

- um crime de furto simples (desqualificado pelo valor), na forma consumada, p. e p. pelos artigo 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e) e n.º 4, com referência ao artigo 202.º, alínea c) todos do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão;

- um crime de furto simples (desqualificado pelo valor) sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e) todos do Código Penal, na pena de 40 (quarenta) dias de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi o arguido B... na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão efectiva.

Foi suspensa a execução da pena em que foi condenado o arguido A....

O arguido B… interpôs recurso da decisão condenatória para esta Relação que foi rejeitado por decisão de 15.6.2011, transitada em julgado.

O arguido A... interpôs igualmente recurso para esta Relação que foi decidido por acórdão de 19.10.2011 que já transitou em julgado.

Por despacho de 13.7.2011 foi ordenado que o arguido cumprisse a pena de prisão em que foi condenado.

Em 25.7.2011 foi o arguido detido para cumprimento da pena de prisão em que foi condenado.

Em 20.9.2011 o arguido requereu a declaração de nulidade do despacho que ordenou o cumprimento da pena.

Tal requerimento foi objecto de despacho de indeferimento.

Inconformado com essa decisão dela recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:

1. Por despacho de 15 de Julho de 2011 foi ordenada a emissão dos competentes mandados de detenção do arguido a fim de este cumprir a pena de prisão efectiva em que foi condenado.

2. O arguido, inconformado com o teor de tal despacho requereu a declaração da sua nulidade bem como a nulidade de tudo o mais decidido subsequentemente nos autos,

3. Nomeadamente a ilegalidade da sua prisão.

4. Tendo requerido a sua imediata libertação.

5. Por despacho de 24 de Outubro de 2011 foi indeferido o requerido pelo arguido.

6. O indeferimento de tal despacho assentou no entendimento de que o recurso do co-arguido A... é autónomo e não impede a formação de caso julgado relativamente ao ora recorrente

7. Verificando-se uma verdadeira "condição resolutiva" do caso julgado parcial que não prejudica a sua formação.

8. Contudo, contrariamente ao decidido o alegado efeito extensivo do recurso "impede a formação de caso julgado" relativamente ao recorrente,

9. Não podendo considerar-se que estamos perante uma condição resolutiva do caso julgado parcial que não prejudica a formação de caso julgado relativamente ao arguido ora recorrente.

10. No caso dos autos não é legalmente admissível a existência de condição resolutiva do caso julgado.

11. Os efeitos da sentença condenatória relativamente ao arguido ora recorrente encontram-se suspensos por força do efeito suspensivo do recurso interposto pelo co-arguido A....

12. O recurso interposto pelo arguido A...  não é fundado em motivos extremamente pessoais,

13. Pelo que, por se tratar de crime em comparticipação tal recurso aproveita ao arguido ora recorrente.

14. Com efeito nos termos do disposto na aliena a) do n° 2 do Art° 402 do CPP o recurso interposto por um dos arguidos não seja fundado em motivos estritamente pessoais, em caso de comparticipação, aproveitam os restantes arguidos.

15. O recurso interposto pelo co-arguido A... aproveita ao arguido ora recorrente.

16. Tal aproveitamento determina que a sua actual prisão seja manifestamente ilegal e inadmissível.

17. O acórdão condenatório do arguido não transitou em julgado,

18. Pelo que a sua prisão actual é manifestamente ilegal,

19. Devendo o arguido ser de imediato restituído à liberdade.

TERMOS EM QUE

Deve o presente recurso merecer provimento revogando-se o douto despacho recorrido declarando-se a nulidade do despacho de 15 de Julho de 2011 e de tudo o mais processado subsequentemente nos autos, restituindo-se, de imediato, o arguido à liberdade,

COMO QUE EM NOSSO ENTENDER SE FARA JUSTIÇA

O Ministério Público respondeu ao recurso interposto, concluindo o seguinte:

I

Os factos dados como provados permitem perceber que, entre as 12H30 do dia 05/04/08 e as 12H00 do dia 06/04/08, o recorrente acompanhado do arguido, A..., na sequência de decisão conjunta, arrombaram a porta da entrada principal e por aí se introduziram nas instalações da firma " P... , Lda " , na ... , na cidade de Torres Novas , onde, após forçarem as portas e abrirem um armário retiraram um cofre que continha 170,00 € em notas do Banco Central Europeu e ainda as chaves dos veículos automóveis, matrículas FI... e FI... , estacionados em frente do estabelecimento, de tudo se apoderando.

II

O acórdão condenatório proferido a 21.12.2010 transitou em julgado relativamente ao recorrente, por força da notificação do despacho de rejeição do recurso por aquele apresentado, datado de 15.06.2011, ao "então " mandatário do recorrente; sem qualquer reclamação.

III

Não se apura, perante o formado caso julgado parcial, qualquer nulidade, ao contrário do afirmado pelo recorrente, no despacho proferido a 13.07.2011 ( assim como todos os despachos subsequentes, como o de liquidação da pena de prisão), que ordenou , após trânsito em julgado do acórdão condenatório, a emissão dos competentes mandados de detenção e condução do arguido ao E P. para cumprimento da pena de prisão em que foi condenado.

IV

A admissão e pendência do recurso interposto pelo co-arguido A..., apesar do seu efeito suspensivo da decisão condenatória, até em benefício do recorrente, não pode retardar a definição da sua situação nos autos e, por isso, não lhe é extensivo.

V

No sentido de que o recurso interposto pelo co-arguido não produz efeitos em relação ao recorrente, por força do designado caso julgado parcial, decidiu o Acórdão do STJ, de 07.07.2005, Proc. n.º 2546/05 - 5.ª secção Santos Carvalho (relator), em www.dgsi.pt., com o seguinte sumário

"I - A medida coactiva de prisão preventiva extingue-se, entre outros casos, com o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 214.º, n.º 1, al. e), do CPP, sendo que, como dispõe o art. 677.º do CPC, aqui aplicável por força do art. 4.º do CPP, a decisão considera-se passada ou transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação nos termos dos arts. 668º e 669.º,

II - Assim, para o requerente, a decisão condenatória transitou em julgado, pois dela não interpôs recurso ordinário nem deduziu qualquer reclamação.

III - Desde que o interessado não recorra da sentença, esta adquire a força de caso julgado parcial (em relação a ele), sem prejuízo de se vir a verificar uma condição resolutiva por procedência de recurso interposto por comparticipante e, ainda aí, sem violação da proibição de reformatio in pejus (cf art. 409º do CPP).

IV - O requerente está, assim, em cumprimento de pena e não em prisão preventiva."

"(…) V - Vem sendo jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal que em casos de comparticipação, e tendo em conta entre o mais o disposto na al. d) do n.º 2 do art. 403.º, forma-se caso julgado parcial em relação aos arguidos não recorrentes: estes passam a cumprir pena, sem prejuízo do recurso interposto por qualquer dos comparticipantes lhes poder aproveitar – Acs. de 07-07-05, 08-03-06, 07-06-06 e de 07-02­07, respectivamente nos Procs. n.ºs 2546/05 - 5.ª, 886/06 - 3.ª, 2184/06 - 3.ª e 463/07 - 3.ª.

VI - Daí se falar, em relação a eles, de caso julgado sob condição resolutiva. a partir da disciplina do art. 403.º - cf. Cunha Rodrigues, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, pág 388, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 335, e Simas Santos/Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, pág. 73.

VII - Tendo o arguido visto confirmada a sua condenação pelo Tribunal da Relação e não tendo interposto recurso, a mesma, quanto a si, transitou em julgado, encontrando-se em cumprimento de pena (arts. 677.º a 669.º do CPC, ex vi art. 4. ° do CPP).

VIII - Ora, não se encontrando em prisão preventiva, falece o primeiro pressuposto da providência de habeas corpus, que assim é indeferida"

Ainda o Acórdão do STJ de 27.09.2007, Proc. n° 07P3509, Relator: Souto de Moura, disponível em www.dgsi.pt.

"I - Considera-se autónomo o recurso do comparticipante, sem prejuízo de, caso venha a ser julgado procedente, poder beneficiar também a situação dos co-arguidos não recorrentes.

II - Contudo, o efeito extensivo do recurso não impede a formação de caso julgado relativamente aos interessados não recorrentes.

III - Trata-se de uma verdadeira "condição resolutiva" do caso julgado parcial que não prejudica a sua formação." – Acórdão do TRP, de 14.09.2011, Proc. 636/08.1TAVRL.P2, Relator: Élia São Pedro, disponível em www.dgsi.pt.

VI

Não existe, portanto qualquer fundamento legal que suporte a tese do recorrente.

VII

Ao considerar o caso julgado parcial e o trânsito em julgado do acórdão condenatório proferido nos autos em relação ao arguido José Rodrigues, bem andou o M.º Juiz a quo, no despacho de 13. 07.2011, ao ordenar o cumprimento da pena por parte do recorrente, com a emissão dos competentes mandados de condução ao E.P.

VIII

É legal a detenção para cumprimento da pena de prisão efectiva - pena única de quatro anos e dez meses de prisão - em que foi condenado nos autos em epigrafe, na sequência do despacho de 15/07/2011 e da aí ordenada passagem de mandados de detenção para cumprimento da mesma pena.

IX

Por isso bem indeferida foi, por despacho de 24/10/2011, a requerida imediata restituição à liberdade e a declaração de nulidade e revogação do despacho inicial bem como do processado subsequente.

X

Transitando o acórdão parcialmente quanto ao recorrente, formou-se caso julgado parcial e, ainda que esteja, como está por decidir o recurso interposto pelo co - arguido, A...; a decisão deste constitui condição resolutiva que se traduz em estender-lhe a reforma "in melior " do decidido,

XI

Não se mostra violado o art.º 402º, nºs 1 e 2, al. a) do CPP, apesar da dada como provada comparticipação, nem qualquer outra disposição legal

XII

Assim, por bem fundamentado e sem que se apure qualquer nulidade.

XIII

Merece inteira confirmação o despacho recorrido.

Assim farão , Vªs Ex.ªs JUSTIÇA!

O recurso foi objecto de despacho de admissão.

A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser rejeitado por ser manifesta a sua improcedência.

 

Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo ocorrido réplica.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.


***

II. Fundamentos da Decisão Recorrida

A decisão recorrida é do seguinte teor que se transcreve

Requerimento de 22.09.2011:

Veio o arguido B… "requerer a declaração de nulidade do despacho de fls. de 13 de Julho de 2011 e bem assim de tudo o mais praticado subsequentemente nos autos relativamente ao ora requerente, declarando-se a ilegalidade da sua prisão, ordenando-se a sua imediata libertação. Considerando que não se verificam relativamente ao arguido quaisquer dos pressupostos previstos no Art. 204º do CPP, deverá ser imposta ao arguido a medida de coacção de apresentações periódicas na PSP desta cidade, mesmo diárias, caso se entenda tal como necessário, tudo até à decisão final a proferir em sede do recurso interposto do acórdão condenatório que corre seus termos pelo Tribunal da Relação de Coimbra. "

Para tanto alegou, em suma, que a prisão do arguido é manifestamente ilegal e inadmissível, já que o acórdão condenatório proferido nos presentes autos a 21.12.2010 ainda não transitou em julgado.

Argumenta o arguido que interpôs recurso tempestivamente para o Tribunal da Relação, porém o recurso foi rejeitado a 15.06.2011. "Notificado de tal despacho o então mandatário do arguido dele não reclamou. Contudo tal inércia ficou a dever-se ao facto do mesmo se encontrar doente e hospitalizado o que o impediu de praticar tal acto, tempestivamente. Verificando-se, no entender do requerente uma situação indiscutível de justo impedimento. O A. porque não foi notificado de tal despacho, ficou impedido de contra ele reagir ".

E na sequência do despacho de 13 de Julho de 2011, o arguido decidiu entregar-se voluntariamente no E.P. das Caldas da Rainha a fim de cumprir o doutamente decidido, onde se encontra actualmente.

Todavia, defende o arguido que o acórdão condenatório ainda não transitou em julgado, porquanto o co-arguido A...  recorreu, beneficiando o arguido B… de todos os efeitos atribuídos ao recurso daquele arguido, em especial do efeito suspensivo do acórdão condenatório. Assim, pugna pela declaração de nulidade do despacho de 13.07.2011 e consequente processado.

Por fim, argumenta que, como o arguido se apresentou voluntariamente no E.P., não existe qualquer perigo de fuga ou qualquer um dos perigos previstos no art. 2040 do CPP, pelo não lhe deve ser aplicada a medida de coacção de prisão preventiva.

O MP pugnou pela improcedência do requerido pelo arguido (pese embora ter tramitado como recurso, o que salvo o devido respeito discordamos).

Cumpre apreciar e decidir.

O despacho de 13.07.2010, colocado em causa pelo arguido, ordenou o início do cumprimento pena de prisão efectiva a que foi condenado o arguido, com a passagem de mandados de detenção, já que o recurso interposto por este arguido foi rejeitado por extemporaneidade. Assim, o Acórdão condenatório proferido nos autos transitou em julgado relativamente a este arguido B… .

Ora, o arguido vem invocar que não reclamou do despacho de rejeição do recurso alegadamente porque notificado de tal despacho o então mandatário do arguido dele não reclamou, uma vez que se encontrava doente e hospitalizado o que o impediu de praticar tal acto, tempestivamente, invocando por conseguinte o justo impedimento.

Nos termos do artigo 146º do Código de Processo Civil (aplicável por força do art. 40 do CPP), "considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto."

Compulsados atentamente os presentes autos (traslado), verifica-se que o ora mandatário do arguido José e subscritor do requerimento em análise, o Ilustre Advogado Dr. … , somente juntou procuração forense a 26.08.2011, sendo que anteriormente o arguido era representado pelo Ilustre Advogado Dr. … . E como o próprio arguido afirma, tal despacho de 15.06.2011 foi notificado ao arguido e ao seu mandatário, conformando-se com o mesmo. Tanto mais que invoca que "na sequência de tal despacho do Tribunal da Relação de Coimbra e do seu malogrado transito foi proferido o despacho de fls. 13 de Julho de 2011".

Dispõe ainda o n.º 2 do art. 146° do Código de Processo Civil que "a parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respectiva prova", o que não foi feito. De facto, não juntou o arguido qualquer prova do alegado (sendo que a prova do suposto justo impedimento deveria ser junta pelo então Ilustre Mandatário do arguido aquando do recebimento do despacho da Relação de 15.06.2011).

Assim, não assiste qualquer razão ao arguido.

Argumenta ainda o arguido que o acórdão condenatório ainda não transitou em julgado, porquanto o co-arguido A...  recorreu, beneficiando o arguido B… de todos os efeitos atribuídos ao recurso daquele arguido, em especial do efeito suspensivo do acórdão condenatório. Assim, pugna pela declaração de nulidade do despacho de 13.07.2011 e consequente processado.

Também aqui consideramos que não assiste razão ao arguido.

Vejamos então.

O Código de Processo Penal consagra, no seu artigo 403°, nº 1, o princípio da cindibilidade dos recursos, segundo o qual "é admissível a limitação do recurso a uma parte da decisão quando a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tomar possível uma apreciação e uma decisão autónomas". E, nos termos do nº 2, alínea d), do mesmo artigo, para efeitos do disposto naquele nº 1, é autónoma a parte da decisão que se referir, em caso de comparticipação criminosa, a cada um dos arguidos "sem prejuízo do disposto no artigo 402°, n° 2, alíneas a) e c).[1]

"I Aquele princípio da cindibilidade funciona sempre que se verifique a condição estabelecida na parte final do citado nº 1, ou seja, sempre que "a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas".[2]

Dispõe o artigo 402°, n° 2, alínea a), em caso de comparticipação, o recurso interposto por um dos arguidos aproveita aos restantes, salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais. E é verdade é também que o n° 3 do citado artigo 403° determina que "a limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida".

O que significa que não pode enjeitar-se em absoluto a possibilidade de a decisão dos recursos interpostos implicarem modificação (ou até a anulação) do acórdão da 1ª instância também em relação à parte que respeita aos arguidos não recorrentes.[3]

Sucede que as normas de direito penal e de direito processual penal têm de ser interpretadas como um todo, coerente.

Quer-se com isto dizer que se não pode perder de vista o princípio orientador que impõe que se encontre sempre a solução que conceda ao arguido o direito a um tratamento mais favorável e proporcional, por forma a que a solução a encontrar em cada caso concreto, lhe assegure o exercício dos direitos legalmente previstos, e não que os restrinja inexplicavelmente.

No caso vertente, o arguido conformou-se com a decisão e dela não interpôs recurso.

Devendo as normas ser interpretadas de acordo com a redacção que lhes foi dada pelo legislador, tem de concluir-se que o que o legislador quis foi permitir que o arguido se conformasse com a decisão e dela não recorresse.

Mas quis mais! Quis ainda que nos casos em que os co-arguidos interpusessem recurso esse mesmo recurso lhes pudesse aproveitar em caso de anulação ou alteração da decisão recorrida, por forma a que esta apresentasse uma soluço proporcional e adequada ao caso concreto, julgado no seu conjunto, e não permitisse que dois arguidos, um recorrente e outro não recorrente acabassem com tratamento muito diverso, sendo comparticipantes do mesmo ilícito, apenas pelo facto de um deles se ter conformado e não ter apresentado recurso.

Ora, sendo este o desiderato do legislador não pode, depois, por razões de ordem meramente processual e formal, restringir e entender a não interposição de recurso por banda do arguido que se conformou com a decisão contra ele proferida de forma a tomar a sua situação ainda mais gravosa, obrigando-o a esperar pelo transito final da decisão para entrar em cumprimento de pena, impedindo que quanto a ele, a execução da pena se processe normalmente.

Não pode querer convencer-se a pessoa da bondade de uma determinada decisão e, uma vez convencida, dizer-se-lhe " a decisão pode não ser tão boa assim; na dúvida, ficas à espera", prejudicando-a no normal processamento do seu cumprimento de pena. Aqui chegados, fácil se toma concluir que só caso a caso, face à fundamentação do recurso apresentado pelos comparticipastes, se pode concluir se o recurso impede, ou lido, a formação de caso julgado, ainda que sob condição resolutiva, em relação ao arguido não recorrente. De outra forma, o efeito extensivo do recurso consagrado naquelas normas traduzir-se-ia num agravamento da situação do arguido não recorrente.

Nada obsta, por isso, a que se considere já transitada em julgado - porque insusceptível de recurso ordinário e desde o momento em que isso se verificou - a parte do acórdão que respeita ao arguido não recorrente.

O facto de a decisão poder vir a ser anulada como consequência de decisão a proferir por força de recurso interposto pelos co-arguidos não deve funcionar, em abstracto, como condição impeditiva da atribuição desse efeito ao facto de este arguido não ter interposto recurso, antes se ter conformado com a decisão, mas deve funcionar antes como uma "uma verdadeira condição resolutiva do caso julgado parcial" que não prejudica a sua formação e a exequibilidade decisão desde o respectivo transito.[4]

Neste sentido, escreveu-se no sumário do Acórdão do STJ de 07-07-2005, proc. 05P2546 (disponível em www.dgsi.pt) que:

"1 - A medida coactiva de prisão preventiva extingue-se, entre outros casos, com o trânsito em julgado da sentença condenatória (art.º 214.º, n.º 1, al. e), do CPP) , sendo que, como dispõe o artigo 677.º do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do art.º 4.º do CPP, a decisão se considera passada ou transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação nos termos dos artigos 668.º e 669.º.

2 - Assim, para o requerente, a decisão condenatória transitou em julgado, pois dela não interpôs recurso ordinário nem deduziu qualquer reclamação.

3 - Desde que o interessado não recorra da sentença, esta adquire a força de caso julgado parcial (em relação a ele), sem prejuízo de se vir a verificar uma condição resolutiva por procedência de recurso interposto por comparticipante e, ainda aí, sem violação da proibição de reformatio in pejus (cfr. art.º 409.º do CPP).

4 - O requerente está, assim, em cumprimento de pena e não em prisão preventiva."

Veja-se ainda o douto Acórdão do STJ de 27-09-2007, proc. 07P3509 (disponível em www.dgsi.pt) onde se decidiu que:

"V- Vem sendo jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal que em casos de comparticipação, e tendo em conta entre o mais o disposto na al. d) do n.º 2 do art. 403.º forma-se caso julgado parcial em relação aos arguidos não recorrentes; estes passam a cumprir pena, sem prejuízo do recurso interposto por qualquer dos comparticipantes lhes poder aproveitar - Acs. de 07-07-05, 08-03-06, 07-06-06 e de 07-02-07, respectivamente nos Procs. n.ºs 2546/05 - 5.ª, 886/06 - 3.ª, 2184/06 - 3.ª e 463/07 - 3.ª.

VI - Daí se falar, em relação a eles, de caso julgado sob condição resolutiva, a partir da disciplina do art. 403.º - cf Cunha Rodrigues, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, pág. 388, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 335, e Simas Santos/Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, pág. 73.

VII - Tendo o arguido visto confirmada a sua condenação pelo Tribunal da Relação e não tendo interposto recurso, a mesma, quanto a si, transitou em julgado, encontrando-se em cumprimento de pena (arts. 677.º a 669.º do CPC, ex vi art. 4.º do CPP).

VIII - Ora, não se encontrando em prisão preventiva, falece o primeiro pressuposto da providência de habeas corpus, que assim é indeferida."

Concluiu-se, pois, que o recurso interposto pelo co-arguido A...  é autónomo, sem prejuízo de, caso venha a ser julgado procedente, poder beneficiar também a situação do co-arguido e não recorrente B… . No entanto, o efeito extensivo do recurso não impede a formação de caso julgado relativamente ao aqui arguido. É uma verdadeira "condi­ção resolutiva" do caso julgado parcial que não prejudica a sua formação.[5]

Resulta do explanado que o despacho de 13.07.2011 posto em causa não se encontra ferido de qualquer nulidade, não devendo ser revogado, nem tudo o mais processado, e consequentemente, mantém-se o despacho proferido.

Deste modo, fica prejudicada a questão de aferir a eventual aplicação da medida de coacção de apresentações periódicas proposta pelo arguido.

Face ao exposto, indefere-se o requerido pelo arguido B… .

Notifique.


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III. Apreciação do Recurso

Como é sabido, o âmbito do recurso delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1 e nº 2 do Código de Processo Penal).  

A questão em apreço restringe-se a saber se interposto recurso por co-arguido a decisão condenatória apenas transita em julgado em relação a todos os arguidos quando transitar em julgado relativamente ao recorrente, em casos de comparticipação, sendo ilegal a prisão que entretanto seja ordenada para cumprimento da pena.

E a questão proposta apenas tem pertinência neste momento em que o recurso do co-arguido já se encontra decidido com trânsito em julgado porque, ainda assim, importa apreciar a legalidade da prisão do ora recorrente em momento anterior.

            O despacho recorrido encontra-se exaustivamente fundamentado no sentido de que ocorreu trânsito em julgado da decisão condenatória em relação ao recorrente e com citação da mais pertinente e fundamentada jurisprudência do STJ que, saliente-se, foi proferida no âmbito de providências de Habeas Corpus.

            E contra o entendimento vertido no despacho recorrido e nas citadas decisões do STJ nada de substancial o recorrente alega que o possa contrariar.

Ainda assim repita-se que nos termos dos artigos 677º a 699º do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal, a sentença transita em julgado quando não for susceptível de recurso ou reclamação. Do que decorre que a sentença condenatória em relação ao arguido ora recorrente transitou em julgado depois de rejeitado o recurso que interpôs para esta Relação.

E o disposto no artigo 403º, nº 2 do Código de Processo Penal não constitui excepção a esta regra pelas razões bem alinhadas no despacho recorrido e nos referidos Acórdão do STJ que nos dispensamos de reproduzir novamente.

Já não nos dispensamos de salientar que o recorrente por outro lado escamoteia que a sua condenação não diz respeito apenas a crimes cometidos em co-autoria com o co-arguido cujo recurso ainda estava pendente quando preso para cumprimento de pena.

Na verdade apenas um dos seis crimes por que foi condenado foi cometido em co-autoria. E que razões legais impediriam a formação de caso julgado parcial em relação aos cinco crimes não cometidos em co-autoria com o co-arguido?

Não equaciona sequer o recorrente tal questão e neste caso mais dificilmente se poderia entrever que o recurso do co-arguido pudesse ter qualquer efeito modificativo da decisão, nos termos do artigo 403º, nº 3 do Código de Processo Penal.

Ou seja, ainda que o entendimento do recorrente pudesse ser acolhido quanto aos factos praticados em co-autoria, sempre teria ocorrido trânsito parcial em relação aos factos não praticados em co-autoria.

Em suma, em nenhuma circunstância ofereceria qualquer dúvida que a prisão do arguido para cumprimento da pena foi desde o início legal, não sendo nulo o despacho que a decretou.


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            IV. Decisão

Nestes termos decide-se negar provimento ao recurso interposto, mantendo a douta decisão recorrida.

Condena-se o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça devida em 4 unidades de conta.


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Maria Pilar Pereira de Oliveira (Relatora)
José Eduardo Fernando Martins


[1] Seguimos de perto, neste despacho, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02.12.2004, proc. 7105/2004-9, publicado no www.dgsi.pt.com o qual concordamos inteiramente.
[2] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/11/89, publicado no B.M.J. n° 391, pág. 430.
[3] Vide acórdão da Relação de Lisboa, 15 de Julho de 2004, relatado pelo Desembargador Martins Simão.

[4] Cunha Rodrigues, Jornadas de Direito Processual Penal, Centro de Estudos Judiciários, pág. 388


[5] Vide Ac. da Relação do Porto de 14-09-2011, Proc. 636/08.1TAVRI.P2, disponível em www.dgsi.pt