Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
877/11.4TBSCD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
COMPENSAÇÃO
REQUISITOS
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
Data do Acordão: 09/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU, VISEU, INSTÂNCIA CENTRAL – SECÇÃO DE EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 847º DO CC E 816º DO CPC (ACTUAL ART.731º DO NCPC)
Sumário: 1. A compensação apenas pode operar se o crédito for judicialmente exigível.

2. A obrigação é judicialmente exigível quando o credor puder exigir o seu cumprimento imediato, através de uma acção executiva (se já estiver munido de título executivo) ou (não estando dele munido) através de uma acção declarativa tendente a obter uma sentença que, reconhecendo a existência da obrigação e a sua exigibilidade judicial, condene o devedor ao seu imediato cumprimento.

3. A oposição/embargos à execução, assume o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia e constitui a petição de uma acção declarativa.

4. Sendo a compensação um facto extintivo (total ou parcial) da obrigação, pode, pois, a mesma, ser invocada como fundamento de oposição a execução que não se fundamente em sentença, devendo nela ser apreciado e reconhecido a existência, validade e exigibilidade do crédito que se pretende compensar.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa que lhe move A..., veio a Executada “B... , Lda.” deduzir oposição à execução, peticionando sua procedência, por provada, julgando-se extinta a instância executiva.

Alegou, para o efeito e em síntese, que “em face da auditora realizada pelo ROC da executada, e após consulta online da situação tributária do exequente, pode concluir-se que aquele se encontrava em regime de cessação para efeitos de IVA desde 2001, sendo certo que todas as transacções comerciais realizadas entre o exequente e a executada haviam sido pagas acrescidas de IVA, o que no rigor da fiscalidade significava que o exequente em todas as transacções havidas com o executado reteve indevidamente tais verbas, em clara conduta ilícita e (…) impedindo a executada, por aplicação do disposto no nº 4 do artigo 19º do CIVA de deduzir os valores correspondentes ao IVA pago e não entregue ao Estado.”

Mais invocou que, “por força da aplicação do disposto na Lei 55º-B/2004, de 30 de Dezembro a executada se tornou solidariamente responsável pelo pagamento do imposto que fosse devido por tais transacções”.

Alegou também que “em face da detecção de tal irregularidade foi aquela de imediato comunicada ao exequente (…) com a cominação de que a tal não ser efectuado seria a executada quem regularizaria a situação perante o Fisco, com o exercício inerente do respectivo direito de retenção para compensação de créditos, tendo sido dado prazo para tal”; não tendo o “exequente respondido (…) foi a executada obrigada a apurar os montantes totais devidos a título de IVA pago ao Exequente e não entregue ao Estado pela totalidade das transacções realizadas”; deste modo, verificando-se “a compensação de créditos”, a Exequente apresentou a “Declaração de IVA em causa e reportou especificamente e em concreto ao débito fiscal do exequente, (…) pelo que nada deve àquele por via do cumprimento em sub-rogação das obrigações fiscais que por aquele eram devidas.”

Sustentou, assim, a Oponente ter actuado sempre no “estrito cumprimento da lei”, sendo do conhecimento do exequente “quer quando apresentou o cheque a pagamento, quer quando propôs a presente execução, que sobre a dívida peticionada incidia uma válida e legitima excepção de não cumprimento, já por via do exercício do direito de retenção, já por via dos requisitos da compensação de créditos”.

A Oponente propugna, por fim, o entendimento de que “a instauração da presente execução raia a litigância de má-fé” por parte do Exequente, peticionando a condenação desta em multa.

Regularmente notificado, veio o Exequente contestar a presente oposição à execução, pugnando pela sua improcedência por não provada e peticionando a condenação da Oponente como litigante de má-fé, com a consequente condenação da mesma a pagar ao Exequente a quantia de 3.000,00€ a título de indemnização.

Para tanto, o Exequente impugnou os factos trazidos pela Executada/Oponente, afirmando ter esta como único propósito confundir o Tribunal.

Por requerimento entrado a juízo a 8 de Fevereiro de 2013, veio a Oponente responder ao pedido de condenação da Oponente como litigante de má-fé, pugnando pela improcedência do mesmo.

Foi proferido despacho saneador tabelar, com dispensa da selecção da matéria de facto provada e não provada, com fundamento na sua “manifesta simplicidade”.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 211 a 240, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte:

“Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julgo a presente oposição à execução totalmente procedente por provada e, em consequência;

a) Determino a extinção da instância executiva a que os presentes autos correm por apenso e o consequente levantamento das penhoras realizadas nos autos.

b) Condeno o Exequente A... como litigante de má-fé, em multa que se fixa em 4 (quatro) UC.

c) Condeno o Exequente nas custas da presente oposição à execução.”.

Inconformado com a mesma, interpôs recurso o exequente/embargado, A... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 289), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

A) Conforme resulta dos artigos 1.º a 11.º do presente recurso, não restam dúvidas que o foi Exequente que juntou o único documento autêntico com força probatória plena, o qual diz o contrário da restante prova apresentada pela Executada, com base no regime probatório vigente impõem-se, com o devido respeito por opinião contrária, que o Venerado tribunal da Relação de Coimbra modifique a matéria de facto dada como provada e altere a douta decisão (art.º 662.º do CPC).. Já que estamos perante uma questão de direito onde um documento autêntico tem um valor probatório de força plena sendo superior à prova testemunhal e restante documentação particular apresentada pela Executada, forçoso será de concluir que a 1.ª Instância incorreu em erro na apreciação das provas, o qual é legitimador da respectiva correcção pelo Venerado Tribunal da relação de Coimbra.  Logo, entende o Apelante, com o devido respeito, que a douta sentença violou as normas constantes dos artigos 362.º a 396.º do CC. Até porque, a não ser assim encontra-se descoberto o meio de não liquidar, por parte das grandes empresas, as facturas dos seus fornecedores, basta apresentar uma declaração de IVA preenchida no campo 41 e imputar esse valor a qualquer seu fornecedor. Pelo que deve ser dado unicamente como provado que nos anos 2006 e seguintes não entrou qualquer valor numerário em nome do Exequente, com a consequente alteração da douta decisão por outra que ordene o prosseguimento da execução.

B) Dos artigos 12.º a 22.º do presente recurso, verifica-se que nunca poderia verificar-se a excepção de compensação de créditos em virtude de não se encontrarem reunidos os requisitos substantivos e processuais da referida compensação de créditos, deste modo a excepção supra referida e alegada pela Executada terá, necessariamente, que improceder, conforme resulta da jurisprudência dos Tribunais superiores, neste sentido o Acórdão do Venerado Tribunal da Relação de Lisboa n.º 3342/11.6YYLSB-D.L1-6, datado de 15-11-2012, o Acórdão do Venerado Tribunal da Relação do Porto de 03 de Novembro de 2010  e o Acórdão do Venerado Tribunal da Relação de Guimarães de 10 de Janeiro de 2012 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).

C)  Relativamente a parte fiscal da douta sentença e como resulta dos artigos 23.º a 34.º do presente recurso, verifica-se a excepção de incompetência material do Tribunal de Santa Comba Dão, bem como se verifica que a matéria de facto dada como provada não é passível de o ser, por clara violação regime probatório vigente, impõem-se, com o devido respeito por opinião contrária, que o Venerado tribunal da Relação de Coimbra modifique a matéria de facto dada como provada e altere a douta decisão (art.º 662.º do CPC).. Já que estamos perante uma questão de direito onde um documento autêntico tem um valor probatório de força plena sendo superior à prova testemunhal e restante documentação particular, forçoso será de concluir que a 1.ª Instância incorreu em erro na apreciação das provas, o qual é legitimador da respectiva correcção pelo Venerado Tribunal da relação de Coimbra. Bem como uma correcta aplicação do direito vigente à data dos factos, o qual impunha que a Mm.ª Juíza “a quo” proferisse sentença a ordenar o prosseguimento da execução.

D) Por último entende-se que o Exequente agiu no uso de um direito que lhe assiste, nomeadamente obter o pagamento de um fornecimento de bens que entregou a Executada, o qual nunca lhe foi efectuado e permanece nos cofres da Executada, cfr. refere a testemunha apresentada pela executada, o Sr. Dr. C... , ROC da Executada, que reafirma que a executada não entregou o valor à AT, bem como a Executada aguarda a notificação da AT para regularizar a situação, ou seja que a executada seja chamada a pagar o IVA ao Estado, como se conclui no depoimento prestado no dia 31-01-2013, pelo Sr. Dr. C... em sede de Audiência e Julgamento, o qual consta no ficheiro áudio 20130130102024_43978_65084.wma, depoimento com início na rotação 00:01 e fim 52:59, nomeadamente nas passagens seguintes:

Início às 19:10 até às 20:30; 20:50 a 21:40; 31:40 a 32:12; 35:00 a 35:38 e 45:20 a 46:50.

Pelo que, também, nesta parte deve ser alterada a douta sentença, não procedendo o instituto de abuso de direito nem a condenação do Exequente como Litigante de Má-fé.

Até porque ao Exequente assiste-lhe o direito de saber onde se encontra o seu dinheiro, obter prova plena da sua existência e destino, e não como até aqui, e como resulta da presente sentença e documentação que lhe serviu de base, a Executada com base em documentos particulares esconde a verdade, neste capítulo andou mal o douto Tribunal de Santa Comba Dão, ao não exigir a Executada prova plena do direito que se arroga.

Pelo exposto, sugere-se ao Venerado Tribunal da Relação de Coimbra que no âmbito dos seus poderes, nomeadamente al. b), do n.º 2, do art.º 662.º do CPC, que notifique a Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido de indicar, por meio de certidão fiscal, se a Executada entregou a AT os valores que se arroga, em caso afirmativo se os mesmos foram imputados ao aqui apelante e consequentemente abatidos à sua dívida fiscal, descriminando-se de forma clara esse abatimento.

Termina, peticionando a procedência do seu recurso, alterando-se a matéria de facto em conformidade e se revogue a sentença recorrida, substituindo-a por outra que ordene o prosseguimento da execução.

Contra-alegando, a executada/embargante, pugna pela manutenção da decisão recorrida, defendendo que a prova foi devidamente apreciada, pelo que, em consequência não deve ser alterada a matéria de facto dada como provada e não provada e ter sido correctamente aplicada a lei atinente.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigo 635, n.º 4 e 639.º, n.º1, do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

            A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, devendo dar-se como provado que o exequente, à data dos factos, tinha actividade aberta, apenas a tendo cessado em 31/12/2006;

B. Se não pode operar a compensação de créditos, em virtude de não se verificarem os respectivos requisitos;

C. Se o exequente não actuou em abuso de direito e;

D. Nem litigou de má fé.

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1. Nos autos principais de execução, em que figura como Exequente A... e como Executada “ B... , Lda.” aquele deu à execução o cheque junto ao requerimento executivo, com o número 8964476290, com data e local de emissão, respectivamente, 12 de Julho de 2006 e Mortágua, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, e onde designadamente se lê, no seu rosto, no seguimento da menção impressa “Pague por este cheque”, a menção manuscrita “11.795,12€ (…) onze mil setecentos e noventa euros e doze cêntimos”, no seguimento da menção impressa “Assinatura”, a aposição do carimbo da Executada “ B... , Lda.” seguida da menção manuscrita “E... (…)”, seguida da menção impressa “ A... ” e, no seu verso, a seguintes menções impressas “DEVOLVIDO NA COMPENSAÇÃO EM LISBOA; 14 JUL. 2006”.

2. Mercê das relações estabelecidas entre o Exequente e a Executada no âmbito das respectivas actividades profissionais, o Exequente forneceu à Executada madeira de eucalipto no valor de 72.355,98€, acrescido de IVA no montante de 15.194,76€ (quantia global de 85.550,74€), tendo a Executada entregue à Exequente a quantia de 62.607,95€ acrescida de IVA no montante de 13.147,67€ (quantia global de 77.802,71€).

3. No ano de 2006 a Executada deduziu a totalidade do IVA referido em 2., no montante de 15.194,76€.

4. Em Julho de 2006, o Revisor Oficial de Contas que presta funções para a Executada realizou uma consulta no portal electrónico da Autoridade Tributária e Aduaneira, da qual resultou que o Exequente se encontrava em regime de cessação para efeitos de IVA desde 31 de Dezembro de 2001.

5. Mercê do referido em 4., em Julho de 2006, a Executada regularizou a favor do Estado (na conta 2434231) a totalidade do IVA deduzido referido em 3.

6. A actividade de silvicultura e exploração florestal desenvolvida pelo Exequente foi cessada oficiosamente para efeitos de IVA em 31 de Dezembro de 2001, tendo sido reiniciada oficiosamente em 9 de Maio de 2008 à data de 1 de Janeiro de 2003 e até à data de 31 de Dezembro de 2006.

7. A Executada enviou ao Exequente carta datada de 27 de Setembro de 2006, subordinada ao assunto “regularização de situação tributária”, junta a fls. 18 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida e na qual se lê designadamente,

“Na sequência da nossa carta datada de 17 de Julho de 2006 somos a informar que o nosso departamento de contabilidade regularizou o IVA a favor do Estado de todas as factura emitidas por V/Exas, conforme resulta do nº4 do artigo 19º do Código do Imposto sobre Valor Acrescentado (CIVA). (…)

Face ao exposto somos a informar que V/Exa, é devedor para com a B... , Lda., em 3.399,64€ (…)

Ficamos a aguardar que no prazo de 8 dias proceda à regularização da dívida acima indicada.”

*

B) Factos Não Provados

Com interesse para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos, para além dos que supra se descreveram.

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, devendo dar-se como provado que o exequente, à data dos factos, tinha actividade aberta, apenas a tendo cessado em 31/12/2006.

Alega o ora recorrente que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao não dar como provado que, o mesmo, à data dos factos, tinha actividade aberta, apenas a tendo cessado em 31 de Dezembro de 2006, estribando-se, para tal, no depoimento da testemunha C... e no teor da certidão de fl.s 109, por si junta que considera ser “o único documento autêntico com força probatória plena”, que demonstra tal factualidade e que não foi tido em conta pelo Tribunal a quo.

            Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf. Acórdão do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s e de 30/05/2013, Processo 253/05.7.TBBRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 662.º, do NCPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).

Vejamos, então, a resposta posta em causa pelo ora recorrente, nas respectivas alegações de recurso.

Se dever dar-se como provado que o exequente, à data dos factos, tinha actividade aberta, apenas a tendo cessado em 31 de Dezembro de 2006.

Como consta de fl.s 214 e 215 a 407, na sentença recorrida não se considerou provado que em Julho de 2006, o exequente tivesse aberta, para efeitos fiscais, a actividade de exploração florestal por ele exercida e, ao invés, demonstrou-se que o mesmo se encontrava em regime de cessação para efeitos de IVA, desde 31 de Dezembro de 2001, a qual foi reiniciada oficiosamente para efeitos de IVA em 09 de Maio de 2008, à data de 01 de Janeiro de 2003 e até à data de 31 de Dezembro de 2006 (cf. itens 4 e 6 dos factos provados).

 

É a seguinte a respectiva motivação (cf. fl.s 215 a 218):

“Para formar a sua convicção o Tribunal analisou criticamente a globalidade da prova produzida, designadamente os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência final e o teor dos documentos juntos aos autos, meios de prova que foram todos conjugados, confrontados e entrecruzados entre si – à luz das regras da experiência comum - buscando-se os seus pontos de concludência, coerência e de consistência.

a) Prova Testemunhal

A Oponente arrolou as seguintes testemunhas:

C... , casado, Revisor Oficial de Contas da Executada desde 1955 e que declarou não conhecer pessoalmente o Exequente, apenas conhecendo o seu nome em virtude do exercício das suas funções;

D... , solteira, Técnica Oficial de Contas da Executada desde 1996 e que declarou não conhecer pessoalmente o Exequente, apenas conhecendo o seu nome em virtude do exercício das suas funções.

b) Prova Documental junta ao processo, nomeadamente os documentos juntos aos autos com os articulados, em sede de requerimentos probatórios e juntos em sede de audiência e julgamento (10 a 18, 54, 55, 66 a 81, 88 a 93, 94 a 98, 101 a 106, fls. 109, 133 a 134, 136, 139, 141, 143, 158 e 159, 162 a 198).

Concretizando, para prova dos factos enunciados em 1., o Tribunal louvou-se no documento (título executivo) junto aos autos principais com o requerimento executivo.

No que concerne aos factos vertidos em 2. a 7., o Tribunal louvou-se no teor dos documentos de fls. 10 a 18, 54, 55, 66 a 81, 88 a 93, 94 a 98, 101 a 106, fls. 109, 133 a 134, 136, 139, 141, 143, 158 e 159, 162 a 198, conjugados com os depoimentos das duas testemunhas ouvidas em sede de audiência final; importando notar que no que concerne à entrega da quantia referidas em 2. por parte da Executada ao Exequente, tratam-se de factos assentes por acordo das partes (cfr. fls. 113 dos autos) e que não foram, de resto, afastados por prova posterior, antes tendo sido corroborado pela demais prova produzida nos autos (mormente pelos depoimentos das duas testemunhas ouvidas em sede de audiência final e pelos documentos juntos aos autos a fls. 162 a 198.

Ora, no que respeita aos factos vertidos em 2. a 7. importa desde logo atentar ao depoimento de C... e de D... , já que os referidos depoimentos, atenta a forma assertiva, disponível e espontânea com as duas testemunhas depuseram, assumiram particular importância no processo valorativo de prova e formação da convicção do Tribunal.

Com efeito, C... e D... relataram de forma similar os factos em apreço, descrevendo de forma concretizada a dinâmica comercial da Exequente e os respectivos procedimentos contabilísticos, fazendo-o com impressiva assertividade e rigor técnico; explicando e contextualizando, designadamente, no âmbito das respectivas actividades profissionais e em respeito pelas respectivas normas estatutárias e deontológicas, os procedimentos adoptados pela Executada na sequência da consulta referida em 4. feita por C... , na qualidade de ROC - não havendo, de resto, no que aos factos vertidos em 4. diz respeito, qualquer contradição entre o relato feito pelas testemunhas e a data constante do print da referida consulta junto aos autos a fls. 12 [25 de Setembro de 2006], na medida em que, como explicou D... (de forma verdadeiramente espontânea) à data da 1ª consulta não foi feito qualquer print por não se antever “que fosse haver problemas”, apenas tendo sido impresso o resultado da consulta, posteriormente, em Setembro de 2006, em face da ausência de resposta do Exequente às cartas a ele remetidas pela Executada/Oponente, cujas cópias se encontram juntas aos autos e cujo envio ao Exequente foi confirmado, de forma peremptória, pela testemunha).

Na verdade, tanto C... como, sobretudo, D... foram ouvidos em sede de audiência final por um largo período de tempo, respondendo sempre de forma muito disponível e absolutamente coerente às perguntas que lhes foram sendo feitas quer por qualquer um dos Ilustres Mandatários, quer pelo Tribunal, mantendo de forma inabalável a mesma versão dos factos nos diversos momentos dos seus depoimentos.

Ademais, ainda no que à prova testemunhal diz respeito, não pode o Tribunal deixar de realçar a disponibilidade manifestada pela testemunha D... que se deslocou ao Tribunal para ser ouvida pelo Tribunal em diversas sessões (por forma a ser confrontada com documentos juntos durante o decurso da audiência final), sendo que nem mesmo a circunstância de na 1ª sessão a testemunha em apreço se encontrar visivelmente engripada foi de modo a coarctar a firmeza que, como supra referido, pautou todo o depoimento desta testemunha.

Acresce que, os depoimentos de C... como, sobretudo, D... encontram-se corroborados integralmente pelos documentos de fls. 10 a 18, 66 a 81, 88 a 93, 94 a 98, 101 a 106, e sobretudo pelos documentos de fls. 133 a 134, 136, 141, 143 e pelos documentos de fls. 162 a 198.

Com efeito, no que concerne aos documentos de fls. 133 a 134, 136, 141, 143 - cuja junção foi determinada pelo Tribunal - resulta da leitura conjugada dos mesmos (sem qualquer margem para dúvida), que, para efeitos de IVA, a actividade exercida pelo Exequente de silvicultura e exploração florestal foi cessada em 31 de Dezembro de 2001, tendo sido reiniciada oficiosamente em 9 de Maio de 2008 à data de 1 de Janeiro de 2003 e até à data de 31 de Dezembro de 2006, por terem sido declarados, no ano de 2008, rendimentos pagos ao Exequente por “entidades pagadoras”, nos anos de 2003 e 2006 (o que determinou o reinicio oficioso); não se “reflectindo a informação cadastral em 2006” na medida em que “o reinicio oficioso foi feito a 2008.05.09, à data de 2003.01.01”, com cessação oficiosamente determinada à data de 2006.12.31.”

Verifica-se, pois, em face das informações prestadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira supra referidas, que a informação constante da certidão junta aos autos pela Exequente a fls. 109 não se mostra completa, apenas referindo o inicio e a cessação de actividade pelo Exequente nas já referidas datas de 1 de Janeiro de 2003 e de 31 de Dezembro de 2006, respectivamente, e não esclarecendo, portanto, que tanto o reinicio como a cessação da actividade referidos foram determinados oficiosamente, nem tampouco fazendo referência à data em que tal determinação teve lugar. Trata-se, pois, de uma informação incompleta, que não pode, consequentemente, ser analisada separadamente, devendo antes ser analisada conjuntamente com as demais informações juntas aos autos pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Já que tange aos documentos de fls. 162 a 198 (informação detalhada da Autoridade Tributária e Aduaneira e respectivo suporte documental), que tais documentos traduzem de forma absolutamente coincidente a versão dos factos relatada pelas testemunhas C... e D... , não subsistindo qualquer incerteza quanto às concretas quantias deduzidas pela Executada/Oponente a título de IVA entregue ao Exequente no âmbito das transacções estabelecidas entre este e a Executada e quanto à posterior devolução pela Executada da totalidade do montante que havia deduzido pela mesma a título de IVA entregue ao Exequente, regularizando, assim, a sua situação junto do Estado.

Diga-se, por fim, que o teor do documento de fls. 139, 158 e 159 (nos termos do qual não foi feito qualquer pagamento no âmbito dos processos de execução fiscal que corram contra o Exequente) em nada contende com os factos vertidos em 4. e 5., na medida em que, ao contrário do que parece ser o entendimento do Exequente, na presente oposição à execução não está em causa qualquer pagamento feito pela Executada no âmbito dos processos de execução fiscal que possam correr contra o Exequente (informação que foi, de resto, confirmada pela testemunha D... a instâncias do Ilustre Mandatário do Exequente) nunca tal tendo sido invocado pela Executada/Oponente.”.

Vejamos, então, se do depoimento invocado pelo recorrente, e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que a factualidade supra mencionada seja modificada ou alterada.

Ora, ouvidos, na íntegra, o depoimento prestado pela testemunha C... , que desempenha as funções de ROC da executada, desde há cerca de 8 anos, causa, resulta que o mesmo, de relevante e no essencial, referiu o que a M.ma Juiz a quo fez constar da fundamentação da matéria de facto, que acima se reproduziu.

Ressalta deste depoimento que, na sequência de informação colhida através do Portal das Finanças, efectuada pela testemunha em causa, o exequente não se encontrava colectado, em Julho de 2006, para a actividade que exercia, do que resultou que a executada não podia deduzir o IVA pago, em face do que esta enviou uma carta ao exequente dando conta disso e para que solucionasse a questão.

Reiterou que a executada, quando se apercebeu da situação, por iniciativa própria, procedeu à regularização do IVA deduzido, relativamente às facturas do exequente, perante a Administração Fiscal.

Por sua vez, a testemunha D... , TOC da executada, desde 1996, corroborou o depoimento da anterior testemunha, referindo que o exequente “não estava regular nas Finanças” e quando se aperceberam disso, logo em Julho de 2006, lhe enviaram uma carta a dar conta disso e para que resolvesse a situação.

Por consulta ao sítio das Finanças, efectuada em Julho de 2006, constataram que o exequente estava com a “actividade cessada”, razão pela qual não foi pago o cheque exequendo, porque a executada não podia deduzir o IVA correspondente e quis “salvaguardar a sua situação”, uma vez que detectada a situação irregular do exequente, teve que regularizar a situação perante o Estado, devolvendo as quantias correspondentes ao IVA deduzido relativo à facturação do exequente.

Analisados estes depoimentos e tal como já fez notar a M.ma Juiz a quo, os mesmos foram claros e consistentes, no que concerne à questão da irregularidade da situação contributiva do exequente, designadamente que o mesmo, em Julho de 2006, se encontrava com a “actividade cessada” para efeitos fiscais, o que o impedia de cobrar IVA, uma vez que, como consequência da sua situação fiscal/contributiva, não o entregaria ao Estado.

Ambas as testemunhas inquiridas explicaram, justificadamente, o modo como através da consulta do sítio das Finanças, verificaram que assim sucedia e o modo como a executada resolveu a situação, repondo/regularizando o IVA deduzido, perante a Administração Fiscal.

E o que foi referido por estas testemunhas encontra-se ampla e cabalmente demonstrado pelos documentos emitidos pela Administração Fiscal, designadamente os constantes de fl.s 133 e 134, 136 e 141 e 143, onde se encontram explicitados os períodos em que o exequente se encontrava ou não com a actividade cessada, por referência às respectivas datas, correspondendo as “reaberturas oficiosas” não a uma declaração nesse sentido do contribuinte mas porque foram detectados pagamentos ao exequente, nos anos de 2000 e 2006 efectuados por terceiros, nos anos em causa, não obstante o mesmo se encontrar com a actividade cessada, que motivaram que a Administração Fiscal os levasse em conta para efectuar as tais “reaberturas oficiosas” neles constantes, como se refere no doc. de fl.s 141(informação emitida pelo Serviço de Finanças de Lourinhã).

O que é reiterado nos doc.s de fl.s133 e 134, emitidos pelo mesmo Serviço de Finanças, onde se especificam todas as datas relativas à cessação e reaberturas oficiosas da actividade do exequente, para efeitos fiscais.

Por último, a relevar o doc. de fl.s 162 e seg.s (Informação prestada pela Direcção de Finanças de Viseu, Divisão de Inspecção Tributária II), onde se confirma que a executada, no ano de 2006, deduziu IVA no montante de 15.194,76 €, respeitante a IVA mencionado em documentos emitidos pelo exequente e especificando-se todas as facturas correspondentes e as concretas transacções que as suportam, que a executada veio a regularizar, no mês de Julho de 2006, através da conta 2434231 – (Regularizações de IVA a favor do Estado).

Analisando todos estes elementos probatórios – com especial relevo para os documentos/informações emitidos/prestadas pela Administração Fiscal, é mister concluir que o exequente, em Julho de 2006, não se encontrava “colectado” nas Finanças para o exercício da actividade que levava a cabo.

Ao invés, como resulta do exposto, demonstrou-se o contrário, daí o acerto da fixação da matéria dada como provada nos respectivos itens 4 a 6, não se podendo dar como provado, como pretende o exequente, que, nesse período, se encontrava com a “actividade aberta”, para efeitos fiscais, designadamente de cobrança de IVA.

Pelo que, tem de improceder esta questão do recurso, mantendo-se a matéria de facto dada como provada e não provada, tal como fixada na sentença recorrida.

            B. Se não pode operar a compensação de créditos, em virtude de não se verificarem os respectivos requisitos.

            No que a esta questão concerne, alega o recorrente que não se verificam os pressupostos para que possa operar a compensação, designadamente porque “a compensação apenas pode abranger a dívida do declarante (e não a de terceiro) e apenas pode operar mediante a utilização de créditos que sejam do próprio declarante (e não créditos alheios” e ainda porque se “pretende operar a compensação de créditos com base numa obrigação indemnizatória”.           

            Ao invés, na sentença recorrida, considerou-se estarem verificados todos os requisitos exigidos para a compensação.

            Nos termos do disposto no artigo 847.º, n.º 1, do CC:

“Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:

a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória de direito material;

b)Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.”.

            Acrescenta-se no artigo 848.º, n.º 1, que a compensação se torna efectiva mediante declaração de uma das partes à outra.

            Por outro lado e porque estamos em presença de uma execução que não se fundamenta em sentença judicial, nos termos do artigo 816.º do CPC (actual artigo 731.º do NCPC), além dos fundamentos especificados no artigo 814.º do CPC (actual 729.º do NCPC), na parte em que sejam, aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração.

            Ora, constituindo, como constitui, a compensação um facto extintivo (total ou parcial) da obrigação, pode, pois, a mesma, ser invocada como fundamento de oposição a execução que não se fundamente (como acontece no caso sub judice) em sentença.

            Posto isto, vejamos, então, se se verificam ou não, os indicados pressupostos para que possa operar a compensação.

            Quanto a nós, a resposta a esta questão terá de ser positiva.

            No que toca ao primeiro de tais requisitos invocados pelo recorrente: que se trata de dívida de terceiro, não se vislumbra a razão de tal alegação.

            Efectivamente, nos termos do artigo 851,º do CPC, exige-se a reciprocidade de créditos, ao referir-se que a compensação apenas pode abranger a dívida do declarante, e não a de terceiro e que o declarante só pode utilizar para a compensação créditos que sejam seus, e não créditos alheios.

            Do disposto neste artigo tão só resulta a exigência de que a compensação apenas pode operar entre pessoas que sejam reciprocamente credor e devedor, que o devedor de determinada obrigação seja, por força da mesma ou de outra relação jurídica, credor do seu credor.

            Ora, de acordo com a factualidade provada, existe reciprocidade de créditos, uma vez que a executada demonstrou a existência de um crédito sobre o exequente, que extingue a sua obrigação.

            Como refere Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, Vol. II, 4.ª Edição, Almedina, 1990, a pág. 186, com a compensação opera-se a “extinção de créditos recíprocos por encontro de contas, para evitar às partes um duplo acto de cumprimento perfeitamente dispensável.”.

            Acrescentando, a pág. 187, que verificados determinados requisitos, a lei prescinde do acordo de ambos os interessados, para admitir a extinção das dívidas compensáveis, por simples oposição de um deles ao outro.

            No que concerne à reciprocidade dos créditos (pág. 190), é essencial que o devedor seja credor do seu credor.

            Como já referido e pelas razões já explicitadas na sentença recorrida, para que se remete, a executada, nos termos do artigo 19.º n.º 4 do Código do IVA, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 47.º, n.º 2, da Lei 55-B/2004, de 30/12, viu-se impedida de deduzir o IVA que havia deduzido relativamente à facturação emitida pelo exequente, em virtude de este se encontrar, ao tempo, com a actividade cessada, para efeitos de IVA, o que, nos termos dados como provados obrigou a executada a regularizar perante a administração fiscal a quantia assim deduzida, pelo que ficou credora do exequente na quantia correspondente, o que basta para que se tenha por verificado o requisito da reciprocidade dos créditos, consagrado na 1.ª parte do artigo 847.º e 851.º do CC.

            Como refere António Menezes Cordeiro, in Da Compensação No Direito Civil E No Direito Bancário, Almedina, 2003, a pág.s 109 e 110, a reciprocidade surge como o primeiro requisito da compensação e implica que alguém tenha um crédito contra o seu credor, de tal modo que, frente a frente, fiquem créditos de sentido contrário, sendo o devedor compensante o titular do crédito activo, estando o credor compensado adstrito ao débito correspondente a esse crédito, sendo o credor compensado titular do crédito passivo e o devedor compensante está adstrito ao débito correspondente a esse crédito.

            Como vimos, assim sucede no caso em apreço, pelo que, fora de dúvidas, se tem de ter este requisito por verificado.

           

            O 2.º requisito: o da exigibilidade judicial, previsto na al. a), do n.º 1, do artigo 847.º do CC, levanta mais dificuldades e divisões jurisprudenciais.

            Neste preceito exige-se, para que possa operar a compensação, que o crédito seja exigível judicialmente e não proceda contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material.

            Como ensina Menezes Cordeiro, ob. cit., pág.s 113 a 115, a exigibilidade judicial afasta a compensação quando o crédito activo integre uma obrigação natural e implica que o crédito activo esteja vencido e quanto ao passivo, que o mesmo possa ser cumprido e que as obrigações em presença sejam válidas e eficazes, devendo o crédito activo ser válido e eficaz; que não seja produto de obrigação natural; que não esteja pendente de prazo ou de condição; que não seja detido por nenhuma excepção; que possa ser judicialmente actuado e que se possa extinguir por vontade do próprio.

            Em idênticos termos se pronuncia Antunes Varela, in ob. cit., a pág.s 194 e 195, onde refere que “Para que o devedor se possa livrar da obrigação por compensação, é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coactiva do crédito (contra crédito) que se arroga contra este.”.

            Acrescentando que, se diz “judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento e à execução do património do devedor (art. 817.º) – requisito que não se verifica nas obrigações naturais (art. 402.º), por uma razão, nem nas obrigações sob condição ou a termo, quando a condição ainda não se tenha verificado ou o prazo ainda se não tenha vencido, por outra.”.

            As divergências na interpretação deste requisito surgem no que toca à questão de saber o que deve considerar-se/entender-se por crédito judicialmente exigível.

            Efectivamente, como consta dos Acórdãos referidos quer na sentença recorrida quer nas alegações de recurso, há quem entenda que o crédito é apenas judicialmente exigível quando já está reconhecido e quando o credor está em condições de obter a sua realização coactiva, instaurando a respectiva execução e quem entenda que por força da possibilidade conferida no artigo 816.º do CPC (actual artigo 731.º do NCPC), de invocar a compensação como meio de defesa contra execução não baseada em sentença, nos mesmos termos que podiam ser invocados no processo de declaração, que a obrigação é judicialmente exigível quando o credor puder exigir o seu cumprimento imediato, através de uma acção executiva (se já estiver munido de título executivo) ou (não estando dele munido) através de uma acção declarativa tendente a obter uma sentença que, reconhecendo a existência da obrigação e a sua exigibilidade judicial, condene o devedor ao seu imediato cumprimento, como se defende, entre outros, no Acórdão da Relação do Porto, de 03/11/2010, Processo 8607/08.1YYPRT-A.P1, disponível no respectivo sítio da dgsi, em que figura como Relatora a ora 2.ª Adjunta.

            Ali se acrescenta que a exigibilidade judicial da obrigação nada tem que ver com a existência de título executivo, sendo “a obrigação judicialmente exigível se, em determinado momento, o credor tem o direito de exigir em tribunal o seu cumprimento imediato, através de acção executiva (se estiver munido de título executivo) ou através de acção declarativa (se não tiver título) onde possa obter decisão que, reconhecendo a existência e a exigibilidade da obrigação, condene o devedor ao seu cumprimento imediato … é na acção onde é deduzida a compensação que deve ser apreciada e constatada a existência e exigibilidade do crédito, por forma a concluir se tal crédito existe e se pode ou não ser invocado para efeitos de compensação.”.

            Foi o que aconteceu no caso sub judice, tendo-se apreciado e reconhecido a existência, validade e exigibilidade do crédito que se pretende compensar – sendo de salientar que, contrariamente ao invocado pelo recorrente não estamos em face de um crédito resultante de “obrigação indemnizatória” proveniente de responsabilidade civil, que exigisse o prévio reconhecimento do direito – pelo que, também, este segundo requisito se tem de ter por verificado.

            Não se desconhece, como acima já se aludiu, jurisprudência que, no caso de execução, exige para a exigibilidade do crédito que o crédito já esteja reconhecido, por o processo executivo não comportar a definição do contra-direito e atenta a natureza e especificidade do processo executivo, em confronto com a fase declarativa do processo, sob pena de se conceder o privilégio ao executado de maior facilidade de se opor a um título executivo, exigindo-se, por isso, no processo executivo que, para efeitos de compensação, o prévio reconhecimento judicial do crédito que se pretende compensar – neste sentido o Acórdão do STJ, de 02/06/2015, Processo 4852/08.8YYLSB-A.L1.S2, disponível no respectivo sítio da dgsi e onde se citam outros Acórdãos no mesmo sentido.

            Com todo o respeito que nos merece tal Alto Tribunal, não se pode deixar de referir que a oposição/embargos à execução, assume o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia e constitui a petição de uma acção declarativa – cf. Lebre de Freitas, in A Acção Executiva Depois da Reforma, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2004, pág.s 188 a 190, pelo que, pensamos, mesmo no âmbito do processo executivo ser admissível a compensação nos termos que acolhemos.

            O que mais se reforça, estamos em crer, face ao disposto no artigo 816.º do CPC (actual artigo 731.º do NCPC) em que o legislador optou pela admissibilidade, no caso de se tratar de execução não baseada em sentença, como é o caso, de serem alegados quaisquer outros fundamentos, para além dos previstos para o caso de se tratar de execução baseada em sentença, que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.

            Face ao que, entendemos, no caso, ser admissível a compensação, por estarem verificados os requisitos em apreço.

            Por último apenas de referir que não se verifica a incompetência do Tribunal a quo por se tratar de uma questão de índole fiscal.

            O que se trata é de averiguar se pode ou não operar a compensação e nada obsta a que disso se conheça, não obstante a questão se basear na possibilidade/impossibilidade de dedução do IVA, o que era lícito, em face do disposto no artigo 91.º, n.º 1, do NCPC.

Consequentemente, no que toca a esta questão, tem, igualmente, o presente recurso de improceder.

C. Se o exequente não actuou em abuso de direito.

Esta questão foi tratada na sentença recorrida apenas para a hipótese de não se considerar admissível a compensação, ali se decidindo que ainda que não resultasse provada a compensação de créditos, sempre procederia a excepção, oficiosamente conhecida, de abuso do direito do executado.

Defende este que não actuou em abuso do direito.

Em face do carácter subsidiário desta questão, tendo-se reconhecido a validade da compensação de créditos, como fundamento da procedência da oposição deduzida, despiciendo se torna a análise e conhecimento desta questão, por manifesta inutilidade.

Pelo que, face ao exposto, não se conhece desta questão.

D. Se o exequente não litigou de má fé.

Na sentença recorrida foi o recorrente condenado na multa de 4 Uc.s, por litigância de má fé, em resumo, porque o mesmo não podia deixar de conhecer a sua situação fiscal para efeitos de IVA e que, por isso sabia que não podia receber quantias a título de IVA, bem como sabia que a executada teve que regularizar a situação perante a Administração Fiscal e não obstante instaurou a execução que constitui o processo principal, o que o fez incorrer em litigância de má fé, ao abrigo do disposto no artigo 542.º, n.º 2, al.s a), b) e d), do NCPC.

O recorrente limita-se a afirmar que não actuou de má fé, “assistindo-lhe o direito de saber onde se encontra o seu dinheiro”.

Os fundamentos para a condenação do exequente como litigante de má fé encontram-se aprofundadamente desenvolvidos na sentença recorrida, para cujos termos se remete, ao abrigo do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do NCPC, por merecerem o nosso acordo, pelo que se mantém tal condenação, sendo que não constitui objecto do presente recurso o quantitativo da multa a tal título aplicada.

Consequentemente, também, quanto a esta questão improcede o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pelo apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.

            Coimbra, 22 de Setembro de 2015.

           

Arlindo Oliveira (Relator)
Emidio Francisco Santos
Catarina Gonçalves